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[Ellen White] Como ler, Interpretar e aplicar conceitos
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02122010
[Ellen White] Como ler, Interpretar e aplicar conceitos
"Ellen White e a Bíblia" (George Knight)
Um dos pontos que mais geram desentendimentos entre adventistas é como ler corretamente Ellen White. Para muitos, ela é autoridade final em questões de prática cristã e interpretação bíblica. Cito o exemplo de dois escritores adventistas da Austrália que chegaram a considerar Ellen White a maior "profetisa de todos os tempos."
Na questão de interpretação bíblica, Ellen White é considerada como palavra final. Ou seja, se ela interpretou certa passagem de certa maneira, então podemos descartar todas outras interpretações. Vejam que Ellen White nunca sequer se arrogou de ser a autoridade máxima em interpretação bíblica. Se assim fosse, ela estaria acima da própria Bíblia, podendo dizer exatamente o que ela significa. Até mesmo o White Estate, os depositários dos seus escritos concluíram que ela procurou fazer exegese de textos bíblicos somente em 2% do seu uso das Escrituras. Isso sem dúvida lança luz sobre a possibilidade de outras leituras sobre interpretação profética do Apocalipse e escatologia por exemplo.
Enfim, são questões que precisam ser abordadas a fim de evitar o extremismo tão contumaz em nossa Igreja. Abaixo posto seleções do capítulo 3 do livro "Como Ler Ellen White" do Dr. George Knight, professor emérito de história da Igreja da Andrews University.
Leia e repasse!
Capítulo 3 - Ellen White e a Bíblia (pág.26-27)
"Todo cristão, em conseqüência, deve tomar a Bíblia como regra perfeita de fé e de conduta. Deve orar com fervor para ser socorrido pelo Espírito Santo em seu estudo das Escrituras, na busca de toda verdade e de todos os seus deveres. Ele não tem a liberdade de dela se desviar para descobrir seus deveres através de um dom de qualquer tipo. Dizemos que a partir do momento em que ele age assim, o cristão coloca os dons em um lugar errado e toma uma posição extremamente perigosa. A Palavra deve ser colocada em primeiro lugar e a Igreja deve fixar-se nela, como regra de conduta e fonte de sabedoria, a fim de aprender o que é seu dever ‘em toda boa obra’. Mas se uma parte da Igreja se afasta para longe das verdades da Bíblia e torna-se fraca, doente, e o rebanho se dispersa e pareça necessário a Deus empregar os dons do Espírito para corrigir, fortalecer e curar os afastados, devemos fazê-lo. (Review and Herald, 21 abril 1851)
(...)em 1868, James White advertiu aos crentes que eles devem ‘deixar os dons no lugar que lhes é devido na Igreja. Deus nunca os colocou em primeiro lugar, ao nos orientar de considerá-los como um guia no caminho da verdade, como via para chegar ao céu. É Sua Palavra que Ele exaltou. A lâmpada, cuja luz clareia a marcha em direção ao reino é formada do Antigo e Novo Testamento. Sigam o Antigo e o Novo Testamento. Mas se vocês se afastarem para longe das verdades bíblicas e se vocês estiverem em perigo, é possível que Deus, em um momento de Sua escolha, vos corrija (por intermédio dos dons) e vos conduza à Bíblia.’ ( Review and Herald, 25 de fevereiro 1868).
"Assim, vemos que James White estava de acordo com sua esposa sobre o lugar de seu dom espiritual em relação à Bíblia. Esta posição reflete também o consenso dos outros responsáveis da Igreja adventista no seu começo. Seria difícil ser mais claro sobre este assunto.
Neste momento reconheçamos que se Ellen White, seu marido e os outros responsáveis adventistas cressem que seu dom de profecia estava subordinado à Bíblia, isto não significava que eles estimassem que sua inspiração fosse de qualidade inferior aos dos escritores bíblicos. Ao contrário, eles pensavam que a mesma fonte de autoridade que falava aos profetas da Bíblia se exprimia através dela.
Encontramos aqui um bom equilíbrio. Mesmo se os adventistas consideram sua inspiração de origem também divina como as dos autores bíblicos, eles não lhe atribuirão o mesmo lugar. Ellen White e seus companheiros adventistas sustentaram que sua autoridade era derivada da autoridade da Bíblia e não podia então lhe ser igual.
Infelizmente, alguns não prestam atenção aos limites que Ellen White colocou em seus próprios escritos. Tais pessoas colocam em primeiro lugar suas idéias de maneira errônea, além do limite das Escrituras, por meio de métodos de interpretação deficientes (que serão examinadas mais à frente). Suas idéias ‘novas’ e ‘progressistas’ contradizem às vezes não somente a Bíblia, mas ultrapassam também os limites estabelecidos por Ellen White, quanto ao uso de seus escritos. Nossa única segurança é ler Ellen White dentro do quadro bíblico. Devemos ter cuidado para não empregar seus escritos para salientar ensinos que não são claramente enunciados pelas Escrituras. Devemos também nos lembrar que o que é necessário para a salvação está já presente na Bíblia.
"... é necessário examinar ainda uma questão. Certos adventistas têm visto em Ellen White um comentarista infalível da Bíblia, no sentido de que deveríamos empregar seus escritos para estabelecer o sentido das Escrituras. Assim, um dos mais importantes escritores adventistas escreveu na Review and Herald em 1946, que ‘os escritos de Ellen White representavam um grande comentário das Escrituras’. Ele chegou a declarar que eles não eram comparáveis a outros comentários no sentido de que eles eram ‘comentários inspirados, suscitados pela ação do Espírito Santo e (que) isto lhe dava uma categoria particular, bem acima de qualquer outro comentário’. (Review and Herald, 9 de Junho 1946).
Mesmo que Ellen White tenha afirmado escrever sob o ponto de vista privilegiado da luz do Espírito Santo, ela não pretendeu que deveríamos tomar seus escritos como a última palavra do significado das Escrituras. A. T.Jones, ao contrário, em um artigo publicado em 1894 sobre o objetivo das obras de Ellen White, os considera como um intérprete ‘infalível’ da Bíblia. Ele alegou que o bom uso dos escritos de Ellen White, implicava em ‘estudar a Bíblia através deles’. Tal abordagem, dizia ele, faria de nós ‘grandes conhecedores das Escrituras’ (The Home Missionary Extra, dezembro 1894). A sugestão de Jones serviu de linha de conduta para numerosos adventistas do séc.XX.
É absolutamente essencial reconhecer que Ellen White rejeitou o emprego de suas obras como um comentário infalível. (...)"
"São combates teológicos que dividiram os principais pensadores adventistas durante quase três décadas.
O conflito girava em torno da compreensão suposta das passagens bíblicas relativas a essas duas questões. Segundo alguns de seus leitores, em um testemunho escrito aproximadamente em 1850, ela havia definido a lei, nas epístolas aos Gálatas, como a lei cerimonial. Para essas pessoas, era a prova irrefutável da identificação da lei. Mas a solução apontada conhecia uma dificuldade. O testemunho em questão tinha sido perdido e então a “prova” estava longe de ser conclusiva.
A resposta de Ellen White à esta crise teológica é instrutiva. No dia 24 de outubro de 1888, ela disse aos delegados divididos na sessão da Conferência Geral de Minneapolis, que a perda do testemunho no qual ela havia alegadamente resolvido a questão de maneira definitiva, aproximadamente em 1850, era providencial. “Deus, afirmou ela, tem aqui uma intenção. Ele quer que façamos referência à Bíblia para obter o testemunho das Escrituras.” (1888 Materials, 153) Em outras palavras, ela era mais interessada pelas afirmações bíblicas sobre o assunto do que pelas suas. Mas os delegados dispunham de seu livro Sketches From the Life of Paul (1883), que parecia fixar definitivamente seu selo de aprovação sobre a interpretação da lei cerimonial.
"Qual foi a reação de Ellen White ao emprego de seus escritos? No dia mesmo, antes que alguém colocasse em primeiro lugar o argumento tirado do Sketch, ela declarou aos delegados: “Não posso tomar posição por uns ou por outros (sobre a questão de Gálatas), antes de ter estudado a questão.” (1888 Materials, 153) Em resumo, ela rejeitou a abordagem dos que quiseram se servir dela como um comentarista infalível. A essência da sua resposta global está em sua declaração aos delegados: “Se vocês sondarem as Escrituras de joelho, então, vocês conhecerão e serão capazes de responder a quem quer que pergunte a vocês a razão da fé que está em vocês.”(Ídem, 152)
Ellen White manteve a mesma posição vinte anos mais tarde, por ocasião de uma controvérsia sobre a definição do “diário”, em Daniel 8. Nesta disputa, os que defendiam a antiga interpretação pretendiam que a nova derrubava a teologia adventista, em razão do fato de que uma declaração de Ellen White, nos Primeiros Escritos, sustentava a compreensão tradicional. O chefe da fila dos que defendiam a antiga interpretação afirmava que uma mudança em relação a posição estabelecida minava a autoridade de Ellen White. Ele era muito explícito em seu ponto de vista sobre as relações de seus escritos com a Bíblia. “Deveríamos compreender tais expressões com a ajuda do Espírito de Profecia [manifestado nos escritos de Eleen White]. [...] É neste sentido que o dom de profecia nos foi concedido. [...] todos os pontos devem ser resolvidos” desta maneira. (S.N.Haskell à W.W.Prescott, 15 de novembro 1907)
"Ellen White mostrou-se em desacordo com o argumento. Ela pediu que seus escritos “não sejam empregados” para resolver o problema. “Peço aos pastores H., I.,J. e outros membros dirigentes, de não se servir de nenhuma maneira das minhas obras para sustentar suas idéias concernentes ao “diário”. [...] Não posso de maneira nenhuma admitir que meus escritos sejam invocados como dando a solução do problema. [...] Não recebi nenhuma instrução sobre este ponto doutrinário.” (Mensagens Escolhidas vol 1, 193)
Assim nos dois debates sobre o “diário” e sobre a lei em Gálatas, Ellen White tomou posição para que seus escritos não sejam empregados para estabelecer o sentido da Bíblia, como se ela fosse um comentarista infalível."
Os que querem fazer de Ellen White um comentarista infalível da Bíblia vão de encontro aos seus próprios conselhos e lançam por terra praticamente suas palavras. Eles fazem dela a luz maior para explicar a luz menor que seria a Bíblia. Robert W. Olson, diretor aposentado do White Estate*(Fundação White) explica bem as dificuldades inerentes a abordagem que consiste em se apoiar sobre um comentarista infalível, quando ele escreve que: “dar à um indivíduo um controle absoluto sobre a interpretação da Bíblia consistiria, praticamente, a elevar esta pessoa acima dela. Seria um erro permitir, mesmo ao apóstolo Paulo, de exercer um controle sobre a explicação de todos os outros autores bíblicos. Em um caso parecido Paulo, e não a Bíblia inteira, representaria a autoridade final.” (One hundred and One Questions, p.41). Nossa única segurança é autorizar os autores da Bíblia a falar por eles mesmos. O mesmo acontece para Ellen White. Leia cada autor por sua própria mensagem, em seu contexto.
Olson aponta uma questão importante quando ele nota que “os escritos de Ellen White são geralmente de natureza homilética ou são orientados em direção à evangelização. Eles não são de natureza estritamente exegética.” (idem). Howard Marshall nos ajuda a discernir um pouco mais esta idéia, quando ele ressalta que “a exegese, é o estudo da Bíblia [...] para determinar com precisão o que diversos autores têm procurado dizer à quem se destinava suas mensagens”, enquanto que “o comentário é o estudo da Bíblia para determinar o que ela quer nos dizer.”(Biblical Inspiration, p. 95,96)
"Você pode se perguntar: “Como isto se aplica às relações de Ellen White com a Bíblia?” Simplesmente da seguinte maneira: Ellen White sempre direcionou seus leitores à Bíblia para que eles estudassem e descobrissem o que seus autores tinham a dizer (exegese). Mas, além disso, ela sempre aplicava os princípios das Escrituras ao seu tempo e ao seu lugar (comentário). Nos dois casos ela serviu, como ela dizia, como "uma luz menor para levar homens e mulheres à luz maior"(Colporteur Ministry 125).
Ela não queria dizer que ela tinha um grau de inspiração menos importante que os dos escritores bíblicos, mas que a função de seus escritos era de conduzir as pessoas à Bíblia.
Tendo examinado o importante conselho de não fazer de EW um comentarista infalivel do significado das Escrituras e tendo reconhecido que ela se manifestou "geralmente" na ordem da homília(sermão) mais do que na exegese, é importante notar que de tempos em tempos, ela se manifestou sobre a exegese de um texto. Devemos determinar quais comentários são de natureza exegética, lendo estes comentários relacionados ao contexto específico de passagens da Bíblia em questão." Olson foi muito feliz ao escrever: "Antes de afirmar que EW interpreta um texto para seus leitores de um ponto de vista exegético, deve-se estar previamente seguro de como ela utiliza o texto dado." (One Hundred and One Questions, p. 42).
"Siga um plano de leitura"
Todo cristão deveria adotar um plano de leitura. Como um alimento material alimenta o corpo, o lado espiritual da vida é alimentado quando “comemos” (ver Jeremias 15:16) os conselhos e as promessas de Deus. Uma fé alimentada se fundamenta no conhecimento da maneira como Deus conduziu Seu povo no curso da história, no reconhecimento do cuidado diário que Ele tem por nós e na compreensão de Suas promessas. A fonte de tais informações se encontra nos conselhos que Deus deu aos Seus profetas ao longo da história judaico-cristã.
Se compreendemos bem Ellen White, deveríamos começar pela Bíblia e não por suas obras. No entanto, mesmo pela Bíblia, temos necessidade de um plano de leitura. Aliás, se alguém começar sua leitura no meio do livro de Levíticos ou do Deuteronômio, se perde na massa de sacrifícios ou das leis cerimoniais.
Outros, mesmo, se amparam de sua Bíblia e se engajam a ler um certo número de páginas cada dia, depois do Gênesis até o Apocalipse. Isto pode funcionar para alguns debutantes (ou mesmo veteranos), mas a maioria (após ter percorrido alegremente o Gênesis e a metade do Êxodo) são desencorajados quando encontram, na segunda metade do Êxodo, as descrições meticulosas do mobiliário do santuário terrestre e as vestimentas do sacerdote. ‘Oh! Como é terrível ler a Bíblia inteira’, concluem fechando a capa.
A melhor maneira de começar a leitura da Bíblia é sem duvida começar pelos quatro evangelhos. Afinal de contas, o tema central da Bíblia não é Jesus, Sua vida e Sua morte por nossos pecados?
"Assim, minha primeira sugestão é que elabore um programa seguido da leitura dos quatro evangelhos, de Mateus a João. Aprenda a conhecer a Jesus. Remarque a maneira como ele entra em contato com as pessoas de todas as classes, retenha a essência de Seu ensinamento e de Seus sermões (em particular o sermão da montanha) e conheça Suas promessas. Não se inquiete se não compreender tudo o que lê. Os que passam toda a sua vida a estudar os evangelhos descobrem novas idéias a cada leitura. Leia para si as bênçãos que Deus reserva, no seu nível de compreensão. Posso acrescentar que uma boa tradução moderna contribui muito para tornar a leitura mais proveitosa."
"Quando tiver percorrido um pouco os evangelhos, abordem a história da Igreja primitiva registrada em Atos dos apóstolos. Após Atos, você tirar vantagem da leitura dos grandes histórias narradas no Antigo Testamento (Gênesis, Êxodo 1-20, textos de Números, e todos os livros de Josué à Esther). Uma vez mais, você não precisa compreender tudo para estar enriquecido.
Até aqui, você percorreu a Bíblia como uma história. Agora tente as cartas do Novo testamento e a poesia, a profecia e a lei no Antigo testamento. Á medida em que você explorar as seções mais complexas da Bíblia, procure ligar seu novo conhecimento às narrativas que leu anteriormente. Após isto, estará apto a ler a Bíblia, do começo ao fim.
(...)Após a Bíblia, você encontrará mais gozo na leitura de outros livros cristãos, inclusive nos de Ellen White. No entanto, ela escreveu muitos! Por onde começar?
Sugiro não começar com as compilações temáticas como o Lar Adventista, ou Conselhos Sobre o Regime Alimentar. Praticar assim seria comparável a uma leitura da Bíblia à partir de Levíticos. Seria muito fácil perder-se nos detalhes.
Como para a leitura da Bíblia, é preferível começar por uma visão geral. Nos livros de Ellen White, comece pela série do grande conflito. Seus cinco volumes cobrem todo o período do conflito cósmico entre o bem e o mal, entre Cristo e Satanás. E como Cristo é essencial, o livro intitulado Vida de Jesus constitui um bom ponto de partida.
"Ler os Testemunhos é muito benéfico. Eles tratam de quase todos os acontecimentos e problemas da história dos sessenta primeiros anos do movimento adventista. O leitor dos Testemunhos terá vantagem de ter em suas mãos um livro sobre a história do movimento adventista, tal como meu livro Anticipating the Advent: A Brief History of Seventh-Day Adventists ou o de Richard Schwarz, mais amplo, intitulado Light Bearers to the Remnant, e os seis volumes biográficos sobre Ellen White escritos por Arthur White, para conhecer os antecedentes e o contexto. O The Seventh-day Adventist Encyclopedia constitui outra fonte de informação histórica.
Aos que estão prontos a ler livros de conselhos adquirindo uma visão geral recomendo fortemente uma obra temática antes de se lançar em uma compilação enciclopédica. Assim, uma pessoa interessada por uma vida consagrada deveria ler A Ciência do Bom Viver antes de ler Conselhos Sobre o Regime Alimentar. Da mesma forma, os que estão envolvidos com a educação deveriam ler Educação antes de examinar Fundamentos da Educação Cristã. Praticar nesta ordem dá ocasião de ter uma visão ampla antes de entrar num domínio mais específico. Tal abordagem permite ao leitor de colocar as peças que ele encontra nas compilações temáticas em um conjunto equilibrado."
"Para a leitura de compilações, dou uma advertência. Ellen White deu seus conselhos para diversas pessoas, em circunstâncias muito diferentes. Em nenhum momento, um leitor não pode ter vivido todas estas situações de uma vez. Assim deve estar consciente que o objetivo de uma compilação temática é juntar todas as situações sobre um assunto em um só volume.
Em conclusão, é preferível, portanto, desenvolver um plano de leitura que avança progressivamente, a partir de uma visão geral para examinar os detalhes.
Os leitores encontrarão também algumas utilidades nos quatro volumes do Comprehensive Index to the Writings of Ellen G. White e no CD-Rom da Fundação White (White estate), que contem todas as obras de Ellen White publicadas em inglês, para estudar diversos assuntos interessantes de seus escritos. Um último conselho: tenha à sua disposição uma caneta, quando estiver lendo. Numerosos são os que acham útil sublinhar as idéias ou os pensamentos centrais de cada parágrafo ou de cada página.
Enfim, para terminar este capítulo, aqui vai um bom conselho de F.E.J.Harder: “Seja honesto com você mesmo e com o autor. Não limite sua leitura (de Ellen White) á procura de textos-prova, de declarações chocantes, de conselhos isolados ou de parágrafos esclarecedores, mas leia os livros como ela os escreveu. Claro, as compilações são excelentes para encontrar referências. No entanto, para se tornar um autêntico conhecedor de Ellen White, para saber o que realmente ensinou, para avaliar o impacto de seus pensamentos sobre sua compreensão e experiência para estimular a sua vida, algumas atividades podem valer a pena o esforço da leitura dos escritos em um momento inspirados e inspiradores de Ellen White, no contexto literário e editorial, que são emitidos a partir de sua pena.” (What Ellen White Has Meant to Me, H.E.Douglass, Edit., p. 117).
"Concentre-se no Essencial"
Uma pessoa pode ler documentos inspirados pelo menos de duas maneiras: Uma consiste em examinar os temas principais tratados pelo autor, outra à procura de coisas que são novidades e particulares. A primeira conduz ao que podemos chamar de teologia do centro, a outra a uma teologia periférica.
Durante muitos anos, segui a segunda via em minhas leituras de Ellen White e da Bíblia. Sem pensar nas conseqüências do que fazia, comecei a colecionar as citações da Bíblia e de Ellen White que me pareciam fora do comum, estas que traziam ‘idéias novas’ que ninguém havia descoberto ou assinalado. No meu ardor, procurei sempre declarações as mais extremas sobre os assuntos ‘novos e diferentes’ que me interessavam, lhes extraindo do seu contexto e constituía minhas próprias compilações. Após estar mais ou menos satisfeito, pela descoberta, sentia-me na missão de convencer meus amigos crentes do valor das ‘idéias avançadas’ o que havia recolhido em Ellen White e na Bíblia.
Infelizmente, este método de estudo produziu uma teologia que o próprio Deus não reconhecia. Uma técnica que findava em distorções e a insistências que não se encontravam originalmente nos escritos inspirados.
Tal procedimento conduziu os fundadores de uma das Igrejas ao crescimento mais rápido do mundo a batizar os vivos em favor dos seus ancestrais mortos.
Observando que em 1 Coríntios 15:29 alguns Corintianos se batizavam em nome de alguns que estavam mortos, este movimento moderno fez deste conceito um elemento fundamental de sua fé, embora tal prática contradiga o sentido profundo do batismo que encontramos no restante do Novo testamento, e que é uma resposta da fé em conseqüência do arrependimento. Este assunto é tocado apenas em um lugar no Novo testamento. É algo marginal, que contradiz o claro ensinamento do apóstolo Paulo sobre a salvação. Esta contradição deveria ter servido de advertência. Tomar um texto obscuro como fundamento de uma doutrina não sai de graça.
O capítulo 15 de 1 Coríntios trata de um assunto decisivo para a teologia cristã, a saber, a realidade da ressurreição corporal de Cristo e a ressurreição, no fim dos tempos, dos que crêem Nele. Esta doutrina essencial está no centro do Novo Testamento. Entretanto, alguns em Corinto, duvidavam da ressurreição de Cristo e da futura ressurreição dos santos. Aos que descriam, Paulo respondeu, que a fé deles era vã se não havia ressurreição que eles eram os mais infelizes dos homens. (cf. v. 12-19)
Esta confusão ia, para alguns dentre eles, até a prática do batismo pelos mortos. Se seguirmos a argumentação do capítulo, é evidente que Paulo não defende a prática do batismo pelos mortos, mas que ele pergunta aos coríntios porque eles agem assim se eles não crêem de forma alguma na ressurreição dos corpos. Paulo coloca em evidência a contradição deles e sugere que a lógica deles deveria lhes conduzir a uma conclusão razoável.
Para concluir, digamos que alguns coríntios não tinham clareza com relação à ressurreição e o batismo. No entanto, algumas pessoas dos tempos modernos descobriram em 1 Coríntios 15:19 o que eles consideraram como luz nova e têm empregado este texto isolado e obscuro como fundamento de uma de suas maiores doutrinas.
Uma abordagem da leitura que dá ênfase sobre o que é diferente e novo conduz à teologia periférica. E tal teologia está sempre longe de ser bíblica. (...)
Paulo começa dizendo a seus leitores que o centro do Evangelho (ou boas novas) é o Cristo morto por nossos pecados e ressuscitado dos mortos (v.1-4). Ele conclui com a promessa da ressurreição no fim dos tempos dos que aceitaram as boas novas da morte e da ressurreição do Cristo em seu favor. (v.51-56).
O tema central do capítulo é a ressurreição, não o batismo dos mortos. Este último fornece a Paulo somente uma ilustração de pano de fundo, com a ajuda desta ilustração Paulo coloca em evidência a incoerência dos Coríntios em relação ao assunto tratado. Utilizar uma ilustração para dela fazer uma doutrina é um erro. Elaborar uma teologia periférica pode permitir a qualquer um chegar a “novas luzes”, mas finalmente esta luz pode parecer trevas quando colocada no contexto do ensinamento central e sólido da Bíblia.
É trágico que numerosos ávidos leitores de Ellen White colocam evidência sobre uma leitura que conduz a uma teologia periférica. Ellen White tomou posição firme contra tal uso de seus escritos. Ela pediu a seus leitores “para tomarem cuidado com as questões secundárias cuja tendência é desviar a mente da verdade.” (Counsels to Writers and Editors, 47)
Segundo seu conselho, “deveríamos estar atentos à maneira como recebemos tudo o que é chamado de novas verdades. Devemos ser cuidadosos, por receio de sob a cobertura de uma pesquisa por novas verdades, Satanás não desvie nossa mente de Cristo e das verdades particulares para o nosso tempo. Foi me mostrado que o inimigo usa de estratégias que consiste em conduzir os pensamentos a se preocuparem com qualquer ponto obscuro e sem importância, qualquer coisa que não é plenamente revelada ou que não é essencial para nossa salvação. Ele o transforma em algo que sufoca a “verdade presente”. (Counsels to Writers and Editors, 49)
Os anjos de Satanás, aliás, escreve ela, são inteligentes para fazer o mal e criam o que alguns chamam de uma nova luz de vanguarda e proclamam como coisas novas e maravilhosas. Na verdade, pregam “questões secundárias”. (Testemunho para Ministros e Obreiros Evangélicos, 229)
O que é que torna o ensinamento de numerosos apóstolos da “nova luz” tão impressionante em sua evidente sinceridade e faz com que muito do que eles têm a dizer possa uma verdade necessária? Como podemos dizer que estamos no centro ou que nos afastamos para além do que é verdadeiramente importante? Escutemos o que Ellen White dá como resposta a essas questões.
No livro Educação se encontra uma passagem significativa. Ela escreveu: “A Bíblia explica-se por si mesma. Textos devem ser comparados com textos. O estudante deve aprender a ver a Palavra como um todo, e bem assim a relação de suas partes. Deve obter conhecimento de seu grandioso tema central, do propósito original de Deus em relação a este mundo, da origem do grande conflito, e da obra da redenção. Deve compreender a natureza dos dois princípios que contendem pela supremacia, e aprender a delinear sua operação através dos relatos da História e da profecia, até à grande consumação. Deve enxergar como este conflito penetra em todos os aspectos da experiência humana; como em cada ato de sua vida ele próprio revela um ou outro daqueles dois princípios antagônicos; e como, quer queira quer não, ele está mesmo agora a decidir de que lado do conflito estará.” (Educação 190)
Uma passagem similar sobre o “grande tema central “da Bíblia a define mais precisamente: “O tema central da Bíblia, o tema em redor do qual giram todos os outros no livro, é o plano da redenção, a restauração da imagem de Deus no ser humano. (...) Se consideramos [os textos bíblicos] em relação ao grande pensamento central, seu valor e alcance tornam-se imensos. Cada assunto ganha então um novo sentido.” (Educação, 141)
Tais passagens nos indicam o caminho a seguir para a leitura da Bíblia e dos escritos de Ellen White. Leiam para ter uma visão geral. Leiam para descobrir os grandes temas centrais. O alvo da revelação de Deus para a humanidade é a salvação. Esta salvação é orientada em direção a cruz de Cristo e nossa relação com Deus. Toda nossa leitura se situa neste contexto e as questões que são próximas do tema central são evidentemente maiores que as periféricas.
É nosso dever como cristãos nos preocuparmos mais com as questões centrais da Bíblia e dos escritos de Ellen White do que com as questões marginais. Se agirmos assim, as questões secundárias ficarão em seus lugares no contexto do “grande tema central” da revelação de Deus ao Seu povo. Por outro lado, concentrar-se em primeiro lugar nos assuntos secundários do cristianismo conduz não somente a compreensões deturpadas, mas cria também problemas na aplicação dos conselhos de Deus para a vida. Manter-se constantemente no limite de casos leva ao desequilíbrio e fanatismo.
Ao contrário, ler a partir dos “grandes temas principais” da Escritura nos ajuda a colocar toda coisa na sua própria perspectiva. É a via da saúde espiritual. É o ponto essencial que Jesus colocou em evidência, segundo os evangelhos, quando Ele procurava conduzir os Judeus de Seu tempo à compreensão do que era a verdadeira religião.
Jesus visava elaborar uma teologia do centro e não uma periférica. Ele deseja que façamos o mesmo. Deveríamos não somente ler tudo o que Ellen White escreveu do ponto de vista do “grande tema central do cristianismo”, mas ainda, ler cada livro particular ou cada capítulo, por sua contribuição maior à nossa compreensão deste tema. Ler “de forma cristã” é ler sob o ângulo do grande conflito entre o bem e o mal, sob o ângulo da cruz de Cristo."
"Sublinhar o Importante"
Nossa comunidade está quase dividida a propósito do uso das toalhas longas ou curtas no serviço da Santa Ceia. Pessoalmente, sou de acordo com o uso das toalhas curtas, mas alguns novos membros acham que existe desorganização quando empregamos as outras. Gostaria de saber quais toalhas irmã White usava.”
“Existe alguma coisa sobre este assunto em seus escritos? (Uma mulher acredita que havia qualquer coisa no livro Primeiros Escritos.) Finalmente, o uso de toalhas longas era comum no início da mensagem?” Assim escreveu R.Shaffer à Arthur L. White em novembro de 1933.
Esta carta poderia estar entre os clássicos do uso abusivo dos escritos de Ellen White. Primeiro, faz de um assunto sem importância bíblica uma maçã da discórdia. Depois, tenta resolver o problema fazendo apelo ao exemplo pessoal de Ellen White e à tradição adventista.
Talvez o mais impressionante desta carta, seja que tal congregação tenha novos membros como testemunhas de tal desordem. Para mim, pessoas com o mínimo de bom senso não entraria em tal igreja. E, no entanto, um número decepcionante de reuniões adventistas faz regularmente esse estado de "feiras de espetáculos".
A resposta de Willie White à carta coloca o problema na sua justa perspectiva. Ele ressalta que todas as vezes que sua mãe “participou da lavagem dos pés, ela utilizou as toalhas colocadas à disposição pelas diaconisas da igreja sem comentário ou crítica. É minha opinião que ela considerava tal questão como de importância secundária.” (Willie C. White à R. Shaffer, 15 de dezembro de 1933).
Trata-se de uma teologia de periféricos. A carta sobre o tamanho das toalhas da comunhão é um exemplo típico da maneira como podemos colocar a ênfase sobre a “nova luz” do secundário. No entanto, para esta comunidade, tornou-se um problema central.
O que teria acontecido se Ellen White tivesse preferido uma toalha à outra? O que isto poderia significar para a Igreja? Nada! No máximo teríamos conhecido sua preferência pessoal. Um grande número de adventistas tem tido tendência a colocar Ellen White no lugar de Jesus. Ele é nosso modelo, não ela.
Colocar a vida de Ellen White em primeiro plano de nossa religião é idolatria e não cristianismo. Ellen White experimentou isto que digo. Assim, quando alguns líderes da igreja quiseram que seu exemplo fosse autoridade em matéria de reforma sanitária, ela declarou que se era assim, ela “não daria um tostão por sua reforma sanitária.” (Manuscrit 43ª, 1901). Ela afirma que as convicções deles deveriam ser postas sobre qualquer coisa mais sólida que sua vida pessoal.
O número de candidatos a levantar importância de ninharias da Bíblia é sem limites. A questão da barba é outro exemplo de argumentação adventista.
Um documento de meus arquivos porta por título: “Quarenta [sic] e uma razões bíblicas pelas quais os homens devem deixar a barba crescer.” Uma das mais impressionantes é que, segundo Mateus 10:30, Deus contou o número de cabelos de nossa cabeça. Por que seríamos tão arrogantes para cortar o que Deus toma conta ao ponto de contar?
Um outro argumento adianta que Deus criou o homem barbudo e é então um ato culpável apagar a imagem de Deus ao se barbear. Ou ainda, um homem não deve portar o que porta uma mulher (Deuteronômio 22:5) e as mulheres são imberbes. No mesmo sentido, o artigo salienta que “os efeminados não entrarão no reino de Deus”. O ponto decisivo da argumentação no manuscrito, é que “o Cristo, nosso exemplo, tinha uma barba”. Outros adventistas ampliaram o assunto a tal ponto que eles colocaram sob o mesmo plano a marca da besta e o barbear.
‘O barbear’, escreveu um advogado abstêmio em um documento intitulado O ano de 1940: uma outra chamada para a Igreja do resto, é um dos deuses deste mundo de hoje [...]Quando vocês se barbeiam, não estão adorando a Deus, mas ao diabo. Ele tentou mudar o quarto mandamento. Agora, tenta modificar o primeiro. [...] Quando você tenta progredir sob o poder da mão de Deus, e se barbeia, você faz uma grande confusão e terá que responder no futuro.”
James White tentou, a partir de 1857, desvendar o véu da fascinação pela qual os adventistas abordavam a questão do barbear. Ele escreveu: “Devemos pedir desculpas por ter mostrado um interesse qualquer pela questão ou ter discutido os méritos ou os deméritos na Review, pois não podemos considerar que se trata de uma questão bíblica. [...] Recomendamos permanecer neutro (sobre a questão da barba) e a neutralidade na matéria hoje, é o silêncio.”(Review and Herald, 25 de Junho de 1857)
Mais é impossível ganhar com aqueles que estão preocupados com qualquer área da teologia dos periféricos. Um desses “santos” pretendeu mais tarde que James teria sido infeliz por ter permanecido neutro sobre a questão. Portanto, uma das barbas mais espinhosas, evidentemente votou contra o barbear.
Tais argumentos especiais são um dos traços comuns dos que elaboram as teologias dos periféricos selecionando citações tendenciosas sobre um assunto ou outro e aplicando sua razão a “cortar os cabelos em quatro” do que eles colheram.
Como era de se esperar, Ellen White estava de acordo com a posição do seu marido. Willie White escreveu em 1907 que, “quando os irmãos vieram falar com ela expressando suas graves preocupações sobre o assunto ( a barba), ela declarou que seria melhor para eles que empregassem seu tempo e inteligência em questões mais importantes.” (Willie C. White à M. Hirst, 24 de fevereiro de 1907). Por várias vezes, Ellen White levou às questões maiores da Escritura os que aumentavam pontos menores, em particular ao plano da salvação e à missão do povo de Deus. E foi assim mesmo por questões doutrinárias.
Por exemplo, a discussão sobre a identidade do “contínuo” em Daniel 8, dividiu os líderes adventistas durante mais de dez anos. Embora alguns agitadores tenham se servido de suas declarações para sustentar seus pontos de vista, ela afirmou categoricamente que eles haviam se enganado de rota. “O inimigo de nossa obra se agrada quando um assunto de menor importância pode ser usado para desviar a mente de nossos irmãos, das grandes questões que devem constituir a preocupação de nossa mensagem.” Uma vez que não seja uma questão capital, exorto meus irmãos a não dar a vitória ao inimigo fazendo disto um caso de consciência. " (Mensagens Escolhidas vol1, 164-165)
Ela fez uma declaração parecida com relação ao debate sobre a natureza da lei na epístola aos Gálatas, que dividiu a Igreja nos anos 1880 e 1890. Não era para ela um problema importante, embora alguns líderes tenham se servido de seus escritos para dar amplitude à questão. Ela tomou uma posição parecida em uma das controvérsias teológicas mais decisivas do adventismo contemporâneo, esta da natureza humana de Cristo (uma vez mais, largamente apoiada por citações dos seus escritos). No fim da sua análise mais longa sobre o assunto, não somente ela advertiu sobre o perigo de querer tudo provar, mas foi até a dizer “Que existem questões que não são necessárias ao aperfeiçoamento da fé” (Lettre d’Ellen White, 8,1895)
Em sua opinião, tem numerosas coisas claramente reveladas que estão no centro da fé e do ponto de salvação. É em direção a estes pontos que ela constantemente enviou seus leitores. Ela os aconselhava, sem cessar, para que se apegassem ao que é importante.
Assim, embora pudesse fazer comentários ao longo se seus conselhos à Igreja, sobre questões tais como as toalhas da santa ceia, a barba, ou a lei em Gálatas, para ela, estas questões não eram essenciais. Da mesma maneira, quando Jesus disse a seus ouvintes que todos os seus cabelos são contados (Mateus 10:30), sua intenção não era denunciar ou encorajar a barba, mas de exaltar o amor de Deus e o valor infinito de cada ser humano aos seus olhos. Jesus colocou constantemente a ênfase sobre as questões maiores da vida e procurou conduzir os Judeus de seu tempo a se ocuparem das coisas verdadeiramente essenciais da religião. Tomado em seu contexto mais amplo, Ellen White fez o mesmo.
Antes de concluir este assunto, devemos examinar outra questão. Saber se tudo o que Ellen White escreveu era inspirado. O que é isso? Poderiam perguntar alguns, se uma idéia ou um fato “não inspirado” encontra espaço em seus escritos? Essa questão é de uma importância particular, na medida em que Ellen White declarou ser conduzida por Deus em suas cartas e suas entrevistas, assim como no desenvolvimento de seus livros e de seus artigos. (ver Mensagens escolhidas vol 1, 50-51)
A resposta clássica a esta questão, é que Ellen White tratou de assuntos comuns e de assuntos sagrados. Ela não somente escreveu cartas familiares sobre os assuntos “comuns de todos os dias” (ver cartas 201,202, 1903), como falou também de coisas banais em seus escritos endereçados a outras pessoas.
Por exemplo, em 1909, ela lembra uma experiência que ela fez com E.S. Ballenger, ancião responsável pelo sanatório de Paradise Valley, a propósito do número de quartos do estabelecimento. Ele declarou ter perdido a confiança nela porque ela havia dito “que o sanatório continha 40 quartos, quando ele tinha apenas 38”. Quando Ellen White expôs o caso de Ballenger, ela fez uma distinção entre o sagrado e o profano.
“A informação quanto ao número de quartos no Sanatório Vale do Paraíso foi dada, não como uma revelação vinda do Senhor, mas simplesmente como uma opinião humana. Nunca me foi revelado o número exato dos quartos de qualquer de nossos hospitais; e o conhecimento que tenho obtido dessas coisas, tive indagando dos que se esperava que soubessem. [...]
Há vezes, porém, em que devem ser declaradas coisas comuns, pensamentos comuns precisam ocupar a mente, cartas comuns precisam ser escritas e informações dadas, as quais passaram de um a outro dos obreiros. Tais palavras, tais informações, não são dadas sob a inspiração especial do Espírito de Deus. São por vezes feitas perguntas que não dizem respeito absolutamente a assuntos religiosos, e estas perguntas precisam ser respondidas. Conversamos acerca de casas e terras, negócios a serem feitos, locais para nossas instituições, suas vantagens e desvantagens.
Recebo cartas solicitando conselhos acerca de assuntos estranhos, e aconselho segundo a luz que me tem sido comunicada.” (Mensagens escolhidas vol1, 38-39)
Embora a distinção entre o sagrado e o profano tenha sido a posição tradicional sobre a questão de saber se tudo o que Ellen White escreveu é inspirado, alguns têm sugerido que Ellen White nunca foi capaz de fazer comunicações particulares ou pessoais sobre assuntos religiosos ou de assuntos com implicações religiosas. Esta sugestão levanta um importante debate com relação à Ellen White e os profetas da bíblia. Estavam eles totalmente invadidos por Deus a ponto de perder sua individualidade religiosa?
Esta questão nos traz à mente o caso do profeta Natã. Após ele haver dito a Davi que ele era o homem que construiria o templo, um mensageiro do Senhor o informa que não seria Davi, mas seu filho que o faria. (2 Samuel 7; 1 Crônicas 17:1-15)
Aqui está um caso particular no qual um profeta tomava uma posição sobre um ponto de vista religioso muito importante que provou ser nada mais que apenas a sua opinião. Tendo isto na mente, poderíamos nos perguntar se não era possível a Ellen White ter um ponto de vista pessoal sobre assuntos religiosos, que se tornaram conhecidos em suas cartas particulares a membros da família ou aos amigos. Dependendo de como as compilações temáticas são feitas, o que acontece se essa opinião se encontrada finalmente em um livro?
