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O Problema do Mal
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25082010
O Problema do Mal
O Problema do Mal – Palestra
Publicado em agosto 25, 2010 por Seventh Day
“Ou Deus quer abolir o mal, e não pode; ou ele pode, mas não quer; ou ele não pode e não quer. Se ele quer, mas não pode, ele é impotente. Se ele pode, e não quer, ele é cruel. Mas se Deus tanto pode quanto quer abolir o mal, como pode haver maldade no mundo?” Epicuro
A questão acima lançada pelo filósofo Epicuro é uma das versões do chamado Problema do Mal. Se Deus existe, então como o mal pode existir? Nesta palestra, dividida em 9 vídeos, o Dr. William Lane Craig responde a esse interessante problema.
Para assistir os vídeos no clique sobre os links abaixo:
Parte 01 / Parte 02 / Parte 03 / Parte 04 / Parte 05 / Parte 06 / Parte 07 / Parte 08 / Parte 09
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O Problema do Mal :: Comentários
Paradoxo de Epicuro: O Problema do Mal (Parte 1)
Série de postagens sobre "Problema do Mal"
O texto a seguir é da autoria do blogueiro "snowball", que escreve no "Quebrando o encanto do Neo-ateísmo". Comentários meus sobre o assunto serão adicionados e sinalizados em itálico e vermelho. Aproveitem a leitura.
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Um dos problemas clássicos oferecido pelos defensores do ateísmo é o Paradoxo de Epicuro. Basicamente, ele sustenta que há algum tipo de contradição entre a existência de Deus e a existência do Mal. Estou certo que todos os que estão aqui já devem ter uma idéia do que ele significa. Nesse artigo, farei uma análise da relação Deus e o Mal.
Eu costumo fazer posts mais diretos, mas como esse é um desafio filosófico real, não uma imbecilidade do tipo “Monstro do Espaguete Voador” (será tratado aqui no blog em breve), vou me alongar um pouco. Tentarei ser o mais simples que puder, mas não mais simples do que isso. (...)
Agora vamos ao texto:
1. Duas Observações Preliminares
Antes de começar a argumentação, duas observações são importantes para melhor entendimento da argumentação:
Uma afirmação possível é uma que contenha um enunciado cujo valor de verdade não seja contraditório. Ou seja, algo possível é algo que não é necessariamente falso: pode ser ou não ser. Pense da idéia de “É possível que…” que entenderá facilmente. José Serra não ganhou as eleições. Era possível, mas ele não ganhou. A idéia de José Serra ganhar a eleição de 2010 não se atualizou na realidade, mas não é necessariamente falsa. Podemos descrever um mundo hipotético desse jeito sem criar nenhuma contradição. Uma Terra quadrada também é possível. Não é verdade, mas é possível. Todos os coelhos serem vermelhos também é uma possibilidade, embora não seja verdade no mundo real.
Já uma afirmação necessária é uma que contenha um enunciado que não pode ser nem possivelmente falso (se verdadeiro) nem possivelmente verdadeiro (se for falso). Ou é, ou não é. Por exemplo: um triângulo DEVE ter NECESSARIAMENTE 180º graus internos (esqueça as palavras e pense apenas nos conceitos abstratos). Isso é necessariamente verdadeiro. Um homem casado (não uma pessoa específica, mas o conceito abstrato desse termo, novamente) deve necessariamente não ser solteiro; se for solteiro, não é casado. Uma afirmação contraditória do tipo “Esse homem casado é solteiro” é necessariamente falsa e não faz parte de nenhum mundo possível.
Então, um mundo possível é uma descrição da realidade que contenha enunciados, como:
Prosseguindo:
Vamos considerar que S1 e S2 são possíveis e reais. De fato existem. S1 e S2 se desdobram em:
Adiante, elas ainda poderiam se desdobrar em:
Também não há nada contraditório nas proposições S5 e S6. Então o conjunto MP2 formado por {S0 & S1 & S2 & S5 & S6…} também é um mundo possível. Pode ser que ele seja falso; mas ainda assim é um mundo possível.
Ou ainda:
Se quisermos estabelecer uma contradição, então temos que mostrar que em NENHUM mundo possível comporta duas proposições. A conclusão é obrigatória e não tem nenhuma escapatória lógica. Se houver uma outra saída, então não há mais a contradição lógica e temos um mundo possível novamente.
Passamos ao próximo esclarecimento.
O ônus da prova no Problema do Mal é do ateu que o propõe, não do teísta. O Paradoxo de Epicuro é utilizado com o objetivo de mostrar que Deus não pode existir ou que é irracional acreditar que Deus exista dado o Paradoxo. O que um teísta tem que fazer é apenas mostrar que o Problema do Mal não implica na conclusão “Deus não existe”, mostrando algumas saídas. Não é preciso provar que tais coisas realmente sejam assim como descritas na sua saída, a princípio.
(Por exemplo, quando um ateu faz a acusação: “Como é possível que alguém seja feliz no Céu se seu filho está no Inferno?”, o simples fato de se mostrar um caminho: “Bem, talvez as pessoas no Céu entendam os parâmetros de Deus e aprendam a conviver com isso” já tornaria a hipótese possível e não contraditória. Não é preciso ser verdade para a impossibilidade do Céu ficar refutada). O mesmo vale para o Problema do Mal.
2. Problema Lógico do Mal
Agora vamos ao Problema do Mal. Eu gostaria de falar sobre o desafio de um ateu dar uma definição objetiva para a existência do Mal sem usar uma base transcendental, mas, por questões de espaço, vou pular essa parte.
O Problema Lógico do Mal consiste em dizer que há uma contradição lógica entre Deus e o Mal; ou seja, não há nenhum mundo possível entre que aceita ao mesmo tempo (1) “Deus existe” e (2) “O mal existe”. Um é a negação de outro; o mal é uma prova necessária da inexistência de Deus. É uma contradição simples e direta, nos moldes do que vimos acima. E, para desfazer uma contradição, basta achar uma terceira saída que seja logicamente possível.
Então, o que o ateu está querendo dizer, basicamente, é que qualquer teísta entra em um problema quando aceita essas duas proposições ao mesmo tempo:
Se não temos uma contradição explícita, então quer dizer que a nossa contradição, se existente, deve estar implícita. A correlação provavelmente estaria nos atributos de Deus – o fato de ele ser todo poderoso, todo bom e odiar o mal.
Então o silogismo melhor ficaria se expressado dessa maneira:
Mas elas são? Se não forem, o problema lógico cai por terra.
Analisaremos na continuação do post:
O Problema do Mal (Parte 2)
Abraços, Paz de Cristo.
O Problema do Mal (parte 2)
O Problema do Mal (Parte 1) - recomenda-se ler antes de prosseguir
Continuando a análise das proposições do Problema lógico do Mal:
Mas Deus pode atualizar qualquer mundo? Pense nas proposições a seguir:
O número 1 (um) é um objeto abstrato; ele não tem corpo e não entra em relações causais. Já que para ocupar o cargo de presidente do Brasil é preciso poder causal, então o número natural 1 jamais poderia mandar no nosso país. A idéia é logicamente contraditória.
A conta 7 + 5 também não pode dar outro resultado que não seja 12. É impossível que juntando cinco peças com outras sete de algo terminemos com noventa e nove.
E uma criança não pode “pintar” algo de “círculo”; círculo não é uma cor. Essa frase não possui, da mesma forma, sentido, sendo contraditória do ponto de vista lógico.
