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Schleiermacher: pai da teologia liberal protestante  Dr_Schleiermacher


Schleiermacher: pai da teologia liberal protestante


Introdução

Friedrich Danill Ernst Schleiermacher nasceu na Breslávia em 1768 vindo a falecer em 1834. Ministrou aulas, de inicio, na universidade de Halles e posteriormente, precisamente a partir de 1810, na universidade de Berlim. Em 1797, em Berlim, conheceu F.Schlegel e passou a colaborar com a revista romântica “Athenaeum” cujo primeiro número saiu em 1798 vindo a cessar sua publicação em 1800, apesar da grande fama conquistada. Filho de pietistas adeptos da seita dos irmãos morávios, Schleiermacher foi bastante influenciado por ela, que orientava as almas unicamente para o sentimento da salvação em Cristo. Foi autor das seguintes obras: Discursos sobre a Religião em 1799, que será a pedra angular do protestantismo liberal e Monólogos em 1800. Em 1822 publicou Doutrina da Fé de grande importância para a teologia dogmática protestante. Um ponto importante de sua vida é que Schleiermacher foi um grande freqüentador dos salões judaicos de Berlim, especialmente da renomada Henriqueta Herz (1764-1847)[1], assim como F. Schlegel e Schiller, Mendelsshon, Salomom Maimom, Borne ente outros.[2] Ele foi o grande teólogo do Romantismo e pai de todo o Protestantismo Liberal[3] tendo sido bastante influenciado pelo filósofo judeu Spinoza e por Kant, além de por todo círculo romântico do qual ele fazia parte (Fichte, Hegel, Goethe, Schlegel).

Doutrina de Schleiermacher

Para o Romantismo a finalidade ultima do homem é alcançar a Unidade ou o Absoluto, cuja arte é apenas um meio para tal. Desta forma o Romantismo ganha uma atmosfera religiosa.[4] Influenciados por Jacob Boehme[5], que defendia que a natureza é divina, i.é., que Deus é imanente àquela e que o pecado seria exatamente esconder esta presença divina perturbando a profunda unidade entre Deus e a Natureza, os românticos irão ser defensores de uma nova religião que seria o subsídio para a nova humanidade romântica[6]. Assim sendo pode-se colocar Schleiermacher como o grande teólogo do romantismo.

Apesar dele não ter acompanhado, intelectualmente, a evolução da escola romântica, sendo refratário a algumas tendências e idéias desta, de qualquer maneira, ele irá perseguir aquilo que se tem como finalidade última do homem: a união com o Absoluto ou Totalidade. Para isso, Schleiermacher, não colocará na razão, mas no sentimento, no coração, a fonte de auto-redenção do homem. A religião para ele não seria nem pensamento, que estaria relacionado com a metafísica, nem o agir, que estaria relacionado com a moral, mas “intuição e sentimento do Infinito”.[7] Ele explica:

a religião “não aspira a conhecer e explicar o universo em sua natureza, como a metafísica, nem aspira a continuar o seu desenvolvimento e aperfeiçoá-lo através da liberdade e da vontade divina do homem, como a moral. A sua essência não está no pensamento, nem na ação, mas sim na intuição e no sentimento. Ela aspira intuir o Universo[...]”.[8].

E continua:

“A intuição do Universo (...) é a pedra angular de todo o meu discurso, é a forma mais universal e mais elevada da religião, através da qual podeis descobrir todas as suas partes e se podem determinar a sua essência e os seus limites do modo mais exato. Toda intuição deriva da influência do objeto intuído sobre o sujeito que intui, da ação originária e independente do primeiro sobre o que é acolhida, compreendida e concebida pelo segundo, em conformidade com a sua natureza.”.[9]

E ainda sobre a religião:

“Há de rechaçar a tendência de estabelecer seres e de determinar naturezas [...] a investigar as ultimas causas e a formular verdades eternas [...] não deve servisse do Universo para deduzir deveres, ela não deve conter nenhum código de leis [...] não pretende, como a metafísica, explicar e determinar o Universo de acordo com sua natureza, ela não pretende aperfeiçoá-lo e consumá-lo, como a moral [...] sua essência, não é pensamento nem ação, senão intuição e sentimento.”.[10]