Tal situação não seria problemática ou mesmo enganosa? Talvez sim, talvez não. Depende da maneira como lemos Ellen White. Esta é a razão pela qual tenho dado tanto espaço nos dois últimos capítulos para a necessidade de dar maior ênfase sobre os grandes temas principais na leitura de documentos inspirados, e sobre o que é verdadeiramente importante do que sobre as declarações periféricas do pensamento dos porta-vozes de Deus.
Quem ler regularmente Ellen White percebe rapidamente que ela freqüentemente tratou numerosos assuntos em contextos variados. Assim ela abordou em várias oportunidades, sob numerosas perspectivas os temas que a preocupavam. Tais repetições, que encontramos ao longo dos seus escritos, exprimem o centro de sua mensagem, diferentemente dos comentários obscuros e ocasionais que parecem estar distantes de suas preocupações. Se alguém se interessa pelo centro de sua mensagem e não pela periferia, as questões levantadas pela fina linha de demarcação entre o sagrado e o comum perdem sua importância. Jamais tais leitores estarão preocupados pelo que poderia ter sido pensado na zona intermediária que envolve tanto o sagrado como o comum.
(...) me parece que além dessa distinção, é importante sublinhar os temas centrais e sempre repetidos do ministério redacional de Ellen White. Esta segunda regra nos impede de supervalorizar o que é marginal e nos ajuda a nos concentrarmos sobre o essencial de sua mensagem à Igreja.
(Reading Ellen White, pp. 57-63).
"Problemas de Comunicação"
[i]O processo de comunicação não é assim tão simples como parece à primeira vista. Permita-me contar um exemplo tirado de uma experiência pessoal. Durante muitos anos, fui professor de uma escola primária, amava meu trabalho, mas as crianças podem se comportar como crianças e se mostrar barulhentas e indisciplinadas.
No começo de minha experiência, observei certas maneiras de funcionamento. A classe tornava-se cada vez mais “ativa”, eu abandonava a aplicação do regulamento, as coisas se acalmavam por um momento, depois o problema tomava uma dimensão que exigia uma intervenção. Finalmente, eu deveria falar com firmeza e restaurar a lei. Ás vezes devia enfrentar a classe inteira. À noite antes do “grande acontecimento”, eu elaborava um plano preciso sobre a maneira como ia comunicar minhas frustrações e meus desejos.
O problema que eu encontrava em tais situações provinham das sensibilidades variadas de meus alunos. Em cada sala de aula, existiam crianças extremamente sensíveis. Tudo o que eu podia fazer com eles era cerrar as sobrancelhas e eles derretiam como manteiga ao sol. Além disso, alguns estavam endurecidos. Falando de maneira metafórica, eu poderia lhes bater na cabeça com um taco de baseball e isto não teria causado nenhum efeito. As coisas iam mal.
A única solução era dar a minha linguagem força o suficiente para que mesmos os endurecidos pudessem entendê-la. Resultado? Os fracos sentiram-se agredidos por minha desaprovação, enquanto que os mais difíceis continuaram a agir como se eu não tivesse dito nada. Conclui que a comunicação é mais difícil que eu podia imaginar.
Deus tem o mesmo problema com seus filhos. Eles variam entre os hipersensíveis e os mais endurecidos ao Evangelho. Você já pensou o quanto isto afeta a sua capacidade de comunicar-se através dos seus profetas?
O assunto estava certamente no centro das preocupações de James White quando ele via as dificuldades de sua esposa em conduzir os primeiros adventistas no caminho da reforma. Em 1868, ele escreveu que sua esposa´“estava precisando de ajuda de todos os que pudessem trazer seu apoio à causa da verdade e da reforma. As pessoas são lentas para mudar ou então, não mudam. Alguns evoluem com precaução como lhe convém, outros vão muito rápido.
Aquele que vê a necessidade da reforma, prossegue J. White, e se mostra muito rigoroso em todos os casos, não se permitindo nenhuma exceção, conduzindo as coisas à mão de ferro é certo de fracassar na reforma, de ferir sua própria alma e de ofender a dos outros. Agir assim não ajuda Ellen, mas acentua a carga de sua árdua obra. [...] Ela enfrentou esta deficiência da seguinte maneira: ela direcionou fortes apelos, comoveu profundamente alguns que haviam tomado posições firmes, indo até ao extremo. Depois, para salvar a causa da ruína, provocada por estes extremos, ela foi obrigada a fazer críticas públicas aos extremistas. Foi melhor fazer isto do que ver as coisas caírem em ruína, mas a influência de um ou outro, os extremos e censura, é terrível para a causa e traz sobre Ellen uma tripla carga. Veja a dificuldade: o que ela podia dizer sobre os indiferentes era tomado pelos cheios de zelo como um apelo para ultrapassar os limites. E o que ela podia dizer para advertir aos preparados, os zelosos, e os imprudentes, era tomado pelos indiferentes como uma desculpa para ficar para trás.” (Review and Herald, 17 mars de 1868).
Aqui está um caso ilustrando a dificuldade evocada por James White: No dia 21 de março de 1895, Ellen White escreveu um longo artigo, que portava o título “Uma rápida preparação para a obra”. Ele visava claramente certas atitudes ou excessos cometidos pela escola de Beatle Creek (ver Fundamentos da Educação Cristã 334-367). O artigo contém algumas declarações fortes porque ela combatia concepções erradas, profundamente ancoradas e queria falar em um tom muito forte para ser entendida. Ela estava convencida de que alguns professores mantinham os alunos durante muito tempo na escola e aprofundavam certos assuntos mais que o necessário. Procurando compartilhar sua preocupação, ela escreveu: “Se houvesse mil anos à nossa frente, tal profundeza de conhecimento não seria solicitada,(...)” (Fundamentos da Educação Cristã 334)
Mas alguns de seus leitores reformistas tomaram suas intenções como significando que seria necessário ir ao extremo oposto. Em 22 de abril, ela escreveu então dois testemunhos para fazer contrapeso e tentar trazer os reformistas ao que era a essência. (Fundamentos da Educação Cristã 368-380) “Não deve ser feito nenhum movimento, escreveu ela, para baixar a norma de educação em nossa escola de Battle Creek. Os estudantes devem exercitar as faculdades mentais; toda faculdade deve atingir o máximo desenvolvimento possível. [...] Espero que ninguém tenha a impressão diante de quaisquer palavras que escrevi, de que a norma da escola deva ser baixada de qualquer maneira. Deve haver em nossa escola uma educação mais diligente e completa [...].” (Fundamentos da Educação Cristã 373).
O que Ellen White queria realmente dizer à administração e ao corpo de professores da escola, é que eles precisavam compreender os princípios fundamentais do que faz com que uma educação seja cristã no contexto de uma educação de qualidade. Mas, como sempre, os extremistas coletaram todas as citações mais fortes, enquanto que os que queriam manter o status quo deram sem dúvida atenção às declarações moderadas que ela fez para corrigir os que pendiam para o fanatismo. As duas tendências não puderam compreender a intenção de Ellen White em razão da fraqueza da comunicação humana.
Aqui está uma ilustração do uso, por Ellen White de uma linguagem extrema para atrair a atenção de alguém. Ela concerne Dr. John Harvery Kellogg, diretor do sanatório de Battle Creek. Em 1901, ela declarou a um grupo de líderes da Igreja que ela estava preocupada, já há algum tempo, com o estado espiritual de Kellogg. Ela disse aos seus ouvintes:´“Escrevi algumas linhas severas, e é possível, Dr. Kellogg (se ele está aqui), que eu tenha ido longe demais, porque eu pensei que poderia lhe preservar e manter com toda a força que dispunha.” (Manuscrit 43ª,1910).
Quando lemos Ellen White, devemos sempre guardar em mente as dificuldades elementares da comunicação às quais ela se confrontava. Além das dificuldades inerentes à diversidade de personalidades, mas ligado a ela, acrescenta-se o problema da impressão do significado das palavras. Além do mais, várias pessoas, conhecendo as experiências variadas, interpretam a mesma palavra de forma diferente.
Em relação à leitura da Bíblia, Ellen White escreveu: “Varriam os espíritos humanos. Mentes de educação e pensamento diverso recebem diferentes impressões das mesmas palavras, e difícil é a um espírito transmitir a outro de temperamento, educação e hábitos de pensamento diferentes, através da linguagem, exatamente a mesma idéia que é clara e distinta em seu próprio espírito. [...]
A Bíblia não nos é dada em elevada linguagem sobre-humana.[...] A Bíblia precisa ser dada na linguagem dos homens. Tudo quanto é humano é imperfeito. Significações diversas são expressas pela mesma palavra; não há uma palavra para cada idéia distinta. A Bíblia foi dada para fins práticos.
Diferentes são os cunhos mentais. As expressões e declarações não são compreendidas da mesma maneira por todos. Alguns entendem as declarações das Escrituras segundo sua mente e casos especiais. As prevenções, os preconceitos e as paixões têm forte influência para obscurecer o entendimento e confundir a mente mesmo ao ler as palavras da Santa Escritura.” (Mensagens Escolhidas - Volume 1, 19-20).
Isto que Ellen White diz dos problemas de compreensão do sentido das palavras da Bíblia, se aplicam também aos seus próprios escritos. A comunicação em um mundo em crise não é fácil, mesmo para os profetas de Deus. Por outro lado, não temos necessidade de um conhecimento perfeito para sermos salvos. Como o disse Ellen White várias vezes, a Bíblia (e seus escritos) foi dada com um objetivo prático.
A linguagem humana, apesar de suas fraquezas, está em condições de comunicar a essência do plano da salvação e as responsabilidades cristãs aos que desejam honestamente conhecer a verdade de Deus. Os problemas de comunicação provenientes das diferentes formas de pensamento, tipos de personalidade e panos de fundo, fazem mesmo parte das razões porque temos mais de uma narrativa sobre a vida de Cristo no Novo Testamento.
A declaração seguinte nos ajuda a compreender o desafio posto a Deus em sua comunicação com os seres inteligentes em um planeta entregue ao pecado.
Ellen White escreveu: “Por que necessitamos de Mateus, Marcos, Lucas, João, Paulo e todos os escritores que deram testemunho quanto à vida e ao ministério do Salvador? Por que não poderia um dos discípulos escrever o relatório completo, sendo-nos dada assim uma relação organizada da vida terrestre de Cristo? Por que introduz um dos escritores pontos que outro não menciona? Por que, se esses pontos são essenciais, não os mencionaram todos esses escritores? É porque a mente dos homens difere. Nem todos compreendem as coisas exatamente de igual maneira.” (Conselhos Professores, Pais e Estudantes, 432).
É preciso guardar na mente os problemas de base da comunicação quando percorremos os escritos de Ellen White. Para terminar, tais fatos nos tornam prudentes diante de nossas leituras, afim de que não acordemos uma importância exagerada a uma idéia ou outra que nos tem atraído a atenção, quando estudamos os conselhos de Deus para sua Igreja. Asseguramos que temos consultado bastante o que Ellen White escreveu sobre o assunto e que temos examinado as declarações que parecem extremas à luz das que podem moderá-las e lhes fazer contrapeso. O conjunto de tal pesquisa deveria se fazer, é claro, tendo em mente o contexto histórico e literário de cada declaração
[Reading Ellen White, pp. 65-70].
Última edição por Eduardo em Seg Dez 06, 2010 8:09 pm, editado 4 vez(es)
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[Ellen White] Como ler, Interpretar e aplicar conceitos :: Comentários
" Estudar um assunto de maneira Exaustiva" (George Knight)
Chegamos a um assunto muito importante para uma boa leitura de Ellen White. Um poema bem conhecido de Jonh Godfrey Saxe ilustra meu propósito. Ele conta a história de seis cegos que experimentavam a descoberta sobre os elefantes. O primeiro tocando-o em de seus lados conclui que o elefante era comparável a um muro. O segundo tocando sua presa diz que o elefante era comparável a uma lança. O terceiro agarra a tromba e o percebe comparável a uma serpente. O quarto toca sua pata e o compara a uma árvore. O quinto toca sua orelha e o compara a um avental. O último, agarrando a cauda, se convence que o elefante é apenas uma corda. O poema conta que eles durante muito tempo discutem, apegados às suas próprias opiniões, quando na verdade todos estão errados, mesmo tendo parcialmente a razão.
Este poema ilustra uma armadilha na qual é muito fácil cair quando lemos a importante produção literária de Ellen White e quando examinamos o conjunto de informações disponíveis sobre um assunto proveniente de sua pluma. Arthur White declara que “muitos se enganaram utilizando declarações isoladas dos testemunhos, extraídos de seu contexto, para fundamentar suas crenças. Alguns o fizeram, embora outras passagens, examinadas com atenção, mostrem que sua posição é indefensável. [...] Não é difícil encontrar sentenças ou parágrafos particulares, seja na Bíblia ou nos escritos de Ellen White, que possam vir a dar apoio a idéias pessoais ao invés de realçar o pensamento de seus autores.” (Ellen G. White: Messenger to the Remnant, p. 88)
Esta situação me lembra uma experiência que vivi quando era jovem pastor na região da baia de San Francisco. Estava ligado em amizade a um grupo de adventistas zelosos e sinceros que queriam seguir a Bíblia e os escritos de Ellen White de todo o seu coração. Se Ellen White dizia uma coisa, eles faziam. Poderíamos discutir um problema a partir do momento em que tinham a sua declaração sobre o assunto. Eles se mostravam fiéis ao que eles chamavam de “testemunhos claros”.
Lembro-me ainda de minha primeira visita a uma pequena comunidade que meus amigos tinham organizado. O que me chamou a atenção foi o fato deles se ajoelharem para cada oração. Assim a congregação cantava um cântico, depois se ajoelhava para a oração; escutava um pedaço de música, recolhia as ofertas depois se ajoelhava para a ação de graças; cantava um cântico e se ajoelhava para a oração pastoral; escutava a introdução do orador depois se ajoelhava para a oração do início do sermão; escutava o sermão, cantava o hino de fechamento e se ajoelhava para a benção.
Como orador do dia e convidado, segui a congregação e seus responsáveis nas repetitivas flexões de joelhos ao longo de todo o serviço. Mas, um pouco perplexo em relação a experiência, um pouco após o culto, perguntei ao fundador da comunidade (que tinha a reputação de ser expert nos escritos de Ellen White) as razões pelas quais se ajoelhavam para cada oração.
Em resposta, ele leu para mim citações do segundo volume de Mensagens Escolhidas, pág. 311-316: “Tenho recebido cartas perguntando-me sobre a posição que deve ser assumida pela pessoa ao fazer oração ao Soberano do Universo. Onde obtiveram nossos irmãos a idéia de que deviam ficar em pé quando oram a Deus?” (Mensagens Escolhidas vol 2, pág. 311) Meu amigo ressalta que Ellen White continuou dizendo: "Prostre-se de joelhos!" Esta é sempre a posição apropriada. (idem)“Tanto no culto público como no particular é nosso dever prostrar-nos de joelhos diante de Deus quando Lhe dirigimos nossas petições. Este procedimento mostra nossa dependência de Deus.” (Idem) Assegurei a meu amigo que eu cria na importância da reverência e do ajoelhar-se para a oração, mas eu o disse também que sua interpretação das passagens de Ellen White me parecia exagerada e em desacordo com o conteúdo geral de seus escritos.
Ele discordou terminantemente da observação, pois ele havia sua palavra e isto era suficiente para ele. Se ela dizia “sempre”, eles se ajoelhariam sempre para orar. Não havia a menor possibilidade de discutir sobre o assunto ou de ler mais. Afinal de contas, quando se tem “a verdade” sobre um ponto, tudo o que resta a fazer é colocá-lo em prática. E foi isto que ele fez. Lembro mesmo de ter-me ajoelhado antes de almoçar.
Não estava convencido de que meu amigo detinha “a verdade” sobre o assunto. Ele apoiava em qualquer “citação” de Ellen White para alimentar sua prática. Mas existe uma diferença entre um bocado de citações e a verdade.
Como, talvez você pense, posso estar certo quanto aos meus atos? Não é complicado. Eu tenho simplesmente tomado cuidado de ler sobre o que Ellen White escreveu sobre o assunto da posição que convém para a oração. Neste caso, não tenho necessidade de ir muito longe. Sobre a última página da seção intitulada Posição Apropriada na Oração, no Mensagens Escolhidas, obra que meu amigo havia citado, li que: “Para orar não é necessário que estejais sempre prostrados de joelhos. Cultivai o hábito de falar com o Salvador quando sós, quando estais caminhando, e quando ocupados com os trabalhos diários.” (Mensagens Escolhidas vol 2, pág. 316).
Esta é uma das três citações que a Fundação White (que realizou a compilação do Mensagens Escolhidas) deliberadamente colocou no fim da seção sobre a oração para evitar aos leitores o tipo de leitura tendenciosa que meus amigos escolheram, um tipo de leitura que pode facilmente conduzir ao fanatismo.
Quando apresentei ao meu amigo a declaração que tinha encontrado, perguntei-lhe porque ele insistia no “sempre”, quando também é mencionado um “nem sempre”. Ele respondeu rapidamente que a declaração sobre o “nem sempre” concerne o público em geral e não o povo particular de Deus no fim dos tempos.
Disse para mim mesmo que esta era uma maneira bem curiosa de “ter a verdade” como esta de meu amigo. Uma vez a tendo, você pode tranquilamente esquecer a outra metade do que Ellen White (ou a Bíblia) disse sobre um assunto e prosseguir na maneira estreita de pensar.
Assim, meu amigo estava absolutamente convencido que o resto fiel de Deus, no fim dos tempos, devia mostrar o caminho restaurando a oração no que ela deveria ser. Ele era o homem providencial para levar o povo de Deus à verdade que consiste em se colocar de joelho para orar.
Reconheço como ele que a reverência em relação a Deus tinha necessidade de ser melhorada em numerosas Igrejas. Mas não podia aceitar o que me parecia uma conclusão tendenciosa. Que deveria então fazer? A resposta era simples. Tinha duas missões a cumprir. A primeira era continuar a me documentar sobre a questão. A segunda era escrever à Fundação White, na sede da Conferência Geral para ver se podia conseguir maiores informações sobre o tema.
As duas estratégias trouxeram uma maior compreensão sobre o assunto. E me adianto em dizer que todas as duas são acessíveis a quem quer que tenha questões concernentes a Ellen White e seus escritos. Não tenham receio de colocar suas questões à Fundação White. Ela pode fornecer excelentes informações sobre a posição geral de Ellen White sobre este ou aquele assunto, bem como sobre este que você lê para completar sua compreensão.
Rapidamente, cheguei a uma idéia mais completa quanto à posição a tomar quando em oração. Não somente descobri que a Bíblia aprova orações as quais nos pomos de forma diferente do ajoelhar-se (ver, por exemplo, marcos 11:25; Êxodo 34:8), mas também que Ellen White tinha confiado a um amigo que lhe acontecia às vezes de orar longas horas, quando ela estava deitada em sua cama (Lettre dEllen White 258, 1903). Isto dificilmente concordava com a idéia do “sempre” se ajoelhar, “tanto no culto público como no particular”.
Finalmente, tomei consciência de uma carta escrita de longas datas por um dos seus associados na qual ele dizia: “Estive freqüentemente presente em assembléias sob tendas e nas sessões da Conferência Geral nas quais Ellen White orou enquanto a assembléia estava em pé, estando ela mesmo em pé.” (D. E. Robinson à W.E.Daylish, 4 de março de 1934).
Encontramos mesmo, nos escritos de Ellen White, referências a orações pronunciadas em pé. Por exemplo, na sessão da Conferência Geral de 1909, após seu discurso, Ellen White concluiu solicitando a assembléia de se por “em pé”, para se consagrar a Deus. Depois, quando todos estavam assim, ela orou ao “Senhor Deus de Israel” (Mensagens Escolhidas vol 1, pág. 152). Você encontrará outra citação igual em Selected Messages, vol 3, p. 266-270.
Quando lemos este conjunto de conselhos dados por Ellen White sobre o assunto, a imagem que fazemos é muito diferente da que nos vem à mente quando lemos somente uma parte de seus escritos ou de citações isoladas. Após ter lido tudo o que podia facilmente encontrar sobre a posição que convém à oração, cheguei a conclusão de que meu amigo defendia um ponto de vista extremista que precisava de uma visão de conjunto do assunto.
Tendo examinado todos os conselhos disponíveis sobre o tema, cheguei a pensar que Ellen White estava preocupada pela falta de respeito na Igreja adventista. Esta irreverência se expressava em certos casos por congregações que não se ajoelhavam durante a oração principal do dia. É conveniente de se colocar “sempre” de joelhos para esta oração, quando fosse possível. Mas ela não fez em nenhuma parte, em seus escritos, a defesa da oração de joelhos para a benção, a invocação, a ação de graças para a refeição, etc. Seu ensinamento geral precisa que “não é sempre” necessário ajoelhar-se para cada oração. Era isto não somente seu ensino, mas também sua prática.
Sempre, durante seu ministério, Ellen White teve problemas com estes que levavam em conta somente uma parte de seus conselhos. “Quando serve ao vosso desígnio”, escreveu ela, “tratais os Testemunhos como se neles crêsseis, citando trechos deles para reforçar qualquer declaração em que desejais prevalecer. Como é, porém, quando o esclarecimento é dado para corrigir-vos os erros? Aceitais a luz? Quando os Testemunhos falam contrariamente às vossas idéias, então os tratais com desprezo.” (Mensagens Escolhidas vol 1, p 43) É importante escutar o conjunto de seus conselhos.
Nesta ordem de idéias, encontramos duas abordagens dos escritos de Ellen White. Uma engloba todas as suas declarações pertinentes a um tema. Outra seleciona dos seus escritos somente os parágrafos, declarações ou capítulos mais importantes, que sustentam o que se quer particularmente ressaltar. A única abordagem fiel é a primeira. Para respeitar a intenção de Ellen White, é importante ler abundantemente o que ela escreveu sobre a questão.
Mas nossa conclusão não deve somente está fundada sobre o conjunto do seu pensamento sobre o assunto. Ela deve também se harmonizar com o conteúdo do conjunto de seus escritos. Não somente o preconceito, mas também os raciocínios falsos, ou outro uso inadequado de seus escritos podem levar a conclusões errôneas.
[Reading Ellen White, pp. 71-76]
"Evite as Interpretações Extremas"
Stephen N. Haskell, um eminente pregador adventista retornou aos Estados Unidos nos últimos 25 anos do século XIX, após uma viagem de negócios na Austrália. Ele conheceu várias “doutrinas bizarras pregadas por alguns importantes pregadores da nova geração.” Como era de se esperar, eles citavam os Testemunhos e a Bíblia para apoiar suas idéias, de tal sorte que “os que não estavam firmes nos princípios da mensagem adventista podiam facilmente ser arrastados por eles.”
“Alguns destas estranhas doutrinas as quais escutei falar, diz Haskell, dizia que o selo de Deus não poderia ser colocado sobre quem tivesse os cabelos grisalhos ou deformados, pois na obra final, estaríamos em um estado de perfeição física e espiritual. Seríamos curados de toda a enfermidade física e não poderíamos mais morrer, etc.”
Alguns esperavam ter novos dentes, “uma mulher declarava o quanto seus amigos seriam convencidos ao vê-la chegar em casa com uma cabeleira renovada, o que ela acreditava acontecer em breve”. (S. N. Haskell à E. G. White, 3 de outubro de 1899). Sete semanas mais tarde, Haskell teve contato com um ensino extremista que, baseado no decálogo, pretendia que era errado matar serpentes venenosas ou insetos prejudiciais (ver S.N. Haskell à E. G. White, 23 de novembro de 1899). A história da igreja cristã está repleta de indivíduos que interpretam de maneira extremista os ensinamentos de Deus e definem seu fanatismo como uma “fidelidade”. Infelizmente, é também verdade para alguns cristãos adventistas. A propensão ao extremismo parece fazer parte da natureza humana caída. Deus tem procurado corrigir esta tendência através dos Seus profetas.
Um dos temas principais deste capítulo é que, mesmo se o equilíbrio caracteriza os escritos de Ellen White, ele não define sempre os que os lêem. Tomemos o caso dos conselhos de Ellen White a um médico inclinado a ter opiniões extremistas (com relação à reforma sanitária), após ter lido seus escritos “Quando a reforma de saúde é ensinada em sua modalidade mais extrema, escreveu ela ao Dr. D.H. Kress, a reforma de saúde torna-se uma deformação sanitária, um meio de destruição da saúde.” (Conselhos Sobre o Regime Alimentar 205 - 206.)
Jaimes White tratou do problema. “Quando satanás tenta um bom número a ser muito lentos, ele tenta sempre os outros a se mostrarem muito rápidos. A missão de Ellen White tornou-se muito árdua, e às vezes embaraçosa, em razão da conduta dos extremistas, que pensam que a única atitude conveniente é a de levar ao extremo tudo o que ela escreva ou diga sobre as questões a propósito das quais se poderiam ter outra abordagem.
Essas pessoas se apóiam sempre em suas interpretações de uma expressão e desenvolvem idéias aventureiras que, finalmente, contradizem o que ela disse sobre o perigo dos extremos. Sugerimos a estas pessoas que se livrem das expressões fortes que ela utilizou para os hesitantes e que dêem todo peso às numerosas advertências que ela pronunciou para os extremistas. Fazendo isto, se colocarão eles mesmos em segurança e sairão do seu caminho, afim de que ela possa dirigir-se livremente aos que têm necessidade de ser chamados ao seu dever. Atualmente, eles se colocam entre ela e as pessoas, paralisam seu testemunho e são causa de divisões.” (Review and Herald, 17 de março de 1868).
Ellen White teve que enfrentar extremistas ao longo de seu ministério. Em 1894, ela disse: “Há uma classe de pessoas sempre dispostas a escapar por alguma tangente, que desejam apreender qualquer coisa estranha, maravilhosa e nova; mas Deus quer que todos procedam calma e ponderadamente, escolhendo as palavras em harmonia com a sólida verdade para este tempo, a qual precisa, tanto quanto possível, ser apresentada ao espírito isenta do que é emocional, conquanto ainda levando a intensidade e solenidade que lhe convém. Devemos guardar-nos de criar extremos, de animar os que tendem a estar ou no fogo, ou na água.” (Testem. Ministros e Obreiros Evangélicos 227-228)
Quase quarenta anos mais tarde, Ellen White escreveu “vi que um bom número tem tirado vantagem do que Deus tem mostrado em relação aos pecados e aos erros dos outros. Eles têm radicalizado o sentido do que foi mostrado em visão e o levaram ao ponto de enfraquecer a fé de muitos na revelação divina.” (Testemunhos para Igreja - Volume 1, 166)
Alguns, levando ao extremo as declarações em áreas como a reforma sanitária, têm ido tão longe que, se eles tivessem razão, Ellen White teria sido tomada como um falso profeta. Estas interpretações abusivas lhes fazem ir não somente mais longe que a Bíblia, mas a contradizem. Por exemplo, enquanto Paulo declara que o reino de Deus “não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo.” (Romanos 14:17), alguns intérpretes de Ellen White colocam este aspecto de seu ensino no centro do Evangelho.
Ellen White concordava com Paulo. Alguns de seus contemporâneos procuraram colocar a reforma sanitária no centro, porque o que ela havia dito estava estreitamente ligado a última mensagem de Deus ao mundo “que o braço e a mão estão no corpo” (Testemunhos para Igreja - Volume 1, 486). Ela os advertiu “se a reforma sanitária está estreitamente ligada à obra da terceira mensagem (de Apocalipse 14), ela não é a mensagem propriamente dita. Nossos pregadores deveriam ensinar a reforma sanitária, mas não deveriam fazer dela o tema central, no lugar da mensagem.” Ela declarou aos seus leitores que a reforma sanitária tinha um importante papel “preparatório para os eventos finais” (Testemunhos para Igreja - Volume 1, 559). Esta idéia se harmoniza bem com uma observação que ela fez em outro contexto.
“Os últimos raios de luz da graça, a última mensagem de misericórdia que será necessária levar à humanidade, é uma revelação do Seu amor (Deus). Os filhos de Deus são chamados a manifestar Sua glória. Em suas vidas e seu caráter, têm a testemunhar do que a graça de Deus fez por eles.” (Parábolas de Jesus 364).
A reforma sanitária “prepara” para a obra final no sentido de que não somos muito amáveis quando temos uma indigestão, uma enxaqueca ou outro desconforto. Deus deseja mostrar para Seus filhos que a graça transformadora pode efetivamente mudar seres egoístas em pessoas amáveis e atenciosas. Se a reforma sanitária é um meio para chegar a este fim ela não é um fim em si mesma. Colocar a reforma sanitária, ou outros assuntos semelhantes, no centro de nossa vida espiritual, é distanciar-se, não somente do seu objetivo, mas também do quadro geral da mensagem de Deus dada através de Ellen White.
Uma parte de nossa missão, quando lemos Ellen White, é de evitar as interpretações extremas para compreender sua mensagem com sua própria ponderação. Resulta que temos necessidade de ler os conselhos levando em consideração todas as facetas do assunto.
Eis o caso de suas severas palavras a respeito dos jogos. “Entregando-se a diversões, jogos competitivos e façanhas pugilísticas”, escreveu ela, os estudantes do Colégio de Battle Creek, “declararam ao mundo que Cristo não era seu guia em nenhuma destas coisas. Tudo isso provocou a advertência de Deus.” Esta firma declaração e outras, parecidas, têm conduzido um bom número à conclusão que Deus desaprova todos os jogos de bola e outros. Mas aqui, como em toda interpretação extrema, é necessário prudência. Além do mais, a frase que segue imediatamente diz: “O que me oprime agora é o perigo de cair no outro extremo;” (Fundamentos da Educação Cristã 378).
Como mostra a citação seguinte, Ellen White não aprova nenhum dos extremos com relação ao assunto sobre jogos de bola ou de mesa. Falando aos pais e aos professores ela disse: “Caso reunissem as crianças bem junto a si, e lhes mostrassem que as amam, e manifestassem interesse em todos os seus esforços, e mesmo em suas brincadeiras, tornando-se por vezes mesmo uma criança entre elas, dar-lhes-iam muita satisfação e lhes granjeariam o amor e a confiança.” (Fundamentos da Educação Cristã 18)
Como vimos, é importante ler o conjunto do que Ellen White escreveu sobre um assunto antes de chegar a uma conclusão. Isto significa tomar em consideração o que significa serem as declarações contraditórias que, não somente se equilibram uma à outra, mas podem mesmo às vezes se oporem. Claro, como veremos, o contexto histórico e literário explica geralmente as razões das declarações radicais de Ellen White. Quando compreendemos as razões pelas quais ela se exprime de uma certa maneira, podemos compreender como as recomendações aparentemente contraditórias, se harmonizam uma à outra. Tendo isto em mente, estamos prontos para examinar os princípios subjacentes ao assunto particular dos jogos de bola e dos jogos de mesa.
“Não condeno o simples exercício de brincar com uma bola; mas isto, mesmo em sua simplicidade, pode ser levado ao excesso.” (O Lar Adventista 499) O problema que ela levanta nesta declaração moderada não está na ação, mas no excesso e no mau uso em se falando de tempo e de complexidade de organização, que conduz a problemas de relações humanas. Ela prossegue observando que os jogos de bola muito freqüentes conduzem às despesas exageradas, ao orgulho, a um amor e a um entusiasmo pelo jogo ultrapassando o limite do amor por Cristo e a uma “viva paixão” pela vitória. Além do mais, ela observa que a maneira como as pessoas gostam sempre de jogar não reforçam, nem ao espírito nem o caráter, distrai o pensamento do estudo e tende a desenvolver nos participantes um amor maior por jogos em relação ao amor por Deus. (O Lar Adventista 499-500)
Quando lemos as passagens equilibradas e “agregadoras” sobre um assunto, ao invés das que confortam nossas próprias opiniões, estamos mais próximos da real perspectiva de Ellen White. A moral da história é clara. Para evitar as interpretações exageradas, temos necessidade não somente de ler profundamente o que a Ellen White disse sobre o assunto dado, mas devemos também nos firmar nas declarações que fazem a síntese entre as diversas declarações opostas.
Aqui está mais uma ilustração sobre a necessidade de se firmar nos conselhos gerais. Esta ilustração concerne ao emprego dos ovos. Você se lembra que no primeiro capítulo, citamos Ellen White dizendo que “Os ovos não deveriam jamais se encontrar sobre vossa mesa. Eles representam uma ameaça para vossas crianças.” (Testemunhos para a Igreja vol.2, p. 400).
Ela fez esta declaração a uma família cujas crianças lutavam contra a sensualidade. O conselho se relaciona a esta situação específica.
Mas alguns a compreenderam como sendo uma proibição absoluta. Assim, o Dr. D.H.Kress, um consciencioso médico servindo como missionário na Austrália, baniu totalmente os ovos de sua mesa, assim como os produtos lácteos e diversos outros alimentos. Suas privações produziram finalmente deficiências alimentares que lhe trouxeram grave atentado a sua saúde. Ellen White lhe escreveu então em maio de 1901 para lhe exortar a não exagerar com relação à reforma sanitária. [...] Procure ovos provenientes de galinhas sadias. Consuma-os crus ou cozidos. Misture-os crus, no melhor suco de uva que você encontrar. Isto dará o que é necessário ao seu organismo. Não creia, nem por um instante, que agindo assim você não está na verdade. [...] Declaro que o leite e os ovos deveriam ser incluídos em sua alimentação. [...] Você está em perigo tomando a reforma sanitária de maneira tão radical, e de prescrever para si mesmo uma alimentação deficitária. [...] E os ovos contêm propriedades que são agentes medicinais para combater venenos. E conquanto tenham sido dadas advertências contra o uso desses artigos em famílias onde as crianças eram viciadas, e muito viciadas no hábito da masturbação, contudo não devemos considerar um princípio de proibição usar ovos de galinhas bem cuidadas e alimentadas devidamente.” (Lettre d’Ellen White 37, 1901; grande parte do conteúdo desta carta está acessível no Conselhos Sobre o Regime Alimentar 202-217).
Observe o fator contextual neste conselho, e como ele concerne a um problema específico. Observe também os princípios que Ellen White destaca. Por exemplo, é melhor comer ovos “de galinhas bem cuidadas e alimentadas devidamente”.
Voltaremos mais adiante sobre a questão do contexto e sobre a importância dos princípios. Porém, fiquemos ainda um pouco com o Dr. Kress.
Kress respondeu no mês seguinte à Ellen White. “Posso ver que minha firme posição no que concerne o leite e os ovos me colocaram em perigo de cair no exagero e sou muito grato ao Senhor por Ele me haver corrigido. [...] Agora, no que concerne, no que eu saiba, sigo fielmente todas as instruções que Deus me tem comunicado por vosso intermédio. Emprego os ovos e o leite, e o faço sem remorso na consciência. Antes não o podia fazer sem me sentir condenada e eu creio sinceramente que existe esperança que reencontre a saúde, senão o Senhor não me teria enviado esta mensagem.” (D.H.Kress à E.G.White, 28 de Junho de 1901).
Quarenta e três anos mais tarde, Kress coloca sua experiência nestes termos: “Algumas almas honestas tomaram uma posição extrema com relação a certas declarações feitas por Ellen White sobre o uso de alimentos de origem animal, tais como os ovos e o leite.” Falando de seus próprios exageros, ele disse: “Eu enfraqueci ao ponto de morrer. [...] Irmã White me viu em visão e me enviou muitas cartas, colocando em evidência as causas de minha condição física, e me exortando a mudar meus hábitos alimentares. [...] Após ter recebido sua mensagem, comecei a mudar, empregando ovos como me foi recomendado, e do leite e com a graça de Deus, conheci uma boa recuperação. [...] Isto faz mais de quarenta anos. Estou agora ao ponto de completar meus oitenta anos e tenho condições de passar três horas por dia em meu escritório, no sanatório. Sou devedor da saúde que me foi dada tão generosamente, às mensagens que me foram dirigidas em uma época onde a cura, do ponto de vista humano, parecia tão sem esperança. Continuo a seguir as instruções empregando o leite e os ovos.” (D.H.Kress, carta não publicada, o6 de janeiro de 1944)
Dr. Kress estava aparentemente convencido no fim de sua vida que Ellen White o tinha conduzido a renunciar as interpretações extremas de seus escritos.
[Reading Ellen White, pp. 77-83].
"Levar em Conta o Tempo e Lugar"
Era meu primeiro dia como diretor de um colégio metropolitano. Era também a época das minissaias. Não esquecerei jamais o primeiro telefonema: “Irmão Knight, disse uma voz feminina no outro lado da linha, estamos muito agradecidas por termos enfim um diretor que vai fazer cumprir as regras de conduta!” Percebi rapidamente que ela achava o comprimento das saias de sua filha muito curto. Meu primeiro pensamento foi de lhe perguntar por que ela não fazia, ela mesma, mas o Senhor me ajudou a frear a língua enquanto ela falava bastante sobre as saias curtas.
Ao mesmo tempo em que controlava minha língua, não podia impedir que meus pensamentos vagabundassem. Eu a escutei dizer que em alguns colégios, existia uma regra que determinava que uma saia não podia ter que mais que cinco centímetros acima do joelho. Eu me imaginei então circulando em minha escola, com uma régua na mão, para interpelar as estudantes e medir diariamente a altura de suas saias.
"Enquanto a mãe continuava seu discurso, minha mente continuava a se evadir. Eu imaginava uma garota de 1,82. Cinco centímetros acima do seu joelho dariam uma saia bem longa. Mas, eu tinha também garotas de dezesseis anos, com 1,45. Cinco centímetros acima de seu joelho fariam a metade do seu tamanho. Veio, então, à mente uma sugestão feita por Ellen White no ano de 1860, na qual ela encorajava as mulheres a encurtar suas saias em 25 centímetros. Não sei o que isto teria dado em meu caso.
Talvez você se pergunte aonde quero chegar. É bem simples. É necessário levar em consideração a época e as circunstâncias dos diversos conselhos de Ellen White. Ela não escreveu fora de todo contexto. A maioria deles visava os problemas com os quais pessoas ou grupos específicos eram confrontados em contextos históricos muito diferentes.
Agora, na época das minissaias, não é muito importante saber que é muito inadequado para citar Ellen White para encurtar as saias em vinte centímetros. Era evidente.
Mas, e este é um ponto importante, para outras declarações, também não é tão claro saber se se aplicam exatamente a uma pessoa particular em uma outra época e em outras circunstâncias. É preciso estudar o conselho em seu contexto histórico para se determinar. Vários capítulos que se seguirão nos ajudarão nesta tentativa.
Por que Ellen White recomendou às mulheres reduzirem em 25 centímetros suas saias? Porque nesta época as saias se arrastavam pelo chão. Elas tocavam assim, entre outras coisas, as imundícias de uma sociedade que usava o cavalo e a carroça para se locomover. Tais saias apresentavam outros problemas que Ellen White e os reformistas de sua época levantavam continuamente. Assim, ela pode escrever que “uma das invenções extravagantes e nocivas da moda são as saias que varrem o chão. Desasseadas, desconfortáveis, inconvenientes, anti-higiênicas - tudo isso e mais ainda se verifica quanto às saias que arrastam.” (Ciência do Bom Viver, 291)
Mas o que é verdade na sua época não é geralmente verdade na nossa. É claro, podemos pensar em alguma cultura tradicional reproduzindo as condições do século 19. Em civilizações que lhes são próximas, os conselhos são válidos sem acomodações. Mas devemos ajustá-los para a maioria das culturas atuais.