Disso concluimos que, portanto, nem todos os mundos são capazes de serem criados; e Deus não pode atualizar qualquer mundo que ele desejar. Esses não são mundos possíveis, pois contém proposições que são logicamente contraditórias e então necessariamente falsas (i.e., impossíveis). Uma vez que Deus não pode fazer o logicamente impossível, pois o logicamente impossível não é sequer é “algo” no grupo de “tudo que pode ser feito” para contar dentro de todo poder. (Uma ilustração para essa ideia é o também conhecido "Paradoxo da Pedra", que faz o questionamento de se um Deus sendo Onipotente poderia criar uma pedra tão pesada que não possa Ele mesmo levantá-la. Aí entra a questão de qual a verdadeira definição de onipotência: ela inclui poder fazer até o que é logicamente impossível? Nenhum teólogo cristão já concordou com essa opinião. Coisas logicamente impossíveis não existem em si, elas só são um jogo de palavras sem sentido, assim como quadrado circular e sorvete sabor preto)
Da mesma forma, não é logicamente possível causar ou fazer alguém livremente realizar uma ação. Pois ou ele realiza livremente ou ele foi causado para tanto; são duas idéias opostas.
Agora chegamos na defesa baseada no Livre Arbítrio (atenção: defesa – o que possivelmente poderia ser e não teodicéia – demonstração do que seria de fato). (Vale a pena lembrar que o meu blog não possui nenhum ponto de vista oficial sobre a soteriologia ou doutrina da salvação; ou seja, não defendo aqui nem a posição calvinista, nem a arminiana, nem qualquer outra. O que está aqui designado como livre-arbítrio é a capacidade de livre escolha do homem nas ações cotidianas, o que ambas soteriologias concordam que o homem possui)
Se é possível que existam seres com livre-arbítrio, significa que em cada situação possível A, B ou C eles iriam livremente responder de uma maneira.
Imaginemos uma situação A onde um homem chamado Charles recebe um presente. Considerando que é possível que Charles, na situação A, tenha livre-arbítrio, sabemos pela lei do excluído do meio que ou ele iria aceitar o presente (ação r que levaria ao mundo Mr) ou ele não iria aceitar o presente (ação t; levaria ao mundo Mt).
Então numa dada situação A, teríamos duas daquilo que vamos chamar de “contrafactuais da liberdade”. E uma delas, acontecendo A, teria que ser verdade. Ou (r) vai ter valor de verdade:
Se (t) tem valor de verdade e Charles, estando na situação A, iria livremente recusar o presente, então Deus não pode fazer com que Mr seja verdadeiro. E se (r) era verdadeiro e Charles, estando na situação A, iria livremente aceitar o presente, então Deus não pode criar Mt, onde Charles livremente rejeita o presente. Depende de como Charles livremente responde em A.
Como só um dos dois pode ser verdade, há pelo mais um mundo que Deus não pode criar.
Mude essa situação para um ação de valor moral – o presente é, na verdade, uma propina do governo. Deus não pode causar Charles para fazer o certo se ele está em uma ação livre. Está na mãos de Charles escolher livremente fazer a coisa certa ou não.
E assim então temos vários exemplos de mundos que Deus não pode criar (e sem que ele deixe de ser onipotente).
Então a primeira proposição não é necessariamente verdadeira; ou podemos ir além e dizer que ela é falsa.
O problema lógico do mal já perdeu uma de suas premissas.
Vamos considerar a segunda agora:
Em II, o que se postula é algo como um mundo em que Deus só permite vários escolhas entre boas opções. As pessoas não podem escolher o mal.
Mas, nesse caso, não haveria liberdade. Pense um pouco: imagine uma ditadura que faça eleições periódicas. Mas você só pode escolher entre vários generais do mesmo partido. Isso seria liberdade de escolha? Não. O mesmo se aplica a Deus não permitir o mal.
E é possível que Deus permita e prefira a liberdade. Então a primeira opção cai por terra.
Talvez o ateu desista dessa versão e mude para a seguinte idéia: “Certo, se Deus não permitisse o mal, não haveria liberdade. Mas é possível que Deus crie um mundo onde as pessoas livremente escolhem apenas ações boas”.
Ele está certo. A princípio, um mundo onde as pessoas escolham apenas ações boas não é logicamente contraditório. Mas, no sentido contrário, é logicamente necessário que isso seja verdade? Ou isso pode ser possivelmente falso? Deus pode escolher um mundo sem nenhum mal, com as pessoas tendo a liberdade?
Talvez não. Imagine que para cada indivíduo criado há um conjunto completo de contrafactuais de liberdade como (t) e (r) mencionados acima. Em dadas situações ele sempre tomaria uma ação de liberdade descrita nos contrafactuais: em A, ele escolheria ou (t) ou (r). Em B, ou (t1) ou (r1). Em C, ou (t2) ou (r2). E assim por diante englobando todas as situações possíveis.
Sendo que uma delas sempre vai possuir um valor de verdade sobre o que a pessoa faria livremente em cada situação. Se A, então (t). Se B, então (t1). Se C, então (r3) e etc.
Agora a idéia chave é a “Depravação através de todos os mundos”. Se cada indivíduo tem suas contrapartidas de liberdade, que possuem valor de verdade em dada situação A, B ou C, então é possível que elas existam de um jeito que, não importando o conjunto de situações que Deus coloque o indivíduo, se ele estiver com liberdade moral significante, ele sempre faria livremente pelo menos uma coisa errada. Então o mal seria possivelmente uma condição necessária da existência da liberdade moral.
E por que Deus não muda esses contrafactuais de liberdade ruins? Porque se ele mudasse não seria contrafactuais de liberdade. Voltaríamos então para o primeiro caso dos generais da Ditadura Militar.
Sim, é possível que “Charles” nunca faça a coisa errada. Mas Deus não pode fazer isso sem a ajuda de Charles. No fim das contas, depende apenas de Charles não cometer coisas ruins. Deus não pode obrigá-lo a livremente fazer a coisa certa.
Novamente, isso não significa que ele não é onipotente de forma alguma. Como vimos, Deus ser onipotente não significa que ele possa fazer alguém livremente escolher algo. Se ele causa as pessoas para fazer algo, então não estamos falando mais de “livremente”. E a questão toda depende da liberdade. E é possível que a humanidade seja como “Charles”: sempre escolheria livremente pelo menos algo errado.
Então suponha que você esteja dentro da situação acima. Nesse estado de coisas, não só é possível que o mal seja uma condição necessária de agentes livres pelos valores de verdade dos contrafactuais de liberdade, mas que também ele acabe servindo a algum propósito maior. Então, servindo a um outro propósito de acesso a um bem maior, também não podemos afirmar que necessariamente Deus escolheria um mundo sem nenhum mal.
Alguém pode perguntar agora: “Ok. Esse é o mal moral. Mas e quanto ao mal natural?” É ao menos logicamente possível que o mal natural seja aparentemente restrito ao natural, tendo sua origem também em um mal moral derivado de agentes livres (como pecados, ação de pessoas não humanas, etc). Não há nada de contraditório nessa idéia, então ela é possível. E sendo possível, a argumentação acima se aplica igualmente. (Acho que são possíveis outras argumentações para o mal natural, mas, por questões de economia, essa mais simples será adotada agora).
Então nem a proposição I nem a proposição II são necessariamente verdadeiras e não ajudam mais do que as outras versões do problema lógico ajudavam.
Então o último silogismo também não sobrevive a defesa do Livre Arbítrio. É logicamente possível que as proposições estejam erradas:
Então HÁ uma terceira saída possível para o silogismo. Podemos facilmente revertê-lo em:
É muito fácil desfazer do problema lógico do mal. O mero fato de ser possível uma terceira saída não torna a conclusão obrigatória. E então não segue lógica e necessariamente a incompatibilidade entre Deus e o mal e o ateu não consegue fazer um caso contra o teísmo.
Na verdade, podemos até mesmo rever a existência do mal, transformando em um ARGUMENTO para a existência de Deus!
Recapitulando, então a derrota do problema lógico do mal é definida pelo fato de que:
Se a argumentação acima for aceita como possível, não há nenhuma contradição. E, de fato, muitos ateus já aceitaram que não há contradição lógica entre Deus e o Mal. É ao menos possível a coexistência dos dois. Então o argumento foi modificado: dada a quantidade de mal no mundo, é improvável que Deus exista ou irracional acreditar que ele exista. Isso nos leva ao problema Probabilístico ou Evidencialista do Mal (que será tratado na próxima parte da série):
O Problema do Mal (Parte 3)
Última edição por Eduardo em Qua Jun 29, 2011 3:36 pm, editado 1 vez(es)
Série de postagens sobre "Problema do Mal"
O texto a seguir é da autoria do blogueiro "snowball", que escreve no "Quebrando o encanto do Neo-ateísmo". Comentários meus sobre o assunto serão adicionados e sinalizados em itálico e vermelho. Aproveitem a leitura.