Portanto é a ação do infinito sobre o homem que dá origem a intuição, e o sentimento é a resposta do sujeito. Este sentimento que reage à influência do infinito no homem é sentimento de total dependência deste ao Absoluto. Portanto a religião “não é nem uma crença dogmática, nem um código moral, senão um sentimento, e mais precisamente um sentimento de dependência[...].”.[11] Desta maneira a religião seria um conjunto dos conscientes de sua dependência do Absoluto, Absoluto este que é imanente ao mundo. Por isso ele diz: “Amar o espírito do mundo e contemplar gozosamente sua atividade, tal é a meta de nossa religião.”.[12] Toda construção dogmática é posterior, fruto deste sentimento de dependência. A Revelação não seria um conjunto de verdades dado por Deus a qual nós devemos assentir, mas algo subjetivo, que nasce de nossa consciência de dependência do divino, expressão de um infinito que está para além de nossa individualidade e que seria inefável em linguagem racional.

Neste ponto não há como não lembrar da encíclica Pascendi Dominici Gregis de São Pio X, em sua condenação ao modernismo, quando esta diz:

"A religião, quer a natural quer a sobrenatural, é mister seja explicada como qualquer outro fato. Ora, destruída a teologia natural, impedido o acesso à revelação ao rejeitar os motivos de credibilidade, é claro que se não pode procurar fora do homem essa explicação. Deve-se, pois, procurar no mesmo homem; e visto que a religião não é de fato senão uma forma da vida, a sua explicação se deve achar mesmo na vida do homem. Daqui procede o princípio da imanência religiosa. Demais, a primeira moção, por assim dizer, de todo fenômeno vital, deve sempre ser atribuída a uma necessidade; os primórdios, porém, falando mais especialmente da vida, devem ser atribuídos a um movimento do coração, que se chama sentimento. Por conseguinte, como o objeto da religião é Deus, devemos concluir que a fé, princípio e base de toda a religião, se deve fundar em um sentimento, nascido da necessidade da divindade."


Pai do Ecumenismo e da Evolução Dogmática

Se pode dizer com propriedade com BORMAUD que Schleiermacher foi o pai do ecumenismo[13], pois se afinal o que o homem tem é uma experiência com o divino, movido pelo sentimento de dependência daquele em relação a este, e que este sentimento é indizível, toda tentativa de expô-lo em palavras falsificará o mesmo. Assim não existiria uma religião verdadeira, mas todas seriam apenas fruto desta tentativa de união do homem com o Todo. Daí a necessidade de unir os homens dentro de uma mesma religião por cima de todos os credos e divisões dogmáticas. Como diz BORMAUD se referindo a Schleiermacher: “o dogma e toda a religião não tem mais valor do que sua utilidade prática. Uma religião não é válida por ser verdadeira, senão porque engendra um sentimento de piedade.[14] A própria Bíblia seria apenas um conjunto de experiências religiosas que tem por objetivo fazer com que os homens tenham as suas, daí o menosprezo do filósofo/teólogo em questão pelas Sagradas Escrituras: “Não tem religião quem crê em uma escritura sagrada, senão o que não necessita de nenhuma e inclusive ele mesmo seria capaz de fazer uma.”.[15] Todas as religiões estariam unidas por um impulso comum a todas elas. Os dogmas teriam que ser vistos apenas como um meio de se ter a experiência religiosa, portanto o que vale do dogma é apenas o seu espírito. BORMAUD diz sobre este ponto: “julgando com os diferentes sentidos da palavra símbolo, os protestantes modernistas passam do símbolo da Fé – o Credo – a fé simbólica. O dogma é tão só um símbolo.”.[16] Portanto, o símbolo da Fé é esvaziado de todo o seu conteúdo, sendo apenas fruto da experiência religiosa vivida por alguns que quiseram expressar em palavras o sentimento de dependência do Todo e ao mesmo tempo, só que sob um aspecto diferente, o dogma é meio para que outros possam ter sua própria experiência religiosa. Desta maneira, nenhum dogma pode ser fixo, já que ele existe produzido pelo próprio homem e é feito para o próprio homem; seu conteúdo pode , assim, variar, evoluir.

Conclusão

É esta mesma doutrina, panteísta - e porquê não dizer com o FEDELI, gnóstica[17] - que tem como pai Schleiermacher, que desembocará no chamado Protestantismo Liberal e que influenciará, infelizmente, enormemente a Igreja Católica, gerando o chamado Modernismo condenado pela encíclica supracitada. Este autor será a fonte de diversos outros teólogos liberais protestantes como Strauss, Neander, Ritschl, Harnack, Herrmann entre outros.