Uma parte de adaptação necessária nasce da citação do “Ciência do Bom Viver” que lemos mais acima. O problema das saias que se arrastam sobre o chão vem do fato de que elas eram desasseadas, desconfortáveis, inconvenientes e anti-higiênicas. Podemos então logicamente concluir que um dos princípios de um vestuário correto exige que ele seja limpo, confortável, adaptado e higiênico. Tais princípios são universais, mesmo se a idéia de um encurtamento de saias esteja ligada a uma época e a circunstâncias precisas. Outras leituras da Bíblia e dos escritos de Ellen White fornecem outros princípios de vestuário que podem se aplicar à nossa época. A modéstia, por exemplo, nos vem à mente.
Você pode se perguntar o que minha escola fez para resolver o problema das minissaias. Certamente não nos servimos impensadamente das exortações de Ellen White para reduzir o comprimento das saias. Muito menos passeei com uma régua para medir a distância entre o joelho e a bainha. Ao contrário, empregamos os princípios recomendados pela Bíblia e os escritos de Ellen White e os aplicamos à nossa época e às nossas circunstâncias. Quando reunimos as garotas, dizemos que esperávamos que suas roupas fossem limpas, simples e de bom gosto, modestas e assim por diante. Porém, a aplicação de princípios a partir dos escritos de Ellen White não é o assunto deste capítulo. Voltaremos a este assunto no capítulo 16.
Seus conselhos sobre a forma de cortejar são outros exemplos úteis da necessidade de levar em conta o tempo e a circunstância. Em 1897, Ellen White escreveu aos estudantes da escola de Avondale, na Austrália:´“Não queremos, e não podemos permitir de qualquer forma que se corteje e que se teçam relações entre meninas e meninos e entre meninos e meninas.” (Lettre de Ellen White 193, 1987) No mesmo ano, ela escreveu: “Temos trabalhado duro (em Avondale) para prevenir na escola tudo que poderia parecer favoritismo, ligações e freqüentações. Temos dito aos estudantes que não permitiríamos a menor destas coisas que poderiam interferir em seus trabalhos escolares. Sobre este ponto, somos tão firmes quanto uma rocha.” (Lettre de Ellen White 145, 1987)
Um regulamento foi publicado no boletim escolar de Avondale. Não há dúvida que C.W. Irwin, o diretor da escola, de 1903 à 1908, tenha sido “tão firme quanto uma rocha” sobre o assunto das relações entre moças e rapazes. Em 1913, Irwin, então presidente do Pacif Union College na Califórnia, foi chamado para ler o manuscrito do livro de Ellen White ainda a ser publicado: Conselhos Professores, Pais e Estudantes.
rwin ficou chocado ao ver que o texto relativo a uma forte disciplina nas relações entre meninas e meninos faltava no novo livro. Em seu lugar, ele encontrou uma declaração mais conciliadora: “Em todo o nosso trato com os estudantes, devem-se tomar em consideração a idade e o caráter. Não podemos tratar os menores e os de mais idade da mesma maneira. Circunstâncias há em que, a rapazes e moças de sólida experiência e de bom comportamento, se podem conceder alguns privilégios não dispensados a estudantes mais novos. A idade, as condições e o modo de pensar devem ser tomados em conta. Devemos ser prudentemente considerados em toda a nossa obra. Não devemos, porém, diminuir a firmeza e a vigilância no lidar com alunos de todas as idades, tampouco a estrita proibição das associações sem proveito e imprudentes de jovens e imaturos estudantes.” (Conselhos Professores, Pais e Estudantes, 101)
Esta mudança de tom em relação a sua declaração precedente perturbou Irwin. Ele escreveu a W. C. White declarando que a instrução era “na incapacidade de concordar com as coisas que Ellen White havia escrito em outras ocasiões, as quais [...] tinham sido perfeitamente conforme a ela mesma.” (C. W. Irwin à W. C. White, 12 de fevereiro 1913).
O que Irwin não tinha levado em conta é a diferença das circunstâncias nas quais Ellen White tinha dado os conselhos aparentemente divergentes. Seu apelo à escola de Avondale em 1987 dizia respeito a uma situação na qual quase a metade dos alunos tinha menos de 16 anos. Mas, em 1913, a maioria dos estudantes nos colégios adventistas era composta de estudantes mais velhos, mais experimentados, mais maduros. Ellen White ao dar conselhos gerais para a Igreja, em seu conjunto, tinha levado em consideração as mudanças das circunstâncias.
A resposta de Willie White a Irwin é esclarecedora no que concerne a importância da época e das circunstâncias nos conselhos de Ellen White. “Um dos problemas mais embarassantes que tivemos de lidar ao preparar os escritos de minha mãe para sua publicação, se situa justamente sobre questões como esta, quando as condições de uma família, de uma igreja ou de uma instituição lhe foram apresentadas e advertências ou instruções lhe foram dadas em relação com essas condições. Neste caso, minha mãe escreveu claramente e energicamente, e sem precisão sobre a situação que lhe foi apresentada, e é uma graça para nós termos estas instruções para nosso estudo, quando somos confrontados a condições similares, em outro lugar. Mas, quando pegamos o que ela escreveu e o publicamos sem descrições, ou sem referência particular às condições e às circunstâncias do testemunho, existe sempre uma possibilidade do conselho ser empregado como se ele se aplicasse a um lugar e a condições completamente diferentes.
Temos sido muito embaraçados em nosso trabalho pelo emprego do que minha mãe escreveu sobre a alimentação, sobre medicamentos, e sobre outros assuntos nos quais você pode pensar sem que eu os enumere; quando for necessário dar instruções a tal pessoa, ou a tal família ou a tal igreja, mostrando a boa maneira de proceder nas diferentes condições como estas em que as cartas foram escritas, as exceções que foram feitas [...] os que pensaram que as instruções que eles estudaram eram uma aplicação universal foram sempre surpreendidos.” (W. C. W. Irwin à C. W. Irvin, 18 de fevereiro 1913).
Não podemos ressaltar muito que os lugares e as circunstâncias constituem fatores determinantes para nossa compreensão dos escritos de Ellen White. No mesmo sentido, a Sra. White escreveu que: “coisa alguma é ignorada; coisa alguma é rejeitada; o tempo e o lugar, porém, têm que ser considerados. Coisa alguma deve ser feita inoportunamente. Alguns assuntos precisam ser retidos porque algumas pessoas fariam uso impróprio do esclarecimento dado.” (Mensagens Escolhidas - Volume 1, p. 57) Ignorar as implicações da época e das circunstâncias, e procurar aplicar na letra e de maneira universal seus conselhos, constitui uma maneira inadequada de utilizar seus escritos.
O papel da época e das circunstâncias é também importante para a interpretação da Bíblia. Assim, por exemplo, a maioria dos cristãos não retira suas sandálias quando entra em uma igreja, embora Deus tenha ordenado a Moisés de fazê-lo para LHE encontrar. (Êxodo 3:5).
Nos escritos de Ellen White, os conselhos, tais como os que exortam as escolas a ensinar as meninas “a arrear, cavalgar” afim de que estejam “melhor adaptadas a enfrentar as emergências da vida” (Fundamentos da Educação Cristã 216) que convidam jovens e velhos, em 1894, a evitar a “influência feiticeira” da “moda as bicicletas” (8, Testemonies for the Church 51-51), que encorajam um administrador, em 1902, a não comprar um automóvel para transportar pacientes da estação ao sanatório porque isto seria uma despesa inútil e tornar-se-ia “uma tentação para outros a fazer a mesma coisa” (Lettre de Ellen White 158, 1902), estão claramente condicionados pela época e circunstâncias. Outras declarações que poderiam estar, também, dependentes de uma época e de um lugar, não são assim tão evidentes (particularmente estas que temos tendência a ter), mas é preciso permanecermos abertos.
Um outro aspecto é que, pelo número de seus conselhos, o contexto histórico é muito pessoal, porque Sra. White escreveu a um indivíduo, em sua situação particular. É preciso sempre lembrar-se que atrás de um conselho, existe uma situação específica ou um indivíduo com suas possibilidades e seus problemas particulares. Suas situações talvez não sejam idênticas às nossas. Assim, o conselho pode ou não pode ser aplicável nas circunstâncias dadas.
Aqui está, por exemplo, o caso de M.L. Andreasen, um teólogo adventista de renome nos anos de 1930-1940. A experiência de Andreasen ilustra a situação de uma pessoa que admite voluntariamente que se engajou abusivamente na reforma sanitária e provocou sobre si mesmo um problema aplicando de forma escrupulosamente um conselho sobre os excessos na mesa. Escutemos sua narrativa sobre sua história:
“Eu atravessei o período da reforma sanitária ao longo do início do século. Seguimos seriamente e em seu sentido absoluto a reforma sanitária. Eu só vivia praticamente de granola [mingau à base de aveia] e de água. [...] Não consumia leite, nem manteiga, nem ovos (durante muitos anos). Minha filha mais velha tinha dez anos quando ela experimentou pela primeira vez manteiga. Não consumíamos carne, é claro, nem leite, nem ovos e sal e açúcar, quase nada. Não nos restava muito coisa, senão granola. Eu fazia publicidade da granola. Nunca aceitei um convite para comer na casa de alguém. Eu conduzia granola comigo em minha bolsa. Eu vendia também granola. Isto fazia parte da reforma sanitária. Eu comia minha granola e bebia água três vezes por dia. Depois minha atenção foi atraída para o fato de que duas vezes era mais conveniente e assim, comecei a comer minha granola duas vezes por dia. [...]
Mas, a partir de um certo tempo, eu me cansei da granola. Comecei a me perguntar se não seria bom comer com uvas. Eu comprei, com um pouco de apreensão e ansiedade, algumas uvas. Eu estava com a granola e uvas, mas minha consciência me incomodava, também abandonei as uvas. Depois, comprei um abacaxi e o comi inteiro, minha boca ficou irritada. Eu conclui que era uma punição por ter comido abacaxi. Retornei a minha granola. Depois, li nos escritos de Ellen White que as pessoas, no geral, comiam muito. Eu o apliquei então às minhas duas refeições de granola por dia. Esta declaração era verdade em si, mas não aplicável em tais condições. Reduzi então minha ração de granola e vivi essencialmente de granola, de alguns legumes e de amendoins, não durante um dia ou um mês ou um ano, mas durante dez anos.
Éramos sérios e honestos fazendo isto e pensávamos que estávamos fundamentados em um testemunho – não um testemunho em sua aplicação mais ampla – mas somente no sentido estreito que alguns empregam os testemunhos hoje. Os princípios dos testemunhos, no que concerne a reforma sanitária, são verdadeiros e aplicáveis hoje como eles eram antes, nas mesmas condições. Que ninguém deixe de lado os testemunhos. Eles foram dados por Deus. Mas que cada um esteja ciente do fato de que se aplica (os conselhos de Ellen White), sob condições diferentes daquelas em que foram dadas.” (M. L. Andreasen, mensagem não publicada, 30 de novembro de 1948).
Andreasen era evidentemente sincero, mas ele estava evidentemente no erro ao aplicar sobre ele mesmo as recomendações de Ellen White sobre os excessos na mesa. Os anos passando, ele compreendeu melhor a maneira de ler Ellen White. Ele não somente reviu sua maneira de alimentar-se, mas reconheceu que existe situações específicas e pessoais atrás de inúmeras de suas declarações que não têm relação com ele nem com sua época. Ele descobriu mesmo que o contexto geral tinha mudado. Ele abandonou suas posições extremas quando ele compreendeu que a pasteurização e a refrigeração haviam “mudado as condições” (idem) de certos alimentos que ele havia considerado antes como impróprios. Ele compreendeu progressivamente que a época e as circunstâncias são de uma importância decisiva na compreensão dos conselhos de Ellen White.
Infelizmente, a Igreja não publicou muita coisa sobre o contexto histórico dos escritos de Ellen White. Eu o faço em parte no meu livro “Myhs in Adventism: An Interpretative Study of Ellen White, Education, and Related Issues, Review and Herald 1985. (Mitos na Educação Adventista: Um estudo interpretativo da educação nos escritos de Ellen G. White). Dores E. Robinson também trouxe uma contribuição neste sentido no The Story of Our Health Message, Southern Publishing, 1955. Paul Gordon participa neste trabalho histórico no que ele tentou chamar Testimony Backgrounds. Sobre um plano geral , os livros de Gary Land, The World of Ellen G. White, Review and Herald, 1987, e de Otto L. Bettmann, The Good Old Days: They Were Terrible! Random House, 1974, constituem uma ajuda útil. O livro de Bettmann é particularmente interessante, porque ilustra as condições do mundo de Ellen White.
[Reading Ellen White, pp. 85-92].
Chegamos a um assunto muito importante para uma boa leitura de Ellen White. Um poema bem conhecido de Jonh Godfrey Saxe ilustra meu propósito. Ele conta a história de seis cegos que experimentavam a descoberta sobre os elefantes. O primeiro tocando-o em de seus lados conclui que o elefante era comparável a um muro. O segundo tocando sua presa diz que o elefante era comparável a uma lança. O terceiro agarra a tromba e o percebe comparável a uma serpente. O quarto toca sua pata e o compara a uma árvore. O quinto toca sua orelha e o compara a um avental. O último, agarrando a cauda, se convence que o elefante é apenas uma corda. O poema conta que eles durante muito tempo discutem, apegados às suas próprias opiniões, quando na verdade todos estão errados, mesmo tendo parcialmente a razão.
Este poema ilustra uma armadilha na qual é muito fácil cair quando lemos a importante produção literária de Ellen White e quando examinamos o conjunto de informações disponíveis sobre um assunto proveniente de sua pluma. Arthur White declara que “muitos se enganaram utilizando declarações isoladas dos testemunhos, extraídos de seu contexto, para fundamentar suas crenças. Alguns o fizeram, embora outras passagens, examinadas com atenção, mostrem que sua posição é indefensável. [...] Não é difícil encontrar sentenças ou parágrafos particulares, seja na Bíblia ou nos escritos de Ellen White, que possam vir a dar apoio a idéias pessoais ao invés de realçar o pensamento de seus autores.” (Ellen G. White: Messenger to the Remnant, p. 88)
Esta situação me lembra uma experiência que vivi quando era jovem pastor na região da baia de San Francisco. Estava ligado em amizade a um grupo de adventistas zelosos e sinceros que queriam seguir a Bíblia e os escritos de Ellen White de todo o seu coração. Se Ellen White dizia uma coisa, eles faziam. Poderíamos discutir um problema a partir do momento em que tinham a sua declaração sobre o assunto. Eles se mostravam fiéis ao que eles chamavam de “testemunhos claros”.
Lembro-me ainda de minha primeira visita a uma pequena comunidade que meus amigos tinham organizado. O que me chamou a atenção foi o fato deles se ajoelharem para cada oração. Assim a congregação cantava um cântico, depois se ajoelhava para a oração; escutava um pedaço de música, recolhia as ofertas depois se ajoelhava para a ação de graças; cantava um cântico e se ajoelhava para a oração pastoral; escutava a introdução do orador depois se ajoelhava para a oração do início do sermão; escutava o sermão, cantava o hino de fechamento e se ajoelhava para a benção.
Como orador do dia e convidado, segui a congregação e seus responsáveis nas repetitivas flexões de joelhos ao longo de todo o serviço. Mas, um pouco perplexo em relação a experiência, um pouco após o culto, perguntei ao fundador da comunidade (que tinha a reputação de ser expert nos escritos de Ellen White) as razões pelas quais se ajoelhavam para cada oração.
Em resposta, ele leu para mim citações do segundo volume de Mensagens Escolhidas, pág. 311-316: “Tenho recebido cartas perguntando-me sobre a posição que deve ser assumida pela pessoa ao fazer oração ao Soberano do Universo. Onde obtiveram nossos irmãos a idéia de que deviam ficar em pé quando oram a Deus?” (Mensagens Escolhidas vol 2, pág. 311) Meu amigo ressalta que Ellen White continuou dizendo: "Prostre-se de joelhos!" Esta é sempre a posição apropriada. (idem)“Tanto no culto público como no particular é nosso dever prostrar-nos de joelhos diante de Deus quando Lhe dirigimos nossas petições. Este procedimento mostra nossa dependência de Deus.” (Idem) Assegurei a meu amigo que eu cria na importância da reverência e do ajoelhar-se para a oração, mas eu o disse também que sua interpretação das passagens de Ellen White me parecia exagerada e em desacordo com o conteúdo geral de seus escritos.
Ele discordou terminantemente da observação, pois ele havia sua palavra e isto era suficiente para ele. Se ela dizia “sempre”, eles se ajoelhariam sempre para orar. Não havia a menor possibilidade de discutir sobre o assunto ou de ler mais. Afinal de contas, quando se tem “a verdade” sobre um ponto, tudo o que resta a fazer é colocá-lo em prática. E foi isto que ele fez. Lembro mesmo de ter-me ajoelhado antes de almoçar.
Não estava convencido de que meu amigo detinha “a verdade” sobre o assunto. Ele apoiava em qualquer “citação” de Ellen White para alimentar sua prática. Mas existe uma diferença entre um bocado de citações e a verdade.
Como, talvez você pense, posso estar certo quanto aos meus atos? Não é complicado. Eu tenho simplesmente tomado cuidado de ler sobre o que Ellen White escreveu sobre o assunto da posição que convém para a oração. Neste caso, não tenho necessidade de ir muito longe. Sobre a última página da seção intitulada Posição Apropriada na Oração, no Mensagens Escolhidas, obra que meu amigo havia citado, li que: “Para orar não é necessário que estejais sempre prostrados de joelhos. Cultivai o hábito de falar com o Salvador quando sós, quando estais caminhando, e quando ocupados com os trabalhos diários.” (Mensagens Escolhidas vol 2, pág. 316).
Esta é uma das três citações que a Fundação White (que realizou a compilação do Mensagens Escolhidas) deliberadamente colocou no fim da seção sobre a oração para evitar aos leitores o tipo de leitura tendenciosa que meus amigos escolheram, um tipo de leitura que pode facilmente conduzir ao fanatismo.
Quando apresentei ao meu amigo a declaração que tinha encontrado, perguntei-lhe porque ele insistia no “sempre”, quando também é mencionado um “nem sempre”. Ele respondeu rapidamente que a declaração sobre o “nem sempre” concerne o público em geral e não o povo particular de Deus no fim dos tempos.
Disse para mim mesmo que esta era uma maneira bem curiosa de “ter a verdade” como esta de meu amigo. Uma vez a tendo, você pode tranquilamente esquecer a outra metade do que Ellen White (ou a Bíblia) disse sobre um assunto e prosseguir na maneira estreita de pensar.
Assim, meu amigo estava absolutamente convencido que o resto fiel de Deus, no fim dos tempos, devia mostrar o caminho restaurando a oração no que ela deveria ser. Ele era o homem providencial para levar o povo de Deus à verdade que consiste em se colocar de joelho para orar.
Reconheço como ele que a reverência em relação a Deus tinha necessidade de ser melhorada em numerosas Igrejas. Mas não podia aceitar o que me parecia uma conclusão tendenciosa. Que deveria então fazer? A resposta era simples. Tinha duas missões a cumprir. A primeira era continuar a me documentar sobre a questão. A segunda era escrever à Fundação White, na sede da Conferência Geral para ver se podia conseguir maiores informações sobre o tema.
As duas estratégias trouxeram uma maior compreensão sobre o assunto. E me adianto em dizer que todas as duas são acessíveis a quem quer que tenha questões concernentes a Ellen White e seus escritos. Não tenham receio de colocar suas questões à Fundação White. Ela pode fornecer excelentes informações sobre a posição geral de Ellen White sobre este ou aquele assunto, bem como sobre este que você lê para completar sua compreensão.
Rapidamente, cheguei a uma idéia mais completa quanto à posição a tomar quando em oração. Não somente descobri que a Bíblia aprova orações as quais nos pomos de forma diferente do ajoelhar-se (ver, por exemplo, marcos 11:25; Êxodo 34:8), mas também que Ellen White tinha confiado a um amigo que lhe acontecia às vezes de orar longas horas, quando ela estava deitada em sua cama (Lettre dEllen White 258, 1903). Isto dificilmente concordava com a idéia do “sempre” se ajoelhar, “tanto no culto público como no particular”.
Finalmente, tomei consciência de uma carta escrita de longas datas por um dos seus associados na qual ele dizia: “Estive freqüentemente presente em assembléias sob tendas e nas sessões da Conferência Geral nas quais Ellen White orou enquanto a assembléia estava em pé, estando ela mesmo em pé.” (D. E. Robinson à W.E.Daylish, 4 de março de 1934).
Encontramos mesmo, nos escritos de Ellen White, referências a orações pronunciadas em pé. Por exemplo, na sessão da Conferência Geral de 1909, após seu discurso, Ellen White concluiu solicitando a assembléia de se por “em pé”, para se consagrar a Deus. Depois, quando todos estavam assim, ela orou ao “Senhor Deus de Israel” (Mensagens Escolhidas vol 1, pág. 152). Você encontrará outra citação igual em Selected Messages, vol 3, p. 266-270.
Quando lemos este conjunto de conselhos dados por Ellen White sobre o assunto, a imagem que fazemos é muito diferente da que nos vem à mente quando lemos somente uma parte de seus escritos ou de citações isoladas. Após ter lido tudo o que podia facilmente encontrar sobre a posição que convém à oração, cheguei a conclusão de que meu amigo defendia um ponto de vista extremista que precisava de uma visão de conjunto do assunto.
Tendo examinado todos os conselhos disponíveis sobre o tema, cheguei a pensar que Ellen White estava preocupada pela falta de respeito na Igreja adventista. Esta irreverência se expressava em certos casos por congregações que não se ajoelhavam durante a oração principal do dia. É conveniente de se colocar “sempre” de joelhos para esta oração, quando fosse possível. Mas ela não fez em nenhuma parte, em seus escritos, a defesa da oração de joelhos para a benção, a invocação, a ação de graças para a refeição, etc. Seu ensinamento geral precisa que “não é sempre” necessário ajoelhar-se para cada oração. Era isto não somente seu ensino, mas também sua prática.
Sempre, durante seu ministério, Ellen White teve problemas com estes que levavam em conta somente uma parte de seus conselhos. “Quando serve ao vosso desígnio”, escreveu ela, “tratais os Testemunhos como se neles crêsseis, citando trechos deles para reforçar qualquer declaração em que desejais prevalecer. Como é, porém, quando o esclarecimento é dado para corrigir-vos os erros? Aceitais a luz? Quando os Testemunhos falam contrariamente às vossas idéias, então os tratais com desprezo.” (Mensagens Escolhidas vol 1, p 43) É importante escutar o conjunto de seus conselhos.
Nesta ordem de idéias, encontramos duas abordagens dos escritos de Ellen White. Uma engloba todas as suas declarações pertinentes a um tema. Outra seleciona dos seus escritos somente os parágrafos, declarações ou capítulos mais importantes, que sustentam o que se quer particularmente ressaltar. A única abordagem fiel é a primeira. Para respeitar a intenção de Ellen White, é importante ler abundantemente o que ela escreveu sobre a questão.
Mas nossa conclusão não deve somente está fundada sobre o conjunto do seu pensamento sobre o assunto. Ela deve também se harmonizar com o conteúdo do conjunto de seus escritos. Não somente o preconceito, mas também os raciocínios falsos, ou outro uso inadequado de seus escritos podem levar a conclusões errôneas.
[Reading Ellen White, pp. 71-76]
"Evite as Interpretações Extremas"
Stephen N. Haskell, um eminente pregador adventista retornou aos Estados Unidos nos últimos 25 anos do século XIX, após uma viagem de negócios na Austrália. Ele conheceu várias “doutrinas bizarras pregadas por alguns importantes pregadores da nova geração.” Como era de se esperar, eles citavam os Testemunhos e a Bíblia para apoiar suas idéias, de tal sorte que “os que não estavam firmes nos princípios da mensagem adventista podiam facilmente ser arrastados por eles.”
“Alguns destas estranhas doutrinas as quais escutei falar, diz Haskell, dizia que o selo de Deus não poderia ser colocado sobre quem tivesse os cabelos grisalhos ou deformados, pois na obra final, estaríamos em um estado de perfeição física e espiritual. Seríamos curados de toda a enfermidade física e não poderíamos mais morrer, etc.”
Alguns esperavam ter novos dentes, “uma mulher declarava o quanto seus amigos seriam convencidos ao vê-la chegar em casa com uma cabeleira renovada, o que ela acreditava acontecer em breve”. (S. N. Haskell à E. G. White, 3 de outubro de 1899). Sete semanas mais tarde, Haskell teve contato com um ensino extremista que, baseado no decálogo, pretendia que era errado matar serpentes venenosas ou insetos prejudiciais (ver S.N. Haskell à E. G. White, 23 de novembro de 1899). A história da igreja cristã está repleta de indivíduos que interpretam de maneira extremista os ensinamentos de Deus e definem seu fanatismo como uma “fidelidade”. Infelizmente, é também verdade para alguns cristãos adventistas. A propensão ao extremismo parece fazer parte da natureza humana caída. Deus tem procurado corrigir esta tendência através dos Seus profetas.
Um dos temas principais deste capítulo é que, mesmo se o equilíbrio caracteriza os escritos de Ellen White, ele não define sempre os que os lêem. Tomemos o caso dos conselhos de Ellen White a um médico inclinado a ter opiniões extremistas (com relação à reforma sanitária), após ter lido seus escritos “Quando a reforma de saúde é ensinada em sua modalidade mais extrema, escreveu ela ao Dr. D.H. Kress, a reforma de saúde torna-se uma deformação sanitária, um meio de destruição da saúde.” (Conselhos Sobre o Regime Alimentar 205 - 206.)
Jaimes White tratou do problema. “Quando satanás tenta um bom número a ser muito lentos, ele tenta sempre os outros a se mostrarem muito rápidos. A missão de Ellen White tornou-se muito árdua, e às vezes embaraçosa, em razão da conduta dos extremistas, que pensam que a única atitude conveniente é a de levar ao extremo tudo o que ela escreva ou diga sobre as questões a propósito das quais se poderiam ter outra abordagem.
Essas pessoas se apóiam sempre em suas interpretações de uma expressão e desenvolvem idéias aventureiras que, finalmente, contradizem o que ela disse sobre o perigo dos extremos. Sugerimos a estas pessoas que se livrem das expressões fortes que ela utilizou para os hesitantes e que dêem todo peso às numerosas advertências que ela pronunciou para os extremistas. Fazendo isto, se colocarão eles mesmos em segurança e sairão do seu caminho, afim de que ela possa dirigir-se livremente aos que têm necessidade de ser chamados ao seu dever. Atualmente, eles se colocam entre ela e as pessoas, paralisam seu testemunho e são causa de divisões.” (Review and Herald, 17 de março de 1868).
Ellen White teve que enfrentar extremistas ao longo de seu ministério. Em 1894, ela disse: “Há uma classe de pessoas sempre dispostas a escapar por alguma tangente, que desejam apreender qualquer coisa estranha, maravilhosa e nova; mas Deus quer que todos procedam calma e ponderadamente, escolhendo as palavras em harmonia com a sólida verdade para este tempo, a qual precisa, tanto quanto possível, ser apresentada ao espírito isenta do que é emocional, conquanto ainda levando a intensidade e solenidade que lhe convém. Devemos guardar-nos de criar extremos, de animar os que tendem a estar ou no fogo, ou na água.” (Testem. Ministros e Obreiros Evangélicos 227-228)
Quase quarenta anos mais tarde, Ellen White escreveu “vi que um bom número tem tirado vantagem do que Deus tem mostrado em relação aos pecados e aos erros dos outros. Eles têm radicalizado o sentido do que foi mostrado em visão e o levaram ao ponto de enfraquecer a fé de muitos na revelação divina.” (Testemunhos para Igreja - Volume 1, 166)
Alguns, levando ao extremo as declarações em áreas como a reforma sanitária, têm ido tão longe que, se eles tivessem razão, Ellen White teria sido tomada como um falso profeta. Estas interpretações abusivas lhes fazem ir não somente mais longe que a Bíblia, mas a contradizem. Por exemplo, enquanto Paulo declara que o reino de Deus “não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo.” (Romanos 14:17), alguns intérpretes de Ellen White colocam este aspecto de seu ensino no centro do Evangelho.
Ellen White concordava com Paulo. Alguns de seus contemporâneos procuraram colocar a reforma sanitária no centro, porque o que ela havia dito estava estreitamente ligado a última mensagem de Deus ao mundo “que o braço e a mão estão no corpo” (Testemunhos para Igreja - Volume 1, 486). Ela os advertiu “se a reforma sanitária está estreitamente ligada à obra da terceira mensagem (de Apocalipse 14), ela não é a mensagem propriamente dita. Nossos pregadores deveriam ensinar a reforma sanitária, mas não deveriam fazer dela o tema central, no lugar da mensagem.” Ela declarou aos seus leitores que a reforma sanitária tinha um importante papel “preparatório para os eventos finais” (Testemunhos para Igreja - Volume 1, 559). Esta idéia se harmoniza bem com uma observação que ela fez em outro contexto.
“Os últimos raios de luz da graça, a última mensagem de misericórdia que será necessária levar à humanidade, é uma revelação do Seu amor (Deus). Os filhos de Deus são chamados a manifestar Sua glória. Em suas vidas e seu caráter, têm a testemunhar do que a graça de Deus fez por eles.” (Parábolas de Jesus 364).
A reforma sanitária “prepara” para a obra final no sentido de que não somos muito amáveis quando temos uma indigestão, uma enxaqueca ou outro desconforto. Deus deseja mostrar para Seus filhos que a graça transformadora pode efetivamente mudar seres egoístas em pessoas amáveis e atenciosas. Se a reforma sanitária é um meio para chegar a este fim ela não é um fim em si mesma. Colocar a reforma sanitária, ou outros assuntos semelhantes, no centro de nossa vida espiritual, é distanciar-se, não somente do seu objetivo, mas também do quadro geral da mensagem de Deus dada através de Ellen White.
Uma parte de nossa missão, quando lemos Ellen White, é de evitar as interpretações extremas para compreender sua mensagem com sua própria ponderação. Resulta que temos necessidade de ler os conselhos levando em consideração todas as facetas do assunto.
Eis o caso de suas severas palavras a respeito dos jogos. “Entregando-se a diversões, jogos competitivos e façanhas pugilísticas”, escreveu ela, os estudantes do Colégio de Battle Creek, “declararam ao mundo que Cristo não era seu guia em nenhuma destas coisas. Tudo isso provocou a advertência de Deus.” Esta firma declaração e outras, parecidas, têm conduzido um bom número à conclusão que Deus desaprova todos os jogos de bola e outros. Mas aqui, como em toda interpretação extrema, é necessário prudência. Além do mais, a frase que segue imediatamente diz: “O que me oprime agora é o perigo de cair no outro extremo;” (Fundamentos da Educação Cristã 378).
Como mostra a citação seguinte, Ellen White não aprova nenhum dos extremos com relação ao assunto sobre jogos de bola ou de mesa. Falando aos pais e aos professores ela disse: “Caso reunissem as crianças bem junto a si, e lhes mostrassem que as amam, e manifestassem interesse em todos os seus esforços, e mesmo em suas brincadeiras, tornando-se por vezes mesmo uma criança entre elas, dar-lhes-iam muita satisfação e lhes granjeariam o amor e a confiança.” (Fundamentos da Educação Cristã 18)
Como vimos, é importante ler o conjunto do que Ellen White escreveu sobre um assunto antes de chegar a uma conclusão. Isto significa tomar em consideração o que significa serem as declarações contraditórias que, não somente se equilibram uma à outra, mas podem mesmo às vezes se oporem. Claro, como veremos, o contexto histórico e literário explica geralmente as razões das declarações radicais de Ellen White. Quando compreendemos as razões pelas quais ela se exprime de uma certa maneira, podemos compreender como as recomendações aparentemente contraditórias, se harmonizam uma à outra. Tendo isto em mente, estamos prontos para examinar os princípios subjacentes ao assunto particular dos jogos de bola e dos jogos de mesa.
“Não condeno o simples exercício de brincar com uma bola; mas isto, mesmo em sua simplicidade, pode ser levado ao excesso.” (O Lar Adventista 499) O problema que ela levanta nesta declaração moderada não está na ação, mas no excesso e no mau uso em se falando de tempo e de complexidade de organização, que conduz a problemas de relações humanas. Ela prossegue observando que os jogos de bola muito freqüentes conduzem às despesas exageradas, ao orgulho, a um amor e a um entusiasmo pelo jogo ultrapassando o limite do amor por Cristo e a uma “viva paixão” pela vitória. Além do mais, ela observa que a maneira como as pessoas gostam sempre de jogar não reforçam, nem ao espírito nem o caráter, distrai o pensamento do estudo e tende a desenvolver nos participantes um amor maior por jogos em relação ao amor por Deus. (O Lar Adventista 499-500)
Quando lemos as passagens equilibradas e “agregadoras” sobre um assunto, ao invés das que confortam nossas próprias opiniões, estamos mais próximos da real perspectiva de Ellen White. A moral da história é clara. Para evitar as interpretações exageradas, temos necessidade não somente de ler profundamente o que a Ellen White disse sobre o assunto dado, mas devemos também nos firmar nas declarações que fazem a síntese entre as diversas declarações opostas.
Aqui está mais uma ilustração sobre a necessidade de se firmar nos conselhos gerais. Esta ilustração concerne ao emprego dos ovos. Você se lembra que no primeiro capítulo, citamos Ellen White dizendo que “Os ovos não deveriam jamais se encontrar sobre vossa mesa. Eles representam uma ameaça para vossas crianças.” (Testemunhos para a Igreja vol.2, p. 400).
Ela fez esta declaração a uma família cujas crianças lutavam contra a sensualidade. O conselho se relaciona a esta situação específica.
Mas alguns a compreenderam como sendo uma proibição absoluta. Assim, o Dr. D.H.Kress, um consciencioso médico servindo como missionário na Austrália, baniu totalmente os ovos de sua mesa, assim como os produtos lácteos e diversos outros alimentos. Suas privações produziram finalmente deficiências alimentares que lhe trouxeram grave atentado a sua saúde. Ellen White lhe escreveu então em maio de 1901 para lhe exortar a não exagerar com relação à reforma sanitária. [...] Procure ovos provenientes de galinhas sadias. Consuma-os crus ou cozidos. Misture-os crus, no melhor suco de uva que você encontrar. Isto dará o que é necessário ao seu organismo. Não creia, nem por um instante, que agindo assim você não está na verdade. [...] Declaro que o leite e os ovos deveriam ser incluídos em sua alimentação. [...] Você está em perigo tomando a reforma sanitária de maneira tão radical, e de prescrever para si mesmo uma alimentação deficitária. [...] E os ovos contêm propriedades que são agentes medicinais para combater venenos. E conquanto tenham sido dadas advertências contra o uso desses artigos em famílias onde as crianças eram viciadas, e muito viciadas no hábito da masturbação, contudo não devemos considerar um princípio de proibição usar ovos de galinhas bem cuidadas e alimentadas devidamente.” (Lettre d’Ellen White 37, 1901; grande parte do conteúdo desta carta está acessível no Conselhos Sobre o Regime Alimentar 202-217).
Observe o fator contextual neste conselho, e como ele concerne a um problema específico. Observe também os princípios que Ellen White destaca. Por exemplo, é melhor comer ovos “de galinhas bem cuidadas e alimentadas devidamente”.
Voltaremos mais adiante sobre a questão do contexto e sobre a importância dos princípios. Porém, fiquemos ainda um pouco com o Dr. Kress.
Kress respondeu no mês seguinte à Ellen White. “Posso ver que minha firme posição no que concerne o leite e os ovos me colocaram em perigo de cair no exagero e sou muito grato ao Senhor por Ele me haver corrigido. [...] Agora, no que concerne, no que eu saiba, sigo fielmente todas as instruções que Deus me tem comunicado por vosso intermédio. Emprego os ovos e o leite, e o faço sem remorso na consciência. Antes não o podia fazer sem me sentir condenada e eu creio sinceramente que existe esperança que reencontre a saúde, senão o Senhor não me teria enviado esta mensagem.” (D.H.Kress à E.G.White, 28 de Junho de 1901).
Quarenta e três anos mais tarde, Kress coloca sua experiência nestes termos: “Algumas almas honestas tomaram uma posição extrema com relação a certas declarações feitas por Ellen White sobre o uso de alimentos de origem animal, tais como os ovos e o leite.” Falando de seus próprios exageros, ele disse: “Eu enfraqueci ao ponto de morrer. [...] Irmã White me viu em visão e me enviou muitas cartas, colocando em evidência as causas de minha condição física, e me exortando a mudar meus hábitos alimentares. [...] Após ter recebido sua mensagem, comecei a mudar, empregando ovos como me foi recomendado, e do leite e com a graça de Deus, conheci uma boa recuperação. [...] Isto faz mais de quarenta anos. Estou agora ao ponto de completar meus oitenta anos e tenho condições de passar três horas por dia em meu escritório, no sanatório. Sou devedor da saúde que me foi dada tão generosamente, às mensagens que me foram dirigidas em uma época onde a cura, do ponto de vista humano, parecia tão sem esperança. Continuo a seguir as instruções empregando o leite e os ovos.” (D.H.Kress, carta não publicada, o6 de janeiro de 1944)
Dr. Kress estava aparentemente convencido no fim de sua vida que Ellen White o tinha conduzido a renunciar as interpretações extremas de seus escritos.
[Reading Ellen White, pp. 77-83].
"Levar em Conta o Tempo e Lugar"
Era meu primeiro dia como diretor de um colégio metropolitano. Era também a época das minissaias. Não esquecerei jamais o primeiro telefonema: “Irmão Knight, disse uma voz feminina no outro lado da linha, estamos muito agradecidas por termos enfim um diretor que vai fazer cumprir as regras de conduta!” Percebi rapidamente que ela achava o comprimento das saias de sua filha muito curto. Meu primeiro pensamento foi de lhe perguntar por que ela não fazia, ela mesma, mas o Senhor me ajudou a frear a língua enquanto ela falava bastante sobre as saias curtas.
Ao mesmo tempo em que controlava minha língua, não podia impedir que meus pensamentos vagabundassem. Eu a escutei dizer que em alguns colégios, existia uma regra que determinava que uma saia não podia ter que mais que cinco centímetros acima do joelho. Eu me imaginei então circulando em minha escola, com uma régua na mão, para interpelar as estudantes e medir diariamente a altura de suas saias.
"Enquanto a mãe continuava seu discurso, minha mente continuava a se evadir. Eu imaginava uma garota de 1,82. Cinco centímetros acima do seu joelho dariam uma saia bem longa. Mas, eu tinha também garotas de dezesseis anos, com 1,45. Cinco centímetros acima de seu joelho fariam a metade do seu tamanho. Veio, então, à mente uma sugestão feita por Ellen White no ano de 1860, na qual ela encorajava as mulheres a encurtar suas saias em 25 centímetros. Não sei o que isto teria dado em meu caso.
Talvez você se pergunte aonde quero chegar. É bem simples. É necessário levar em consideração a época e as circunstâncias dos diversos conselhos de Ellen White. Ela não escreveu fora de todo contexto. A maioria deles visava os problemas com os quais pessoas ou grupos específicos eram confrontados em contextos históricos muito diferentes.