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Um dos problemas clássicos oferecido pelos defensores do ateísmo é o Paradoxo de Epicuro. Basicamente, ele sustenta que há algum tipo de contradição entre a existência de Deus e a existência do Mal. Estou certo que todos os que estão aqui já devem ter uma idéia do que ele significa. Nesse artigo, farei uma análise da relação Deus e o Mal.
Eu costumo fazer posts mais diretos, mas como esse é um desafio filosófico real, não uma imbecilidade do tipo “Monstro do Espaguete Voador” (será tratado aqui no blog em breve), vou me alongar um pouco. Tentarei ser o mais simples que puder, mas não mais simples do que isso. (...)
Agora vamos ao texto:
1. Duas Observações Preliminares
Antes de começar a argumentação, duas observações são importantes para melhor entendimento da argumentação:
- O que são Mundos possíveis?
Uma afirmação possível é uma que contenha um enunciado cujo valor de verdade não seja contraditório. Ou seja, algo possível é algo que não é necessariamente falso: pode ser ou não ser. Pense da idéia de “É possível que…” que entenderá facilmente. José Serra não ganhou as eleições. Era possível, mas ele não ganhou. A idéia de José Serra ganhar a eleição de 2010 não se atualizou na realidade, mas não é necessariamente falsa. Podemos descrever um mundo hipotético desse jeito sem criar nenhuma contradição. Uma Terra quadrada também é possível. Não é verdade, mas é possível. Todos os coelhos serem vermelhos também é uma possibilidade, embora não seja verdade no mundo real.
Já uma afirmação necessária é uma que contenha um enunciado que não pode ser nem possivelmente falso (se verdadeiro) nem possivelmente verdadeiro (se for falso). Ou é, ou não é. Por exemplo: um triângulo DEVE ter NECESSARIAMENTE 180º graus internos (esqueça as palavras e pense apenas nos conceitos abstratos). Isso é necessariamente verdadeiro. Um homem casado (não uma pessoa específica, mas o conceito abstrato desse termo, novamente) deve necessariamente não ser solteiro; se for solteiro, não é casado. Uma afirmação contraditória do tipo “Esse homem casado é solteiro” é necessariamente falsa e não faz parte de nenhum mundo possível.
Então, um mundo possível é uma descrição da realidade que contenha enunciados, como:
- Mundo Possível MP1: S0 & S1 & S2 & S3 & S4…
- Mundo Possível MP2: S0 & S1 & S2 & S5 & S6…
- Mundo Possível MP3: S0 & S1 & S2 & S7 & S8...
- S0: A proposição 2 +2 =4 é verdadeira.
Prosseguindo:
- S1: Existe um país chamado P1.
- S2: O País chamado P1 teve eleições no ano A1.
Vamos considerar que S1 e S2 são possíveis e reais. De fato existem. S1 e S2 se desdobram em:
- S3: O sujeito X1 venceu as eleições.
- S4: O primeiro ano do governo de X1 foi marcado pelo fim dos concursos públicos.
Adiante, elas ainda poderiam se desdobrar em:
- S5: O sujeito X1 venceu as eleições.
- S6: O primeiro ano do governo de X1 foi marcado pelo aumento dos concursos públicos.
Também não há nada contraditório nas proposições S5 e S6. Então o conjunto MP2 formado por {S0 & S1 & S2 & S5 & S6…} também é um mundo possível. Pode ser que ele seja falso; mas ainda assim é um mundo possível.
Ou ainda:
- S7: O sujeito X1 (concorrente direto de X2) venceu as eleições sozinho no primeiro turno e exerceu seu mandato;
- S8: O sujeito X2 (concorrente direto de X1) venceu as eleições sozinho no primeiro turno e exerceu seu mandato;
Se quisermos estabelecer uma contradição, então temos que mostrar que em NENHUM mundo possível comporta duas proposições. A conclusão é obrigatória e não tem nenhuma escapatória lógica. Se houver uma outra saída, então não há mais a contradição lógica e temos um mundo possível novamente.
Passamos ao próximo esclarecimento.
- De quem é o ônus da prova no Problema do Mal?
O ônus da prova no Problema do Mal é do ateu que o propõe, não do teísta. O Paradoxo de Epicuro é utilizado com o objetivo de mostrar que Deus não pode existir ou que é irracional acreditar que Deus exista dado o Paradoxo. O que um teísta tem que fazer é apenas mostrar que o Problema do Mal não implica na conclusão “Deus não existe”, mostrando algumas saídas. Não é preciso provar que tais coisas realmente sejam assim como descritas na sua saída, a princípio.
(Por exemplo, quando um ateu faz a acusação: “Como é possível que alguém seja feliz no Céu se seu filho está no Inferno?”, o simples fato de se mostrar um caminho: “Bem, talvez as pessoas no Céu entendam os parâmetros de Deus e aprendam a conviver com isso” já tornaria a hipótese possível e não contraditória. Não é preciso ser verdade para a impossibilidade do Céu ficar refutada). O mesmo vale para o Problema do Mal.
2. Problema Lógico do Mal
Agora vamos ao Problema do Mal. Eu gostaria de falar sobre o desafio de um ateu dar uma definição objetiva para a existência do Mal sem usar uma base transcendental, mas, por questões de espaço, vou pular essa parte.
O Problema Lógico do Mal consiste em dizer que há uma contradição lógica entre Deus e o Mal; ou seja, não há nenhum mundo possível entre que aceita ao mesmo tempo (1) “Deus existe” e (2) “O mal existe”. Um é a negação de outro; o mal é uma prova necessária da inexistência de Deus. É uma contradição simples e direta, nos moldes do que vimos acima. E, para desfazer uma contradição, basta achar uma terceira saída que seja logicamente possível.
Então, o que o ateu está querendo dizer, basicamente, é que qualquer teísta entra em um problema quando aceita essas duas proposições ao mesmo tempo:
- 1. Deus existe;
- 2. O mal existe;
- S7: O sujeito X1 (concorrente direto de X2) venceu as eleições sozinho no primeiro turno e exerceu seu mandato;
- S8: O sujeito X2 (concorrente direto de X1) venceu as eleições sozinho no primeiro turno e exerceu seu mandato;
Se não temos uma contradição explícita, então quer dizer que a nossa contradição, se existente, deve estar implícita. A correlação provavelmente estaria nos atributos de Deus – o fato de ele ser todo poderoso, todo bom e odiar o mal.
Então o silogismo melhor ficaria se expressado dessa maneira:
- (3) Deus é todo poderoso, todo bom e odeia o mal;
- (3.1) Se Deus é todo poderoso, então pode criar qualquer mundo que desejar;
- (3.2) Se ele pode criar qualquer mundo que desejar, então ele iria preferir um mundo sem nenhum mal;
- (4) Mas o mal existe;
- (5) Logo, Deus não existe;
Mas elas são? Se não forem, o problema lógico cai por terra.
Analisaremos na continuação do post:
O Problema do Mal (Parte 2)
Abraços, Paz de Cristo.
O Problema do Mal (parte 2)
O Problema do Mal (Parte 1) - recomenda-se ler antes de prosseguir
Continuando a análise das proposições do Problema lógico do Mal:
- Proposição I: Se Deus existe, então ele pode criar qualquer mundo que desejar:
- Lula foi presidente do Brasil.
- 7 + 5 = 12
- Uma criança pintou um quadrado desenhado de vermelho.
Mas Deus pode atualizar qualquer mundo? Pense nas proposições a seguir:
- O número natural 1 (um) foi presidente do Brasil.