[1] Estes salões surgiram em 1780 com a direção de mulheres ricas e eruditas. Elas recebiam a visitas das personalidades mais destacadas da época: escritores, filósofos, poetas, nobres, políticos, militares, etc, sendo a de Herz a mais importante. (CARLÉS, Frederico Rivanera.La judaizacion del cristianismo y la ruina de la civilizacion: el verdadero caráter de la heterodoxia cristiana desde la antiguidad hasta nuestros dias. Instituto de Historia de S.S.Paulo IV:Buenos Aires, 2008, vol II, p.19 (tradução nossa))
[2] ibdem. p.19-20.
[3] O termo liberalis theologia encontra-se já no teólogo de Halle, Johann Salomo Semler (1725-1791), que tencionava indicar com isso um livre método de investigação histórico-crítica das fontes da fé e da teologia que não se sentisse vinculados aos dados posteriores da tradição dogmática. A teologia liberal nasce do encontro do liberalismo – como autoconsciência da burguesia européia do século XIX – com a teologia protestante. (GIBELLINI,Rosino. Teologia do século XX. São Paulo: Loyola, 2002, p.19)
[4] BORNHEIN, Gerd. A Filosofia do Romantismo. IN: GUINSBURG, J. O Romantismo. São Paulo:Perspectiva, 2005, p. 107
[5] Jacob Boehme (1575-1624) foi um sapateiro luterano que cresceu em meio às disputas que opunham místicos e alquimistas à ‘ortodoxia luterana’. Embebeu-se das doutrinas dos que ele chamava "altos mestres": Paracelso, Franck, Shwenkfeld, Valentim Weigel, e de outros autores alquimistas, astrólogos e místicos. Suas obras expõem as doutrinas que ele teria recebido por meio de visões místicas. Fedeli, Orlando. "Origens do Romantismo Alemão". MONTFORT Associação Cultural. http://www.montfort.org.br/index.php?secao=cadernos&subsecao=religiao&artigo=romantismo1&lang=bra Online, 06/01/2009

[6] BORNHEIN, Gerd. A Filosofia do Romantismo. IN: GUINSBURG, J. O Romantismo. São Paulo:Perspectiva, 2005, p. 107
[7]REALE,Giovanni. História da Filosofia: do Romantismo até nossos dias. São Paulo:Paulus,1990.vol III, p.31

[8] ibdem, p.32
[9] ibdem, p.32
[10] Schleiermacher, Sobre la religion. Discursos, p.11-12. apud CARLÉS, Frederico Rivanera. La judaizacion del cristianismo y la ruina de la civilizacion: el verdadero caráter de la heterodoxia cristiana desde la antiguidad hasta nuestros dias. Instituto de Historia de S.S.Paulo IV:Buenos Aires, 2008, vol II, p.24. (tradução nossa)
[11] BORMAUD, Dominique. Cien anos de modernismo: genealogia do Concilio Vaticano II. Buenos Aires: Fund. San Pio X , 2006, p.118 (tradução nossa)
[12] Schleiermacher, Sobre la religion. Discursos, p.53. apud CARLÉS, Frederico Rivanera. La judaizacion del cristianismo y la reuina de la civilizacion: el verdadero caráter de la heterodoxia cristiana desde la antiguidad hasta nuestros dias. Instituto de Historia de S.S.Paulo IV:Buenos Aires, 2008, vol II, p.25 (tradução nossa)
[13] BORMAUD, Dominique. Cien anos de modernismo: genealogia do Concilio Vaticano II. Buenos Aires: Fund. San Pio X , 2006, p.120
[14] ibdem, p.120 (tradução nossa)
[15] Schleiermacher, Sobre la religion. Discursos, p.79-80. apud CARLÉS, Frederico Rivanera. La judaizacion del cristianismo y la reuina de la civilizacion: el verdadero caráter de la heterodoxia cristiana desde la antiguidad hasta nuestros dias. Instituto de Historia de S.S.Paulo IV:Buenos Aires, 2008, vol II, p.22
[16] BORMAUD, Dominique. Cien anos de modernismo: genealogia do Concilio Vaticano II. Buenos Aires: Fund. San Pio X , 2006, p.123 (tradução nossa)
[17] Fedeli, Orlando."Origens do Romantismo Alemão". MONTFORT Associação Cultural. http://www.montfort.org.br/index.php?secao=cadernos&subsecao=religiao&artigo=romantismo1&lang=bra Online, 06/01/2009
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