Agora, na época das minissaias, não é muito importante saber que é muito inadequado para citar Ellen White para encurtar as saias em vinte centímetros. Era evidente.
Mas, e este é um ponto importante, para outras declarações, também não é tão claro saber se se aplicam exatamente a uma pessoa particular em uma outra época e em outras circunstâncias. É preciso estudar o conselho em seu contexto histórico para se determinar. Vários capítulos que se seguirão nos ajudarão nesta tentativa.
Por que Ellen White recomendou às mulheres reduzirem em 25 centímetros suas saias? Porque nesta época as saias se arrastavam pelo chão. Elas tocavam assim, entre outras coisas, as imundícias de uma sociedade que usava o cavalo e a carroça para se locomover. Tais saias apresentavam outros problemas que Ellen White e os reformistas de sua época levantavam continuamente. Assim, ela pode escrever que “uma das invenções extravagantes e nocivas da moda são as saias que varrem o chão. Desasseadas, desconfortáveis, inconvenientes, anti-higiênicas - tudo isso e mais ainda se verifica quanto às saias que arrastam.” (Ciência do Bom Viver, 291)
Mas o que é verdade na sua época não é geralmente verdade na nossa. É claro, podemos pensar em alguma cultura tradicional reproduzindo as condições do século 19. Em civilizações que lhes são próximas, os conselhos são válidos sem acomodações. Mas devemos ajustá-los para a maioria das culturas atuais.
Uma parte de adaptação necessária nasce da citação do “Ciência do Bom Viver” que lemos mais acima. O problema das saias que se arrastam sobre o chão vem do fato de que elas eram desasseadas, desconfortáveis, inconvenientes e anti-higiênicas. Podemos então logicamente concluir que um dos princípios de um vestuário correto exige que ele seja limpo, confortável, adaptado e higiênico. Tais princípios são universais, mesmo se a idéia de um encurtamento de saias esteja ligada a uma época e a circunstâncias precisas. Outras leituras da Bíblia e dos escritos de Ellen White fornecem outros princípios de vestuário que podem se aplicar à nossa época. A modéstia, por exemplo, nos vem à mente.
Você pode se perguntar o que minha escola fez para resolver o problema das minissaias. Certamente não nos servimos impensadamente das exortações de Ellen White para reduzir o comprimento das saias. Muito menos passeei com uma régua para medir a distância entre o joelho e a bainha. Ao contrário, empregamos os princípios recomendados pela Bíblia e os escritos de Ellen White e os aplicamos à nossa época e às nossas circunstâncias. Quando reunimos as garotas, dizemos que esperávamos que suas roupas fossem limpas, simples e de bom gosto, modestas e assim por diante. Porém, a aplicação de princípios a partir dos escritos de Ellen White não é o assunto deste capítulo. Voltaremos a este assunto no capítulo 16.
Seus conselhos sobre a forma de cortejar são outros exemplos úteis da necessidade de levar em conta o tempo e a circunstância. Em 1897, Ellen White escreveu aos estudantes da escola de Avondale, na Austrália:´“Não queremos, e não podemos permitir de qualquer forma que se corteje e que se teçam relações entre meninas e meninos e entre meninos e meninas.” (Lettre de Ellen White 193, 1987) No mesmo ano, ela escreveu: “Temos trabalhado duro (em Avondale) para prevenir na escola tudo que poderia parecer favoritismo, ligações e freqüentações. Temos dito aos estudantes que não permitiríamos a menor destas coisas que poderiam interferir em seus trabalhos escolares. Sobre este ponto, somos tão firmes quanto uma rocha.” (Lettre de Ellen White 145, 1987)
Um regulamento foi publicado no boletim escolar de Avondale. Não há dúvida que C.W. Irwin, o diretor da escola, de 1903 à 1908, tenha sido “tão firme quanto uma rocha” sobre o assunto das relações entre moças e rapazes. Em 1913, Irwin, então presidente do Pacif Union College na Califórnia, foi chamado para ler o manuscrito do livro de Ellen White ainda a ser publicado: Conselhos Professores, Pais e Estudantes.
rwin ficou chocado ao ver que o texto relativo a uma forte disciplina nas relações entre meninas e meninos faltava no novo livro. Em seu lugar, ele encontrou uma declaração mais conciliadora: “Em todo o nosso trato com os estudantes, devem-se tomar em consideração a idade e o caráter. Não podemos tratar os menores e os de mais idade da mesma maneira. Circunstâncias há em que, a rapazes e moças de sólida experiência e de bom comportamento, se podem conceder alguns privilégios não dispensados a estudantes mais novos. A idade, as condições e o modo de pensar devem ser tomados em conta. Devemos ser prudentemente considerados em toda a nossa obra. Não devemos, porém, diminuir a firmeza e a vigilância no lidar com alunos de todas as idades, tampouco a estrita proibição das associações sem proveito e imprudentes de jovens e imaturos estudantes.” (Conselhos Professores, Pais e Estudantes, 101)
Esta mudança de tom em relação a sua declaração precedente perturbou Irwin. Ele escreveu a W. C. White declarando que a instrução era “na incapacidade de concordar com as coisas que Ellen White havia escrito em outras ocasiões, as quais [...] tinham sido perfeitamente conforme a ela mesma.” (C. W. Irwin à W. C. White, 12 de fevereiro 1913).
O que Irwin não tinha levado em conta é a diferença das circunstâncias nas quais Ellen White tinha dado os conselhos aparentemente divergentes. Seu apelo à escola de Avondale em 1987 dizia respeito a uma situação na qual quase a metade dos alunos tinha menos de 16 anos. Mas, em 1913, a maioria dos estudantes nos colégios adventistas era composta de estudantes mais velhos, mais experimentados, mais maduros. Ellen White ao dar conselhos gerais para a Igreja, em seu conjunto, tinha levado em consideração as mudanças das circunstâncias.
A resposta de Willie White a Irwin é esclarecedora no que concerne a importância da época e das circunstâncias nos conselhos de Ellen White. “Um dos problemas mais embarassantes que tivemos de lidar ao preparar os escritos de minha mãe para sua publicação, se situa justamente sobre questões como esta, quando as condições de uma família, de uma igreja ou de uma instituição lhe foram apresentadas e advertências ou instruções lhe foram dadas em relação com essas condições. Neste caso, minha mãe escreveu claramente e energicamente, e sem precisão sobre a situação que lhe foi apresentada, e é uma graça para nós termos estas instruções para nosso estudo, quando somos confrontados a condições similares, em outro lugar. Mas, quando pegamos o que ela escreveu e o publicamos sem descrições, ou sem referência particular às condições e às circunstâncias do testemunho, existe sempre uma possibilidade do conselho ser empregado como se ele se aplicasse a um lugar e a condições completamente diferentes.
Temos sido muito embaraçados em nosso trabalho pelo emprego do que minha mãe escreveu sobre a alimentação, sobre medicamentos, e sobre outros assuntos nos quais você pode pensar sem que eu os enumere; quando for necessário dar instruções a tal pessoa, ou a tal família ou a tal igreja, mostrando a boa maneira de proceder nas diferentes condições como estas em que as cartas foram escritas, as exceções que foram feitas [...] os que pensaram que as instruções que eles estudaram eram uma aplicação universal foram sempre surpreendidos.” (W. C. W. Irwin à C. W. Irvin, 18 de fevereiro 1913).
Não podemos ressaltar muito que os lugares e as circunstâncias constituem fatores determinantes para nossa compreensão dos escritos de Ellen White. No mesmo sentido, a Sra. White escreveu que: “coisa alguma é ignorada; coisa alguma é rejeitada; o tempo e o lugar, porém, têm que ser considerados. Coisa alguma deve ser feita inoportunamente. Alguns assuntos precisam ser retidos porque algumas pessoas fariam uso impróprio do esclarecimento dado.” (Mensagens Escolhidas - Volume 1, p. 57) Ignorar as implicações da época e das circunstâncias, e procurar aplicar na letra e de maneira universal seus conselhos, constitui uma maneira inadequada de utilizar seus escritos.
O papel da época e das circunstâncias é também importante para a interpretação da Bíblia. Assim, por exemplo, a maioria dos cristãos não retira suas sandálias quando entra em uma igreja, embora Deus tenha ordenado a Moisés de fazê-lo para LHE encontrar. (Êxodo 3:5).
Nos escritos de Ellen White, os conselhos, tais como os que exortam as escolas a ensinar as meninas “a arrear, cavalgar” afim de que estejam “melhor adaptadas a enfrentar as emergências da vida” (Fundamentos da Educação Cristã 216) que convidam jovens e velhos, em 1894, a evitar a “influência feiticeira” da “moda as bicicletas” (8, Testemonies for the Church 51-51), que encorajam um administrador, em 1902, a não comprar um automóvel para transportar pacientes da estação ao sanatório porque isto seria uma despesa inútil e tornar-se-ia “uma tentação para outros a fazer a mesma coisa” (Lettre de Ellen White 158, 1902), estão claramente condicionados pela época e circunstâncias. Outras declarações que poderiam estar, também, dependentes de uma época e de um lugar, não são assim tão evidentes (particularmente estas que temos tendência a ter), mas é preciso permanecermos abertos.
Um outro aspecto é que, pelo número de seus conselhos, o contexto histórico é muito pessoal, porque Sra. White escreveu a um indivíduo, em sua situação particular. É preciso sempre lembrar-se que atrás de um conselho, existe uma situação específica ou um indivíduo com suas possibilidades e seus problemas particulares. Suas situações talvez não sejam idênticas às nossas. Assim, o conselho pode ou não pode ser aplicável nas circunstâncias dadas.
Aqui está, por exemplo, o caso de M.L. Andreasen, um teólogo adventista de renome nos anos de 1930-1940. A experiência de Andreasen ilustra a situação de uma pessoa que admite voluntariamente que se engajou abusivamente na reforma sanitária e provocou sobre si mesmo um problema aplicando de forma escrupulosamente um conselho sobre os excessos na mesa. Escutemos sua narrativa sobre sua história:
“Eu atravessei o período da reforma sanitária ao longo do início do século. Seguimos seriamente e em seu sentido absoluto a reforma sanitária. Eu só vivia praticamente de granola [mingau à base de aveia] e de água. [...] Não consumia leite, nem manteiga, nem ovos (durante muitos anos). Minha filha mais velha tinha dez anos quando ela experimentou pela primeira vez manteiga. Não consumíamos carne, é claro, nem leite, nem ovos e sal e açúcar, quase nada. Não nos restava muito coisa, senão granola. Eu fazia publicidade da granola. Nunca aceitei um convite para comer na casa de alguém. Eu conduzia granola comigo em minha bolsa. Eu vendia também granola. Isto fazia parte da reforma sanitária. Eu comia minha granola e bebia água três vezes por dia. Depois minha atenção foi atraída para o fato de que duas vezes era mais conveniente e assim, comecei a comer minha granola duas vezes por dia. [...]
Mas, a partir de um certo tempo, eu me cansei da granola. Comecei a me perguntar se não seria bom comer com uvas. Eu comprei, com um pouco de apreensão e ansiedade, algumas uvas. Eu estava com a granola e uvas, mas minha consciência me incomodava, também abandonei as uvas. Depois, comprei um abacaxi e o comi inteiro, minha boca ficou irritada. Eu conclui que era uma punição por ter comido abacaxi. Retornei a minha granola. Depois, li nos escritos de Ellen White que as pessoas, no geral, comiam muito. Eu o apliquei então às minhas duas refeições de granola por dia. Esta declaração era verdade em si, mas não aplicável em tais condições. Reduzi então minha ração de granola e vivi essencialmente de granola, de alguns legumes e de amendoins, não durante um dia ou um mês ou um ano, mas durante dez anos.
Éramos sérios e honestos fazendo isto e pensávamos que estávamos fundamentados em um testemunho – não um testemunho em sua aplicação mais ampla – mas somente no sentido estreito que alguns empregam os testemunhos hoje. Os princípios dos testemunhos, no que concerne a reforma sanitária, são verdadeiros e aplicáveis hoje como eles eram antes, nas mesmas condições. Que ninguém deixe de lado os testemunhos. Eles foram dados por Deus. Mas que cada um esteja ciente do fato de que se aplica (os conselhos de Ellen White), sob condições diferentes daquelas em que foram dadas.” (M. L. Andreasen, mensagem não publicada, 30 de novembro de 1948).
Andreasen era evidentemente sincero, mas ele estava evidentemente no erro ao aplicar sobre ele mesmo as recomendações de Ellen White sobre os excessos na mesa. Os anos passando, ele compreendeu melhor a maneira de ler Ellen White. Ele não somente reviu sua maneira de alimentar-se, mas reconheceu que existe situações específicas e pessoais atrás de inúmeras de suas declarações que não têm relação com ele nem com sua época. Ele descobriu mesmo que o contexto geral tinha mudado. Ele abandonou suas posições extremas quando ele compreendeu que a pasteurização e a refrigeração haviam “mudado as condições” (idem) de certos alimentos que ele havia considerado antes como impróprios. Ele compreendeu progressivamente que a época e as circunstâncias são de uma importância decisiva na compreensão dos conselhos de Ellen White.
Infelizmente, a Igreja não publicou muita coisa sobre o contexto histórico dos escritos de Ellen White. Eu o faço em parte no meu livro “Myhs in Adventism: An Interpretative Study of Ellen White, Education, and Related Issues, Review and Herald 1985. (Mitos na Educação Adventista: Um estudo interpretativo da educação nos escritos de Ellen G. White). Dores E. Robinson também trouxe uma contribuição neste sentido no The Story of Our Health Message, Southern Publishing, 1955. Paul Gordon participa neste trabalho histórico no que ele tentou chamar Testimony Backgrounds. Sobre um plano geral , os livros de Gary Land, The World of Ellen G. White, Review and Herald, 1987, e de Otto L. Bettmann, The Good Old Days: They Were Terrible! Random House, 1974, constituem uma ajuda útil. O livro de Bettmann é particularmente interessante, porque ilustra as condições do mundo de Ellen White.
[Reading Ellen White, pp. 85-92].
Interpretando e aplicando conceitos de Ellen G. White - A questão de Indiana
Exposição de motivos: As linhas abaixo transcritas são de lavra do Pr. Douglas Reis e podem ser acessadas diretamente no blog pelo mesmo administrado no link infra declinado, originalmente derivadas do artigo "A música sacra dentro da cosmovisão Adventista: Interpretando e aplicando conceitos de Ellen White" (3ª Parte). Tal artigo foi elaborado em um contexto próprio que não guarda relação direta com a sua presente descrição e, que poderá ser compulsado diretamente na fonte, caso assim desejem os interessados. Aliás, extrapolando os próprios limites que impulsionaram a confecção do mesmo, entendo ser de bom alvitre a sua leitura completa, dada a amplitude de conceitos e o enfrentamento filosófico adequado estabelecido pelo autor em um tratamento amplo da questão da música no seio do adventismo.
Tem se estabelecido uma estranha dicotomia no trato de questões referente ao pensar do adventismo, especialmente no que concerne a um inconsciente coletivo que tem acabado por criar um pejorativo enquadramento de uma faixa de membros inicialmente sob a insígnia de "radicais" e, mais modernamente, dada a impropriedade do vocábulo inicialmente eleito, diretamente de "fanáticos" e "extremistas", o que bem estabele o tom visceral e inapropriado que o discurso tem tomado, além das possibilidades que se desenham neste mister.
Sem tomar partido destas questões na forma por alguns proposta, que de pleno repelimos, temos enveredado a linha de informar, resgatando o pensar da liderança engajada na condução do rebanho e que portanto tem compromisso com aquEle que lhes outorgou o encargo.
Neste diapasão e, diante da recente contraposição que se tem feito ao há muito assentado entendimento do episódio ocorrido em Indiana, temos trazido o subsídio necessário para que se entenda a dimensão e alcance do que naquele quadro se estabeleceu e, que na forma do quanto profetizado e pelo andar da carruagem, já se vislumbra em meios e condições favoráveis para novamente se infiltrar em suas nuances próprias no arraial adventista.
Realizadas estas necessárias considerações iniciais, desculpando-me ainda com os leitores deste espaço com a eventual insistência no tema, que reputo de importância, segue o texto em questão.
O reducionismo, tanto na abordagem histórica do contexto cultural no qual Ellen White estava inserida quando escreveu sobre a música, quanto na aplicação atual do que ela escreveu.
Para compreendermos melhor a questão da importância da Revelação na adoração, é necessário notarmos que, para os adventistas, o mundo é visto como caminhando para um fim irreversível; nestes últimos dias da História da Terra, Deus tem, então, preparado um povo, dando a ele um cabedal de verdades que devem ser anunciadas a todo mundo. A mensagem da obra de Cristo no Santuário, parte deste sistema e eixo integrador do corpo de verdades para o tempo do fim, deve atrair nossa consideração nesses últimos dias. Como afirma Ellen White:
“Encerrando-se o ministério de Jesus no lugar santo, e passando Ele para o lugar santíssimo e ficando de pé diante da arca, a qual contém a lei de Deus, enviou um outro anjo poderoso com uma terceira mensagem ao mundo. Um pergaminho foi posto na mão do anjo e descendo ele à Terra com poder e majestade, proclamou uma terrível mensagem de advertência com a mais terrível ameaça que já foi feita ao homem.Esta mensagem estava destinada a pôr os filhos de Deus de sobreaviso, mostrando-lhes a hora de tentação e angústia que diante deles estava.Disse o anjo: ‘Aqui está a perseverança dos santos, daqueles que guardam os mandamentos de Deus e tem a fé de Jesus’ Apocalipse 14:12. Ao dizer estas palavras, aponta para o santuário celestial. As mentes de todos os que abraçam esta mensagem são dirigidas ao lugar santíssimo, onde Jesus está em pé diante da arca fazendo intercessão final por todos aqueles por quem a misericórdia ainda espera, e pelos que ignorantemente terão violado a lei de Deus.”[1]
Perceba que a doutrina da purificação do santuário, justamente por ser tanto crucial para a integração da verdade (juntamente com as três mensagens angélicas, também referidas no texto), quanto por servir de advertência de que “a hora da tentação e angústia” está se aproximando, deve ocupar a consideração das “mentes de todos os que abraçam esta verdade.” O processo de aquilatar a grande Verdade da obra de Cristo no Santuário Celestial acontece na mente.
Diante da importância do papel da mente para a compreensão da verdade, surge uma série de admoestações inspiradas para cuidarmos da mente: principal, mas não unicamente, Ellen White trata dos cuidados que os adventistas têm que ter com a alimentação. Hábitos errôneos, compreendendo o comer em demasia, não seguir um regime apropriado, são responsáveis pelo “entorpecimento” e “embotamento” da mente, impedindo-a de apreciar as grandes verdades para os presentes dias.[2] Propriamente dentro deste contexto, surge a afirmação “Com a mente servimos ao Senhor”[3]
Contudo, como relacionar o cuidado que devemos manifestar no que toca à mente com o curso que a música vem tomando no moderno adventismo?
Anteriormente, mencionamos o movimento da “Carne Santa”, uma heresia que surgiu no meio do adventismo. Aquela experiência serve não apenas como um exemplo histórico da maneira pela qual tendências pentecostais se insurgiram na denominação adventista, mas fornece um síloge do futuro paradigma na adoração adventista. Notemos o que Ellen White comenta:
“As coisas que descrevestes como ocorrendo em Indiana, o Senhor revelou-me que haviam de ocorrer imediatamente antes da terminação da graça. Demonstrar-se-á tudo quanto é estranho. Haverá gritos com tambores, música e dança. Os sentidos dos seres racionais ficarão tão confundidos que não se pode confiar neles quanto a decisões retas. E isto será chamado operação do Espírito Santo. […]
“Não entrarei em toda a triste história; é demasiado. Mas em janeiro último o Senhor mostrou-me que seriam introduzidos em nossas reuniões campais teorias e métodos errôneos, e que a história do passado se repetiria. Senti-me grandemente aflita. Fui instruída a dizer que, nessas demonstrações, acham-se presentes demônios em forma de homens, trabalhando com todo o engenho que Satanás pode empregar para tornar a verdade desagradável às pessoas sensatas; que o inimigo estava procurando arranjar as coisas de maneira que as reuniões campais, que têm sido o meio de levar a verdade da terceira mensagem angélica perante as multidões, venha a perder sua força e influência."[4]
No contexto dos últimos dias, Ellen White afirma que manifestações como a ocorrida em Indiana serão a regra, não a exceção. De alguma forma, “gritos”, “tambores”, música” e “dança” acompanharão o repertório de nossa música. Obviamente, a autora relaciona essa mudança de valores musicais como um estratagema de Satanás, para confundir “os sentidos dos seres racionais”. Essa aproximação satânica com a maneira pagã de adorar seria considerada “operação do Espírito Santo”.
Já consideramos nos tópicos anteriores os fatores que têm permitido, paulatinamente, a ocorrência desse fenômeno de mudança paradigmática entre os adventistas. Somente a Revelação poderia reorientar nossa concepção musical dentro da perspectiva de nossa singularidade como movimento profético. Entrementes, a Revelação tem sido desconsiderada, mesmo no meio denominacional.
Faz-se necessário nos determos em um exemplo recente da história do Adventismo para percebermos o desenvolvimento de alguns conceitos responsáveis pelo desprestígio da Revelação. Uma das maiores crises que a Igreja Adventista enfrentou foi desencadeada quando Desmond Ford, um proeminente teólogo adventista, questionou a doutrina do santuário. Ele apresentou suas dúvidas de forma pública inicialmente em 27 de Outubro de 1979, em uma palestra sobre Hebreus 9 e suas implicações para a doutrina adventista, no Pacific Union College.[5] Diante da repercussão do fato, foram concedidas seis meses a Ford pela Associação Geral, a fim de que desenvolvesse e apresentasse suas idéias. O trabalho de Ford rendeu um texto de quase 1000 páginas que foi debatido entre teólogos adventistas, sendo possível encontrar muitas publicações sobre o ocorrido, bem como refutações à posição de Ford.[6]
O curioso é que, para sustentar sua nova compreensão sobre o santuário, Ford teve de reinterpretar os escritos de Ellen White, que para ele passaram a ser vistos como incorporando muitos dos erros de contemporâneos adventistas da autora, mais preocupados em prover uma explicação para o desapontamento do que em buscar uma perspectiva bíblica. Ellen White teria, para Ford, somente a finalidade de aconselhar de forma pastoral, sem autoridade doutrinária.[7]
Ford, certamente, não foi quem primeiro duvidou da autoridade profética de Ellen White, contudo, ele trouxe uma nova e perigosa abordagem restritiva da Revelação, limitando sua funcionalidade ao patamar “pastoral” (admoestativo). Mesmo em congregações brasileiras, nas quais geralmente o criticismo histórico raramente é encontrado, muitos dos livros de Ellen White são tratados como meros “conselhos”, como se a obediência voluntária àqueles aspectos da Revelação encontrados em tais livros não fosse relevante para a salvação ou desenvolvimento da vida cristã, mas meramente “opcional”.
O que ocorreu no caso de Ford ilustra a racionalização que tendemos a fazer quando nossa compreensão não se conforma com o que a Revelação apresenta sobre determinado assunto. Em uma esfera menor e, geralmente, de forma inconsciente, passamos a atribuir um valor reduzido ao que o profeta pronunciou ou acomodar sua mensagem às nossas preferências, sendo seletivos em relação ao que ele comunicou.
Infelizmente, no campo da adoração, que constitui um “tabu” entre os adventistas, os conselhos de Ellen White ainda são pouco explorados, e, lentamente, uma concepção popular, de influência marcadamente mais evangélica, vem substituindo os princípios especificamente adventistas. Quando estudamos os conselhos da mensageira do Senhor, reagimos inconscientemente a eles, no sentido de “enquadrá-los” em nossas preferências.
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Para resgatarmos o contexto em que Ellen White escreveu, temos necessidade de buscar entender que o século XIX constiuiu-se de uma era de despertamentos religiosos em solo americano. Ainda em 1800, Francis-Asbury, considerado o primeiro pregador itinerante, iniciava as reuniões campais de reavivamentos, chamadas de “Camp meetings”.[11] Visando alcançar o povo individualista e isolado que vivia na fronteira, os evangélicos daquela época mudaram sua abordagem, focalizando na “experiência de conversão profunda” para promover novas conversões. Na dinamicidade do processo, a religião passou a ser redefinida “em termos de emoção, no mesmo tempo que contribuía para negligenciar a teologia, a doutrina e o elemento cognitivo da crença.” Notoriamente, essa mudança no paradigma religioso levou a uma reestruturação do sistema de culto, que passou a incorporar “linguagem simples do povo e músicas populares”. [12] Note esta descrição de tais reuniões:
“‘Tenho visto presbiterianos, metodistas, quacres, batistas, anglicanos e independentes, todos tomados de sacudidelas; cavalheiros e damas, negros e brancos, velhos e moços, ricos e pobres sem exceção. […]
“Era a noite que o frenesi reavivamentista alcançava a intensidade máxima. Ao clarão das fogueiras que rodeavam o campo, os pregadores iam por entre a turba exortando aos pecadores a arrependerem-se para escapar do fogo do inferno. O canto se avolumava, transformando-se em portentoso rugido, os brados abalavam a terra, homens e mulheres sacudiam-se, saltavam ou rolavam pelo chão até que desmaiavam e tinham de ser carregados. Entre soluços, gemidos e gritos homens e mulheres apertavam as mãos uns dos outros e davam vazão a todas as suas frustrações e emoções em grandes transportes vocais que culminavam no ‘êxtase do canto’.”[13]
A influência da música cantada nos camp meetings atravessou o movimento milerita e demorou até ser sistematicamente rejeitada pelos primeiros hinários adventistas[14]. Reapareceu, contudo, durante o episódio da Carne Santa, que, à luz da História do evangelicalismo americano se torna ainda mais verossímil.
Na área secular, a influência da agitação religiosa também ajudava a criar um novo gênero, que marcaria a musicalidade norte-americana: o jazz. O homem negro, trazido da África como escravo, foi inserido no contexto musical americano, misturando a sua musicalidade primitiva àquela que encontrou no continente novo. Nos campos do Sul dos Estados Unidos, os escravos se comunicavam através dos “hollers”, gritos que funcionavam como uma espécie de sonar, e do qual várias canções se desenvolveram. Dentro desse cenário musical, a figura do “griot” desempenha importante papel: nas tribos da costa ocidental da África, eles ocupavam uma função social e religiosa de destaque.[15]
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“A Black Music nasceu dos antigos Negro-spirituals, canções folclóricas de fundo religioso, cantadas pelos escravos africanos nos Estados Unidos. Os spirituals não apenas deram origem ao gospel, mas a uma gama de estilos negros.”
A afinidade entre a música africana e a dos movimentos cristãos norte-americanos ultrapassou o período dos reavivamentos e se perpetuou nos movimentos pentecostais. Dorneles observa:
“O pentecostalismo, possuído pela ênfase na experiência tangível da salvação, encontrou nos elementos culturais africanos uma forma adequada de expressão. Essa forma incorporada ao culto abre espaço para uma liturgia emocional e corporal”[16]
A música profana da época recebeu direta influência da música negra, como também de várias outras culturas, que foram se imiscuindo, para criar as condições necessárias ao surgimento do Jazz. Com efeito:
“A ópera francesa, a canção popular, a música napolitana, os tambores africanos […], o ritmo haitiano, a melodia cubana, os refrões satíricos dos crioulos, os spirituals e os blues americanos, o ragtime, a música popular da época – tudo isso se fazia ouvir lado a lado nas ruas [de New Orleans].”[17]
É digno de nota a relação, tanto devido à proximidade geográfica, quanto à afinidade de ritmos entre o jazz e a música latino-americano (“o ritmo haitiano” e “a melodia cubana”). A História das Américas releva que os negros estiveram lado a lado com os conquistadores espanhóis, sendo que em “alguns casos, até os próprios líderes coloniais eram negros, como Estebanico” e “Juan Valiente”, que fizeram expedições às terras que hoje pertencem, respectivamente, ao México e ao Chile. “Entre 1502 e 1518, centenas de negros emigraram” para as Américas; os colonos negros, que moravam antes na Península Ibérica, já haviam “substituído a cultura africana original pela cultura moura (árabe)”, isto porque os árabes dominaram a Espanha desde o século VIII, e o ano em que Colombo partiu (1492) também havia marcado a queda do último “bastião dos mouros”. Quando a Espanha chegou a primazia no tráfico de escravos, estes provinham da África ocidental, “países com distintos padrões de cultura árabe”. Na Espanha, a tolerância aos costumes dos escravos era maior, por haverem influências árabes tanto na cultura espanhola como na de seus escravos africanos. A presença de elementos árabes nas culturas africanas e latino-americanas contribuiu para a formação de gêneros tipicamente norte-americanos, como o blues e o jazz. E o processo de “incrementação” da música negra nos Estados Unidos se deu ainda no século XIX.[18]
Tais informações históricas tornam-se úteis para entendermos as origens da música em desenvolvimento no período no qual foram dadas as advertências inspiradas, como a que consta no seguinte texto de Ellen G. White:
“Foi-me mostrado que a juventude necessita assumir posição mais alta e fazer da Palavra de Deus sua conselheira e guia. Solenes responsabilidades repousam sobre os jovens, as quais eles levianamente consideram. A introdução de música em seus lares, em vez de incitá-los à santidade e espiritualidade, tem sido um meio de desviar-lhes a mente da verdade. Canções frívolas e peças de música popular do dia parecem compatíveis com seus gostos. Os instrumentos de música têm tomado o tempo que devia ter sido dedicado à oração. A música, quando não abusiva, é uma grande bênção; mas quando usada erroneamente, é uma terrível maldição. Ela estimula, mas não comunica a força e a coragem que o cristão só pode encontrar no trono da graça enquanto humildemente faz conhecidas suas necessidades e, com fortes clamores e lágrimas, suplica força celestial para se fortificar contra as poderosas tentações do maligno. Satanás está levando cativa a juventude. Oh, que posso eu dizer para levá-los a quebrar seu poder de sedução! Ele é um hábil sedutor para levá-los à perdição.”[19]
Quando Ellen White comenta os efeitos danosos que a “música popular” de seus dias causava sobre os jovens, desviando-lhes “a mente da verdade”, temos de entender sua orientação dentro de uma “época em que o ‘jazz’ começava a se generalizar.”[20] Mais uma vez, a preocupação é com a mente e com suas condições de receber, entender e aceitar o conjunto de verdades que Deus tem para o tempo do fim.
Merece a nossa atenção o fato de no século XIX, a cultura musical, tanto a religiosa quanto a secular, sofreram inúmeras influências, rompendo antigos padrões. É claro que o surgimento de uma atitude descompromissada se comparada às convenções estabelecidas dentro do protestantismo histórico em detrimento do sincretismo entre culturas influenciadas pelo emocionalismo cúltico, também foi um fenômeno perfeitamente explicado pelo surgimento do Romantismo, que se insurgia contra a autoridade, quer no âmbito particular ou público. “Este espírito foi incentivado pela Revolução Francesa”, responsável por muitos dos princípios da modernidade. Agora, a “partir de uma perspectiva protestante, a música se tornou carregada de emocionalismo”, perdendo de vista qualquer senso de responsabilidade.[21]
Assim, tornava-se ainda mais imperativo que Deus fornecesse informações concretas para o povo adventista, vivendo instantes antes do advento, a fim de não lhes deixar a mercê de critérios subjetivos, uma vez que tais critérios os levariam a cultivar uma qualidade de música tão emocional como os evangélicos contemporâneos deles.
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Cabe essa consideração:
"A capacidade de discernir entre o que é reto e o que não o é, podemos possuí-la unicamente pela confiança individual em Deus. Cada um deve aprender por si, com auxílio dEle, mediante a Sua Palavra. A nossa capacidade de raciocinar foi-nos dada para que a usássemos, e Deus quer que seja exercitada."[27]
O primeiro documento oficial dos adventistas do sétimo dia sobre a música afirma, a certa altura, que o cristão:
"Considerará músicas como "blues", "jazz", o estilo "rock" e formas similares como inimigas do desenvolvimento do caráter cristão, porque abrem a mente a pensamentos impuros a levam ao comportamento não santificado. Tais tipos de música têm uma direta relação com o ‘comportamento permissivo’ da sociedade contemporânea. A distorção do ritmo, da melodia, e da harmonia como empregados nestes gêneros de música e sua excessiva amplificação, embotam a sensibilidade e finalmente destroem a apreciação por aquilo que é bom e santo."[28]
Se este documento se apóia em princípios da Revelação, porque hoje assistimos apresentações musicais com os ritmos mencionados (“blues”, “jazz”, “rock” e “formas similares”) realizadas por cantores adventistas? No decurso de trinta anos, o tipo de música que antes destruía “a apreciação por aquilo que é bom e santo” passou a ser ele mesmo bom e santo? Esta mudança não indicaria uma rejeição sistemática, embora não-voluntária ou consciente, dos princípios revelados? Os líderes da Igreja Adventista na América do Sul coadunam com o pensamento de que não podemos nivelar nossa concepção musical pelos gêneros populares. Tanto que aprovaram um documento em anexo às orientações mundiais para orientar a música no território sul-americano.
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Com esses dados, somos levados a crer que a Igreja Adventista do Sétimo Dia possui uma filosofia musical distinta, a qual não é oriunda tão somente de sua tradição religiosa, todavia provém do mesmo Deus que convocou os adventistas como povo remanescente, para transmitir a última e solene advertência, dentro da qual se inclui o convite à verdadeira adoração e a rejeição à adoração falsa. Relativizar a música, que se enquadra na adoração, é, no mínimo, desconsiderar o aspecto da Revelação que incluí o referencial sobre o assunto, ou, na pior das hipóteses, rejeitar o que Deus revelou por ser contrário ao nosso gosto, formação ou opinião. Em tudo quanto envolve a vida cristã, é necessário todo o cuidado e submissão à vontade do Senhor, porque o verdadeiro cristão é aquele que vive de “toda a palavra que procede da boca Deus” (Mat. 4:4, NVI).
Fonte - Blog Questão de Confiança (3ª Parte)
[Destaques nossos]
Nota DDP: As demais partes deste artigo podem e devem ser lidas aqui (1ª Parte), aqui (2ª Parte) e aqui (4ª Parte).
As impressões do Pr. Douglas Reis neste contexto são acompanhadas de outros artigos já declinados neste espaço anterioremente, dos quais destacamos os Prs. Jorge Mário de Oliveira, Élbio Menezes, Erton Köeler (idem), Otimar Gonçalves (Idem), Paul Hamel e George Rice.
Links externos no mesmo sentido: Prs. Samuele Bacchiocchi, Cláudio Hirle, Lloyd Grolimund e Dário Pires de Araújo. Poderiam ser citados ainda outros adventistas leigos, inclusive músicos de expressão, que entendem, como a Igreja sempre entendeu (Os textos referentes a Indiana se encontram na compilação "Eventos Finais" de Ellen White), que a similar duplicação dos eventos de Indiana se descortinarão no futuro do movimento (dentro dele, não nele).
Acerca da análise da "evolução" da música no seio do adventismo e, como esta "evolução" se relaciona com os últimos eventos desta terra, especialmente com os próprios adventistas, não deixar de ler o recente comentário do Prof. Sikberto Marks publicado neste espaço e que muito se identifica com a articulação do Pr. Douglas Reis neste particular.
ET: Antecipadamente resta consignado que, na eventualidade da perda ou alteração do sentido original do texto eventualmente consumar-se pelos cortes que supra se verificaram para adequação ao espaço e desatrelamento da questão discutida em paralelo aos interesses aqui destacados, serão estas prontamente retificadas no que couber.
[1] Primeiros Escritos, p. 254, ênfase suprida. Tive a atenção chamada para este texto pelo Pr. Sidionil Biasi, durante suas palestras no Concílio pastoral da Associação Catarinense do segundo semestre de 2007.
[2] Há uma imensa quantidade de textos que tratam da alimentação dentro das preocupações mencionadas. Seria impossível, dentro desse espaço, fazer alusão a todos, mas, em especial, mencionamos Conselho sobre saúde, p. 577 e Carta 27, 1972, citada em Mente Caráter e personalidade, vol 2, p. 392.
[3] Temperança, p. 14.
[4] Mensagens Escolhidas, vol. II, p. 36 e 37.
[5] A palestra está disponível em http://www.goodnewsunlimited.org/library/1979forum/part1.cfm e http://www.goodnewsunlimited.org/library/1979forum/part2.cfm.
[6] Em especial, consultei um trabalho de conclusão de curso, da autoria de Glauber S. de Araújo, intitulado “Desmond Ford e a doutrina do santuário: análise comparativa de duas fases distintas”, disponível em http://www.unasp.br/kerygma/pdf/tcc5_glauber_revisado.pdf.
[7] Idem, pp. 53-55.
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[12] Nancy Pearcey, “Verdade Absoluta”, p. 296.
[13] Gilbert Chase, “Do Salmo ao Jazz” (America’s music), p. 193, citado por Dario Pires de Araújo, idem.
[14] Em 1843, no auge do Milerismo, Joshua Himes, importante colaborador e responsável pela “arrancada” evangelística de William Miler, publicou “The Millenial Harp”, uma coletânea com mais de cânticos, moldados pela tradição reavivamentista. Entre o grupo que posteriormente se chamaria “Adventistas do Sétimo Dia”, a herança reavivamentista foi sendo depurada; na segunda coletânea adventista, organinada por James (Tiago) White, “Hymns and Spirituals Songs for Camp- Meetings and Other Religious Gatherings”, ao invés do que o nome possa sugerir, o paradigma musical das antigas reuniões de reavivamento deixou marcas insignificantes. Cf.: Dario Pires de Araújo, idem, p. 20-22.
[15] Roberto Muggiati, “Blues: da lama à fama” (São Paulo, SP: Editora 34, 1995), 1ª reimpressão, p. 10 e 11.
[16]Dorneles, p. 88
[17] François Billard, “A vida cotidiana no mundo do Jazz” (São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2001), p. 17. No mesmo contexto, o autor liga o surgimento do jazz ao carnaval de rua de New Orleans.
[18]Gunnar Lindgren, “Las raíces árabes del Jazz y los Blues”, disponível em: http://64.233.169.104/search?q=cache:TpOpzqMQ2RkJ:www.unesco.org/imc-OLD/mmap/pdf/prod-lindgren-s.pdf+%C3%A1rabe+%2B+melisma&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=4&gl=br, acesso: 29 de Agosto de 2007.
[19] Ellen G. White, Testimonies, vol. 1, págs. 496 e 497, grifos supridos.
[20] Dario Pires de Araújo, idem, p. 45.
[21] Adrian Ebens “A Música na Adoração: Fontes para um modelo cristão de música na adoração”, publicado em http://www.musicaeadoracao.com.br/livros/musica_adoracao/index.htm, acesso: 10 de Agosto de 2007.
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[27] E. G. White, Educação, p. 231.
[28] “Filosofia Adventista de Música”(Diretrizes Relativas a uma Filosofia de Música da Igreja Adventista do Sétimo Dia), Assocação Geral – IASD, Concílio Outonal – 1972, disponível em http://www.musicaeadoracao.com.br/documentos/filosofia.htm.
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Exposição de motivos: As linhas abaixo transcritas são de lavra do Pr. Douglas Reis e podem ser acessadas diretamente no blog pelo mesmo administrado no link infra declinado, originalmente derivadas do artigo "A música sacra dentro da cosmovisão Adventista: Interpretando e aplicando conceitos de Ellen White" (3ª Parte). Tal artigo foi elaborado em um contexto próprio que não guarda relação direta com a sua presente descrição e, que poderá ser compulsado diretamente na fonte, caso assim desejem os interessados. Aliás, extrapolando os próprios limites que impulsionaram a confecção do mesmo, entendo ser de bom alvitre a sua leitura completa, dada a amplitude de conceitos e o enfrentamento filosófico adequado estabelecido pelo autor em um tratamento amplo da questão da música no seio do adventismo.