- 7 + 5 = 99
- Uma criança pintou um quadrado desenhado de círculo.
O número 1 (um) é um objeto abstrato; ele não tem corpo e não entra em relações causais. Já que para ocupar o cargo de presidente do Brasil é preciso poder causal, então o número natural 1 jamais poderia mandar no nosso país. A idéia é logicamente contraditória.
A conta 7 + 5 também não pode dar outro resultado que não seja 12. É impossível que juntando cinco peças com outras sete de algo terminemos com noventa e nove.
E uma criança não pode “pintar” algo de “círculo”; círculo não é uma cor. Essa frase não possui, da mesma forma, sentido, sendo contraditória do ponto de vista lógico.
Disso concluimos que, portanto, nem todos os mundos são capazes de serem criados; e Deus não pode atualizar qualquer mundo que ele desejar. Esses não são mundos possíveis, pois contém proposições que são logicamente contraditórias e então necessariamente falsas (i.e., impossíveis). Uma vez que Deus não pode fazer o logicamente impossível, pois o logicamente impossível não é sequer é “algo” no grupo de “tudo que pode ser feito” para contar dentro de todo poder. (Uma ilustração para essa ideia é o também conhecido "Paradoxo da Pedra", que faz o questionamento de se um Deus sendo Onipotente poderia criar uma pedra tão pesada que não possa Ele mesmo levantá-la. Aí entra a questão de qual a verdadeira definição de onipotência: ela inclui poder fazer até o que é logicamente impossível? Nenhum teólogo cristão já concordou com essa opinião. Coisas logicamente impossíveis não existem em si, elas só são um jogo de palavras sem sentido, assim como quadrado circular e sorvete sabor preto)
Da mesma forma, não é logicamente possível causar ou fazer alguém livremente realizar uma ação. Pois ou ele realiza livremente ou ele foi causado para tanto; são duas idéias opostas.
Agora chegamos na defesa baseada no Livre Arbítrio (atenção: defesa – o que possivelmente poderia ser e não teodicéia – demonstração do que seria de fato). (Vale a pena lembrar que o meu blog não possui nenhum ponto de vista oficial sobre a soteriologia ou doutrina da salvação; ou seja, não defendo aqui nem a posição calvinista, nem a arminiana, nem qualquer outra. O que está aqui designado como livre-arbítrio é a capacidade de livre escolha do homem nas ações cotidianas, o que ambas soteriologias concordam que o homem possui)
Se é possível que existam seres com livre-arbítrio, significa que em cada situação possível A, B ou C eles iriam livremente responder de uma maneira.
Imaginemos uma situação A onde um homem chamado Charles recebe um presente. Considerando que é possível que Charles, na situação A, tenha livre-arbítrio, sabemos pela lei do excluído do meio que ou ele iria aceitar o presente (ação r que levaria ao mundo Mr) ou ele não iria aceitar o presente (ação t; levaria ao mundo Mt).
Então numa dada situação A, teríamos duas daquilo que vamos chamar de “contrafactuais da liberdade”. E uma delas, acontecendo A, teria que ser verdade. Ou (r) vai ter valor de verdade:
- (r) Charles, se acionado na situação A, vai livremente agir para aceitar um presente (levando a um mundo Mr);
- (t) Charles, se acionado na situação A, vai livremente agir para não aceitar um presente (levando a um mundo Mt);
Se (t) tem valor de verdade e Charles, estando na situação A, iria livremente recusar o presente, então Deus não pode fazer com que Mr seja verdadeiro. E se (r) era verdadeiro e Charles, estando na situação A, iria livremente aceitar o presente, então Deus não pode criar Mt, onde Charles livremente rejeita o presente. Depende de como Charles livremente responde em A.
Como só um dos dois pode ser verdade, há pelo mais um mundo que Deus não pode criar.
Mude essa situação para um ação de valor moral – o presente é, na verdade, uma propina do governo. Deus não pode causar Charles para fazer o certo se ele está em uma ação livre. Está na mãos de Charles escolher livremente fazer a coisa certa ou não.
E assim então temos vários exemplos de mundos que Deus não pode criar (e sem que ele deixe de ser onipotente).
Então a primeira proposição não é necessariamente verdadeira; ou podemos ir além e dizer que ela é falsa.
O problema lógico do mal já perdeu uma de suas premissas.
Vamos considerar a segunda agora:
- Proposição II: Podendo criar qualquer mundo que quiser, Deus escolheria um mundo sem nenhum mal:
Em II, o que se postula é algo como um mundo em que Deus só permite vários escolhas entre boas opções. As pessoas não podem escolher o mal.
Mas, nesse caso, não haveria liberdade. Pense um pouco: imagine uma ditadura que faça eleições periódicas. Mas você só pode escolher entre vários generais do mesmo partido. Isso seria liberdade de escolha? Não. O mesmo se aplica a Deus não permitir o mal.
E é possível que Deus permita e prefira a liberdade. Então a primeira opção cai por terra.
Talvez o ateu desista dessa versão e mude para a seguinte idéia: “Certo, se Deus não permitisse o mal, não haveria liberdade. Mas é possível que Deus crie um mundo onde as pessoas livremente escolhem apenas ações boas”.
Ele está certo. A princípio, um mundo onde as pessoas escolham apenas ações boas não é logicamente contraditório. Mas, no sentido contrário, é logicamente necessário que isso seja verdade? Ou isso pode ser possivelmente falso? Deus pode escolher um mundo sem nenhum mal, com as pessoas tendo a liberdade?
Talvez não. Imagine que para cada indivíduo criado há um conjunto completo de contrafactuais de liberdade como (t) e (r) mencionados acima. Em dadas situações ele sempre tomaria uma ação de liberdade descrita nos contrafactuais: em A, ele escolheria ou (t) ou (r). Em B, ou (t1) ou (r1). Em C, ou (t2) ou (r2). E assim por diante englobando todas as situações possíveis.
Sendo que uma delas sempre vai possuir um valor de verdade sobre o que a pessoa faria livremente em cada situação. Se A, então (t). Se B, então (t1). Se C, então (r3) e etc.
Agora a idéia chave é a “Depravação através de todos os mundos”. Se cada indivíduo tem suas contrapartidas de liberdade, que possuem valor de verdade em dada situação A, B ou C, então é possível que elas existam de um jeito que, não importando o conjunto de situações que Deus coloque o indivíduo, se ele estiver com liberdade moral significante, ele sempre faria livremente pelo menos uma coisa errada. Então o mal seria possivelmente uma condição necessária da existência da liberdade moral.
E por que Deus não muda esses contrafactuais de liberdade ruins? Porque se ele mudasse não seria contrafactuais de liberdade. Voltaríamos então para o primeiro caso dos generais da Ditadura Militar.
Sim, é possível que “Charles” nunca faça a coisa errada. Mas Deus não pode fazer isso sem a ajuda de Charles. No fim das contas, depende apenas de Charles não cometer coisas ruins. Deus não pode obrigá-lo a livremente fazer a coisa certa.
Novamente, isso não significa que ele não é onipotente de forma alguma. Como vimos, Deus ser onipotente não significa que ele possa fazer alguém livremente escolher algo. Se ele causa as pessoas para fazer algo, então não estamos falando mais de “livremente”. E a questão toda depende da liberdade. E é possível que a humanidade seja como “Charles”: sempre escolheria livremente pelo menos algo errado.
Então suponha que você esteja dentro da situação acima. Nesse estado de coisas, não só é possível que o mal seja uma condição necessária de agentes livres pelos valores de verdade dos contrafactuais de liberdade, mas que também ele acabe servindo a algum propósito maior. Então, servindo a um outro propósito de acesso a um bem maior, também não podemos afirmar que necessariamente Deus escolheria um mundo sem nenhum mal.
Alguém pode perguntar agora: “Ok. Esse é o mal moral. Mas e quanto ao mal natural?” É ao menos logicamente possível que o mal natural seja aparentemente restrito ao natural, tendo sua origem também em um mal moral derivado de agentes livres (como pecados, ação de pessoas não humanas, etc). Não há nada de contraditório nessa idéia, então ela é possível. E sendo possível, a argumentação acima se aplica igualmente. (Acho que são possíveis outras argumentações para o mal natural, mas, por questões de economia, essa mais simples será adotada agora).
Então nem a proposição I nem a proposição II são necessariamente verdadeiras e não ajudam mais do que as outras versões do problema lógico ajudavam.
Então o último silogismo também não sobrevive a defesa do Livre Arbítrio. É logicamente possível que as proposições estejam erradas:
- (3) Deus é todo poderoso, todo bom e odeia o mal;
- (3.1) Se Deus é todo poderoso, então pode criar qualquer mundo que desejar; FALSO. Há pelo menos alguns mundos que Deus não pode criar, mesmo que não deixe de ser onipotente.
- (3.2) Se ele pode criar qualquer mundo que desejar, então ele iria preferir um mundo sem nenhum mal; FALSO. Depende do antecedente, que demonstramos não ser verdadeiro; também depende da impossibilidade do mal servir a um bem maior, que é uma opção logicamente possível;
- (4) Mas o mal existe;
- (5) Logo, Deus não existe; FALSO. Não segue necessariamente. (falácia non sequitur) Portanto, a existência de Deus é compatível no nível lógico com a existência do Mal.
Então HÁ uma terceira saída possível para o silogismo. Podemos facilmente revertê-lo em:
- (6) Deus é todo poderoso, todo bom e odeia o mal;
- (7) Mas o mal existe;
- (7.1) Deus é todo poderoso, mas isso não significa que ele pode criar mundos impossíveis;
- (7.2) Se Deus não pode criar qualquer tipo de mundo, então é possível que ele prefira, dentro os mundos possíveis, um mundo que possua o mal;
- (8) Então logicamente possível que Deus tenha razões morais suficientes para permitir o mal;
- (9) Logo, a existência de Deus é ao menos logicamente compatível com a existência do Mal;
É muito fácil desfazer do problema lógico do mal. O mero fato de ser possível uma terceira saída não torna a conclusão obrigatória. E então não segue lógica e necessariamente a incompatibilidade entre Deus e o mal e o ateu não consegue fazer um caso contra o teísmo.
Na verdade, podemos até mesmo rever a existência do mal, transformando em um ARGUMENTO para a existência de Deus!
- (1) Se Deus não existir, então o mal (entendido como algo objetivo, não como apenas um desagrado mental) não existe;
- (2) Mas todos nós sabemos que o Mal de fato existe;
- (3) Logo, Deus existe;
Recapitulando, então a derrota do problema lógico do mal é definida pelo fato de que:
- (a) Não há contradição explícita entre Deus e a existência do Mal;
- (b) A contradição implícita pode ser desfeita exemplificando uma terceira saída possível, ou seja, a contradição baseada em premissas implicitas não é lógica e necessariamente verdadeira;
- (c) A adição de mais premissas deve ser obrigatoriamente de premissas necessariamente verdadeiras;
- (d) As premissas adicionais não são necessariamente verdadeiras;
- (e) Se não são logica e necessariamente verdadeiras, então o problema lógico do mal, por tabela, é falho;
- (f) Na verdade, o reconhecimento da existência objetiva do Mal é evidência a favor da idéia que Deus existe, não contra;
Se a argumentação acima for aceita como possível, não há nenhuma contradição. E, de fato, muitos ateus já aceitaram que não há contradição lógica entre Deus e o Mal. É ao menos possível a coexistência dos dois. Então o argumento foi modificado: dada a quantidade de mal no mundo, é improvável que Deus exista ou irracional acreditar que ele exista. Isso nos leva ao problema Probabilístico ou Evidencialista do Mal (que será tratado na próxima parte da série):
O Problema do Mal (Parte 3)
Última edição por Eduardo em Qua Jun 29, 2011 3:36 pm, editado 1 vez(es)
O Problema do Mal (parte 3)
O Problema do Mal (parte 2)
3. Problema Probabilístico do Mal:
O problema probabilístico (ou evidencial) do mal, ao contrário do problema lógico que trata da impossibilidade, muda para a questão da probabilidade de Deus existir. É improvável que Deus exista, se o Mal existe; e se é improvável, então não podemos racionalmente acreditar nEle.
Mas note que há muitas coisas que mesmo improváveis que é possível acreditar racionalmente. Por exemplo: é bastante improvável que eu consiga dois “Royal Flush” consecutivos Poker. Mas eu levanto as cartas e vejo que tenho um Royal Flush. Eu levanto novamente na próxima rodada e percebo que tenho outro. Então se eu experienciar que tive essas cartas, eu posso racionalmente acreditar que essas foram as minhas mãos, mesmo com a probabilidade intrinseca sendo baixa. Da mesma forma, se fosse o caso do Problema Probabilístico funcionar, se eu experienciar Deus ou tiver um outro argumento para a existência de Deus (como a existência do próprio Mal, referenciado no primeiro artigo!) eu ainda poderia acreditar nEle sem me preocupar com o Problema Probabilístico.
Fazer essa concessão é uma forma bastante ruim de começar um argumento e o restante dele, ao meu ver, não consegue nenhum sucesso maior.
Vamos ao argumento: ele sentencia que existem eventos ruins. Vamos apenas chamá-los (individualmente) de “E”.
E pode ser:
E dada a mente de Deus (com suas razões e motivos – vamos chamar isso de nosso conhecimento de “background”), seria pouco provável ele existir se E. Vamos organizar o raciocínio: Probabilidade de Deus existir dado a existência de um evento E de acordo com nosso conhecimento de background “B” = Pr (D /E& B).
Mas observe que a variável determinante nesse cálculo é “B” = Pr (D /E & B). Pr (D) é o que estamos discutindo; E é apenas a declaração da existência de algo; então tudo se resume a justificar que B é baixo para Pr (D) também ser.
Mas como alguém pode logicamente justificar B? Como, dentro das nossas limitações epistemológicas de capacidade, espaço e tempo, nós podemos julgar e justificar que se não encontramos um motivo imediato, logo Deus não deve ter nenhum?
Para melhor ilustrar meu ponto, pense em um geração de macacos um pouco mais evoluídos (mas não muito). Ele é capaz de formular algumas sentenças na sua mente, reconhecer objetos e tem um valor semântico mental. Os seres humanos foram exterminados e um desses macacos – vamos dizer não um ordinário, mas o mais inteligente e habilidoso dentre esses – está explorando cidades em ruínas. Ele eventualmente acaba visitando um departamento de matemática, onde acha um livro de cálculo infinitesimal. Não é preciso dizer para dizer – dentro de sua limitação de capacidade – que ele está muito longe de compreender cálculo infinitesimal: “Eu não consigo entender nada do que está escrito aqui. E eu sou o mais inteligente de toda a minha espécie. Logo (ou provavelmente), isso não tem sentido”. O nosso amigo primata estaria correto? Não. Somente pelo fato de que sua capacidade mental não é a mesma de um Isaac Newton para compreender apropriadamente o cálculo, não segue não há (ou provavelmente não há) sentido. Ele deveria reconhecer sua limitação antes de fazer julgamentos de probabilidade.
Vamos pensar em mais um exemplo. Suponha que você encontre seu vizinho e o filho dele no elevador. O garoto está chorando e diz que o pai o puniu por ele ter andado lá fora. Você pergunta o porquê. “Bom, eu tive minhas razões para isso”.
Não surpreendemente, você não consegue achar nenhuma razão para tal. E daí segue que NÃO há nenhuma razão? Como você pode saber os motivos, as razões e o contexto onde esse ato aconteceu? A menos que você tenha acesso a um scan mental daquele homem, então você não está em posição para fazer um julgamento justificado de B nesse caso, sendo que o pai não é sequer superior a você, mas está na mesma escala de capacidade (em média).