Tem se estabelecido uma estranha dicotomia no trato de questões referente ao pensar do adventismo, especialmente no que concerne a um inconsciente coletivo que tem acabado por criar um pejorativo enquadramento de uma faixa de membros inicialmente sob a insígnia de "radicais" e, mais modernamente, dada a impropriedade do vocábulo inicialmente eleito, diretamente de "fanáticos" e "extremistas", o que bem estabele o tom visceral e inapropriado que o discurso tem tomado, além das possibilidades que se desenham neste mister.
Sem tomar partido destas questões na forma por alguns proposta, que de pleno repelimos, temos enveredado a linha de informar, resgatando o pensar da liderança engajada na condução do rebanho e que portanto tem compromisso com aquEle que lhes outorgou o encargo.
Neste diapasão e, diante da recente contraposição que se tem feito ao há muito assentado entendimento do episódio ocorrido em Indiana, temos trazido o subsídio necessário para que se entenda a dimensão e alcance do que naquele quadro se estabeleceu e, que na forma do quanto profetizado e pelo andar da carruagem, já se vislumbra em meios e condições favoráveis para novamente se infiltrar em suas nuances próprias no arraial adventista.
Realizadas estas necessárias considerações iniciais, desculpando-me ainda com os leitores deste espaço com a eventual insistência no tema, que reputo de importância, segue o texto em questão.
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O reducionismo, tanto na abordagem histórica do contexto cultural no qual Ellen White estava inserida quando escreveu sobre a música, quanto na aplicação atual do que ela escreveu.
Para compreendermos melhor a questão da importância da Revelação na adoração, é necessário notarmos que, para os adventistas, o mundo é visto como caminhando para um fim irreversível; nestes últimos dias da História da Terra, Deus tem, então, preparado um povo, dando a ele um cabedal de verdades que devem ser anunciadas a todo mundo. A mensagem da obra de Cristo no Santuário, parte deste sistema e eixo integrador do corpo de verdades para o tempo do fim, deve atrair nossa consideração nesses últimos dias. Como afirma Ellen White:
“Encerrando-se o ministério de Jesus no lugar santo, e passando Ele para o lugar santíssimo e ficando de pé diante da arca, a qual contém a lei de Deus, enviou um outro anjo poderoso com uma terceira mensagem ao mundo. Um pergaminho foi posto na mão do anjo e descendo ele à Terra com poder e majestade, proclamou uma terrível mensagem de advertência com a mais terrível ameaça que já foi feita ao homem.Esta mensagem estava destinada a pôr os filhos de Deus de sobreaviso, mostrando-lhes a hora de tentação e angústia que diante deles estava.Disse o anjo: ‘Aqui está a perseverança dos santos, daqueles que guardam os mandamentos de Deus e tem a fé de Jesus’ Apocalipse 14:12. Ao dizer estas palavras, aponta para o santuário celestial. As mentes de todos os que abraçam esta mensagem são dirigidas ao lugar santíssimo, onde Jesus está em pé diante da arca fazendo intercessão final por todos aqueles por quem a misericórdia ainda espera, e pelos que ignorantemente terão violado a lei de Deus.”[1]
Perceba que a doutrina da purificação do santuário, justamente por ser tanto crucial para a integração da verdade (juntamente com as três mensagens angélicas, também referidas no texto), quanto por servir de advertência de que “a hora da tentação e angústia” está se aproximando, deve ocupar a consideração das “mentes de todos os que abraçam esta verdade.” O processo de aquilatar a grande Verdade da obra de Cristo no Santuário Celestial acontece na mente.
Diante da importância do papel da mente para a compreensão da verdade, surge uma série de admoestações inspiradas para cuidarmos da mente: principal, mas não unicamente, Ellen White trata dos cuidados que os adventistas têm que ter com a alimentação. Hábitos errôneos, compreendendo o comer em demasia, não seguir um regime apropriado, são responsáveis pelo “entorpecimento” e “embotamento” da mente, impedindo-a de apreciar as grandes verdades para os presentes dias.[2] Propriamente dentro deste contexto, surge a afirmação “Com a mente servimos ao Senhor”[3]
Contudo, como relacionar o cuidado que devemos manifestar no que toca à mente com o curso que a música vem tomando no moderno adventismo?
Anteriormente, mencionamos o movimento da “Carne Santa”, uma heresia que surgiu no meio do adventismo. Aquela experiência serve não apenas como um exemplo histórico da maneira pela qual tendências pentecostais se insurgiram na denominação adventista, mas fornece um síloge do futuro paradigma na adoração adventista. Notemos o que Ellen White comenta:
“As coisas que descrevestes como ocorrendo em Indiana, o Senhor revelou-me que haviam de ocorrer imediatamente antes da terminação da graça. Demonstrar-se-á tudo quanto é estranho. Haverá gritos com tambores, música e dança. Os sentidos dos seres racionais ficarão tão confundidos que não se pode confiar neles quanto a decisões retas. E isto será chamado operação do Espírito Santo. […]
“Não entrarei em toda a triste história; é demasiado. Mas em janeiro último o Senhor mostrou-me que seriam introduzidos em nossas reuniões campais teorias e métodos errôneos, e que a história do passado se repetiria. Senti-me grandemente aflita. Fui instruída a dizer que, nessas demonstrações, acham-se presentes demônios em forma de homens, trabalhando com todo o engenho que Satanás pode empregar para tornar a verdade desagradável às pessoas sensatas; que o inimigo estava procurando arranjar as coisas de maneira que as reuniões campais, que têm sido o meio de levar a verdade da terceira mensagem angélica perante as multidões, venha a perder sua força e influência."[4]
No contexto dos últimos dias, Ellen White afirma que manifestações como a ocorrida em Indiana serão a regra, não a exceção. De alguma forma, “gritos”, “tambores”, música” e “dança” acompanharão o repertório de nossa música. Obviamente, a autora relaciona essa mudança de valores musicais como um estratagema de Satanás, para confundir “os sentidos dos seres racionais”. Essa aproximação satânica com a maneira pagã de adorar seria considerada “operação do Espírito Santo”.
Já consideramos nos tópicos anteriores os fatores que têm permitido, paulatinamente, a ocorrência desse fenômeno de mudança paradigmática entre os adventistas. Somente a Revelação poderia reorientar nossa concepção musical dentro da perspectiva de nossa singularidade como movimento profético. Entrementes, a Revelação tem sido desconsiderada, mesmo no meio denominacional.
Faz-se necessário nos determos em um exemplo recente da história do Adventismo para percebermos o desenvolvimento de alguns conceitos responsáveis pelo desprestígio da Revelação. Uma das maiores crises que a Igreja Adventista enfrentou foi desencadeada quando Desmond Ford, um proeminente teólogo adventista, questionou a doutrina do santuário. Ele apresentou suas dúvidas de forma pública inicialmente em 27 de Outubro de 1979, em uma palestra sobre Hebreus 9 e suas implicações para a doutrina adventista, no Pacific Union College.[5] Diante da repercussão do fato, foram concedidas seis meses a Ford pela Associação Geral, a fim de que desenvolvesse e apresentasse suas idéias. O trabalho de Ford rendeu um texto de quase 1000 páginas que foi debatido entre teólogos adventistas, sendo possível encontrar muitas publicações sobre o ocorrido, bem como refutações à posição de Ford.[6]
O curioso é que, para sustentar sua nova compreensão sobre o santuário, Ford teve de reinterpretar os escritos de Ellen White, que para ele passaram a ser vistos como incorporando muitos dos erros de contemporâneos adventistas da autora, mais preocupados em prover uma explicação para o desapontamento do que em buscar uma perspectiva bíblica. Ellen White teria, para Ford, somente a finalidade de aconselhar de forma pastoral, sem autoridade doutrinária.[7]
Ford, certamente, não foi quem primeiro duvidou da autoridade profética de Ellen White, contudo, ele trouxe uma nova e perigosa abordagem restritiva da Revelação, limitando sua funcionalidade ao patamar “pastoral” (admoestativo). Mesmo em congregações brasileiras, nas quais geralmente o criticismo histórico raramente é encontrado, muitos dos livros de Ellen White são tratados como meros “conselhos”, como se a obediência voluntária àqueles aspectos da Revelação encontrados em tais livros não fosse relevante para a salvação ou desenvolvimento da vida cristã, mas meramente “opcional”.
O que ocorreu no caso de Ford ilustra a racionalização que tendemos a fazer quando nossa compreensão não se conforma com o que a Revelação apresenta sobre determinado assunto. Em uma esfera menor e, geralmente, de forma inconsciente, passamos a atribuir um valor reduzido ao que o profeta pronunciou ou acomodar sua mensagem às nossas preferências, sendo seletivos em relação ao que ele comunicou.
Infelizmente, no campo da adoração, que constitui um “tabu” entre os adventistas, os conselhos de Ellen White ainda são pouco explorados, e, lentamente, uma concepção popular, de influência marcadamente mais evangélica, vem substituindo os princípios especificamente adventistas. Quando estudamos os conselhos da mensageira do Senhor, reagimos inconscientemente a eles, no sentido de “enquadrá-los” em nossas preferências.
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Para resgatarmos o contexto em que Ellen White escreveu, temos necessidade de buscar entender que o século XIX constiuiu-se de uma era de despertamentos religiosos em solo americano. Ainda em 1800, Francis-Asbury, considerado o primeiro pregador itinerante, iniciava as reuniões campais de reavivamentos, chamadas de “Camp meetings”.[11] Visando alcançar o povo individualista e isolado que vivia na fronteira, os evangélicos daquela época mudaram sua abordagem, focalizando na “experiência de conversão profunda” para promover novas conversões. Na dinamicidade do processo, a religião passou a ser redefinida “em termos de emoção, no mesmo tempo que contribuía para negligenciar a teologia, a doutrina e o elemento cognitivo da crença.” Notoriamente, essa mudança no paradigma religioso levou a uma reestruturação do sistema de culto, que passou a incorporar “linguagem simples do povo e músicas populares”. [12] Note esta descrição de tais reuniões:
“‘Tenho visto presbiterianos, metodistas, quacres, batistas, anglicanos e independentes, todos tomados de sacudidelas; cavalheiros e damas, negros e brancos, velhos e moços, ricos e pobres sem exceção. […]
“Era a noite que o frenesi reavivamentista alcançava a intensidade máxima. Ao clarão das fogueiras que rodeavam o campo, os pregadores iam por entre a turba exortando aos pecadores a arrependerem-se para escapar do fogo do inferno. O canto se avolumava, transformando-se em portentoso rugido, os brados abalavam a terra, homens e mulheres sacudiam-se, saltavam ou rolavam pelo chão até que desmaiavam e tinham de ser carregados. Entre soluços, gemidos e gritos homens e mulheres apertavam as mãos uns dos outros e davam vazão a todas as suas frustrações e emoções em grandes transportes vocais que culminavam no ‘êxtase do canto’.”[13]
A influência da música cantada nos camp meetings atravessou o movimento milerita e demorou até ser sistematicamente rejeitada pelos primeiros hinários adventistas[14]. Reapareceu, contudo, durante o episódio da Carne Santa, que, à luz da História do evangelicalismo americano se torna ainda mais verossímil.
Na área secular, a influência da agitação religiosa também ajudava a criar um novo gênero, que marcaria a musicalidade norte-americana: o jazz. O homem negro, trazido da África como escravo, foi inserido no contexto musical americano, misturando a sua musicalidade primitiva àquela que encontrou no continente novo. Nos campos do Sul dos Estados Unidos, os escravos se comunicavam através dos “hollers”, gritos que funcionavam como uma espécie de sonar, e do qual várias canções se desenvolveram. Dentro desse cenário musical, a figura do “griot” desempenha importante papel: nas tribos da costa ocidental da África, eles ocupavam uma função social e religiosa de destaque.[15]
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“A Black Music nasceu dos antigos Negro-spirituals, canções folclóricas de fundo religioso, cantadas pelos escravos africanos nos Estados Unidos. Os spirituals não apenas deram origem ao gospel, mas a uma gama de estilos negros.”
A afinidade entre a música africana e a dos movimentos cristãos norte-americanos ultrapassou o período dos reavivamentos e se perpetuou nos movimentos pentecostais. Dorneles observa:
“O pentecostalismo, possuído pela ênfase na experiência tangível da salvação, encontrou nos elementos culturais africanos uma forma adequada de expressão. Essa forma incorporada ao culto abre espaço para uma liturgia emocional e corporal”[16]
A música profana da época recebeu direta influência da música negra, como também de várias outras culturas, que foram se imiscuindo, para criar as condições necessárias ao surgimento do Jazz. Com efeito:
“A ópera francesa, a canção popular, a música napolitana, os tambores africanos […], o ritmo haitiano, a melodia cubana, os refrões satíricos dos crioulos, os spirituals e os blues americanos, o ragtime, a música popular da época – tudo isso se fazia ouvir lado a lado nas ruas [de New Orleans].”[17]
É digno de nota a relação, tanto devido à proximidade geográfica, quanto à afinidade de ritmos entre o jazz e a música latino-americano (“o ritmo haitiano” e “a melodia cubana”). A História das Américas releva que os negros estiveram lado a lado com os conquistadores espanhóis, sendo que em “alguns casos, até os próprios líderes coloniais eram negros, como Estebanico” e “Juan Valiente”, que fizeram expedições às terras que hoje pertencem, respectivamente, ao México e ao Chile. “Entre 1502 e 1518, centenas de negros emigraram” para as Américas; os colonos negros, que moravam antes na Península Ibérica, já haviam “substituído a cultura africana original pela cultura moura (árabe)”, isto porque os árabes dominaram a Espanha desde o século VIII, e o ano em que Colombo partiu (1492) também havia marcado a queda do último “bastião dos mouros”. Quando a Espanha chegou a primazia no tráfico de escravos, estes provinham da África ocidental, “países com distintos padrões de cultura árabe”. Na Espanha, a tolerância aos costumes dos escravos era maior, por haverem influências árabes tanto na cultura espanhola como na de seus escravos africanos. A presença de elementos árabes nas culturas africanas e latino-americanas contribuiu para a formação de gêneros tipicamente norte-americanos, como o blues e o jazz. E o processo de “incrementação” da música negra nos Estados Unidos se deu ainda no século XIX.[18]
Tais informações históricas tornam-se úteis para entendermos as origens da música em desenvolvimento no período no qual foram dadas as advertências inspiradas, como a que consta no seguinte texto de Ellen G. White:
“Foi-me mostrado que a juventude necessita assumir posição mais alta e fazer da Palavra de Deus sua conselheira e guia. Solenes responsabilidades repousam sobre os jovens, as quais eles levianamente consideram. A introdução de música em seus lares, em vez de incitá-los à santidade e espiritualidade, tem sido um meio de desviar-lhes a mente da verdade. Canções frívolas e peças de música popular do dia parecem compatíveis com seus gostos. Os instrumentos de música têm tomado o tempo que devia ter sido dedicado à oração. A música, quando não abusiva, é uma grande bênção; mas quando usada erroneamente, é uma terrível maldição. Ela estimula, mas não comunica a força e a coragem que o cristão só pode encontrar no trono da graça enquanto humildemente faz conhecidas suas necessidades e, com fortes clamores e lágrimas, suplica força celestial para se fortificar contra as poderosas tentações do maligno. Satanás está levando cativa a juventude. Oh, que posso eu dizer para levá-los a quebrar seu poder de sedução! Ele é um hábil sedutor para levá-los à perdição.”[19]
Quando Ellen White comenta os efeitos danosos que a “música popular” de seus dias causava sobre os jovens, desviando-lhes “a mente da verdade”, temos de entender sua orientação dentro de uma “época em que o ‘jazz’ começava a se generalizar.”[20] Mais uma vez, a preocupação é com a mente e com suas condições de receber, entender e aceitar o conjunto de verdades que Deus tem para o tempo do fim.
Merece a nossa atenção o fato de no século XIX, a cultura musical, tanto a religiosa quanto a secular, sofreram inúmeras influências, rompendo antigos padrões. É claro que o surgimento de uma atitude descompromissada se comparada às convenções estabelecidas dentro do protestantismo histórico em detrimento do sincretismo entre culturas influenciadas pelo emocionalismo cúltico, também foi um fenômeno perfeitamente explicado pelo surgimento do Romantismo, que se insurgia contra a autoridade, quer no âmbito particular ou público. “Este espírito foi incentivado pela Revolução Francesa”, responsável por muitos dos princípios da modernidade. Agora, a “partir de uma perspectiva protestante, a música se tornou carregada de emocionalismo”, perdendo de vista qualquer senso de responsabilidade.[21]
Assim, tornava-se ainda mais imperativo que Deus fornecesse informações concretas para o povo adventista, vivendo instantes antes do advento, a fim de não lhes deixar a mercê de critérios subjetivos, uma vez que tais critérios os levariam a cultivar uma qualidade de música tão emocional como os evangélicos contemporâneos deles.
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Cabe essa consideração:
"A capacidade de discernir entre o que é reto e o que não o é, podemos possuí-la unicamente pela confiança individual em Deus. Cada um deve aprender por si, com auxílio dEle, mediante a Sua Palavra. A nossa capacidade de raciocinar foi-nos dada para que a usássemos, e Deus quer que seja exercitada."[27]
O primeiro documento oficial dos adventistas do sétimo dia sobre a música afirma, a certa altura, que o cristão:
"Considerará músicas como "blues", "jazz", o estilo "rock" e formas similares como inimigas do desenvolvimento do caráter cristão, porque abrem a mente a pensamentos impuros a levam ao comportamento não santificado. Tais tipos de música têm uma direta relação com o ‘comportamento permissivo’ da sociedade contemporânea. A distorção do ritmo, da melodia, e da harmonia como empregados nestes gêneros de música e sua excessiva amplificação, embotam a sensibilidade e finalmente destroem a apreciação por aquilo que é bom e santo."[28]
Se este documento se apóia em princípios da Revelação, porque hoje assistimos apresentações musicais com os ritmos mencionados (“blues”, “jazz”, “rock” e “formas similares”) realizadas por cantores adventistas? No decurso de trinta anos, o tipo de música que antes destruía “a apreciação por aquilo que é bom e santo” passou a ser ele mesmo bom e santo? Esta mudança não indicaria uma rejeição sistemática, embora não-voluntária ou consciente, dos princípios revelados? Os líderes da Igreja Adventista na América do Sul coadunam com o pensamento de que não podemos nivelar nossa concepção musical pelos gêneros populares. Tanto que aprovaram um documento em anexo às orientações mundiais para orientar a música no território sul-americano.
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Com esses dados, somos levados a crer que a Igreja Adventista do Sétimo Dia possui uma filosofia musical distinta, a qual não é oriunda tão somente de sua tradição religiosa, todavia provém do mesmo Deus que convocou os adventistas como povo remanescente, para transmitir a última e solene advertência, dentro da qual se inclui o convite à verdadeira adoração e a rejeição à adoração falsa. Relativizar a música, que se enquadra na adoração, é, no mínimo, desconsiderar o aspecto da Revelação que incluí o referencial sobre o assunto, ou, na pior das hipóteses, rejeitar o que Deus revelou por ser contrário ao nosso gosto, formação ou opinião. Em tudo quanto envolve a vida cristã, é necessário todo o cuidado e submissão à vontade do Senhor, porque o verdadeiro cristão é aquele que vive de “toda a palavra que procede da boca Deus” (Mat. 4:4, NVI).
Fonte - Blog Questão de Confiança (3ª Parte)
[Destaques nossos]
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Nota DDP: As demais partes deste artigo podem e devem ser lidas aqui (1ª Parte), aqui (2ª Parte) e aqui (4ª Parte).
As impressões do Pr. Douglas Reis neste contexto são acompanhadas de outros artigos já declinados neste espaço anterioremente, dos quais destacamos os Prs. Jorge Mário de Oliveira, Élbio Menezes, Erton Köeler (idem), Otimar Gonçalves (Idem), Paul Hamel e George Rice.
Links externos no mesmo sentido: Prs. Samuele Bacchiocchi, Cláudio Hirle, Lloyd Grolimund e Dário Pires de Araújo. Poderiam ser citados ainda outros adventistas leigos, inclusive músicos de expressão, que entendem, como a Igreja sempre entendeu (Os textos referentes a Indiana se encontram na compilação "Eventos Finais" de Ellen White), que a similar duplicação dos eventos de Indiana se descortinarão no futuro do movimento (dentro dele, não nele).
Acerca da análise da "evolução" da música no seio do adventismo e, como esta "evolução" se relaciona com os últimos eventos desta terra, especialmente com os próprios adventistas, não deixar de ler o recente comentário do Prof. Sikberto Marks publicado neste espaço e que muito se identifica com a articulação do Pr. Douglas Reis neste particular.
ET: Antecipadamente resta consignado que, na eventualidade da perda ou alteração do sentido original do texto eventualmente consumar-se pelos cortes que supra se verificaram para adequação ao espaço e desatrelamento da questão discutida em paralelo aos interesses aqui destacados, serão estas prontamente retificadas no que couber.
[1] Primeiros Escritos, p. 254, ênfase suprida. Tive a atenção chamada para este texto pelo Pr. Sidionil Biasi, durante suas palestras no Concílio pastoral da Associação Catarinense do segundo semestre de 2007.
[2] Há uma imensa quantidade de textos que tratam da alimentação dentro das preocupações mencionadas. Seria impossível, dentro desse espaço, fazer alusão a todos, mas, em especial, mencionamos Conselho sobre saúde, p. 577 e Carta 27, 1972, citada em Mente Caráter e personalidade, vol 2, p. 392.
[3] Temperança, p. 14.
[4] Mensagens Escolhidas, vol. II, p. 36 e 37.
[5] A palestra está disponível em http://www.goodnewsunlimited.org/library/1979forum/part1.cfm e http://www.goodnewsunlimited.org/library/1979forum/part2.cfm.
[6] Em especial, consultei um trabalho de conclusão de curso, da autoria de Glauber S. de Araújo, intitulado “Desmond Ford e a doutrina do santuário: análise comparativa de duas fases distintas”, disponível em http://www.unasp.br/kerygma/pdf/tcc5_glauber_revisado.pdf.
[7] Idem, pp. 53-55.
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[12] Nancy Pearcey, “Verdade Absoluta”, p. 296.
[13] Gilbert Chase, “Do Salmo ao Jazz” (America’s music), p. 193, citado por Dario Pires de Araújo, idem.
[14] Em 1843, no auge do Milerismo, Joshua Himes, importante colaborador e responsável pela “arrancada” evangelística de William Miler, publicou “The Millenial Harp”, uma coletânea com mais de cânticos, moldados pela tradição reavivamentista. Entre o grupo que posteriormente se chamaria “Adventistas do Sétimo Dia”, a herança reavivamentista foi sendo depurada; na segunda coletânea adventista, organinada por James (Tiago) White, “Hymns and Spirituals Songs for Camp- Meetings and Other Religious Gatherings”, ao invés do que o nome possa sugerir, o paradigma musical das antigas reuniões de reavivamento deixou marcas insignificantes. Cf.: Dario Pires de Araújo, idem, p. 20-22.
[15] Roberto Muggiati, “Blues: da lama à fama” (São Paulo, SP: Editora 34, 1995), 1ª reimpressão, p. 10 e 11.
[16]Dorneles, p. 88
[17] François Billard, “A vida cotidiana no mundo do Jazz” (São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2001), p. 17. No mesmo contexto, o autor liga o surgimento do jazz ao carnaval de rua de New Orleans.
[18]Gunnar Lindgren, “Las raíces árabes del Jazz y los Blues”, disponível em: http://64.233.169.104/search?q=cache:TpOpzqMQ2RkJ:www.unesco.org/imc-OLD/mmap/pdf/prod-lindgren-s.pdf+%C3%A1rabe+%2B+melisma&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=4&gl=br, acesso: 29 de Agosto de 2007.
[19] Ellen G. White, Testimonies, vol. 1, págs. 496 e 497, grifos supridos.
[20] Dario Pires de Araújo, idem, p. 45.
[21] Adrian Ebens “A Música na Adoração: Fontes para um modelo cristão de música na adoração”, publicado em http://www.musicaeadoracao.com.br/livros/musica_adoracao/index.htm, acesso: 10 de Agosto de 2007.
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[27] E. G. White, Educação, p. 231.
[28] “Filosofia Adventista de Música”(Diretrizes Relativas a uma Filosofia de Música da Igreja Adventista do Sétimo Dia), Assocação Geral – IASD, Concílio Outonal – 1972, disponível em http://www.musicaeadoracao.com.br/documentos/filosofia.htm.
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A MÚSICA SACRA DENTRO DA COSMOVISÃO ADVENTISTA: INTERPRETANDO E APLICANDO CONCEITOS DE ELLEN WHITE - Parte 1
Desde que me tornei adventista, tenho acompanhado a mudança de paradigma musical dentro da igreja. Percebo que boa parte da produção fonográfica denominacional tem sofrido influência de músicos cristãos de outros segmentos, que, obviamente, não são orientados pelos mesmos princípios que os adventistas. Esta constatação não intenciona ecoar as velhas queixas quanto ao uso da bateria no acompanhamento dos play-backs. Costumo me referir à bateria como a “ponta do iceberg”. O que está oculto às vistas é a questão da cosmovisão adventista.
Como denominação cristã, os adventistas acreditam ter recebido “luz especial” para o “tempo do fim”, período que antecede a segunda vinda de Jesus à Terra. O objetivo do Senhor, ao revelar de forma especial Sua vontade antes do Advento, é preparar um povo e, através dele, o mundo, para o evento derradeiro da História como a conhecemos.[1] Ou seja, a luz que Deus tem nos dado objetiva formar nossa visão de mundo, o que se reflete em nossa identidade como povo de Deus.
Caso percamos nossa identidade singular, não poderemos sustentar a insígnia de povo santo, escolhido de acordo com Sua vontade. Tampouco, poderemos cumprir nossa missão, de anunciar a queda de Babilônia, a advertência aos sinceros que a deixem e o convite a adorar ao Deus verdadeiro. Existimos como adventistas para cumprir esta missão.
Ocorre que a música se relaciona com a adoração. Se quisermos chamar outros à adoração correta, o que está incluso na primeira mensagem angélica (Apoc. 14:7), nós mesmos precisamos conhecê-la e praticá-la. Do contrário, se continuarmos a ser influenciados em nossa música e refletirmos a cultura religiosa dominante, no que diz respeito à nossa adoração, não podemos reclamar nossa identidade singular e, muito menos, cumprir a nossa comissão (Mateus 5:13).
Teríamos critérios claros e específicos para nos orientar na escolha e execução de músicas adequadas com nossa cosmovisão adventista? Creio que resposta seja “sim”. Dada a importância deste assunto, Deus não Se olvidaria de comunicar princípios-guia para o Seu povo na época pré-advento.
Infelizmente, assim como em minha experiência de recém-converso, muitas pessoas jamais foram informadas de que nossa visão de mundo deve selecionar e produzir música que reflita nossa identidade singular. Tais pessoas acabam, com o tempo, formando critérios pessoais sobre o que envolve a música (como música para a adoração, para entretenimento, para a devoção pessoal, etc), baseando-se em sua própria experiência (anterior ou posterior à conversão),e nos padrões de algum tipo de mídia (secular ou cristã). Nota-se que tais influências acabam originando critérios bastante subjetivos [2] e, portanto, incompatíveis com o modo de Deus agir. Se ao longo da História, o Senhor tem sido bem específico ao revelar Sua vontade para cada área da vida humana[3], fica evidenciado que há uma verdade específica no que tange à música.
Tenho considerado essas questões há algum tempo, escrevendo sobre aspectos da música cristã moderna passíveis de crítica, com o objetivo de, pelo contraste, destacar a dicotomia entre o que nossos princípios prescrevem e como temos agido em relação à música. Um de meus artigos, “Leonardo Gonçalves: Expectativa do novo CD e análise de sua influência musical” (daqui para frente referido como LG) recebeu recentemente uma resposta. Escrita pelo Pr. André Gonçalves, irmão do cantor, revela muito a respeito de como os adventistas brasileiros encaram a música, em geral e na adoração, em nossa época. Eis um trecho escrito por André Gonçalves:
“[…]Deus se agrada do nosso louvor não porque é esteticamente aceitável, mas porque é sincero e de coração. É isso que vale para Deus quando o louvor é individual, sem a presença de outras pessoas. A partir do momento em que outras pessoas estão envolvidas como ouvintes e participantes, Ele se agrada da música que eleva, que testemunha das maravilhas que Ele fez e faz, que toca, que motiva e que, acima de tudo, exalta e engrandece o nome dEle. Utilizar as palavras que a irmã White usou após uma experiência de arrebatamento para o Céu para nortear a música em termos específicos e técnicos é descontextualizar completamente o que ela escreveu.”[4]
Uma vez que o assunto da adoração é vital para mantermos nossa identidade e, consequentemente, cumprirmos nossa missão, consideramos como apropriado analisar criticamente a resposta de André Gonçalves a LG. Fazemos isso apenas com o propósito de prestar esclarecimentos sobre um assunto importante, entendendo que um debate aberto promoverá crescimento neste campo doutrinário. Portanto, não se trata de uma “disputa” ou um ataque à pessoa do Pr. André, o qual cremos ser um sincero servo do Senhor, que, como eu, preocupa-se com o avanço da mensagem adventista nesses últimos dias.
A despeito do que foi dito, na resposta do Pr. André a LG percebemos três premissas recorrentes, e difundidas popularmente entre os adventistas, a saber: a) a subjetividade de critérios filosóficos/teológicos para nortear a música cristã contemporânea, b) a dissociação entre a escolha da música e seu efeito sobre os adoradores e c) o reducionismo, tanto na abordagem histórica do contexto cultural no qual Ellen White estava inserida quando escreveu sobre a música, quanto na aplicação atual do que ela escreveu.
No presente artigo, discuto de forma sucinta cada um dos três aspectos citados acima e, a seguir, ocupo-me em responder às 9 observações do autor sobre meu artigo supra-citado. Na conclusão, procuro demonstrar a premente necessidade de um estudo comparativo das tendências musicais adventistas com as orientações inspiradas de Ellen G. White.
De antemão, esclareço que o presente artigo não tem a intenção de causar celeuma ou agitar os ânimos; tecemos considerações que nos parecem, além de informativas, cabíveis, sem perder o respeito por aqueles que pensem diferentemente. Convidamos a todos que amam a causa do Senhor a refletir sobre a música dentro da cosmovisão adventista. Já passa o tempo de unirmos nossa mente para que a música na igreja deixe de ser “terra-de-ninguém”.
Em toda espécie de arte[5], a forma tem geralmente refletido o conteúdo. Revoluções no pensamento e filosofia humana têm originado novas correntes artísticas, com preocupações estéticas distintas das correntes anteriores.
Para citar um exemplo: de 11 a 18 de Fevereiro de 1922 ocorreu a semana de Arte Moderna no Teatro Municipal de São Paulo. Os maiores poetas da época eram neo-parnasianos e simbolistas menores, influenciados pela poesia européia, notadamente a francesa. A proposta dos novos poetas era substituir o formalismo na poética pelo experimentalismo das correntes vanguardistas da Europa. O público ficou chocado com as paródias, os poemas-piadas, os versos-livres (não metrificados) e a algazarra modernista. Isso porque a concepção artística do que era um poema passara por uma transformação. E a revolução não atingira apenas o conteúdo (tema), mas igualmente a forma. Em arte, geralmente forma e conteúdo se integram.
Falando da música, temos que entender que, como forma de arte, produto da cultura humana, ela reflete a cosmovisão de um indivíduo ou grupo de pessoas.[6] Para os grupos religiosos, o culto em geral, e o tipo de música em especial, é conduzido de acordo com a visão que se tem da divindade.[7]
Um exemplo disso temos na música entoada por um muezim, chamando os fiéis à prece vespertina. Mulçumanos são extremamente formalistas em seu culto, recitando textos árabes e “decorando” orações, porque vêem a Deus quase que como um Ser impessoal, um Absoluto distante do homem. O tipo de hinos cantados em uníssono numa espécie de cantochão, que lembra uma “ladainha” solene, está em conformidade com a forma muçulmana de enxergar Alá, seu Deus.[8]
Vejamos outro caso: a música reggae surgida na Jamaica, era uma expressão mística do rstafarianismo, movimento político-religioso, também de caráter étnico, surgido na Jamaica, que a partir de sua luta contra a “estrutura escravista britânica” reinterpretou a promessa bíblica da Terra Prometida, localizada agora na “Etiópia/África”. O reggae está profundamente ligado com substâncias alucinógenas, produtoras de “estados de consciência”, que, por sua vez “são ao mesmo tempo fonte de conhecimentos e comunicação com o sagrado, provocados não só pela música como pela erva, pelo contato com elementos da natureza, pelos sonhos e pelas visões.” Não à toa, o cantor de reggae Peter Toshem entrevista à revista High Times em 1981 afirmou que “[a] espiritualidade e a inspiração são decorrentes da capacidade do reggae de ‘hipnotizar’ e fazer o ouvinte ‘sair de si’, isto é, a música é capaz de provocar no ouvinte o acesso a outros ‘estados de consciência’.”[9]
Entendemos que os exemplos dados reforçam o conceito, que nos será caro, de que a cosmovisão, seja qual for, molda a expressão artística.
Não há um divórcio entre forma e conteúdo, o que garante a eficácia de determinada escolha musical para um fim específico. A adoração deixa transparecer que conceitos foram internalizados pelo adorador. Ou em outras palavras: “Aquilo com que você se deleita transparece quando dirige o louvor.”[10]
A música cristã tem sofrido muitas alterações ao longo da História, haja visto que a cultura ocidental é mais passível de mudanças. E, uma vez que as correntes filosóficas têm, principalmente desde o Iluminismo até o presente, se oposto à cosmovisão bíblica, as mudanças, em termos de ética e princípios, não são positivas.[11]
Em decorrência das mudanças na música cristã, é recorrente o debate Forma x Conteúdo, sendo que alguns tendam a restringir toda manifestação musical a uma (ou a algumas) determinada(s) forma(s), ao passo que outros argumentem que a forma não é importante.[12] Geralmente, a música cristã moderna segue a segunda tendência, se valendo da premissa de que “todo louvor seja aceitável a Deus”.
Realmente toda forma de adoração seria válida? Se encararmos a adoração como um reconhecimento do caráter amoroso de Deus e uma homenagem sincera a Seus atributos, seríamos levados a reconhecer que a adoração tem de agradar-Lhe. É dever do adorador apresentar algo agradável ao ser adorado. Costumo exemplificar isso de uma forma simples: se alguém quiser me presentear, não me dê uma roupa da cor vermelha! Por questão de gosto pessoal, não conseguiria sentir-me bem usando uma roupa vermelha. Na experiência humana, quando queremos presentear a alguém, levamos em conta o gosto da pessoa, não o nosso. Na adoração, devemos levar em conta o “gosto” divino.
O próprio Jesus disse à mulher samaritana que Deus, o Pai, busca aqueles que o adorem em “espírito e verdade” (João 4:23). A que o Mestre se referia? Para Jesus, a adoração é tanto um fenômeno espiritual – e, portanto, independente do local (e a dúvida da interlocutora estava relacionada com qual seria o correto: adorar no templo em Jerusalém ou no monte Gerizim), do ambiente, dos objetos cúlticos, etc – quanto algo coerente com a Revelação, ou, nas palavras dEle, com a “Verdade”. Daí se conclui que há uma verdade a respeito da adoração que todo adorador deveria conhecer e praticar, para estar entre os adoradores daquela espécie que Deus-Pai busca.
Em LG, usei textos do Espírito de Profecia para mostrar que o louvor agradável a Deus, em qualquer esfera (quer pessoal, quer pública), é o que está coerente com Sua Revelação(portanto, fora da competência de sentimentos e intenções meramente humanos).[13] Gostaria de acrescentar mais um texto, que trabalha com os conceitos fundamentais da resposta de Jesus à samaritana (o binômio “espírito/Verdade”):
“Quando os seres humanos cantam com o espírito e o entendimento, os músicos celestiais apanham a harmonia, e unem-se ao cântico de ações de graças. Aquele que nos concedeu todos os dons que nos habilitam a ser coobreiros de Deus, espera que Seus servos cultivem sua voz, de modo que possam falar e cantar de maneira compreensível a todos. Não é o cantar forte que é necessário, mas a entonação clara, a pronúncia correta, e a perfeita enunciação. Que todos dediquem tempo para cultivar a voz, de maneira que o louvor de Deus seja entoado em tons claros e brandos, não com asperezas, que ofendam ao ouvido. A faculdade de cantar é um dom de Deus; seja ela usada para Sua glória.”[14]
Gostaria de salientar que o texto desdobra o conceito de adorar em “espírito e verdade” em algumas ações específicas, como a entonação “clara”, “branda”, sem “asperezas”, apenas para destacar algumas; tendo essas características citadas em mente, alguém dificilmente poderia concluir que, em matéria de música, “Deus aceita tudo”. O conteúdo do louvor musical deve ser considerado tanto quanto a sua forma. É claro que estamos falando de princípios revelados, mas não podemos criar um “índex” catalogando as músicas ou os cantores “corretos”.[15] A Revelação deve ser aplicada de forma coerente pelo adorador individual, a medida em que ele cresce em sua compreensão da Verdade, rendendo sua individualidade ao controle do Espírito Santo; não ser trata de uma “anulação” do indivíduo, como propõe a filosofia chinesa, mas de submeter-se a Deus, expressando individualmente o quanto Ele representa para nós:
“Nossa confissão de Sua fidelidade é o meio escolhido pelo Céu para revelar Cristo ao mundo. Temos de reconhecer-Lhe a graça segundo nos é dada a conhecer através dos santos homens da antiguidade; mas o que será mais eficaz é o testemunho de nossa própria experiência. Somos testemunhas de Deus, ao revelar em nós mesmos a operação de um poder que é divino. Cada indivíduo tem uma vida diversa da de todos os outros, uma experiência que difere essencialmente da sua. Deus deseja que nosso louvor a Ele ascenda, com o cunho de nossa própria individualidade. Esses preciosos reconhecimentos para louvor da glória de Sua graça, quando corroborados por uma vida semelhante à de Cristo, possuem irresistível poder, eficaz para salvação de almas.” [16]
Muitos, ao se depararem com o texto acima, poderiam argumentar que, se o que vale é o “testemunho de nossa própria experiência” e se essa experiência “difere essencialmente” da de outros, então somos “livres” para usar critérios pessoais e subjetivos em nossa maneira de louvar a Deus através da música. No entanto, o contrapeso a essa conclusão imediata está nos outros dados da Revelação sobre o assunto. Se aceitarmos que a Revelação não pode se contradizer, então forçosamente admitiremos que o testemunho de uma experiência iluminada por Cristo se aproximará em cada ponto das ações específicas mencionadas nos diversos textos que abrangem o assunto.
Deus julga a cada ser humano pela luz que recebeu. O senhor aceitou quando Miriã “tomou na mão um tamboril, e todas as mulheres saíram atrás dela com tamboris, e com danças” (Êxo. 15:20), porque a sua cultua era egípcia, e não havia luz maior sobre a adoração naquela situação vivencial (sitz in libem). Como adventistas, entendemos que o cabedal de conhecimento que temos hoje relacionado ao assunto não nos permitiria uma prática análoga a de Miriã.[17] Os adventistas entendem que há diretrizes divinas que provêem parâmetros musicais.