E nós estamos muito mais próximos, analogicamente, do primata para homem na relação homem-Deus do que para situações de dois seres humanos iguais. Se há um ser todo sábio e onisciente, ele está muito, muito longe da nossa capacidade para sabermos o quanto é necessário para efeitos que seriam desejáveis, quaisquer que eles sejam.
Victor Stenger comete esse erro no seu “God, The Failed Hypothesis”, ao responder que a idéia de que o mal pode ajudar a provocar algum desenvolvimento humano, dizendo: “Isso poderia ser alcançado com muito menos sofrimento do que o existente no mundo atual.” Mas como fazer esse julgamento se nós não temos as informações de input (entrada) output (saída – o resultado da existência do mal) para testar e saber se a quantidade iria mudar, continuar a mesma ou não? Nós adoramos ser céticos, menos quando é para presumir um argumento contra Deus, não é verdade?
Então, como não temos controle epistemológico da variável determinante, então NÃO podemos fazer qualquer julgamento de probabilidade.
E, assim, a versão probabilística – que depende unicamente da justificação apropriada de “B” – também apresenta sérios defeitos, tal qual a versão lógica – ou talvez defeitos até piores. Mesmo ateus como William Rowe admitem a fraqueza do argumento, como mencionado em um artigo: “Eu já penso que esse argumento é, na melhor das hipóteses, um argumento fraco.” (“The Evidential Argument from Evil: A Second Look,” p. 270)
Em resumo:
4. Conclusão:
Você pode se sentir de forma ruim ou ter problemas emocionais com o Paradoxo de Epicuro. Mas isso nem de longe o torna mais lógico ou racional. O que devemos nos perguntar sempre que observarmos um evento é: “É possível que para “E” a existência de Deus seja real?”. Nós vimos nesses dois artigos que há motivos para justificar que sim e que não há bons motivos para justificar que não.
(O autor continua sua brilhante exposição com algumas últimas observações, que ficarão na próxima parte)
O Problema do Mal (parte 4)
O Problema do Mal (parte 4)
Essa é a última parte do texto que mostra uma visão panorâmica sobre o Problema do Mal. Pretendo me concentrar em pontos mais específicos nas próximas partes.
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Aproveito para fazer mais duas observações que deixei de fora dos posts originais, mas que são interessantes. A primeira é a respeito do problema lógico e a segunda do problema probabilístico.
Sobre o problema lógico, alguns levantam a questão do Céu. Não seria ele um mundo possível onde as pessoas nunca fazem nada de ruim? Então, nesse caso, temos liberdade ou não?
Temos duas respostas e as duas são aceitáveis.
Pode ser que tenhamos liberdade. Mas talvez só seja possível criar um mundo de criaturas sem os “contrafactuais” ruins com uma etapa de seleção anterior (como essa seria). Poderia ser, por exemplo, que só pessoas que entrem livremente numa relação completa de amor com Deus consigam causar-se para não cometer atos maus mesmo com uma liberdade significante. Como Deus dá a opção de entrar ou não nessa relação, seria preciso essa “etapa” para criar um mundo livre sem tais contrafactuais. Se é possível, então ainda não há erros.
No segundo caso, pode ser também que seja o caso de perdemos a liberdade de alguma forma. As pessoas, nesse caso, poderiam fazer o sacrífico de parte de sua liberdade para viver com Deus. Mas o sacrífico seria voluntário para os que querem entrar estar lá. Deus dá a liberdade, mas as pessoas podem optar não tê-la (o que seria diferente de Deus tirar a liberdade, é bom frisar) em “troca” de algo.
Então essa objeção também falha.
Sobre o problema probabílistico, gostaria de elencar algumas justificativas teológicas (aí o autor passa a usar também a teologia cristã, antes disso estava usando puramente a filosofia) para o a existência do Mal que ajudariam a deixar mais clara alguns pontos. Utilizarei como base um artigo do Reasonable Faith. Seriam elas:
a. A moralidade de Deus não é igual a moralidade dada aos humanos: Muitos expressam o sentimento de que Deus não poderia determinar a morte de uma pessoa ou permitir o uso do sofrimento. A analogia usada é quase sempre é de um pai que mata um filho. Mas a analogia é falsa. Um pai e um filho estão no mesmo nível ontológico, pois são seres de mesma estatura (seres humanos). O pai só deu origem a outro ser humano, mas não pode dispor dos direitos dele. Já Deus é superior: Ele é o senhor da vida e da morte, então teria o direito de decidir sobre elas (basta lembrar que pessoas, quando discutimos pena de morte, não raro expressam essa idéia dizendo “O quê? Eles pensam que são o que para decidir sobre a vida dos outros? Deus?” ou ainda quando alguém falece: “Bom, Deus devia saber que essa era o melhor momento de levar ele”.) E, considerando a idéia de que Deus determinou a criação, ele nos fez mortais: nós iriamos morrer de qualquer jeito. Então se ele determinasse que prefere que uma pessoa viva 65 anos ao invés de 80 não haveria problema. Só um materialista pode julgar como pior das coisas a morte de uma pessoa, pois no materialismo essa é a nossa única chance e fim; mas se Deus existe, obviamente esse não é o caso.
b. O propósito da vida não é a felicidade terrena, mas conhecer Deus: um dos problemas com o Paradoxo é a tendência de achar que o propósito de Deus é criar felicidade para os humanos na Terra. Então se o mundo não é uma maravilha cor de rosa, onde eu tenho tudo que quero, AQUI e AGORA, significa que Deus não existe. A mentalidade moderna de “direitos” (todo mundo tem o direito de exigir qualquer coisa, por mais absurda que seja) e do “o importante é ser feliz” não possivelmente pode ter agravado esse pensamento. Mas no Cristianismo, isso é falso. Nós não somos os “cachorrinhos poodle” de Deus e a meta não é a felicidade nesse mundo, mas o livre conhecimento de Deus, que representa, em última instância, a maior e mais perfeita felicidade e completude humana de todas. Então momentos de dificuldade e tristeza na nossa vida podem ser justificadas como uma forma de baixarmos a guarda e nos reaproximarmos de Deus de forma mais estreita e duradoura o que, no fim das contas, é a melhor das coisas.
c. Conhecer Deus é o maior bem de todos: Conhecer Deus, uma fonte ilimitada de amor e compaixão, é um bem incomparável e o maior possível de toda a existência humana. Os sofrimentos dessa vida não são absolutamente nada comparados ao que seria o amor de Deus uma vez que estivessemos em uma relação livre com ele. Então uma pessoa que, no fim das contas, acaba conhecendo Deus poderia dizer, sem chances de arrependimento, não importa o quão dura fosse sua vida, não importa quantas dificuldades passou, “Deus é bom” – justamente pelo fato que nenhum mal chega perto de se equiparar ao conhecimento de Deus.
d. O conhecimento de Deus se estende na vida eterna: Segundo o Cristianismo, essa não é a nossa única vida. Todos aqueles que confiam e dedicam sua salvação à Deus terão acesso à vida eterna de uma felicidade incomparável. E quanto mais tempo passamos na eternidade, mais e mais aqueles momentos de sofrimento parecem apenas um momento minúsculo e infinitamente insignificante perto do que teríamos na nova situação. Imagine um mendigo que precise trabalhar duro durante um minuto para ficar para sempre numa ilha paradisíaca. Por maior que seja sua aversão ao trabalho, os benefícios fariam impossível ele reclamar desse breve momento de dedicação.
e. Crianças e mal natural: Muitos perguntam: “Mas e as crianças que morrem em desastres ou semelhantes?”. Observe que essa reclamação, como explicado acima, só serviria no materialismo, pois aí sim seria a única vida que temos. Não sendo esse o caso, podemos reclamar de uma criança que viveu pouco inevitavelmente? Talvez fosse o momento de Deus levá-las. Também é possível que nosso mundo esteja ajustado com uma quantidade de sofrimento (natural ou não) que permita o maior número de pessoas possível livremente aceitar Deus – poderia ser o caso de que menos pessoas (incluindo as próprias crianças) livremente iriam se salvar se elas não partissem agora e que mais pessoas entrariam na perdição eterna. Então, lembrando dos itens acima, esse seria um motivo justificável para crianças que vivem pouco.
f. Deus não fica parado – ao contrário, ele trabalha pela salvação de todos: de acordo com a visão de mundo cristã, Deus não fica parado olhando para as coisas ruins que acontecem aqui embaixo e dizendo: “Hm, é, isso aí.” Pelo contrário. Ele teria um papel ativo todos os dias tentando fazer as pessoas aceitá-lo e aproveitando oportunidades para pessoas abertas a Ele se aproximarem. Ele também aceitou sofrer numa escala sem precedentes para pagar nossos pecados. Então dependeria de nós aceitarmos sua redenção e seu convite – e nos livrarmos do mal que nos aflige para sempre.