Em contrapartida, a posição dos evangélicos em geral difere completamente do que as citações do Espírito de Profecia que acabamos de ler nos sugerem. Um dos mais influentes líderes evangélicos, o Pr. Rick Waren, reconhece que o poder da música leva a mensagem “diretamente para o coração”. Por isso, segundo ele, temos a oportunidade de utilizar a música contemporânea, com seu poder de alcance, para espalhar “valores de Deus”; do contrário, utilizando o mesmo tipo de música, “satanás vai ter acesso a uma geração inteira”.
Embora Waren reconheça que o tipo de música determine a identidade da igreja e seu posicionamento na comunidade em que estiver inserida, ele alerta os cristãos de que têm de “admitir que não existe um estilo de música em particular que é ‘sagrado’”. Segundo o seu parecer, “O que faz uma música sagrada é a sua mensagem [letra]. A música não é nada mais do que um arranjo de notas e ritmo. […] Não existe música cristã, mas sim, letras cristãs. Se fosse tocada uma música sem palavras, você não saberia se é cristã ou não.”[18]
Esta opinião é bem aceita nos círculos evangélicos[19], mas não é unânime. Berit Kjos, analisando a perspectiva de Waren questiona a tendência “liberal” de aderir à adoração contemporânea. Kjos observa que “A escolha do pastor Warren na área da música está de acordo com as principais tendências atuais de mudança – na cultura, nos negócios e também nas igrejas.” Ele ainda afirma que isso faz parte de uma estratégia de marketing voltada para as “‘necessidades sentidas’ das massas.” “Assim, quando Rick Warren ofereceu a música que a maioria das pessoas queria, elas se arrebanharam para a igreja.” Mas esse “sucesso” não prova, como Kjos ainda observa, que Deus tenha aprovado determinada escolha musical.
Usando de lógica irrefutável, Kjos pergunta:
“Quando o pastor Warren nos diz que ‘Deus ama todos os tipos de música’ e que ‘Deus ama a variedade’ você pode imaginar onde ele traçaria a linha? Essa linha divisória vital curvar-se-ia de acordo com nossa cultura mutável? Ou com a crescente tolerância a todos os tipos de variações espirituais e escriturais? Essas são questões cruciais, pois a música se tornou uma força motriz no Movimento de Crescimento de Igrejas.”[20]
Acredito que essa seja a “chave da questão”. Qual a linha divisória, se Deus ama todos os tipos de música? Do Rock ao Axé, qualquer gênero é aceitável! Mas se a variação musical é uma das conseqüências da mutabilidade da Filosofia Ocidental, estaria a adoração sujeita a tanta mudança, sendo que ela se fundamenta na Revelação de um Deus que não muda? Ou estamos tentando acompanhar as tendências seculares para agradar os não-cristãos? Em LG, eu havia escrito:
“Alguns poderiam afirmar “Música é questão de cultura”. É verdade que toda expressão artística (música, artesanato, artes plásticas, etc) parte de uma cultura. Mas os valores é que moldam a cultura. Se os princípios da Palavra de Deus moldam nosso coração, não nos afastaremos totalmente da nossa cultura de origem – no meu caso, e no da maioria dos leitores, a cultura brasileira – , mas ela será transformada, e seus aspectos contrários ao Evangelho serão sublimados.[…]”
Até que ponto um culto contemporâneo realmente atrai pessoas preocupadas em servir a Deus e lhes provê instruções suficientes para promover um crescimento espiritual coerente com a Revelação, em todos os seus variados matizes? Será que fazer “concessões” quanto à adoração não nos leva a “amenizar” os demais mandamentos e orientações das Escrituras? David Fisher conta a história que, em conversa com seu filho, um cristão “afastado”, ele lhe sugeriu que freqüentasse uma igreja próxima, que possuía cultos no estilo “tradicional” e “contemporâneo”. Seu filho retrucou, afirmando não estar interessado em cultos “modernos”, nos quais os cristãos tentam parecer “amenos”. “O cristianismo”, afirmou o rapaz, “não é ameno. Ele tem de ser diferente.”[21]
Quando oferecemos música secular com letra religiosa, estamos desfocando a adoração, que consiste em oferecer algo santificado a um Deus Santo. Deus deve estar no centro da adoração para que ela seja bíblica. Notemos o que o Espírito de Profecia afirma sobre o impacto da adoração em “espírito e Verdade” sobre os não-cristãos:
“Vi que todos devem cantar com o espírito e com o entendimento também. Deus não Se agrada de algaravia e dissonância. O correto é sempre mais agradável a Ele que o errado. E quanto mais perto o povo de Deus se puder aproximar do canto correto, harmonioso, tanto mais é Ele glorificado, a igreja beneficiada e os incrédulos favoravelmente impressionados." [22]
Deus se agrada do “correto”, com aquilo que está relacionado com o “entendimento”; perceba que o binômio que mencionamos anteriormente, referindo-nos a João 4:24, “espírito/ Verdade”, encontra um correspondente neste novo binômio “espírito/entendimento” – sendo o aspecto espiritual, como já o afirmamos, ligado ao próprio fenômeno da espiritualidade, enquanto o “entendimento” relacionado à apreensão da Revelação, ou seja, da “Verdade” bíblica objetiva. Quando temos a preocupação de ser coerentes com a Revelação, além de glorificar a Deus, somos beneficiados como povo e impressionamos os “incrédulos”.[23] Em outro texto, lemos o seguinte:
“Quando os professos cristãos alcançam a alta norma que é seu privilégio alcançar, a simplicidade de Cristo será mantida em todo o seu culto. As formas, cerimônias e realizações musicais não são a força da igreja. No entanto, estas coisas tomaram o lugar que deveria ser dado a Deus, tal como se deu no culto dos judeus.
O Senhor revelou-me que, se o coração está limpo e santificado, e os membros da igreja são participantes da natureza divina, sairá da igreja que crê a verdade um poder que produzirá melodia no coração. Os homens e as mulheres não confiarão então em sua música instrumental, mas no poder e graça de Deus, que proporcionará plenitude de alegria. Há uma obra a fazer: remover o cisco que se tem trazido para dentro da igreja. ...”[24]
Não devemos estar tão preocupados em ser conhecidos como uma “potência musical” quanto em “alcançar a norma mais alta”. Isso se torna real quando “a simplicidade de Cristo” é mantida, e “os membros da igreja são participantes da natureza de Cristo”. Se estamos em comunhão com Cristo e mantemos obediência à Sua Revelação, vamos apresentar uma adoração cujo impacto criativo atingirá os corações, não porque essa seja a preocupação principal, mas porque a presença de Deus produzirá impressão duradoura nos corações. Quando analisarmos a interpretação de Ellen White, abordaremos mais detidamente os aspectos normativos de sua compreensão da música na adoração.
Outro fator que explica a mudança na música é o fato de que a modernidade tem contribuído para a construção de um novo paradigma religioso, o da “modernidade religiosa”, cuja marca de identificação é “a tendência geral para a individualização e a subjetivação da vida religiosa.” Embora este paradigma afete as “religiões tradicionais”, “não cancelou as formas de crer, que são cada vez mais individuais, subjetivas, dispersas e feitas de diversas combinações, ou, em uma única palavra, fluidas.”[25] Esse cristianismo mais “fluido”, não revela, em sua adoração, uma preocupação com a forma, mas com a experiência subjetiva em níveis pessoais.[26]
Tão fundamental quanto reconhecer que a concepção de mundo e do Ser adorado exercem papel decisivo no tipo de adoração e na música empregada durante o momento cúltico, é admitir que a música tem efeito direto em nossa mente – assim, ou a música favorece a atmosfera de reverência, entrega, submissão, louvor, gratidão e compromisso durante o processo de adoração ou deturpa a adoração, comunicando uma mensagem independente, não-correlacionada com os princípios de verdadeira adoração. Esse é o ponto de que trataremos no próximo tópico.
[1] Houve um período de desenvolvimento doutrinário, em torno da compreensão da doutrina do santuário, bem como das três mensagens angélicas de Apocalipse 14. Um excelente trabalho sobre este assunto é Alberto R. Timm, “O Santuário e as três mensagens angélicas: Fatores integrativos no desenvolvimento histórico das doutrinas adventistas” (Engenheiro Coelho,SP: Imprensa Universitária Adventista, 2002).
[2] No Mato-Grosso do Sul, conheci uma professora recém-conversa, que vinha do sul do país. Como havia freqüentado uma igreja adventista de tendências liberais, ela não achava errado assistir shows de cantores seculares e, infelizmente, na nova cidade, associou-se a membros da igreja que também não viam problemas nessa prática. Quando minha esposa conversou com ela e expôs as orientações bíblicas e o pensamento denominacional sobre a questão, foi um choque para aquela professora ver que estava agindo de forma equivocada – não por desobediência aberta, mas por desinformação!
[3] “A Bíblia não foi escrita para os doutos unicamente. Ao contrário, destina-se ao povo comum. As grandes verdades indispensáveis para a salvação, nela se acham reveladas com a clareza da luz meridiana; e ninguém errará nem perderá o caminho a não ser os que seguirem seu próprio juízo em vez da vontade de Deus, claramente revelada.” Ellen G. White, Caminho a Cristo, p. 89. Cf.: Conselhos Professores, Pais e Estudantes, p. 463, Conselho sobre Mordomia, p. 38.
[4] André Gonçalves, em comentário ao artigo.
[5] De fato, temos de considerar a arte do ponto de vista da estética cristã. Wolfgang H. M. Stefani chama a atenção para as artes como “[…] um aspecto do estilo de vida adventista no qual a comunicação e a transmissão de valores característicos são fracas.” Ele advoga que deveríamos nos preocupar com esta omissão. O artigo “Música: Força Ecumênica?”, da autoria de Stefani, pode ser encontrado em http://www.musicaeadoracao.com.br/artigos/adoracao/musica_ecumenica.htm
[6] “[…] a música carrega traços de história, cultura, e identidade social, que são transmitidos e desenvolvidos através da educação musical.” Beatriz Ilari, “A música e o desenvolvimento da mente no início da vida: investigação, fatos e mitos”, disponível em http://www.rem.ufpr.br/REMv9-1/ilari.html, acesso: 21 de Agosto de 2007. “ Antes de tudo, existe alguma razão para pensar que a atividade musical, desconsiderando sua variedade, tem algumas características em comum que nos permitem vê-la como um todo unitário. Além do mais e em conexão com isto, assumimos que existe alguma habilidade de fazer e/ou comunicar com sons que é comum a todos os membros de uma cultura, embora distribuída ou exercida de várias maneiras e papéis. Ambas as afirmações não são exclusivas à música, mas são também válidas para outros tipos de expressão social, tais como gesto, pintura etc.” Gino Stefani, “Uma Teoria de Competência Musical”, disponível em http://www.musicaecultura.ufba.br/artigo_stefani_01.htm, acesso: 21 de Agosto de 2007.
[7] As reflexões sobre como as cosmovisões religiosas, variando entre os extremos de transcendência (um Deus Superior e distante) e Imanecência (um Deus que interage com Sua criação, e, que Se nivela a ela) é magistralmente expresso em Wolfgang Stefani, “Música sacra, cultura e adoração” (Engenheiro Coelho, SP: UNASPRESS, 2002)
[8] É interessante como Pearcey relaciona a expansão do Império Muçulmana, nos séculos VII e VIII, durante os quais territórios da Espanha à Pérsia foram anexados, com a influência que o pensamento grego (Neoplatonismo) passou a exercer sobre o Islamismo; para o Neoplatonismo, assim como para as religiões místicas orientais, Deus é uma “essência não-pessoal”. Para Percey, tal concepção de uma divindade impessoal, que se tornou predominante no pensamento muçulmano, explicaria “por que os muçulmanos expressam sua fé em rituais quase mecânicos[…]”. Para maiores detalhes, ver o apêndice 2, “O Islamismo Moderno e o Movimento da Nova Era”, em Nancy Pearcey, “Verdade Absoluta: Libertando o Cristianismo de seu cativeiro cultural” (Rio de Janeiro, RJ: Casa Publicadora das Assembléias de Deus, 2006), 1ª ed, pp. 431 a 435. Mansour Challita, em seu livro “As mais belas páginas da Literatura Árabe” (Rio de Janeiro, RJ: Associação Cultural Internacional Gibran, sem indicação de data da publicação), endossa o que vimos anteriormente quando afirma: “Graças às conquistas que se estenderam em todas as direções, a língua árabe é adotada pouco a pouco por países que vão do Iraque até a Espanha, formando o que desde já podemos chamar o Mundo Árabe. Um mundo em plena vitalidade, em plena efervescência criadora.
“A mistura das raças, o intercâmbio com civilizações e literaturas estrangeiras, orientais e mediterrâneas, a vasta tradução de livros antigos (notadamente gregos) abrem horizontes para a cultura árabe. Até o século XII, as grandes obras se multiplicam em toda parte. É a idade de ouro da literatura árabe.” p. 23.
[9] Olívia Maria Gomes da Cunha, “Fazendo a “coisa certa”: Reggae, rastas e pentecostais em Salvador”, em
http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_23/rbcs23_09.htm, acesso em 28 de Agosto de 2007.
[10] Darlene Zschech, “Adoração Extravagante” (Belo Horizonte, MG: Editora Atos, 2006), 2ª reimpr. Da 2ª Ed, p.83.
[11] Wolfgang Stefani, em “The Pscho-Physiological Effects of Volume, Pitch, Harmony and Rhythm in the Development of Western Art Music Implications for a Philosophy of Music History” (MA Doctrinal Dissertation: Andrews University, 1981), [posteriormente publicado em português como “Música sacra, cultura e adoração” (Engenheiro Coelho, SP: UNASPRESS, 2002)], dá o seguinte veredito: "Todas as evidências consideradas indicam que, a partir de uma perspectiva cristã, existem razões esmagadoras para interpretarmos a história do desenvolvimento da arte musical ocidental em termos de um processo gradual de degeneração e deterioração." p.273, citado em Adrian Ebens “A Música na Adoração: Fontes para um modelo cristão de música na adoração”, publicado em http://www.musicaeadoracao.com.br/livros/musica_adoracao/index.htm, acesso: 10 de Agosto de 2007. É interessante um contraste entre esta constatação, de um ponto de vista cristão, feita Stefani sobre a decadência cultural no Ocidente e a opinião similar expressa em Harold Bloom, “O Cânone Ocidental” (Rio de Janeiro, RJ: Objetiva, 1995). Bloom, tido como um dos críticos literários mais importantes em atividade, defende os valores estéticos da literatura clássica e dos escritores mais importantes do Ocidente contra o relativismo literário, responsável pela decadência na produção contemporânea . “O mundo experimenta uma degradação do conhecimento por causa da conversão da cultura em produto. Apesar de todas as vantagens que trouxeram, computadores, internet e televisão estão levando os jovens a se desacostumar dos livros. A longo prazo, a cultura como conhecemos hoje vai desaparecer. Por causa do mundo digital, as pessoas estão perdendo até a capacidade de compreender um texto a fundo. E ainda não inventaram veículo melhor que o texto escrito em papel.” Harold Bloom, em entrevista a Luis Antônio Giron, em http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT1044475-1666-2,00.html. Bloom também escreveu “The american Religion: the Emergence of the post-christian nation” (New York: Simon & Schuster, 1992). Ali qualifica a forma de cristianismo tipicamente americana como “altamente emocional, individualista e ‘gnóstica’”, entendendo o gnóstica como focada “na alma individual e em sua relação imediata com Deus”. Citado em Nancy Pearcey, Verdade Absoluta, nota 60 da página 327.
[12] Em nossa opinião, a primeira perspectiva é incompleta, e, portanto, limitada, correndo o perigo de dar a determinado gênero musical o caráter de uma Revelação normativa, o que se aplica apenas aos cânticos bíblicos, escritos por homens inspirados por Deus, e jamais a nenhum hino de hinários cristãos; quanto a segunda posição, além de ignorar a coerência entre forma e conteúdo, ignora os efeitos da música sobre o nosso cérebro, efeitos esses que independem da letra da música.
[13] Os textos foram Ellen G. White, Testemunhos Seletos,vol. I, p. 45 e Ellen G. White, Testemunhos Seletos, vol. I.
[14] Mensagens aos Jovens p. 294, grifos supridos.
[15] Nos comentários que os leitores deixaram em LG, alguns sugeriram, ironicamente, que aquilo que pretendíamos fazer era “rotular” os bons e os “maus” cantores, músicas, etc. Trabalhamos com princípios de uma perspectiva adventista, convidando outros a refletirem dentro de suas realidades, quer em nível denominacional, quer em pessoal.
[16] Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações, Página 347
[17]“O fato de Deus ‘desejar que nosso louvor ascenda a Ele levando o cunho de nossa própria individualidade’ [o livro “A Ciência do Bom Viver”, p. 80 como fonte da citação, porque se trata de outra reprodução do mesmo texto] não justifica que adotemos para uso na igreja aqui o que foi, talvez, aceitável para um escravo americano, ou um havaiano, ou um canibal no sul do Pacífico, ou um índio asteca. Seria deliberadamente fechar os olhos às orientações divinas para Laodicéia [silepse, o símbolo pelo que ele simboliza, para a igreja adventista do sétimo dia].” Dario Pires de Araújo, “Música, Adventismo e Eternidade” (são Paulo, SP: Impressões Gráficas Alfa Ltda; Londrina, PR: Gráfica e Editora Líder Ltda: 1994), 2ª ed.,p. 60. O trabalho de Araújo é, sem dúvida, o mais relevante de sua época publicado por um adventista brasileiro.
[18] Rick Waren, “Uma igreja com Propósito” (São Paulo, SP: Editora Vida, 2002), 2ª Ed., 7ª reimpressão, pp. 272 e 273.
[19] “A verdadeira música crista, a música que identifica o povo de Deus, é a musica profética, a música que declara as Escrituras Sagradas. Se a musica cristã tem como identidade a pregação da Escrituras Sagradas, esta música tem de ser coerente: coerente com as Escrituras Sagradas, pois ‘o que faz uma musica sagrada é a sua mensagem. A música não é nada mais do que notas e ritmos. São as palavras que fazem uma música espiritual’". Jairo de Souza Santos Júnior, “A música evangélica de adoração: uma análise de sua identidade” (Revista Teologia Hoje, 2003), vol 1, núm 2, artigo 4. Também disponível em http://www.ftsa.edu.br/revista/TeologiaHoje.htm. Acesso: 3 de Agosto de 2007. Note que a declaração final é uma citação de Waren, que revela o quanto ele tem influenciado os pensadores evangélicos no que diz respeito à adoração.
[20] Berit Kjos, “Igreja Dirigida pelo Espírito ou Orientada por Propósitos? - Parte 1 Análise do livro Uma Vida com Propósitos, de Rick Warren”, disponível em http://www.jesussite.com.br/PurposeDriven1.asp, originalmente: http://www.crossroad.to/articles2/006/pd-deception.htm.
[21] David Fisher, “O pastor do século XXI” (São Paulo, SP: Vida, 2001), 3ª reimpressão, p. 254.
[22] Ellen White, Evangelismo, p. 508.
[23] Usando a mesma citação, segui raciocínio semelhante em meu artigo “Shows cristãos: culto, entretenimento ou mundanismo?”, disponível em http://questaodeconfianca.blogspot.com/2007/07/shows-cristos-culto-entretenimento-ou.html.
[24] Ellen G.White, Evangelismo, p. 512.
[25] Carlos Eduardo Sell e Franz Josef Brüseke, “Mística e Sociedade” (Itajaí, SC: Universidade do Vale do Itajaí; São Paulo, SP: Paulinas, 2006), pp. 190 e 189. Os autores estam sintetizando as idéias de Daniéle Hervieu-Leger.
[26]Ambos os fatores, a preocupação em atingir os descrentes, como a subjetividade inerente ao cristianismo moderno, podem ser reponsáveis pelo esvaziamento de conteúdo doutrinário da música evangélica hodierna.
Durante meu processo de aceitação do adventismo, em nenhum momento fui informado a respeito de como deveria me servir da música. Lembro-me de que mantive minha preferência pelo rock de bandas como Led Zeppelin, Beatles, Engenheiro do Havaii, além de ouvir a música eletrônica que tocava nas FMs na década de 90. Jamais imaginei que o conjunto de crenças que eu aceitara incluía uma nova percepção do mundo, englobando todas as áreas da vida. Isso certamente, conforme percebi mais tarde, exigia uma transformação de meus gostos musicais.
Desde que me tornei adventista, tenho acompanhado a mudança de paradigma musical dentro da igreja. Percebo que boa parte da produção fonográfica denominacional tem sofrido influência de músicos cristãos de outros segmentos, que, obviamente, não são orientados pelos mesmos princípios que os adventistas. Esta constatação não intenciona ecoar as velhas queixas quanto ao uso da bateria no acompanhamento dos play-backs. Costumo me referir à bateria como a “ponta do iceberg”. O que está oculto às vistas é a questão da cosmovisão adventista.
Como denominação cristã, os adventistas acreditam ter recebido “luz especial” para o “tempo do fim”, período que antecede a segunda vinda de Jesus à Terra. O objetivo do Senhor, ao revelar de forma especial Sua vontade antes do Advento, é preparar um povo e, através dele, o mundo, para o evento derradeiro da História como a conhecemos.[1] Ou seja, a luz que Deus tem nos dado objetiva formar nossa visão de mundo, o que se reflete em nossa identidade como povo de Deus.
Caso percamos nossa identidade singular, não poderemos sustentar a insígnia de povo santo, escolhido de acordo com Sua vontade. Tampouco, poderemos cumprir nossa missão, de anunciar a queda de Babilônia, a advertência aos sinceros que a deixem e o convite a adorar ao Deus verdadeiro. Existimos como adventistas para cumprir esta missão.
Ocorre que a música se relaciona com a adoração. Se quisermos chamar outros à adoração correta, o que está incluso na primeira mensagem angélica (Apoc. 14:7), nós mesmos precisamos conhecê-la e praticá-la. Do contrário, se continuarmos a ser influenciados em nossa música e refletirmos a cultura religiosa dominante, no que diz respeito à nossa adoração, não podemos reclamar nossa identidade singular e, muito menos, cumprir a nossa comissão (Mateus 5:13).
Teríamos critérios claros e específicos para nos orientar na escolha e execução de músicas adequadas com nossa cosmovisão adventista? Creio que resposta seja “sim”. Dada a importância deste assunto, Deus não Se olvidaria de comunicar princípios-guia para o Seu povo na época pré-advento.
Infelizmente, assim como em minha experiência de recém-converso, muitas pessoas jamais foram informadas de que nossa visão de mundo deve selecionar e produzir música que reflita nossa identidade singular. Tais pessoas acabam, com o tempo, formando critérios pessoais sobre o que envolve a música (como música para a adoração, para entretenimento, para a devoção pessoal, etc), baseando-se em sua própria experiência (anterior ou posterior à conversão),e nos padrões de algum tipo de mídia (secular ou cristã). Nota-se que tais influências acabam originando critérios bastante subjetivos [2] e, portanto, incompatíveis com o modo de Deus agir. Se ao longo da História, o Senhor tem sido bem específico ao revelar Sua vontade para cada área da vida humana[3], fica evidenciado que há uma verdade específica no que tange à música.
Tenho considerado essas questões há algum tempo, escrevendo sobre aspectos da música cristã moderna passíveis de crítica, com o objetivo de, pelo contraste, destacar a dicotomia entre o que nossos princípios prescrevem e como temos agido em relação à música. Um de meus artigos, “Leonardo Gonçalves: Expectativa do novo CD e análise de sua influência musical” (daqui para frente referido como LG) recebeu recentemente uma resposta. Escrita pelo Pr. André Gonçalves, irmão do cantor, revela muito a respeito de como os adventistas brasileiros encaram a música, em geral e na adoração, em nossa época. Eis um trecho escrito por André Gonçalves:
“[…]Deus se agrada do nosso louvor não porque é esteticamente aceitável, mas porque é sincero e de coração. É isso que vale para Deus quando o louvor é individual, sem a presença de outras pessoas. A partir do momento em que outras pessoas estão envolvidas como ouvintes e participantes, Ele se agrada da música que eleva, que testemunha das maravilhas que Ele fez e faz, que toca, que motiva e que, acima de tudo, exalta e engrandece o nome dEle. Utilizar as palavras que a irmã White usou após uma experiência de arrebatamento para o Céu para nortear a música em termos específicos e técnicos é descontextualizar completamente o que ela escreveu.”[4]
Uma vez que o assunto da adoração é vital para mantermos nossa identidade e, consequentemente, cumprirmos nossa missão, consideramos como apropriado analisar criticamente a resposta de André Gonçalves a LG. Fazemos isso apenas com o propósito de prestar esclarecimentos sobre um assunto importante, entendendo que um debate aberto promoverá crescimento neste campo doutrinário. Portanto, não se trata de uma “disputa” ou um ataque à pessoa do Pr. André, o qual cremos ser um sincero servo do Senhor, que, como eu, preocupa-se com o avanço da mensagem adventista nesses últimos dias.
A despeito do que foi dito, na resposta do Pr. André a LG percebemos três premissas recorrentes, e difundidas popularmente entre os adventistas, a saber: a) a subjetividade de critérios filosóficos/teológicos para nortear a música cristã contemporânea, b) a dissociação entre a escolha da música e seu efeito sobre os adoradores e c) o reducionismo, tanto na abordagem histórica do contexto cultural no qual Ellen White estava inserida quando escreveu sobre a música, quanto na aplicação atual do que ela escreveu.
No presente artigo, discuto de forma sucinta cada um dos três aspectos citados acima e, a seguir, ocupo-me em responder às 9 observações do autor sobre meu artigo supra-citado. Na conclusão, procuro demonstrar a premente necessidade de um estudo comparativo das tendências musicais adventistas com as orientações inspiradas de Ellen G. White.
De antemão, esclareço que o presente artigo não tem a intenção de causar celeuma ou agitar os ânimos; tecemos considerações que nos parecem, além de informativas, cabíveis, sem perder o respeito por aqueles que pensem diferentemente. Convidamos a todos que amam a causa do Senhor a refletir sobre a música dentro da cosmovisão adventista. Já passa o tempo de unirmos nossa mente para que a música na igreja deixe de ser “terra-de-ninguém”.
a) A subjetividade de critérios filosóficos/teológicos para nortear a música cristã contemporânea
Em toda espécie de arte[5], a forma tem geralmente refletido o conteúdo. Revoluções no pensamento e filosofia humana têm originado novas correntes artísticas, com preocupações estéticas distintas das correntes anteriores.
Para citar um exemplo: de 11 a 18 de Fevereiro de 1922 ocorreu a semana de Arte Moderna no Teatro Municipal de São Paulo. Os maiores poetas da época eram neo-parnasianos e simbolistas menores, influenciados pela poesia européia, notadamente a francesa. A proposta dos novos poetas era substituir o formalismo na poética pelo experimentalismo das correntes vanguardistas da Europa. O público ficou chocado com as paródias, os poemas-piadas, os versos-livres (não metrificados) e a algazarra modernista. Isso porque a concepção artística do que era um poema passara por uma transformação. E a revolução não atingira apenas o conteúdo (tema), mas igualmente a forma. Em arte, geralmente forma e conteúdo se integram.
Falando da música, temos que entender que, como forma de arte, produto da cultura humana, ela reflete a cosmovisão de um indivíduo ou grupo de pessoas.[6] Para os grupos religiosos, o culto em geral, e o tipo de música em especial, é conduzido de acordo com a visão que se tem da divindade.[7]
Um exemplo disso temos na música entoada por um muezim, chamando os fiéis à prece vespertina. Mulçumanos são extremamente formalistas em seu culto, recitando textos árabes e “decorando” orações, porque vêem a Deus quase que como um Ser impessoal, um Absoluto distante do homem. O tipo de hinos cantados em uníssono numa espécie de cantochão, que lembra uma “ladainha” solene, está em conformidade com a forma muçulmana de enxergar Alá, seu Deus.[8]
Vejamos outro caso: a música reggae surgida na Jamaica, era uma expressão mística do rstafarianismo, movimento político-religioso, também de caráter étnico, surgido na Jamaica, que a partir de sua luta contra a “estrutura escravista britânica” reinterpretou a promessa bíblica da Terra Prometida, localizada agora na “Etiópia/África”. O reggae está profundamente ligado com substâncias alucinógenas, produtoras de “estados de consciência”, que, por sua vez “são ao mesmo tempo fonte de conhecimentos e comunicação com o sagrado, provocados não só pela música como pela erva, pelo contato com elementos da natureza, pelos sonhos e pelas visões.” Não à toa, o cantor de reggae Peter Toshem entrevista à revista High Times em 1981 afirmou que “[a] espiritualidade e a inspiração são decorrentes da capacidade do reggae de ‘hipnotizar’ e fazer o ouvinte ‘sair de si’, isto é, a música é capaz de provocar no ouvinte o acesso a outros ‘estados de consciência’.”[9]
Entendemos que os exemplos dados reforçam o conceito, que nos será caro, de que a cosmovisão, seja qual for, molda a expressão artística.
Não há um divórcio entre forma e conteúdo, o que garante a eficácia de determinada escolha musical para um fim específico. A adoração deixa transparecer que conceitos foram internalizados pelo adorador. Ou em outras palavras: “Aquilo com que você se deleita transparece quando dirige o louvor.”[10]
A música cristã tem sofrido muitas alterações ao longo da História, haja visto que a cultura ocidental é mais passível de mudanças. E, uma vez que as correntes filosóficas têm, principalmente desde o Iluminismo até o presente, se oposto à cosmovisão bíblica, as mudanças, em termos de ética e princípios, não são positivas.[11]
Em decorrência das mudanças na música cristã, é recorrente o debate Forma x Conteúdo, sendo que alguns tendam a restringir toda manifestação musical a uma (ou a algumas) determinada(s) forma(s), ao passo que outros argumentem que a forma não é importante.[12] Geralmente, a música cristã moderna segue a segunda tendência, se valendo da premissa de que “todo louvor seja aceitável a Deus”.
Realmente toda forma de adoração seria válida? Se encararmos a adoração como um reconhecimento do caráter amoroso de Deus e uma homenagem sincera a Seus atributos, seríamos levados a reconhecer que a adoração tem de agradar-Lhe. É dever do adorador apresentar algo agradável ao ser adorado. Costumo exemplificar isso de uma forma simples: se alguém quiser me presentear, não me dê uma roupa da cor vermelha! Por questão de gosto pessoal, não conseguiria sentir-me bem usando uma roupa vermelha. Na experiência humana, quando queremos presentear a alguém, levamos em conta o gosto da pessoa, não o nosso. Na adoração, devemos levar em conta o “gosto” divino.
O próprio Jesus disse à mulher samaritana que Deus, o Pai, busca aqueles que o adorem em “espírito e verdade” (João 4:23). A que o Mestre se referia? Para Jesus, a adoração é tanto um fenômeno espiritual – e, portanto, independente do local (e a dúvida da interlocutora estava relacionada com qual seria o correto: adorar no templo em Jerusalém ou no monte Gerizim), do ambiente, dos objetos cúlticos, etc – quanto algo coerente com a Revelação, ou, nas palavras dEle, com a “Verdade”. Daí se conclui que há uma verdade a respeito da adoração que todo adorador deveria conhecer e praticar, para estar entre os adoradores daquela espécie que Deus-Pai busca.
Em LG, usei textos do Espírito de Profecia para mostrar que o louvor agradável a Deus, em qualquer esfera (quer pessoal, quer pública), é o que está coerente com Sua Revelação(portanto, fora da competência de sentimentos e intenções meramente humanos).[13] Gostaria de acrescentar mais um texto, que trabalha com os conceitos fundamentais da resposta de Jesus à samaritana (o binômio “espírito/Verdade”):
“Quando os seres humanos cantam com o espírito e o entendimento, os músicos celestiais apanham a harmonia, e unem-se ao cântico de ações de graças. Aquele que nos concedeu todos os dons que nos habilitam a ser coobreiros de Deus, espera que Seus servos cultivem sua voz, de modo que possam falar e cantar de maneira compreensível a todos. Não é o cantar forte que é necessário, mas a entonação clara, a pronúncia correta, e a perfeita enunciação. Que todos dediquem tempo para cultivar a voz, de maneira que o louvor de Deus seja entoado em tons claros e brandos, não com asperezas, que ofendam ao ouvido. A faculdade de cantar é um dom de Deus; seja ela usada para Sua glória.”[14]
Gostaria de salientar que o texto desdobra o conceito de adorar em “espírito e verdade” em algumas ações específicas, como a entonação “clara”, “branda”, sem “asperezas”, apenas para destacar algumas; tendo essas características citadas em mente, alguém dificilmente poderia concluir que, em matéria de música, “Deus aceita tudo”. O conteúdo do louvor musical deve ser considerado tanto quanto a sua forma. É claro que estamos falando de princípios revelados, mas não podemos criar um “índex” catalogando as músicas ou os cantores “corretos”.[15] A Revelação deve ser aplicada de forma coerente pelo adorador individual, a medida em que ele cresce em sua compreensão da Verdade, rendendo sua individualidade ao controle do Espírito Santo; não ser trata de uma “anulação” do indivíduo, como propõe a filosofia chinesa, mas de submeter-se a Deus, expressando individualmente o quanto Ele representa para nós:
“Nossa confissão de Sua fidelidade é o meio escolhido pelo Céu para revelar Cristo ao mundo. Temos de reconhecer-Lhe a graça segundo nos é dada a conhecer através dos santos homens da antiguidade; mas o que será mais eficaz é o testemunho de nossa própria experiência. Somos testemunhas de Deus, ao revelar em nós mesmos a operação de um poder que é divino. Cada indivíduo tem uma vida diversa da de todos os outros, uma experiência que difere essencialmente da sua. Deus deseja que nosso louvor a Ele ascenda, com o cunho de nossa própria individualidade. Esses preciosos reconhecimentos para louvor da glória de Sua graça, quando corroborados por uma vida semelhante à de Cristo, possuem irresistível poder, eficaz para salvação de almas.” [16]
Muitos, ao se depararem com o texto acima, poderiam argumentar que, se o que vale é o “testemunho de nossa própria experiência” e se essa experiência “difere essencialmente” da de outros, então somos “livres” para usar critérios pessoais e subjetivos em nossa maneira de louvar a Deus através da música. No entanto, o contrapeso a essa conclusão imediata está nos outros dados da Revelação sobre o assunto. Se aceitarmos que a Revelação não pode se contradizer, então forçosamente admitiremos que o testemunho de uma experiência iluminada por Cristo se aproximará em cada ponto das ações específicas mencionadas nos diversos textos que abrangem o assunto.
Deus julga a cada ser humano pela luz que recebeu. O senhor aceitou quando Miriã “tomou na mão um tamboril, e todas as mulheres saíram atrás dela com tamboris, e com danças” (Êxo. 15:20), porque a sua cultua era egípcia, e não havia luz maior sobre a adoração naquela situação vivencial (sitz in libem). Como adventistas, entendemos que o cabedal de conhecimento que temos hoje relacionado ao assunto não nos permitiria uma prática análoga a de Miriã.[17] Os adventistas entendem que há diretrizes divinas que provêem parâmetros musicais.
Em contrapartida, a posição dos evangélicos em geral difere completamente do que as citações do Espírito de Profecia que acabamos de ler nos sugerem. Um dos mais influentes líderes evangélicos, o Pr. Rick Waren, reconhece que o poder da música leva a mensagem “diretamente para o coração”. Por isso, segundo ele, temos a oportunidade de utilizar a música contemporânea, com seu poder de alcance, para espalhar “valores de Deus”; do contrário, utilizando o mesmo tipo de música, “satanás vai ter acesso a uma geração inteira”.
Embora Waren reconheça que o tipo de música determine a identidade da igreja e seu posicionamento na comunidade em que estiver inserida, ele alerta os cristãos de que têm de “admitir que não existe um estilo de música em particular que é ‘sagrado’”. Segundo o seu parecer, “O que faz uma música sagrada é a sua mensagem [letra]. A música não é nada mais do que um arranjo de notas e ritmo. […] Não existe música cristã, mas sim, letras cristãs. Se fosse tocada uma música sem palavras, você não saberia se é cristã ou não.”[18]
Esta opinião é bem aceita nos círculos evangélicos[19], mas não é unânime. Berit Kjos, analisando a perspectiva de Waren questiona a tendência “liberal” de aderir à adoração contemporânea. Kjos observa que “A escolha do pastor Warren na área da música está de acordo com as principais tendências atuais de mudança – na cultura, nos negócios e também nas igrejas.” Ele ainda afirma que isso faz parte de uma estratégia de marketing voltada para as “‘necessidades sentidas’ das massas.” “Assim, quando Rick Warren ofereceu a música que a maioria das pessoas queria, elas se arrebanharam para a igreja.” Mas esse “sucesso” não prova, como Kjos ainda observa, que Deus tenha aprovado determinada escolha musical.
Usando de lógica irrefutável, Kjos pergunta:
“Quando o pastor Warren nos diz que ‘Deus ama todos os tipos de música’ e que ‘Deus ama a variedade’ você pode imaginar onde ele traçaria a linha? Essa linha divisória vital curvar-se-ia de acordo com nossa cultura mutável? Ou com a crescente tolerância a todos os tipos de variações espirituais e escriturais? Essas são questões cruciais, pois a música se tornou uma força motriz no Movimento de Crescimento de Igrejas.”[20]
Acredito que essa seja a “chave da questão”. Qual a linha divisória, se Deus ama todos os tipos de música? Do Rock ao Axé, qualquer gênero é aceitável! Mas se a variação musical é uma das conseqüências da mutabilidade da Filosofia Ocidental, estaria a adoração sujeita a tanta mudança, sendo que ela se fundamenta na Revelação de um Deus que não muda? Ou estamos tentando acompanhar as tendências seculares para agradar os não-cristãos? Em LG, eu havia escrito:
“Alguns poderiam afirmar “Música é questão de cultura”. É verdade que toda expressão artística (música, artesanato, artes plásticas, etc) parte de uma cultura. Mas os valores é que moldam a cultura. Se os princípios da Palavra de Deus moldam nosso coração, não nos afastaremos totalmente da nossa cultura de origem – no meu caso, e no da maioria dos leitores, a cultura brasileira – , mas ela será transformada, e seus aspectos contrários ao Evangelho serão sublimados.[…]”
Até que ponto um culto contemporâneo realmente atrai pessoas preocupadas em servir a Deus e lhes provê instruções suficientes para promover um crescimento espiritual coerente com a Revelação, em todos os seus variados matizes? Será que fazer “concessões” quanto à adoração não nos leva a “amenizar” os demais mandamentos e orientações das Escrituras? David Fisher conta a história que, em conversa com seu filho, um cristão “afastado”, ele lhe sugeriu que freqüentasse uma igreja próxima, que possuía cultos no estilo “tradicional” e “contemporâneo”. Seu filho retrucou, afirmando não estar interessado em cultos “modernos”, nos quais os cristãos tentam parecer “amenos”. “O cristianismo”, afirmou o rapaz, “não é ameno. Ele tem de ser diferente.”[21]
Quando oferecemos música secular com letra religiosa, estamos desfocando a adoração, que consiste em oferecer algo santificado a um Deus Santo. Deus deve estar no centro da adoração para que ela seja bíblica. Notemos o que o Espírito de Profecia afirma sobre o impacto da adoração em “espírito e Verdade” sobre os não-cristãos:
“Vi que todos devem cantar com o espírito e com o entendimento também. Deus não Se agrada de algaravia e dissonância. O correto é sempre mais agradável a Ele que o errado. E quanto mais perto o povo de Deus se puder aproximar do canto correto, harmonioso, tanto mais é Ele glorificado, a igreja beneficiada e os incrédulos favoravelmente impressionados." [22]
Deus se agrada do “correto”, com aquilo que está relacionado com o “entendimento”; perceba que o binômio que mencionamos anteriormente, referindo-nos a João 4:24, “espírito/ Verdade”, encontra um correspondente neste novo binômio “espírito/entendimento” – sendo o aspecto espiritual, como já o afirmamos, ligado ao próprio fenômeno da espiritualidade, enquanto o “entendimento” relacionado à apreensão da Revelação, ou seja, da “Verdade” bíblica objetiva. Quando temos a preocupação de ser coerentes com a Revelação, além de glorificar a Deus, somos beneficiados como povo e impressionamos os “incrédulos”.[23] Em outro texto, lemos o seguinte:
“Quando os professos cristãos alcançam a alta norma que é seu privilégio alcançar, a simplicidade de Cristo será mantida em todo o seu culto. As formas, cerimônias e realizações musicais não são a força da igreja. No entanto, estas coisas tomaram o lugar que deveria ser dado a Deus, tal como se deu no culto dos judeus.