Essas são algumas abordagens teológicas para a existência do Mal. Sempre haverá mais alguma teodicéia ou defesa que merecam notas – e você pode ler mais livros e pesquisá-las.
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O autor encerrou o texto aqui, e devo dizer que o problema realmente foi abordado de modo completo, sem deixar a desejar em nenhum ponto. Quero continuar a jornada de conhecimento com vocês. Na próxima postagem da série sobre "O Problema do Mal", falaremos de alguns detalhes sobre um dos assuntos sobre o Problema do Mal mais polêmicos: o inferno. Seria o inferno compatível com a bondade de Deus? Bem, já foi dada uma pequena pincelada nessa questão nos últimos textos, mas ainda há mais a ser discutido. Até a próxima, pessoal!
Abraços, Paz de Cristo
O Problema do Mal (parte 2)
3. Problema Probabilístico do Mal:
O problema probabilístico (ou evidencial) do mal, ao contrário do problema lógico que trata da impossibilidade, muda para a questão da probabilidade de Deus existir. É improvável que Deus exista, se o Mal existe; e se é improvável, então não podemos racionalmente acreditar nEle.
Mas note que há muitas coisas que mesmo improváveis que é possível acreditar racionalmente. Por exemplo: é bastante improvável que eu consiga dois “Royal Flush” consecutivos Poker. Mas eu levanto as cartas e vejo que tenho um Royal Flush. Eu levanto novamente na próxima rodada e percebo que tenho outro. Então se eu experienciar que tive essas cartas, eu posso racionalmente acreditar que essas foram as minhas mãos, mesmo com a probabilidade intrinseca sendo baixa. Da mesma forma, se fosse o caso do Problema Probabilístico funcionar, se eu experienciar Deus ou tiver um outro argumento para a existência de Deus (como a existência do próprio Mal, referenciado no primeiro artigo!) eu ainda poderia acreditar nEle sem me preocupar com o Problema Probabilístico.
Fazer essa concessão é uma forma bastante ruim de começar um argumento e o restante dele, ao meu ver, não consegue nenhum sucesso maior.
Vamos ao argumento: ele sentencia que existem eventos ruins. Vamos apenas chamá-los (individualmente) de “E”.
E pode ser:
- (a) O problema da pobreza na África;
- (b) O problema da existência de doenças;
- (c) Ou qualquer outra coisa que seja dita como mal;
E dada a mente de Deus (com suas razões e motivos – vamos chamar isso de nosso conhecimento de “background”), seria pouco provável ele existir se E. Vamos organizar o raciocínio: Probabilidade de Deus existir dado a existência de um evento E de acordo com nosso conhecimento de background “B” = Pr (D /E& B).
Mas observe que a variável determinante nesse cálculo é “B” = Pr (D /E & B). Pr (D) é o que estamos discutindo; E é apenas a declaração da existência de algo; então tudo se resume a justificar que B é baixo para Pr (D) também ser.
Mas como alguém pode logicamente justificar B? Como, dentro das nossas limitações epistemológicas de capacidade, espaço e tempo, nós podemos julgar e justificar que se não encontramos um motivo imediato, logo Deus não deve ter nenhum?
Para melhor ilustrar meu ponto, pense em um geração de macacos um pouco mais evoluídos (mas não muito). Ele é capaz de formular algumas sentenças na sua mente, reconhecer objetos e tem um valor semântico mental. Os seres humanos foram exterminados e um desses macacos – vamos dizer não um ordinário, mas o mais inteligente e habilidoso dentre esses – está explorando cidades em ruínas. Ele eventualmente acaba visitando um departamento de matemática, onde acha um livro de cálculo infinitesimal. Não é preciso dizer para dizer – dentro de sua limitação de capacidade – que ele está muito longe de compreender cálculo infinitesimal: “Eu não consigo entender nada do que está escrito aqui. E eu sou o mais inteligente de toda a minha espécie. Logo (ou provavelmente), isso não tem sentido”. O nosso amigo primata estaria correto? Não. Somente pelo fato de que sua capacidade mental não é a mesma de um Isaac Newton para compreender apropriadamente o cálculo, não segue não há (ou provavelmente não há) sentido. Ele deveria reconhecer sua limitação antes de fazer julgamentos de probabilidade.
Vamos pensar em mais um exemplo. Suponha que você encontre seu vizinho e o filho dele no elevador. O garoto está chorando e diz que o pai o puniu por ele ter andado lá fora. Você pergunta o porquê. “Bom, eu tive minhas razões para isso”.
Não surpreendemente, você não consegue achar nenhuma razão para tal. E daí segue que NÃO há nenhuma razão? Como você pode saber os motivos, as razões e o contexto onde esse ato aconteceu? A menos que você tenha acesso a um scan mental daquele homem, então você não está em posição para fazer um julgamento justificado de B nesse caso, sendo que o pai não é sequer superior a você, mas está na mesma escala de capacidade (em média).
E nós estamos muito mais próximos, analogicamente, do primata para homem na relação homem-Deus do que para situações de dois seres humanos iguais. Se há um ser todo sábio e onisciente, ele está muito, muito longe da nossa capacidade para sabermos o quanto é necessário para efeitos que seriam desejáveis, quaisquer que eles sejam.
Victor Stenger comete esse erro no seu “God, The Failed Hypothesis”, ao responder que a idéia de que o mal pode ajudar a provocar algum desenvolvimento humano, dizendo: “Isso poderia ser alcançado com muito menos sofrimento do que o existente no mundo atual.” Mas como fazer esse julgamento se nós não temos as informações de input (entrada) output (saída – o resultado da existência do mal) para testar e saber se a quantidade iria mudar, continuar a mesma ou não? Nós adoramos ser céticos, menos quando é para presumir um argumento contra Deus, não é verdade?
Então, como não temos controle epistemológico da variável determinante, então NÃO podemos fazer qualquer julgamento de probabilidade.
E, assim, a versão probabilística – que depende unicamente da justificação apropriada de “B” – também apresenta sérios defeitos, tal qual a versão lógica – ou talvez defeitos até piores. Mesmo ateus como William Rowe admitem a fraqueza do argumento, como mencionado em um artigo: “Eu já penso que esse argumento é, na melhor das hipóteses, um argumento fraco.” (“The Evidential Argument from Evil: A Second Look,” p. 270)
Em resumo:
- (1) O problema probabilistico (ou evidencial) do mal pode ser enunciado como: Pr (D / E & B) é baixo.
- (2) Para saber se é baixo, precisamos de uma justificativa apropriada e forte de que B, a variável determinante, é baixa.
- (3) Não estamos em posição de justificar B apropriadamente;
- (4) Portanto, o problema probabilístico falha;
- (5) Mesmo se funcionasse, ainda seria racionalmente possível acreditar em Deus como é possível acreditar em outros eventos pouco prováveis;
- (6) Logo, não há razões para pensar que ele funciona e há razões (como o reconhecimento da existência objetiva do próprio Mal) que ele é derrotável;
4. Conclusão:
Você pode se sentir de forma ruim ou ter problemas emocionais com o Paradoxo de Epicuro. Mas isso nem de longe o torna mais lógico ou racional. O que devemos nos perguntar sempre que observarmos um evento é: “É possível que para “E” a existência de Deus seja real?”. Nós vimos nesses dois artigos que há motivos para justificar que sim e que não há bons motivos para justificar que não.
(O autor continua sua brilhante exposição com algumas últimas observações, que ficarão na próxima parte)
O Problema do Mal (parte 4)
O Problema do Mal (parte 4)
Essa é a última parte do texto que mostra uma visão panorâmica sobre o Problema do Mal. Pretendo me concentrar em pontos mais específicos nas próximas partes.
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Aproveito para fazer mais duas observações que deixei de fora dos posts originais, mas que são interessantes. A primeira é a respeito do problema lógico e a segunda do problema probabilístico.
Sobre o problema lógico, alguns levantam a questão do Céu. Não seria ele um mundo possível onde as pessoas nunca fazem nada de ruim? Então, nesse caso, temos liberdade ou não?
Temos duas respostas e as duas são aceitáveis.
Pode ser que tenhamos liberdade. Mas talvez só seja possível criar um mundo de criaturas sem os “contrafactuais” ruins com uma etapa de seleção anterior (como essa seria). Poderia ser, por exemplo, que só pessoas que entrem livremente numa relação completa de amor com Deus consigam causar-se para não cometer atos maus mesmo com uma liberdade significante. Como Deus dá a opção de entrar ou não nessa relação, seria preciso essa “etapa” para criar um mundo livre sem tais contrafactuais. Se é possível, então ainda não há erros.
No segundo caso, pode ser também que seja o caso de perdemos a liberdade de alguma forma. As pessoas, nesse caso, poderiam fazer o sacrífico de parte de sua liberdade para viver com Deus. Mas o sacrífico seria voluntário para os que querem entrar estar lá. Deus dá a liberdade, mas as pessoas podem optar não tê-la (o que seria diferente de Deus tirar a liberdade, é bom frisar) em “troca” de algo.
Então essa objeção também falha.
Sobre o problema probabílistico, gostaria de elencar algumas justificativas teológicas (aí o autor passa a usar também a teologia cristã, antes disso estava usando puramente a filosofia) para o a existência do Mal que ajudariam a deixar mais clara alguns pontos. Utilizarei como base um artigo do Reasonable Faith. Seriam elas:
a. A moralidade de Deus não é igual a moralidade dada aos humanos: Muitos expressam o sentimento de que Deus não poderia determinar a morte de uma pessoa ou permitir o uso do sofrimento. A analogia usada é quase sempre é de um pai que mata um filho. Mas a analogia é falsa. Um pai e um filho estão no mesmo nível ontológico, pois são seres de mesma estatura (seres humanos). O pai só deu origem a outro ser humano, mas não pode dispor dos direitos dele. Já Deus é superior: Ele é o senhor da vida e da morte, então teria o direito de decidir sobre elas (basta lembrar que pessoas, quando discutimos pena de morte, não raro expressam essa idéia dizendo “O quê? Eles pensam que são o que para decidir sobre a vida dos outros? Deus?” ou ainda quando alguém falece: “Bom, Deus devia saber que essa era o melhor momento de levar ele”.) E, considerando a idéia de que Deus determinou a criação, ele nos fez mortais: nós iriamos morrer de qualquer jeito. Então se ele determinasse que prefere que uma pessoa viva 65 anos ao invés de 80 não haveria problema. Só um materialista pode julgar como pior das coisas a morte de uma pessoa, pois no materialismo essa é a nossa única chance e fim; mas se Deus existe, obviamente esse não é o caso.
b. O propósito da vida não é a felicidade terrena, mas conhecer Deus: um dos problemas com o Paradoxo é a tendência de achar que o propósito de Deus é criar felicidade para os humanos na Terra. Então se o mundo não é uma maravilha cor de rosa, onde eu tenho tudo que quero, AQUI e AGORA, significa que Deus não existe. A mentalidade moderna de “direitos” (todo mundo tem o direito de exigir qualquer coisa, por mais absurda que seja) e do “o importante é ser feliz” não possivelmente pode ter agravado esse pensamento. Mas no Cristianismo, isso é falso. Nós não somos os “cachorrinhos poodle” de Deus e a meta não é a felicidade nesse mundo, mas o livre conhecimento de Deus, que representa, em última instância, a maior e mais perfeita felicidade e completude humana de todas. Então momentos de dificuldade e tristeza na nossa vida podem ser justificadas como uma forma de baixarmos a guarda e nos reaproximarmos de Deus de forma mais estreita e duradoura o que, no fim das contas, é a melhor das coisas.
c. Conhecer Deus é o maior bem de todos: Conhecer Deus, uma fonte ilimitada de amor e compaixão, é um bem incomparável e o maior possível de toda a existência humana. Os sofrimentos dessa vida não são absolutamente nada comparados ao que seria o amor de Deus uma vez que estivessemos em uma relação livre com ele. Então uma pessoa que, no fim das contas, acaba conhecendo Deus poderia dizer, sem chances de arrependimento, não importa o quão dura fosse sua vida, não importa quantas dificuldades passou, “Deus é bom” – justamente pelo fato que nenhum mal chega perto de se equiparar ao conhecimento de Deus.
d. O conhecimento de Deus se estende na vida eterna: Segundo o Cristianismo, essa não é a nossa única vida. Todos aqueles que confiam e dedicam sua salvação à Deus terão acesso à vida eterna de uma felicidade incomparável. E quanto mais tempo passamos na eternidade, mais e mais aqueles momentos de sofrimento parecem apenas um momento minúsculo e infinitamente insignificante perto do que teríamos na nova situação. Imagine um mendigo que precise trabalhar duro durante um minuto para ficar para sempre numa ilha paradisíaca. Por maior que seja sua aversão ao trabalho, os benefícios fariam impossível ele reclamar desse breve momento de dedicação.
e. Crianças e mal natural: Muitos perguntam: “Mas e as crianças que morrem em desastres ou semelhantes?”. Observe que essa reclamação, como explicado acima, só serviria no materialismo, pois aí sim seria a única vida que temos. Não sendo esse o caso, podemos reclamar de uma criança que viveu pouco inevitavelmente? Talvez fosse o momento de Deus levá-las. Também é possível que nosso mundo esteja ajustado com uma quantidade de sofrimento (natural ou não) que permita o maior número de pessoas possível livremente aceitar Deus – poderia ser o caso de que menos pessoas (incluindo as próprias crianças) livremente iriam se salvar se elas não partissem agora e que mais pessoas entrariam na perdição eterna. Então, lembrando dos itens acima, esse seria um motivo justificável para crianças que vivem pouco.
f. Deus não fica parado – ao contrário, ele trabalha pela salvação de todos: de acordo com a visão de mundo cristã, Deus não fica parado olhando para as coisas ruins que acontecem aqui embaixo e dizendo: “Hm, é, isso aí.” Pelo contrário. Ele teria um papel ativo todos os dias tentando fazer as pessoas aceitá-lo e aproveitando oportunidades para pessoas abertas a Ele se aproximarem. Ele também aceitou sofrer numa escala sem precedentes para pagar nossos pecados. Então dependeria de nós aceitarmos sua redenção e seu convite – e nos livrarmos do mal que nos aflige para sempre.
Essas são algumas abordagens teológicas para a existência do Mal. Sempre haverá mais alguma teodicéia ou defesa que merecam notas – e você pode ler mais livros e pesquisá-las.
---------------------------------------------------------------------------------
O autor encerrou o texto aqui, e devo dizer que o problema realmente foi abordado de modo completo, sem deixar a desejar em nenhum ponto. Quero continuar a jornada de conhecimento com vocês. Na próxima postagem da série sobre "O Problema do Mal", falaremos de alguns detalhes sobre um dos assuntos sobre o Problema do Mal mais polêmicos: o inferno. Seria o inferno compatível com a bondade de Deus? Bem, já foi dada uma pequena pincelada nessa questão nos últimos textos, mas ainda há mais a ser discutido. Até a próxima, pessoal!
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