O Senhor revelou-me que, se o coração está limpo e santificado, e os membros da igreja são participantes da natureza divina, sairá da igreja que crê a verdade um poder que produzirá melodia no coração. Os homens e as mulheres não confiarão então em sua música instrumental, mas no poder e graça de Deus, que proporcionará plenitude de alegria. Há uma obra a fazer: remover o cisco que se tem trazido para dentro da igreja. ...”[24]
Não devemos estar tão preocupados em ser conhecidos como uma “potência musical” quanto em “alcançar a norma mais alta”. Isso se torna real quando “a simplicidade de Cristo” é mantida, e “os membros da igreja são participantes da natureza de Cristo”. Se estamos em comunhão com Cristo e mantemos obediência à Sua Revelação, vamos apresentar uma adoração cujo impacto criativo atingirá os corações, não porque essa seja a preocupação principal, mas porque a presença de Deus produzirá impressão duradoura nos corações. Quando analisarmos a interpretação de Ellen White, abordaremos mais detidamente os aspectos normativos de sua compreensão da música na adoração.
Outro fator que explica a mudança na música é o fato de que a modernidade tem contribuído para a construção de um novo paradigma religioso, o da “modernidade religiosa”, cuja marca de identificação é “a tendência geral para a individualização e a subjetivação da vida religiosa.” Embora este paradigma afete as “religiões tradicionais”, “não cancelou as formas de crer, que são cada vez mais individuais, subjetivas, dispersas e feitas de diversas combinações, ou, em uma única palavra, fluidas.”[25] Esse cristianismo mais “fluido”, não revela, em sua adoração, uma preocupação com a forma, mas com a experiência subjetiva em níveis pessoais.[26]
Tão fundamental quanto reconhecer que a concepção de mundo e do Ser adorado exercem papel decisivo no tipo de adoração e na música empregada durante o momento cúltico, é admitir que a música tem efeito direto em nossa mente – assim, ou a música favorece a atmosfera de reverência, entrega, submissão, louvor, gratidão e compromisso durante o processo de adoração ou deturpa a adoração, comunicando uma mensagem independente, não-correlacionada com os princípios de verdadeira adoração. Esse é o ponto de que trataremos no próximo tópico.
Leia a segunda parte
[1] Houve um período de desenvolvimento doutrinário, em torno da compreensão da doutrina do santuário, bem como das três mensagens angélicas de Apocalipse 14. Um excelente trabalho sobre este assunto é Alberto R. Timm, “O Santuário e as três mensagens angélicas: Fatores integrativos no desenvolvimento histórico das doutrinas adventistas” (Engenheiro Coelho,SP: Imprensa Universitária Adventista, 2002).
[2] No Mato-Grosso do Sul, conheci uma professora recém-conversa, que vinha do sul do país. Como havia freqüentado uma igreja adventista de tendências liberais, ela não achava errado assistir shows de cantores seculares e, infelizmente, na nova cidade, associou-se a membros da igreja que também não viam problemas nessa prática. Quando minha esposa conversou com ela e expôs as orientações bíblicas e o pensamento denominacional sobre a questão, foi um choque para aquela professora ver que estava agindo de forma equivocada – não por desobediência aberta, mas por desinformação!
[3] “A Bíblia não foi escrita para os doutos unicamente. Ao contrário, destina-se ao povo comum. As grandes verdades indispensáveis para a salvação, nela se acham reveladas com a clareza da luz meridiana; e ninguém errará nem perderá o caminho a não ser os que seguirem seu próprio juízo em vez da vontade de Deus, claramente revelada.” Ellen G. White, Caminho a Cristo, p. 89. Cf.: Conselhos Professores, Pais e Estudantes, p. 463, Conselho sobre Mordomia, p. 38.
[4] André Gonçalves, em comentário ao artigo.
[5] De fato, temos de considerar a arte do ponto de vista da estética cristã. Wolfgang H. M. Stefani chama a atenção para as artes como “[…] um aspecto do estilo de vida adventista no qual a comunicação e a transmissão de valores característicos são fracas.” Ele advoga que deveríamos nos preocupar com esta omissão. O artigo “Música: Força Ecumênica?”, da autoria de Stefani, pode ser encontrado em http://www.musicaeadoracao.com.br/artigos/adoracao/musica_ecumenica.htm
[6] “[…] a música carrega traços de história, cultura, e identidade social, que são transmitidos e desenvolvidos através da educação musical.” Beatriz Ilari, “A música e o desenvolvimento da mente no início da vida: investigação, fatos e mitos”, disponível em http://www.rem.ufpr.br/REMv9-1/ilari.html, acesso: 21 de Agosto de 2007. “ Antes de tudo, existe alguma razão para pensar que a atividade musical, desconsiderando sua variedade, tem algumas características em comum que nos permitem vê-la como um todo unitário. Além do mais e em conexão com isto, assumimos que existe alguma habilidade de fazer e/ou comunicar com sons que é comum a todos os membros de uma cultura, embora distribuída ou exercida de várias maneiras e papéis. Ambas as afirmações não são exclusivas à música, mas são também válidas para outros tipos de expressão social, tais como gesto, pintura etc.” Gino Stefani, “Uma Teoria de Competência Musical”, disponível em http://www.musicaecultura.ufba.br/artigo_stefani_01.htm, acesso: 21 de Agosto de 2007.
[7] As reflexões sobre como as cosmovisões religiosas, variando entre os extremos de transcendência (um Deus Superior e distante) e Imanecência (um Deus que interage com Sua criação, e, que Se nivela a ela) é magistralmente expresso em Wolfgang Stefani, “Música sacra, cultura e adoração” (Engenheiro Coelho, SP: UNASPRESS, 2002)
[8] É interessante como Pearcey relaciona a expansão do Império Muçulmana, nos séculos VII e VIII, durante os quais territórios da Espanha à Pérsia foram anexados, com a influência que o pensamento grego (Neoplatonismo) passou a exercer sobre o Islamismo; para o Neoplatonismo, assim como para as religiões místicas orientais, Deus é uma “essência não-pessoal”. Para Percey, tal concepção de uma divindade impessoal, que se tornou predominante no pensamento muçulmano, explicaria “por que os muçulmanos expressam sua fé em rituais quase mecânicos[…]”. Para maiores detalhes, ver o apêndice 2, “O Islamismo Moderno e o Movimento da Nova Era”, em Nancy Pearcey, “Verdade Absoluta: Libertando o Cristianismo de seu cativeiro cultural” (Rio de Janeiro, RJ: Casa Publicadora das Assembléias de Deus, 2006), 1ª ed, pp. 431 a 435. Mansour Challita, em seu livro “As mais belas páginas da Literatura Árabe” (Rio de Janeiro, RJ: Associação Cultural Internacional Gibran, sem indicação de data da publicação), endossa o que vimos anteriormente quando afirma: “Graças às conquistas que se estenderam em todas as direções, a língua árabe é adotada pouco a pouco por países que vão do Iraque até a Espanha, formando o que desde já podemos chamar o Mundo Árabe. Um mundo em plena vitalidade, em plena efervescência criadora.
“A mistura das raças, o intercâmbio com civilizações e literaturas estrangeiras, orientais e mediterrâneas, a vasta tradução de livros antigos (notadamente gregos) abrem horizontes para a cultura árabe. Até o século XII, as grandes obras se multiplicam em toda parte. É a idade de ouro da literatura árabe.” p. 23.
[9] Olívia Maria Gomes da Cunha, “Fazendo a “coisa certa”: Reggae, rastas e pentecostais em Salvador”, em
http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_23/rbcs23_09.htm, acesso em 28 de Agosto de 2007.
[10] Darlene Zschech, “Adoração Extravagante” (Belo Horizonte, MG: Editora Atos, 2006), 2ª reimpr. Da 2ª Ed, p.83.
[11] Wolfgang Stefani, em “The Pscho-Physiological Effects of Volume, Pitch, Harmony and Rhythm in the Development of Western Art Music Implications for a Philosophy of Music History” (MA Doctrinal Dissertation: Andrews University, 1981), [posteriormente publicado em português como “Música sacra, cultura e adoração” (Engenheiro Coelho, SP: UNASPRESS, 2002)], dá o seguinte veredito: "Todas as evidências consideradas indicam que, a partir de uma perspectiva cristã, existem razões esmagadoras para interpretarmos a história do desenvolvimento da arte musical ocidental em termos de um processo gradual de degeneração e deterioração." p.273, citado em Adrian Ebens “A Música na Adoração: Fontes para um modelo cristão de música na adoração”, publicado em http://www.musicaeadoracao.com.br/livros/musica_adoracao/index.htm, acesso: 10 de Agosto de 2007. É interessante um contraste entre esta constatação, de um ponto de vista cristão, feita Stefani sobre a decadência cultural no Ocidente e a opinião similar expressa em Harold Bloom, “O Cânone Ocidental” (Rio de Janeiro, RJ: Objetiva, 1995). Bloom, tido como um dos críticos literários mais importantes em atividade, defende os valores estéticos da literatura clássica e dos escritores mais importantes do Ocidente contra o relativismo literário, responsável pela decadência na produção contemporânea . “O mundo experimenta uma degradação do conhecimento por causa da conversão da cultura em produto. Apesar de todas as vantagens que trouxeram, computadores, internet e televisão estão levando os jovens a se desacostumar dos livros. A longo prazo, a cultura como conhecemos hoje vai desaparecer. Por causa do mundo digital, as pessoas estão perdendo até a capacidade de compreender um texto a fundo. E ainda não inventaram veículo melhor que o texto escrito em papel.” Harold Bloom, em entrevista a Luis Antônio Giron, em http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT1044475-1666-2,00.html. Bloom também escreveu “The american Religion: the Emergence of the post-christian nation” (New York: Simon & Schuster, 1992). Ali qualifica a forma de cristianismo tipicamente americana como “altamente emocional, individualista e ‘gnóstica’”, entendendo o gnóstica como focada “na alma individual e em sua relação imediata com Deus”. Citado em Nancy Pearcey, Verdade Absoluta, nota 60 da página 327.
[12] Em nossa opinião, a primeira perspectiva é incompleta, e, portanto, limitada, correndo o perigo de dar a determinado gênero musical o caráter de uma Revelação normativa, o que se aplica apenas aos cânticos bíblicos, escritos por homens inspirados por Deus, e jamais a nenhum hino de hinários cristãos; quanto a segunda posição, além de ignorar a coerência entre forma e conteúdo, ignora os efeitos da música sobre o nosso cérebro, efeitos esses que independem da letra da música.
[13] Os textos foram Ellen G. White, Testemunhos Seletos,vol. I, p. 45 e Ellen G. White, Testemunhos Seletos, vol. I.
[14] Mensagens aos Jovens p. 294, grifos supridos.
[15] Nos comentários que os leitores deixaram em LG, alguns sugeriram, ironicamente, que aquilo que pretendíamos fazer era “rotular” os bons e os “maus” cantores, músicas, etc. Trabalhamos com princípios de uma perspectiva adventista, convidando outros a refletirem dentro de suas realidades, quer em nível denominacional, quer em pessoal.
[16] Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações, Página 347
[17]“O fato de Deus ‘desejar que nosso louvor ascenda a Ele levando o cunho de nossa própria individualidade’ [o livro “A Ciência do Bom Viver”, p. 80 como fonte da citação, porque se trata de outra reprodução do mesmo texto] não justifica que adotemos para uso na igreja aqui o que foi, talvez, aceitável para um escravo americano, ou um havaiano, ou um canibal no sul do Pacífico, ou um índio asteca. Seria deliberadamente fechar os olhos às orientações divinas para Laodicéia [silepse, o símbolo pelo que ele simboliza, para a igreja adventista do sétimo dia].” Dario Pires de Araújo, “Música, Adventismo e Eternidade” (são Paulo, SP: Impressões Gráficas Alfa Ltda; Londrina, PR: Gráfica e Editora Líder Ltda: 1994), 2ª ed.,p. 60. O trabalho de Araújo é, sem dúvida, o mais relevante de sua época publicado por um adventista brasileiro.
[18] Rick Waren, “Uma igreja com Propósito” (São Paulo, SP: Editora Vida, 2002), 2ª Ed., 7ª reimpressão, pp. 272 e 273.
[19] “A verdadeira música crista, a música que identifica o povo de Deus, é a musica profética, a música que declara as Escrituras Sagradas. Se a musica cristã tem como identidade a pregação da Escrituras Sagradas, esta música tem de ser coerente: coerente com as Escrituras Sagradas, pois ‘o que faz uma musica sagrada é a sua mensagem. A música não é nada mais do que notas e ritmos. São as palavras que fazem uma música espiritual’". Jairo de Souza Santos Júnior, “A música evangélica de adoração: uma análise de sua identidade” (Revista Teologia Hoje, 2003), vol 1, núm 2, artigo 4. Também disponível em http://www.ftsa.edu.br/revista/TeologiaHoje.htm. Acesso: 3 de Agosto de 2007. Note que a declaração final é uma citação de Waren, que revela o quanto ele tem influenciado os pensadores evangélicos no que diz respeito à adoração.
[20] Berit Kjos, “Igreja Dirigida pelo Espírito ou Orientada por Propósitos? - Parte 1 Análise do livro Uma Vida com Propósitos, de Rick Warren”, disponível em http://www.jesussite.com.br/PurposeDriven1.asp, originalmente: http://www.crossroad.to/articles2/006/pd-deception.htm.
[21] David Fisher, “O pastor do século XXI” (São Paulo, SP: Vida, 2001), 3ª reimpressão, p. 254.
[22] Ellen White, Evangelismo, p. 508.
[23] Usando a mesma citação, segui raciocínio semelhante em meu artigo “Shows cristãos: culto, entretenimento ou mundanismo?”, disponível em http://questaodeconfianca.blogspot.com/2007/07/shows-cristos-culto-entretenimento-ou.html.
[24] Ellen G.White, Evangelismo, p. 512.
[25] Carlos Eduardo Sell e Franz Josef Brüseke, “Mística e Sociedade” (Itajaí, SC: Universidade do Vale do Itajaí; São Paulo, SP: Paulinas, 2006), pp. 190 e 189. Os autores estam sintetizando as idéias de Daniéle Hervieu-Leger.
[26]Ambos os fatores, a preocupação em atingir os descrentes, como a subjetividade inerente ao cristianismo moderno, podem ser reponsáveis pelo esvaziamento de conteúdo doutrinário da música evangélica hodierna.
A MÚSICA SACRA DENTRO DA COSMOVISÃO ADVENTISTA: INTERPRETANDO E APLICANDO CONCEITOS DE ELLEN WHITE - Parte 2
Outra razão para rejeitarmos a combinação do sagrado com o profano está no fato de que a linguagem musical, como produção cultural, é carregada de conteúdo semântico em si mesma, independente de uma “letra”. O que estamos dizendo é que a música comunica um conteúdo mesmo sem o auxílio de palavras. Em seu livro “Una teoria della competenza musicale” (Uma teoria de competência musical), Gino Stefani teoriza sobre isto:
“A competência musical se desenvolve através de dois eixos ou dimensões: a ‘dimensão artística’ e a ‘densidade semântica’. Tomando estes termos no seu sentido óbvio, sublinhamos o fato de que o tipo de competência é definido pela interseção desses dois eixos.”[1]
Ou seja, a linguagem musical é tão plena de significados quanto a linguagem escrita ou falada. Pesquisas recentes têm apontado que existe relação entre a fala de bebês e a linguagem musical, sendo ambas, segundo alguns pesquisadores, indistintas nos primeiros anos de vida.[2]
A música não somente parte de uma cosmovisão, como sua linguagem também pode moldar uma determinada cosmovisão, revolucionando toda uma cultura.[3] Isto tem comprovação se analisarmos os efeitos, em escala global, da música popular contemporânea. Como em nenhum outro período da História, podemos falar hoje de uma “cultura globalizada”, para cuja existência, sem dúvida, a música vem dando importante contribuição, como observou Wolfgang H. M. Stefani:
“Devido à sua disponibilidade e aceitação universal, a música popular foi identificada como ‘o mais importante ponto de união para a formação de uma cultura jovem internacional... baseada em gostos e valores comuns no mundo inteiro.’ Ao descrever a música popular como uma ‘poderosa força de ligação’, tornou-se evidente a preocupação com o fato de que ‘o grande consumo de músicas internacionalizadas, a maioria delas de origem anglo-americana, podem estar levando os jovens do mundo inteiro a identificar-se mais com a música globalizada e conseqüentemente com o estilo de vida e valores de outras sociedades que não os da própria cultura.’”[4]
No contexto de um culto, a música deve expressar a conceituação correta segundo os referenciais da Revelação, e influir na esfera em que a adoração coletiva aconteça de maneira a contribuir para que se atinja o fim apropriado – a glorificação de Deus. Imaginemos se, num sermão, um pregador proferisse que a ressurreição de Cristo não é um fato histórico. Sua linguagem verbal estaria prestando um desserviço ao culto, negando um aspecto fundamental da Revelação (a Verdade bíblica da Ressurreição do Senhor). A música, enquanto linguagem, também pode prestar um desserviço, negando aspectos fundamentais da natureza de Deus. Como no caso do sermão cético, a música pode formar, conseqüentemente, um conceito errado na cabeça dos ouvintes, por aquilo que ela está comunicando através de uma linguagem não verbal.
Neste ponto, entra a perspectiva teleológica sobre a música no culto (ou seja, do ponto de vista de seu propósito). A presença da música num culto cristão é distinta do uso musical feito pelo paganismo; enquanto que para os cristãos, canta-se para expressar a adoração (incluindo o louvor, a submissão, a gratidão, o rendimento ao Eterno, etc.), os pagãos cantam, dançam e usam tambores para provocar experiências de transe, necessárias para que a divindade se “conecte” aos adoradores.
Essa conexão entre adorador e ser adorado se torna necessária porque o deus (ou deuses) segundo o paganismo é uma entidade imanente, identificada com a natureza parcialmente (o deus das pedras, das águas, do céu, da colheita) ou totalmente (como no panteísmo, onde Deus se torna uma essência difusa imiscuída na criação). Dorneles explica que:
“A relação direta entre espírito (mundo sagrado) e o homem e a natureza (mundo profano), quer seja pela gênese dos espíritos como descendentes dos humanos, quer seja pelo fenômeno de possessão, influencia a aproximação, senão a integração entre o sagrado e o profano.” [5]
Se Dorneles estiver correto em sua observação, como o modelo pagão de adoração, que admite a “integração entre o sagrado e o profano” passou a ser seguido pelos modernos seguidores de Cristo?
Na tradição protestante, houve uma luta contra a visão católica, na qual Deus era apresentado como inacessível, de onde vinha a necessidade de muitos mediadores (os sacerdotes, os santos, os anjos, a virgem Maria) para representar o homem diante desse Deus. Contudo, em algum momento o pêndulo correu para o outro lado: um Deus representado como presente e interagindo constantemente com o ser humano, como no moderno pentecostalismo.[6] Esse “Deus do Aqui e agora” é um Deus com quem se barganha e de quem se pode solicitar ou mesmo exigir bênçãos materiais. Ele também Se manifesta por meio de “dons” (glossolalia), milagres (curas) e revelações.[7]
O cristianismo pentescostal deriva sua ênfase no emocionalismo como demonstração da bênção de Deus da visão wesleyana de uma “concepção imediata da salvação”, dentro da qual os sentimentos servem de “termômetro da experiência espiritual”.[8] Neste contexto, a música emocional e de características populares é fundamental para levar cada adorador a um estado de experiência que lhe permita “sentir” Deus e receber Suas bênçãos e dons. Há muitas aproximações entre os cultos carismáticos/pentecostais e cultos praticados pelas religiões tradicionais na África.[9]
Na história do adventismo, certos “ventos” pentecostais sopraram em determinados momentos. O episódio mais conhecido é o que envolveu o “Movimento da Carne Santa”. Através de um relato in loco, observemos como o uso de música popular foi fundamental para fomentar o “clima” necessário a fim de levar os envolvidos à experiência de transe, similar a que se dá entre os pentecostais modernos:
“Eles têm um grande bumbo, dois tamborins, um contrabaixo, dois pequenos violinos, uma flauta e duas cornetas. Seu livro de músicas é ‘Garden of Spices’ e tocam músicas dançantes com letra sagrada. Nunca usam nosso próprio hinário, exceto quando os irmãos Breed ou Haskell pregam, então eles iniciam e terminam com um hino de nosso hinário, mas todos os outros são do outro livro . Eles gritam ‘Amém’, ‘Louvado seja o Senhor’ e ‘ Glória a Deus’, como acontece nos cultos do Exército de salvação. Isso causa aflição. As doutrinas pregadas correspondem ao resto.O pobre rebanho está verdadeiramente confuso”[10]
A introdução de um tipo de adoração próxima a dos movimentos pentecostais levou um grupo oriundo do adventismo a ter “experiências” pentecostais. Com base nesta fatídica experiência, nos perguntamos se, ao copiarmos as músicas cristãs contemporâneas e as empregarmos em nossa adoração, não correríamos o risco de ser influenciados por tais músicas de tal maneira que nosso culto se modifique, o que inevitavelmente interferiria, a longo prazo, em nossa conceituação do Ser adorado?
Alguns dos cristãos que utilizam a música gospel contemporânea para garantir o “clima” de seus cultos são altamente influentes nos círculos evangélicos. Citamos, por exemplo, a conhecida cantora e compositora do ministério “Hillsong”, Darlene Zschech, autora do conhecido hino “Shout to The Lord”, traduzido e cantado em várias línguas ao redor do mundo.[11] Embora expresse em seu livro que não concorda que a adoração apenas trate de “provocar emoções nas pessoas para prepará-las para um culto guiado pela emoção”[12], Zschech descreve como utiliza o grito nos momentos em que “dirige o louvor”, não “para tentar fazer as pessoas ficarem empolgadas, nem ‘estimuladas’’, mas de maneira a incentivar “as pessoas a por a fé em ação, a clamar e mudar a atmosfera que envolve a vida delas.” Por isso, ela descreve seu grito como “um grito de fé”.[13] O mais curioso são as expectativas de Darlene Zschech para o futuro:
“Tenho uma convicção pessoal a respeito de criar a próxima geração de músicos adoradores nas coisas de Deus […] fornecer-lhes uma plataforma espiritual rica de onde se lancem, vendo-os explorar o que jamais ousamos.” [14]
Dado o número de versões que os músicos adventistas têm feito de hinos modernos, de outros segmentos cristãos, não estamos, mais do que nunca, correndo o risco de assimilar a cultura religiosa de nossa época, esquecendo-nos de que temos uma identidade singular, da qual, caso abramos mão, não teremos condições de reclamar as bênçãos de Deus para cumprir a nossa comissão? A música, aos poucos, vai sendo responsável pela mudança paradigmática no culto adventista. Como eu havia observado em LG:
“Parece incrível, mas veremos em nossas igrejas uma operação maligna, desvirtuando o propósito do próprio culto, tornando-o em uma experiência emocionalmente histérica, bastante parecida com a que encontramos em alguns cultos pentecostais. Fico me indagando se a influência da Black Music, originária das tradições pagãs da África, aonde a experiência de transe faz parte do culto, não pode estar envolvida com a mudança de paradigma musical que já vem ocorrendo, e que levará à confusão dos ‘sentidos dos seres racionais’.”
É claro que, olhando os eventos dentro do contexto de um grande conflito cósmico, entre Cristo e Satanás, a compreensão adventista das profecias nos leva a pensar na relação de toda essa mudança com o fortalecimento do movimento ecumênico. Creio que Wolfgang H. M. Stefani, melhor do que ninguém, observou esta relação já insinuada e que continua em crescente marcha:
“Parece evidente que a fim de unir socialmente todas as nações para seu engano final, nosso arquiinimigo não pode depender unicamente de ideologias políticas, acordos econômicos e mesmo de interpretações teológicas. Pode ser que ele esteja cuidadosamente planejando e desenvolvendo um ‘aderente social’ em forma de música, algo que propicie condições para unir e organizar socialmente os habitantes do mundo – comprimindo-os em um molde.
"Será que, ao se promover um estilo musical global homogeneizado – estilo cada vez mais visível na cultural musical cristã – não estaria sendo preparado um palco para uma reação de identidade religiosa global? Tal reação permitira que pessoas de todas as nações, de todos os antecedentes religiosos, viessem a dizer: ‘Sim, esta é a minha música, assim sou eu... esta é a minha música pelo fato de ela me tornar feliz e religioso, e sou parte dela; agora me sinto em casa’”[15]
A única salvaguarda para os adventistas (e para todo adorador sincero) será apegar-se à Revelação; do contrário seremos “engolidos” pelas tendências globais da música cristã. Mas, infelizmente, em muitas áreas, incluindo a música, a Revelação é relativizada, produzindo um efeito tal que beira ao ceticismo ou a negação de seu caráter normativo para a experiência do crente. Essa preocupação será abordada em nosso próximo tópico.
[1] Gino Stefani, “Una teoria della competenza musicale. In: Il segno della musica” (Palermo: Sellerio Editore, 1987), p. 15-35. [Versão em inglês publicada no mesmo ano como “A theory of musical competence”, Semiotica, 66-1/3 (1987): 7-22, publicado em http://www.musicaecultura.ufba.br/artigo_stefani_08.htm. Stefani fala de competência musical em termos de “um conjunto de níveis de códigos [dentro dos quais são analisados os eventos sonoros com o que se relaciona a eles ]”.
[2] Beatriz Ilari, “A música e o desenvolvimento da mente no início da vida: investigação, fatos e mitos”, disponível em http://www.rem.ufpr.br/REMv9-1/ilari.html, acesso: 21 de Agosto de 2007. A mesma autora observa que “[…] a música e a linguagem compartilham algumas propriedades acústicas como altura, ritmo e timbre, que podem ser traçadas no decorrer de toda a vida.”
[3]Falando sobre a influência do reggae na sociedade soteriopolitana, a partir da década de 70, Cunha afirma: “Mas foi principalmente com o advento do reggae na cidade[Salvador, BA] - tocado em bailes da periferia, feiras, reuniões e ensaios de blocos afro desde o final da década de 70 - que tudo começou. A música reggae tem se caracterizado, conforme Nettleford (apud Owens,1989:xi), por ser uma espécie de ‘púlpito secular’. Todavia, o reggae não se resume a tematizar as pregações acerca da fé no Messias Negro e na África/Etiópia como lugar da redenção: ele fala dos ‘sentimentos’ do rasta. Ao mesmo tempo, a música funciona como elemento ‘sugestivo’, ao suscitar a adoção de práticas a ela relacionadas no imaginário da juventude.”, Olívia Marinha Gomes da Cunha, em “Fazendo a coisa certa”.
[4] Wolfgang H. M. Stefani, “Música: Força Ecumênica?”. (Tatuí, SP, Casa Publicadora Brasileira, Revista Adventista, ago, 2000). Também na internet: http://www.musicaeadoracao.com.br/artigos/adoracao/musica_ecumenica.htm. Ele está citando Deanna Campbell Robinson et. Al., “Music at the Margins: Popular Music and Global Cultural Diversity” (London: Sage Publications, 1991), X – XI.
[5] Vanderlei Dorneles, “Cristãos em busca do êxtase” (Engenheiro Coelho, SP: UNASPRESS, 2006), 3ª Ed, p. 9. O trabalho de Dorneles é, muito provavelmente, a mais rica contribuição na área da adoração de um autor nacional.
[6] Para maiores detalhes, consultar Wolfgang Stefani, “Música sacra, cultura e adoração”.
[7] Não apenas os cristãos pentecostais partilham desta concepção. Os católicos carismáticos também fundamentam sua experiência na busca do êxtase. Note o seguinte relato: “Aqui me refiro, mais especificamente, a um episódio que pude observar durante reunião promovida pelo grupo de oração carismático ‘Glória a Ti Senhor’, da Paróquia de São Francisco Xavier, em bairro da periferia de Belém (PA). De 3 a 4 de julho de 1999, participei de uma ‘Oficina de Dons' promovida por esse grupo de oração, que se realizou num fim de semana, no auditório de uma escola de primeiro grau no bairro onde se situa a paróquia. A oficina se constituía de pregações realizadas por um jovem, pertencente a outro grupo carismático, especialmente convidado, destinando-se, sobretudo, ao núcleo do ‘Glória a Ti Senhor’ e a um pequeno grupo de recém-ingressos. Estes últimos há poucas semanas haviam participado de outra reunião, chamada ‘Querigma', ou ‘1o Seminário de Vida no Espírito’, durante a qual os mesmos foram selecionados como pessoas que ou receberam os chamados ‘dons do Espírito’ ou demonstraram ser propensas e estar desejosas de recebê-los. Muitas partes da oficina eram especialmente destinadas a esses neófitos e visavam, sobretudo, ensinar-lhes técnicas corporais capazes de propiciar ou facilitar a chamada ‘efusão do Espírito'. Chamou-me atenção, sobretudo, a técnica que foi denominada pelo jovem pregador de ‘bailar no Espírito’, ensinada na tarde do segundo dia do encontro. Tocando ao violão uma música suave, o mesmo sugeriu que todos, de pé, cada um por si e de olhos fechados, começassem a dançar, ‘entregando-se ao Senhor’, até que a maioria dos participantes, inclusive os neófitos, entrou em êxtase e ficou, então, bailando com o Senhor, de modo que, em pouco tempo, vários caíram ao solo – o que também se chama de ‘repouso no Espírito’.” Raymundo Heraldo Maués, ''Bailando com o Senhor'': técnicas corporais de culto e louvor (o êxtase e o transe como técnicas corporais) (São Paulo, SP: 2003), revista de Antropologia, vol. 46, n° 1, disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-77012003000100001&script=sci_arttext&tlng=en, grifos supridos. Mais a frente, Maués afirmará que a glossolalia (ou o falar em línguas), praticada pelos carismáticos (e, acrescentaríamos, pelos pentescostais) é “um fenômeno muito mais amplo”, usado inclusive na música “profana”; ele faz aproximações entre os carismáticos e pentecostais e o xamanismo.
[8] Dorneles, p. 87.
[9] Não nos deteremos neste assunto, mas os interessados encontrarão ampla documentação sobre as comparações entre cultos pentecostais e africanos na obra de Dorneles.
[10] Relatório de S. N. Haskell a Sara McEntenfer, 12 de Setembro de 1900, citado em Ellen White, “Música: Sua influência na vida do cristão”, p. 37. No mesmo contexto, há esse outro relato: “Eu assisti à reunião campal em setembro de 1900, que se realizou em Muncie, onde presenciei em primeira mão o excitamento fanático e as atividades destas pessoas. Havia numerosos grupos de indivíduos, espalhados pelo acampamento, ocupados em discutir, e, então, quando os fanáticos conduziram os serviços em um grande pavilhão, envolveram-se em um alto grau de excitamento pelo uso de instrumentos musicais, tais como: trompetes, flautas, instrumentos de corda, tamborins, um órgão e um grande surdo. Eles gritavam e cantavam suas músicas ritmadas com o auxílio de instrumentos musicais. Muitas vezes, após essas reuniões matinais, ao se dirigirem para a tenda-refeitório, eu os vi tremerem completamente como se tivessem contraído paralisia.” Relatório de Burton Wade a A. L. White, 12 de janeiro de 1962, idem, p. 38. O Exército da Salvação, citado no primeiro depoimento, surgiu na Inglaterra, sendo, até a atualidade, uma das mais tradicionais igrejas pentecostais.
[11] “Shout to The Lord” recebeu uma versão, “Cante ao Senhor”, e foi incorporado ao CD do Ministério Jovem de 1999 e continua fazendo parte de coletâneas adventistas até o presente.
[12] Darlene Zschech, “Adoração Extravagante”, p. 122
[13] Idem, p. 57 e 58, grifos meus.
[14] Idem, p. 156.
[15] Wolfgang H. M. Stefani, “Música: Força Ecumênica?”. Se a prórpria “modernidade religiosa“[…] leva a um ecumenismo de valores, na medida em que respeita todas as religiões” (Carlos Eduardo Sell e Franz Josef Brüseke, “Mística e Sociedade” pp. 190), não poderíamos esperar que as músicas religiosas modernas expressassem o tipo de atitude respeitosa o suficiente a ponto de promover ideais ecumênicos, como, por exemplo, a ênfase na espiritualidade subjetiva preferida a uma religiosidade mais concreta, apoiada em uma tradição objetiva?
b) A dissociação entre a escolha da música e seu efeito sobre os adoradores
Uma vez que a música parte de uma cosmovisão, ela reflete determinados princípios. Muitos cristãos modernos argumentam que a letra é quem deve dar “conta do recado”, transmitindo uma mensagem cristã, independentemente do seu gênero musical. Um argumento contra essa abordagem, conforme já vimos, é a questão da coerência no que tange aos princípios da Revelação. Se nos pautarmos pelos princípios da Bíblia e do Espírito de Profecia, deveríamos buscar música mais elevada, que possua uma clara distinção da música secular (principalmente, da música popular).
Outra razão para rejeitarmos a combinação do sagrado com o profano está no fato de que a linguagem musical, como produção cultural, é carregada de conteúdo semântico em si mesma, independente de uma “letra”. O que estamos dizendo é que a música comunica um conteúdo mesmo sem o auxílio de palavras. Em seu livro “Una teoria della competenza musicale” (Uma teoria de competência musical), Gino Stefani teoriza sobre isto:
“A competência musical se desenvolve através de dois eixos ou dimensões: a ‘dimensão artística’ e a ‘densidade semântica’. Tomando estes termos no seu sentido óbvio, sublinhamos o fato de que o tipo de competência é definido pela interseção desses dois eixos.”[1]
Ou seja, a linguagem musical é tão plena de significados quanto a linguagem escrita ou falada. Pesquisas recentes têm apontado que existe relação entre a fala de bebês e a linguagem musical, sendo ambas, segundo alguns pesquisadores, indistintas nos primeiros anos de vida.[2]
A música não somente parte de uma cosmovisão, como sua linguagem também pode moldar uma determinada cosmovisão, revolucionando toda uma cultura.[3] Isto tem comprovação se analisarmos os efeitos, em escala global, da música popular contemporânea. Como em nenhum outro período da História, podemos falar hoje de uma “cultura globalizada”, para cuja existência, sem dúvida, a música vem dando importante contribuição, como observou Wolfgang H. M. Stefani:
“Devido à sua disponibilidade e aceitação universal, a música popular foi identificada como ‘o mais importante ponto de união para a formação de uma cultura jovem internacional... baseada em gostos e valores comuns no mundo inteiro.’ Ao descrever a música popular como uma ‘poderosa força de ligação’, tornou-se evidente a preocupação com o fato de que ‘o grande consumo de músicas internacionalizadas, a maioria delas de origem anglo-americana, podem estar levando os jovens do mundo inteiro a identificar-se mais com a música globalizada e conseqüentemente com o estilo de vida e valores de outras sociedades que não os da própria cultura.’”[4]
No contexto de um culto, a música deve expressar a conceituação correta segundo os referenciais da Revelação, e influir na esfera em que a adoração coletiva aconteça de maneira a contribuir para que se atinja o fim apropriado – a glorificação de Deus. Imaginemos se, num sermão, um pregador proferisse que a ressurreição de Cristo não é um fato histórico. Sua linguagem verbal estaria prestando um desserviço ao culto, negando um aspecto fundamental da Revelação (a Verdade bíblica da Ressurreição do Senhor). A música, enquanto linguagem, também pode prestar um desserviço, negando aspectos fundamentais da natureza de Deus. Como no caso do sermão cético, a música pode formar, conseqüentemente, um conceito errado na cabeça dos ouvintes, por aquilo que ela está comunicando através de uma linguagem não verbal.
Neste ponto, entra a perspectiva teleológica sobre a música no culto (ou seja, do ponto de vista de seu propósito). A presença da música num culto cristão é distinta do uso musical feito pelo paganismo; enquanto que para os cristãos, canta-se para expressar a adoração (incluindo o louvor, a submissão, a gratidão, o rendimento ao Eterno, etc.), os pagãos cantam, dançam e usam tambores para provocar experiências de transe, necessárias para que a divindade se “conecte” aos adoradores.
Essa conexão entre adorador e ser adorado se torna necessária porque o deus (ou deuses) segundo o paganismo é uma entidade imanente, identificada com a natureza parcialmente (o deus das pedras, das águas, do céu, da colheita) ou totalmente (como no panteísmo, onde Deus se torna uma essência difusa imiscuída na criação). Dorneles explica que:
“A relação direta entre espírito (mundo sagrado) e o homem e a natureza (mundo profano), quer seja pela gênese dos espíritos como descendentes dos humanos, quer seja pelo fenômeno de possessão, influencia a aproximação, senão a integração entre o sagrado e o profano.” [5]
Se Dorneles estiver correto em sua observação, como o modelo pagão de adoração, que admite a “integração entre o sagrado e o profano” passou a ser seguido pelos modernos seguidores de Cristo?
Na tradição protestante, houve uma luta contra a visão católica, na qual Deus era apresentado como inacessível, de onde vinha a necessidade de muitos mediadores (os sacerdotes, os santos, os anjos, a virgem Maria) para representar o homem diante desse Deus. Contudo, em algum momento o pêndulo correu para o outro lado: um Deus representado como presente e interagindo constantemente com o ser humano, como no moderno pentecostalismo.[6] Esse “Deus do Aqui e agora” é um Deus com quem se barganha e de quem se pode solicitar ou mesmo exigir bênçãos materiais. Ele também Se manifesta por meio de “dons” (glossolalia), milagres (curas) e revelações.[7]
O cristianismo pentescostal deriva sua ênfase no emocionalismo como demonstração da bênção de Deus da visão wesleyana de uma “concepção imediata da salvação”, dentro da qual os sentimentos servem de “termômetro da experiência espiritual”.[8] Neste contexto, a música emocional e de características populares é fundamental para levar cada adorador a um estado de experiência que lhe permita “sentir” Deus e receber Suas bênçãos e dons. Há muitas aproximações entre os cultos carismáticos/pentecostais e cultos praticados pelas religiões tradicionais na África.[9]
Na história do adventismo, certos “ventos” pentecostais sopraram em determinados momentos. O episódio mais conhecido é o que envolveu o “Movimento da Carne Santa”. Através de um relato in loco, observemos como o uso de música popular foi fundamental para fomentar o “clima” necessário a fim de levar os envolvidos à experiência de transe, similar a que se dá entre os pentecostais modernos:
“Eles têm um grande bumbo, dois tamborins, um contrabaixo, dois pequenos violinos, uma flauta e duas cornetas. Seu livro de músicas é ‘Garden of Spices’ e tocam músicas dançantes com letra sagrada. Nunca usam nosso próprio hinário, exceto quando os irmãos Breed ou Haskell pregam, então eles iniciam e terminam com um hino de nosso hinário, mas todos os outros são do outro livro . Eles gritam ‘Amém’, ‘Louvado seja o Senhor’ e ‘ Glória a Deus’, como acontece nos cultos do Exército de salvação. Isso causa aflição. As doutrinas pregadas correspondem ao resto.O pobre rebanho está verdadeiramente confuso”[10]
A introdução de um tipo de adoração próxima a dos movimentos pentecostais levou um grupo oriundo do adventismo a ter “experiências” pentecostais. Com base nesta fatídica experiência, nos perguntamos se, ao copiarmos as músicas cristãs contemporâneas e as empregarmos em nossa adoração, não correríamos o risco de ser influenciados por tais músicas de tal maneira que nosso culto se modifique, o que inevitavelmente interferiria, a longo prazo, em nossa conceituação do Ser adorado?
Alguns dos cristãos que utilizam a música gospel contemporânea para garantir o “clima” de seus cultos são altamente influentes nos círculos evangélicos. Citamos, por exemplo, a conhecida cantora e compositora do ministério “Hillsong”, Darlene Zschech, autora do conhecido hino “Shout to The Lord”, traduzido e cantado em várias línguas ao redor do mundo.[11] Embora expresse em seu livro que não concorda que a adoração apenas trate de “provocar emoções nas pessoas para prepará-las para um culto guiado pela emoção”[12], Zschech descreve como utiliza o grito nos momentos em que “dirige o louvor”, não “para tentar fazer as pessoas ficarem empolgadas, nem ‘estimuladas’’, mas de maneira a incentivar “as pessoas a por a fé em ação, a clamar e mudar a atmosfera que envolve a vida delas.” Por isso, ela descreve seu grito como “um grito de fé”.[13] O mais curioso são as expectativas de Darlene Zschech para o futuro:
“Tenho uma convicção pessoal a respeito de criar a próxima geração de músicos adoradores nas coisas de Deus […] fornecer-lhes uma plataforma espiritual rica de onde se lancem, vendo-os explorar o que jamais ousamos.” [14]
Dado o número de versões que os músicos adventistas têm feito de hinos modernos, de outros segmentos cristãos, não estamos, mais do que nunca, correndo o risco de assimilar a cultura religiosa de nossa época, esquecendo-nos de que temos uma identidade singular, da qual, caso abramos mão, não teremos condições de reclamar as bênçãos de Deus para cumprir a nossa comissão? A música, aos poucos, vai sendo responsável pela mudança paradigmática no culto adventista. Como eu havia observado em LG:
“Parece incrível, mas veremos em nossas igrejas uma operação maligna, desvirtuando o propósito do próprio culto, tornando-o em uma experiência emocionalmente histérica, bastante parecida com a que encontramos em alguns cultos pentecostais. Fico me indagando se a influência da Black Music, originária das tradições pagãs da África, aonde a experiência de transe faz parte do culto, não pode estar envolvida com a mudança de paradigma musical que já vem ocorrendo, e que levará à confusão dos ‘sentidos dos seres racionais’.”
É claro que, olhando os eventos dentro do contexto de um grande conflito cósmico, entre Cristo e Satanás, a compreensão adventista das profecias nos leva a pensar na relação de toda essa mudança com o fortalecimento do movimento ecumênico. Creio que Wolfgang H. M. Stefani, melhor do que ninguém, observou esta relação já insinuada e que continua em crescente marcha:
“Parece evidente que a fim de unir socialmente todas as nações para seu engano final, nosso arquiinimigo não pode depender unicamente de ideologias políticas, acordos econômicos e mesmo de interpretações teológicas. Pode ser que ele esteja cuidadosamente planejando e desenvolvendo um ‘aderente social’ em forma de música, algo que propicie condições para unir e organizar socialmente os habitantes do mundo – comprimindo-os em um molde.
"Será que, ao se promover um estilo musical global homogeneizado – estilo cada vez mais visível na cultural musical cristã – não estaria sendo preparado um palco para uma reação de identidade religiosa global? Tal reação permitira que pessoas de todas as nações, de todos os antecedentes religiosos, viessem a dizer: ‘Sim, esta é a minha música, assim sou eu... esta é a minha música pelo fato de ela me tornar feliz e religioso, e sou parte dela; agora me sinto em casa’”[15]
A única salvaguarda para os adventistas (e para todo adorador sincero) será apegar-se à Revelação; do contrário seremos “engolidos” pelas tendências globais da música cristã. Mas, infelizmente, em muitas áreas, incluindo a música, a Revelação é relativizada, produzindo um efeito tal que beira ao ceticismo ou a negação de seu caráter normativo para a experiência do crente. Essa preocupação será abordada em nosso próximo tópico.
Leia a primeira parte
Leia a terceira parte
Leia a terceira parte
[1] Gino Stefani, “Una teoria della competenza musicale. In: Il segno della musica” (Palermo: Sellerio Editore, 1987), p. 15-35. [Versão em inglês publicada no mesmo ano como “A theory of musical competence”, Semiotica, 66-1/3 (1987): 7-22, publicado em http://www.musicaecultura.ufba.br/artigo_stefani_08.htm. Stefani fala de competência musical em termos de “um conjunto de níveis de códigos [dentro dos quais são analisados os eventos sonoros com o que se relaciona a eles ]”.
[2] Beatriz Ilari, “A música e o desenvolvimento da mente no início da vida: investigação, fatos e mitos”, disponível em http://www.rem.ufpr.br/REMv9-1/ilari.html, acesso: 21 de Agosto de 2007. A mesma autora observa que “[…] a música e a linguagem compartilham algumas propriedades acústicas como altura, ritmo e timbre, que podem ser traçadas no decorrer de toda a vida.”
[3]Falando sobre a influência do reggae na sociedade soteriopolitana, a partir da década de 70, Cunha afirma: “Mas foi principalmente com o advento do reggae na cidade[Salvador, BA] - tocado em bailes da periferia, feiras, reuniões e ensaios de blocos afro desde o final da década de 70 - que tudo começou. A música reggae tem se caracterizado, conforme Nettleford (apud Owens,1989:xi), por ser uma espécie de ‘púlpito secular’. Todavia, o reggae não se resume a tematizar as pregações acerca da fé no Messias Negro e na África/Etiópia como lugar da redenção: ele fala dos ‘sentimentos’ do rasta. Ao mesmo tempo, a música funciona como elemento ‘sugestivo’, ao suscitar a adoção de práticas a ela relacionadas no imaginário da juventude.”, Olívia Marinha Gomes da Cunha, em “Fazendo a coisa certa”.
[4] Wolfgang H. M. Stefani, “Música: Força Ecumênica?”. (Tatuí, SP, Casa Publicadora Brasileira, Revista Adventista, ago, 2000). Também na internet: http://www.musicaeadoracao.com.br/artigos/adoracao/musica_ecumenica.htm. Ele está citando Deanna Campbell Robinson et. Al., “Music at the Margins: Popular Music and Global Cultural Diversity” (London: Sage Publications, 1991), X – XI.
[5] Vanderlei Dorneles, “Cristãos em busca do êxtase” (Engenheiro Coelho, SP: UNASPRESS, 2006), 3ª Ed, p. 9. O trabalho de Dorneles é, muito provavelmente, a mais rica contribuição na área da adoração de um autor nacional.
[6] Para maiores detalhes, consultar Wolfgang Stefani, “Música sacra, cultura e adoração”.
[7] Não apenas os cristãos pentecostais partilham desta concepção. Os católicos carismáticos também fundamentam sua experiência na busca do êxtase. Note o seguinte relato: “Aqui me refiro, mais especificamente, a um episódio que pude observar durante reunião promovida pelo grupo de oração carismático ‘Glória a Ti Senhor’, da Paróquia de São Francisco Xavier, em bairro da periferia de Belém (PA). De 3 a 4 de julho de 1999, participei de uma ‘Oficina de Dons' promovida por esse grupo de oração, que se realizou num fim de semana, no auditório de uma escola de primeiro grau no bairro onde se situa a paróquia. A oficina se constituía de pregações realizadas por um jovem, pertencente a outro grupo carismático, especialmente convidado, destinando-se, sobretudo, ao núcleo do ‘Glória a Ti Senhor’ e a um pequeno grupo de recém-ingressos. Estes últimos há poucas semanas haviam participado de outra reunião, chamada ‘Querigma', ou ‘1o Seminário de Vida no Espírito’, durante a qual os mesmos foram selecionados como pessoas que ou receberam os chamados ‘dons do Espírito’ ou demonstraram ser propensas e estar desejosas de recebê-los. Muitas partes da oficina eram especialmente destinadas a esses neófitos e visavam, sobretudo, ensinar-lhes técnicas corporais capazes de propiciar ou facilitar a chamada ‘efusão do Espírito'. Chamou-me atenção, sobretudo, a técnica que foi denominada pelo jovem pregador de ‘bailar no Espírito’, ensinada na tarde do segundo dia do encontro. Tocando ao violão uma música suave, o mesmo sugeriu que todos, de pé, cada um por si e de olhos fechados, começassem a dançar, ‘entregando-se ao Senhor’, até que a maioria dos participantes, inclusive os neófitos, entrou em êxtase e ficou, então, bailando com o Senhor, de modo que, em pouco tempo, vários caíram ao solo – o que também se chama de ‘repouso no Espírito’.” Raymundo Heraldo Maués, ''Bailando com o Senhor'': técnicas corporais de culto e louvor (o êxtase e o transe como técnicas corporais) (São Paulo, SP: 2003), revista de Antropologia, vol. 46, n° 1, disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-77012003000100001&script=sci_arttext&tlng=en, grifos supridos. Mais a frente, Maués afirmará que a glossolalia (ou o falar em línguas), praticada pelos carismáticos (e, acrescentaríamos, pelos pentescostais) é “um fenômeno muito mais amplo”, usado inclusive na música “profana”; ele faz aproximações entre os carismáticos e pentecostais e o xamanismo.
[8] Dorneles, p. 87.
[9] Não nos deteremos neste assunto, mas os interessados encontrarão ampla documentação sobre as comparações entre cultos pentecostais e africanos na obra de Dorneles.
[10] Relatório de S. N. Haskell a Sara McEntenfer, 12 de Setembro de 1900, citado em Ellen White, “Música: Sua influência na vida do cristão”, p. 37. No mesmo contexto, há esse outro relato: “Eu assisti à reunião campal em setembro de 1900, que se realizou em Muncie, onde presenciei em primeira mão o excitamento fanático e as atividades destas pessoas. Havia numerosos grupos de indivíduos, espalhados pelo acampamento, ocupados em discutir, e, então, quando os fanáticos conduziram os serviços em um grande pavilhão, envolveram-se em um alto grau de excitamento pelo uso de instrumentos musicais, tais como: trompetes, flautas, instrumentos de corda, tamborins, um órgão e um grande surdo. Eles gritavam e cantavam suas músicas ritmadas com o auxílio de instrumentos musicais. Muitas vezes, após essas reuniões matinais, ao se dirigirem para a tenda-refeitório, eu os vi tremerem completamente como se tivessem contraído paralisia.” Relatório de Burton Wade a A. L. White, 12 de janeiro de 1962, idem, p. 38. O Exército da Salvação, citado no primeiro depoimento, surgiu na Inglaterra, sendo, até a atualidade, uma das mais tradicionais igrejas pentecostais.
[11] “Shout to The Lord” recebeu uma versão, “Cante ao Senhor”, e foi incorporado ao CD do Ministério Jovem de 1999 e continua fazendo parte de coletâneas adventistas até o presente.
[12] Darlene Zschech, “Adoração Extravagante”, p. 122
[13] Idem, p. 57 e 58, grifos meus.
[14] Idem, p. 156.
[15] Wolfgang H. M. Stefani, “Música: Força Ecumênica?”. Se a prórpria “modernidade religiosa“[…] leva a um ecumenismo de valores, na medida em que respeita todas as religiões” (Carlos Eduardo Sell e Franz Josef Brüseke, “Mística e Sociedade” pp. 190), não poderíamos esperar que as músicas religiosas modernas expressassem o tipo de atitude respeitosa o suficiente a ponto de promover ideais ecumênicos, como, por exemplo, a ênfase na espiritualidade subjetiva preferida a uma religiosidade mais concreta, apoiada em uma tradição objetiva?
A MÚSICA SACRA DENTRO DA COSMOVISÃO ADVENTISTA: INTERPRETANDO E APLICANDO CONCEITOS DE ELLEN WHITE - Parte 3
Para compreendemos melhor a questão da importância da Revelação na adoração, é necessário notarmos que, para os adventistas, o mundo é visto como caminhando para um fim irreversível; nestes últimos dias da História da Terra, Deus tem, então, preparado um povo, dando a ele um cabedal de verdades que devem ser anunciadas a todo mundo. A mensagem da obra de Cristo no Santuário, parte deste sistema e eixo integrador do corpo de verdades para o tempo do fim, deve atrair nossa consideração nesses últimos dias. Como afirma Ellen White:
“Encerrando-se o ministério de Jesus no lugar santo, e passando Ele para o lugar santíssimo e ficando de pé diante da arca, a qual contém a lei de Deus, enviou um outro anjo poderoso com uma terceira mensagem ao mundo. Um pergaminho foi posto na mão do anjo e descendo ele à Terra com poder e majestade, proclamou uma terrível mensagem de advertência com a mais terrível ameaça que já foi feita ao homem.Esta mensagem estava destinada a pôr os filhos de Deus de sobreaviso, mostrando-lhes a hora de tentação e angústia que diante deles estava.Disse o anjo: ‘Aqui está a perseverança dos santos, daqueles que guardam os mandamentos de Deus e tem a fé de Jesus’ Apocalipse 14:12. Ao dizer estas palavras, aponta para o santuário celestial. As mentes de todos os que abraçam esta mensagem são dirigidas ao lugar santíssimo, onde Jesus está em pé diante da arca fazendo intercessão final por todos aqueles por quem a misericórdia ainda espera, e pelos que ignorantemente terão violado a lei de Deus.”[1]
Perceba que a doutrina da purificação do santuário, justamente por ser tanto crucial para a integração da verdade (juntamente com as três mensagens angélicas, também referidas no texto), quanto por servir de advertência de que “a hora da tentação e angústia” está se aproximando, deve ocupar a consideração das “mentes de todos os que abraçam esta verdade.” O processo de aquilatar a grande Verdade da obra de Cristo no Santuário Celestial acontece na mente.
Diante da importância do papel da mente para a compreensão da verdade, surge uma série de admoestações inspiradas para cuidarmos da mente: principal, mas não unicamente, Ellen White trata dos cuidados que os adventistas têm que ter com a alimentação. Hábitos errôneos, compreendendo o comer em demasia, não seguir um regime apropriado, são responsáveis pelo “entorpecimento” e “embotamento” da mente, impedindo-a de apreciar as grandes verdades para os presentes dias.[2] Propriamente dentro deste contexto, surge a afirmação “Com a mente servimos ao Senhor”[3]
Contudo, como relacionar o cuidado que devemos manifestar no que toca à mente com o curso que a música vem tomando no moderno adventismo?
Anteriormente, mencionamos o movimento da “Carne Santa”, uma heresia que surgiu no meio do adventismo. Aquela experiência serve não apenas como um exemplo histórico da maneira pela qual tendências pentecostais se insurgiram na denominação adventista, mas fornece um síloge do futuro paradigma na adoração adventista. Notemos o que Ellen White comenta:
“As coisas que descrevestes como ocorrendo em Indiana, o Senhor revelou-me que haviam de ocorrer imediatamente antes da terminação da graça. Demonstrar-se-á tudo quanto é estranho. Haverá gritos com tambores, música e dança. Os sentidos dos seres racionais ficarão tão confundidos que não se pode confiar neles quanto a decisões retas. E isto será chamado operação do Espírito Santo. […]
“Não entrarei em toda a triste história; é demasiado. Mas em janeiro último o Senhor mostrou-me que seriam introduzidos em nossas reuniões campais teorias e métodos errôneos, e que a história do passado se repetiria. Senti-me grandemente aflita. Fui instruída a dizer que, nessas demonstrações, acham-se presentes demônios em forma de homens, trabalhando com todo o engenho que Satanás pode empregar para tornar a verdade desagradável às pessoas sensatas; que o inimigo estava procurando arranjar as coisas de maneira que as reuniões campais, que têm sido o meio de levar a verdade da terceira mensagem angélica perante as multidões, venha a perder sua força e influência."[4]
No contexto dos últimos dias, Ellen White afirma que manifestações como a ocorrida em Indiana serão a regra, não a exceção. De alguma forma, “gritos”, “tambores”, música” e “dança” acompanharão o repertório de nossa música. Obviamente, a autora relaciona essa mudança de valores musicais como um estratagema de Satanás, para confundir “os sentidos dos seres racionais”. Essa aproximação satânica com a maneira pagã de adorar seria considerada “operação do Espírito Santo”.
Já consideramos nos tópicos anteriores os fatores que têm permitido, paulatinamente, a ocorrência desse fenômeno de mudança paradigmática entre os adventistas. Somente a Revelação poderia reorientar nossa concepção musical dentro da perspectiva de nossa singularidade como movimento profético. Entrementes, a Revelação tem sido desconsiderada, mesmo no meio denominacional.
Faz-se necessário nos determos em um exemplo recente da história do Adventismo para percebermos o desenvolvimento de alguns conceitos responsáveis pelo desprestígio da Revelação. Uma das maiores crises que a Igreja Adventista enfrentou foi desencadeada quando Desmond Ford, um proeminente teólogo adventista, questionou a doutrina do santuário. Ele apresentou suas dúvidas de forma pública inicialmente em 27 de Outubro de 1979, em uma palestra sobre Hebreus 9 e suas implicações para a doutrina adventista, no Pacific Union College.[5] Diante da repercussão do fato, foram concedidas seis meses a Ford pela Associação Geral, a fim de que desenvolvesse e apresentasse suas idéias. O trabalho de Ford rendeu um texto de quase 1000 páginas que foi debatido entre teólogos adventistas, sendo possível encontrar muitas publicações sobre o ocorrido, bem como refutações à posição de Ford.[6]
O curioso é que, para sustentar sua nova compreensão sobre o santuário, Ford teve de reinterpretar os escritos de Ellen White, que para ele passaram a ser vistos como incorporando muitos dos erros de contemporâneos adventistas da autora, mais preocupados em prover uma explicação para o desapontamento do que em buscar uma perspectiva bíblica. Ellen White teria, para Ford, somente a finalidade de aconselhar de forma pastoral, sem autoridade doutrinária.[7]
Ford, certamente, não foi quem primeiro duvidou da autoridade profética de Ellen White, contudo, ele trouxe uma nova e perigosa abordagem restritiva da Revelação, limitando sua funcionalidade ao patamar “pastoral” (admoestativo). Mesmo em congregações brasileiras, nas quais geralmente o criticismo histórico raramente é encontrado, muitos dos livros de Ellen White são tratados como meros “conselhos”, como se a obediência voluntária àqueles aspectos da Revelação encontrados em tais livros não fosse relevante para a salvação ou desenvolvimento da vida cristã, mas meramente “opcional”.
O que ocorreu no caso de Ford ilustra a racionalização que tendemos a fazer quando nossa compreensão não se conforma com o que a Revelação apresenta sobre determinado assunto. Em uma esfera menor e, geralmente, de forma inconsciente, passamos a atribuir um valor reduzido ao que o profeta pronunciou ou acomodar sua mensagem às nossas preferências, sendo seletivos em relação ao que ele comunicou.
Infelizmente, no campo da adoração, que constitui um “tabu” entre os adventistas, os conselhos de Ellen White ainda são pouco explorados, e, lentamente, uma concepção popular, de influência marcadamente mais evangélica, vem substituindo os princípios especificamente adventistas. Quando estudamos os conselhos da mensageira do Senhor, reagimos inconscientemente a eles, no sentido de “enquadrá-los” em nossas preferências.
Como já vimos, entre os evangélicos é comum aceitar a fusão entre música secular e letra religiosa, embora este não seja um princípio coerente com nossa filosofia de culto. No entanto, André Gonçalves, em seu comentário a LG se aproxima da posição evangélica quando afirma:
“[…]Utilizar as palavras que a irmã White usou após uma experiência de arrebatamento para o Céu para nortear a música em termos específicos e técnicos é descontextualizar completamente o que ela escreveu.
“Usar as palavras dela, como ‘harmonia’, ‘dissonância’, ‘acordes perfeitos’, entre outras, todas, de fato, plenas de significado e intenção por parte da autora, e supor que o significado destas mesmas palavras seja equivalente ao uso das mesmas palavras hoje em dia é, no mínimo, ingênuo e provavelmente reflete uma ausência profunda de conhecimento das regras mais fundamentais de exegese.”[8]
Se bem compreendi sua afirmação, André Gonçalves está dizendo que o que Ellen White escreveu não tinha o objetivo de orientar a música em seus aspectos técnicos, principalmente porque os termos usados pela autora não encontram uma correspondência direta e simples. Cabe perguntar, em primeira estância, qual o objetivo de Ellen White fornecer conselhos sobre música se eles não servem para nortear a música de forma precisa? Evidentemente, esse mesmo tipo de raciocínio poderia ser estendido às outras áreas em que ela escreveu: como poderíamos aprender de seus conselhos na área pedagógica, se eles não se expressam em termos precisos (e/ou técnicos)? Se, enfim, estendêssemos este tipo de interpretação a tudo quanto entendemos ser a Revelação de Deus através de Ellen White, chegaríamos inevitavelmente à conclusão de que a mesma Revelação é despropositada, uma vez que seu caráter é impreciso e, portanto, indigno de confiança.
A essa altura, seria proveitoso saber o que André propõe como forma de interpretar o legado profético de Ellen White. No parágrafo posterior, André então fornece um modelo hermenêutico:
“Alguns ao contextualizarem textos da Bíblia ou da irmã White destituem esses mesmo textos de relevância para os nossos dias. Isso se torna tão perigoso quanto o uso completamente descontextualizado. O equilíbrio entre os dois é o ideal e não quero que isso soe como chavão simplório e, portanto, vou tentar explicar.
“Entender o que um texto quer dizer para a sua própria época nos ajuda a entender se o texto trata de uma aplicação de um princípio, cujo princípio pode ser encontrado através de dedução e, neste caso, oração, ou se ele trata de uma idéia imutável, portanto, um princípio. Não consigo resistir à tentação de utilizar um chavão neste momento: Todo texto fora do contexto advém de um pretexto.”[9]
Ele argumenta que a contextualização excessiva dos textos de Ellen White tira a relevância do que a autora escreveu para a nossa época, enquanto a não-contextualização é igualmente “perigosa”. André Gonçalves passa a propor um “equilíbrio” entre as duas práticas. De início, a idéia soa um tanto estranha: como seria possível um equilíbrio entre a excessiva contextualização e a não-contextualização? Teríamos, então, de objetivar uma “meia-contextualização”? Parece-nos que o autor, no decorrer de seu comentário, se expressa com maior clareza, referindo-se a um estudo meticulosamente comparado entre o que Ellen White afirmou dentro de seu contexto, buscando extrair princípios para a adoração atual.
Em LG, devido ao nosso propósito, analisamos alguns textos de Ellen White, conservando em mente sua aplicação literal mais clara, sem entrar em detalhes quanto ao contexto histórico, por uma questão de espaço, e por não ser o que nos propusemos a fazer. Embora a abordagem tencionada seja válida, um criterioso exame de como André Gonçalves empregou o método que ele mesmo propôs nos revela o reducionismo, talvez inconsciente, da contextualização dos escritos de Ellen White. Gonçalves restringe todo o cenário musical norte-americano no século XIX à influência do “Bel-canto”, estilo italiano característico da música lírica (especialmente óperas).[10]
Para resgatarmos o contexto em que Ellen White escreveu, temos necessidade de buscar entender que o século XIX constiuiu-se de uma era de despertamentos religiosos em solo americano. Ainda em 1800, Francis-Asbury, considerado o primeiro pregador itinerante, iniciava as reuniões campais de reavivamentos, chamadas de “Camp meetings”.[11] Visando alcançar o povo individualista e isolado que vivia na fronteira, os evangélicos daquela época mudaram sua abordagem, focalizando na “experiência de conversão profunda” para promover novas conversões. Na dinamicidade do processo, a religião passou a ser redefinida “em termos de emoção, no mesmo tempo que contribuía para negligenciar a teologia, a doutrina e o elemento cognitivo da crença.” Notoriamente, essa mudança no paradigma religioso levou a uma reestruturação do sistema de culto, que passou a incorporar “linguagem simples do povo e músicas populares”. [12] Note esta descrição de tais reuniões:
“‘Tenho visto presbiterianos, metodistas, quacres, batistas, anglicanos e independentes, todos tomados de sacudidelas; cavalheiros e damas, negros e brancos, velhos e moços, ricos e pobres sem exceção. […]
“Era a noite que o frenesi reavivamentista alcançava a intensidade máxima. Ao clarão das fogueiras que rodeavam o campo, os pregadores iam por entre a turba exortando aos pecadores a arrependerem-se para escapar do fogo do inferno. O canto se avolumava, transformando-se em portentoso rugido, os brados abalavam a terra, homens e mulheres sacudiam-se, saltavam ou rolavam pelo chão até que desmaiavam e tinham de ser carregados. Entre soluços, gemidos e gritos homens e mulheres apertavam as mãos uns dos outros e davam vazão a todas as suas frustrações e emoções em grandes transportes vocais que culminavam no ‘êxtase do canto’.”[13]
A influência da música cantada nos camp meetings atravessou o movimento milerita e demorou até ser sistematicamente rejeitada pelos primeiros hinários adventistas[14]. Reapareceu, contudo, durante o episódio da Carne Santa, que, à luz da História do evangelicalismo americano se torna ainda mais verossímil.
Na área secular, a influência da agitação religiosa também ajudava a criar um novo gênero, que marcaria a musicalidade norte-americana: o jazz. O homem negro, trazido da África como escravo, foi inserido no contexto musical americano, misturando a sua musicalidade primitiva àquela que encontrou no continente novo. Nos campos do Sul dos Estados Unidos, os escravos se comunicavam através dos “hollers”, gritos que funcionavam como uma espécie de sonar, e do qual várias canções se desenvolveram. Dentro desse cenário musical, a figura do “griot” desempenha importante papel: nas tribos da costa ocidental da África, eles ocupavam uma função social e religiosa de destaque.[15] A adesão da tradição musical africana no movimento reavivamentista desenvolveu um novo tipo de música profana, como observamos em LG:
“A Black Music nasceu dos antigos Negro-spirituals, canções folclóricas de fundo religioso, cantadas pelos escravos africanos nos Estados Unidos. Os spirituals não apenas deram origem ao gospel, mas a uma gama de estilos negros.”
A afinidade entre a música africana e a dos movimentos cristãos norte-americanos ultrapassou o período dos reavivamentos e se perpetuou nos movimentos pentecostais. Dorneles observa:
“O pentecostalismo, possuído pela ênfase na experiência tangível da salvação, encontrou nos elementos culturais africanos uma forma adequada de expressão. Essa forma incorporada ao culto abre espaço para uma liturgia emocional e corporal”[16]
A música profana da época recebeu direta influência da música negra, como também de várias outras culturas, que foram se imiscuindo, para criar as condições necessárias ao surgimento do Jazz. Com efeito:
“A ópera francesa, a canção popular, a música napolitana, os tambores africanos […], o ritmo haitiano, a melodia cubana, os refrões satíricos dos crioulos, os spirituals e os blues americanos, o ragtime, a música popular da época – tudo isso se fazia ouvir lado a lado nas ruas [de New Orleans].”[17]
É digno de nota a relação, tanto devido à proximidade geográfica, quanto à afinidade de ritmos entre o jazz e a música latino-americano (“o ritmo haitiano” e “a melodia cubana”). A História das Américas releva que os negros estiveram lado a lado com os conquistadores espanhóis, sendo que em “alguns casos, até os próprios líderes coloniais eram negros, como Estebanico” e “Juan Valiente”, que fizeram expedições às terras que hoje pertencem, respectivamente, ao México e ao Chile. “Entre 1502 e 1518, centenas de negros emigraram” para as Américas; os colonos negros, que moravam antes na Península Ibérica, já haviam “substituído a cultura africana original pela cultura moura (árabe)”, isto porque os árabes dominaram a Espanha desde o século VIII, e o ano em que Colombo partiu (1492) também havia marcado a queda do último “bastião dos mouros”. Quando a Espanha chegou a primazia no tráfico de escravos, estes provinham da África ocidental, “países com distintos padrões de cultura árabe”. Na Espanha, a tolerância aos costumes dos escravos era maior, por haverem influências árabes tanto na cultura espanhola como na de seus escravos africanos. A presença de elementos árabes nas culturas africanas e latino-americanas contribuiu para a formação de gêneros tipicamente norte-americanos, como o blues e o jazz. E o processo de “incrementação” da música negra nos Estados Unidos se deu ainda no século XIX.[18]
Tais informações históricas tornam-se úteis para entendermos as origens da música em desenvolvimento no período no qual foram dadas as advertências inspiradas, como a que consta no seguinte texto de Ellen G. White:
“Foi-me mostrado que a juventude necessita assumir posição mais alta e fazer da Palavra de Deus sua conselheira e guia. Solenes responsabilidades repousam sobre os jovens, as quais eles levianamente consideram. A introdução de música em seus lares, em vez de incitá-los à santidade e espiritualidade, tem sido um meio de desviar-lhes a mente da verdade. Canções frívolas e peças de música popular do dia parecem compatíveis com seus gostos. Os instrumentos de música têm tomado o tempo que devia ter sido dedicado à oração. A música, quando não abusiva, é uma grande bênção; mas quando usada erroneamente, é uma terrível maldição. Ela estimula, mas não comunica a força e a coragem que o cristão só pode encontrar no trono da graça enquanto humildemente faz conhecidas suas necessidades e, com fortes clamores e lágrimas, suplica força celestial para se fortificar contra as poderosas tentações do maligno. Satanás está levando cativa a juventude. Oh, que posso eu dizer para levá-los a quebrar seu poder de sedução! Ele é um hábil sedutor para levá-los à perdição.”[19]
Quando Ellen White comenta os efeitos danosos que a “música popular” de seus dias causava sobre os jovens, desviando-lhes “a mente da verdade”, temos de entender sua orientação dentro de uma “época em que o ‘jazz’ começava a se generalizar.”[20] Mais uma vez, a preocupação é com a mente e com suas condições de receber, entender e aceitar o conjunto de verdades que Deus tem para o tempo do fim.
Merece a nossa atenção o fato de no século XIX, a cultura musical, tanto a religiosa quanto a secular, sofreram inúmeras influências, rompendo antigos padrões. É claro que o surgimento de uma atitude descompromissada se comparada às convenções estabelecidas dentro do protestantismo histórico em detrimento do sincretismo entre culturas influenciadas pelo emocionalismo cúltico, também foi um fenômeno perfeitamente explicado pelo surgimento do Romantismo, que se insurgia contra a autoridade, quer no âmbito particular ou público. “Este espírito foi incentivado pela Revolução Francesa”, responsável por muitos dos princípios da modernidade. Agora, a “partir de uma perspectiva protestante, a música se tornou carregada de emocionalismo”, perdendo de vista qualquer senso de responsabilidade.[21]
Assim, tornava-se ainda mais imperativo que Deus fornecesse informações concretas para o povo adventista, vivendo instantes antes do advento, a fim de não lhes deixar a mercê de critérios subjetivos, uma vez que tais critérios os levariam a cultivar uma qualidade de música tão emocional como os evangélicos contemporâneos deles. No entanto, é justo perguntarmos: O que de prático podemos mensurar dos conselhos de Ellen White a respeito da música? Teria sido ela clara o suficiente ao abordar o assunto, ou deu orientações que pudessem ser interpretadas de formas diversas, até mutuamente excludentes?
É certo que não há de se esperar uma linguagem musical técnica nos escritos de Ellen White, tendo em vista que a autora não tinha formação musical, e não escreve pensando apenas naqueles que são músicos profissionais; contudo, o cunho de seus escritos reflete uma filosofia musical que (caso aceitemos o fato de ela ser a “mensageira do Senhor”) expressa a vontade de Deus para o Seu povo. Samuel Krähenbühl argumenta:
"Algumas pessoas podem afirmar em tom irônico que Ellen não nos deixou partituras. Mas reflitamos: seus conselhos foram em sua maioria de cunho filosófico. Entretanto, a Música Filosófica está intimamente relacionada com a Música Notação."[22]
Inferimos, portanto, que a Revelação de Deus a Ellen White abrange princípios, que o músico cristão se preocupará em seguir. Emily Akuno, professora adventista de música, cuja influência é reconhecida no Quênia, seu país de origem, afirma:
“[…] Como adventista, quero usar a música para transmitir valores corretos. Para atingir esse objetivo, uso os dons que Deus me concedeu para ensinar meus alunos de tal modo que possam fazer decisões sábias na utilização de seus talentos musicais. Minha fé também me orienta e ajuda na escolha das músicas que utilizo. Isso não significa que trabalho apenas com música sacra, mas deixo meus valores cristãos influenciarem minha perspectiva de música, tanto a sacra como a secular, clássica ou contemporânea.”[23]
A despeito de não utilizar linguagem musical técnica, os princípios encontrados na Revelação de Deus à Ellen White abrangem a todos, inclusive os músicos profissionais, que devem se pautar pelos mesmos princípios, ao compor, interpretar, tocar ou reger a música durante o culto. Entre os seus escritos, encontramos um testemunho de Ellen White a um regente, que, embora fosse possuidor de “conhecimento musical”, possuía uma “formação em música foi do tipo a adequar-se mais ao palco do que ao solene culto de Deus”. Ela lhe advertiu que “qualquer excentricidade ou peculiaridade cultivadas [no canto] atrai a atenção ao do povo e destrói a impressão séria e solene que deveriam ser o resultado da música sagrada. Qualquer coisa excêntrica e estranha no canto deprecia a seriedade e caráter sagrado do serviço religioso.” Especificamente, Ellen White se refere à sua “voz alta e estridente”, ao seu excessivo “movimento corporal durante o canto” e ao fato de que o referido “irmão” “tem se tornado desencorajado e não quer fazer nada” quando se vê questionado.[24] Por esse exemplo, fica notório o fato de a Revelação situa-se acima da autoridade meramente acadêmica, o que vale para qualquer área em geral e, em nosso caso específico, para a área musical.
Das orientações de Ellen White, estudiosos adventistas têm extraído diversas características da música cristã, que, embora não sejam exaustivas, nos ajudam a ter critérios mais concretos. Enquanto André Gonçalves entende que o “grande princípio que permeia as palavras da irmã White”, no que diz respeito à música, seja que toda “música cantada deve focar em primeiro lugar a clareza da mensagem”, outros autores tem destacado, quer de forma literal, quer por dedução e aplicação indireta, entre outros diversos fatores, os seguintes: cantar de forma harmoniosa e dominada, fazer uso da expressão correta (sem “chiados”, voz “rouquenha” ou de forma gritada, comuns aos músicos populares), não usar dissonâncias não resolvidas (como na música popular ou erudita contemporânea), empregar música solene, evitar todo tipo de estridência vocal, não fazer da música um ato de exibição teatral (como nas óperas), preparar-se adequadamente para dirigir ou apresentar a música na igreja (sem restringi-la a alguns poucos), não utilizar música muito ritmada (cujo ritmo seja facilmente identificado com algum gênero popular), cantar com espírito e entendimento.[25]
"A capacidade de discernir entre o que é reto e o que não o é, podemos possuí-la unicamente pela confiança individual em Deus. Cada um deve aprender por si, com auxílio dEle, mediante a Sua Palavra. A nossa capacidade de raciocinar foi-nos dada para que a usássemos, e Deus quer que seja exercitada." [27]
O primeiro documento oficial dos adventistas do sétimo dia sobre a música afirma, a certa altura, que o cristão:
"Considerará músicas como "blues", "jazz", o estilo "rock" e formas similares como inimigas do desenvolvimento do caráter cristão, porque abrem a mente a pensamentos impuros a levam ao comportamento não santificado. Tais tipos de música têm uma direta relação com o ‘comportamento permissivo’ da sociedade contemporânea. A distorção do ritmo, da melodia, e da harmonia como empregados nestes gêneros de música e sua excessiva amplificação, embotam a sensibilidade e finalmente destroem a apreciação por aquilo que é bom e santo."[28]
Se este documento se apóia em princípios da Revelação, porque hoje assistimos apresentações musicais com os ritmos mencionados (“blues”, “jazz”, “rock” e “formas similares”) realizadas por cantores adventistas? No decurso de trinta anos, o tipo de música que antes destruía “a apreciação por aquilo que é bom e santo” passou a ser ele mesmo bom e santo? Esta mudança não indicaria uma rejeição sistemática, embora não-voluntária ou consciente, dos princípios revelados? Os líderes da Igreja Adventista na América do Sul coadunam com o pensamento de que não podemos nivelar nossa concepção musical pelos gêneros populares. Tanto que aprovaram um documento em anexo às orientações mundiais para orientar a música no território sul-americano. No que tange à música propriamente dita, os princípios são assim colocados:
“II. A Música
1 - Glorifica a Deus e ajuda os ouvintes a adorá-Lo de maneira aceitável.
2 – Deve ser compatível com a mensagem, mantendo o equilíbrio entre ritmo, melodia e harmonia (I Crônicas 25:1, 6 e 7).
3 - Deve harmonizar letra e melodia, sem combinar o sagrado com o profano.
4 - Não segue tendências que abram a mente para pensamentos impuros, que levem a comportamentos pecaminosos ou que destruam a apreciação pelo que é santo e puro."A música profana ou a que seja de natureza duvidosa ou questionável, nunca dever ser introduzida em nossos cultos". – Manual da Igreja, pág. 72.
5 - Não se deixa guiar apenas pelo gosto e experiência pessoal. Os hábitos e a cultura não são guias suficientes na escolha da música. "Tenho ouvido em algumas de nossas igrejas solos que eram de todo inadequados ao culto da casa do Senhor. As notas longamente puxadas e os sons peculiares, comuns no canto de óperas, não agradam aos anjos. Eles se deleitam em ouvir os simples cantos de louvor entoados em tom natural." – Ellen White, Manuscrito 91.
6 - Não deve ser rebaixada a fim de obter conversões, mas deve elevar o pecador a Deus. (Ver Evangelismo, pág. 137.) Ellen White diz que "haveriam de ter lugar imediatamente antes da terminação da graça... gritos com tambores, música e dança. Os sentidos dos seres racionais ficarão tão confundidos que não se pode confiar neles quanto a decisões retas. E isto será chamado operação do Espírito Santo. O Espírito Santo nunca Se revela por tais métodos, em tal balbúrdia de ruído. Isto é uma invenção de Satanás para encobrir seus engenhosos métodos para anular o efeito da pura, sincera, elevadora, enobrecedora e santificante verdade para este tempo." – Mensagens Escolhidas, vol. 2, pág. 36.
7 - Provoca uma reação positiva e saudável naqueles que a ouvem.”[29]
Com esses dados, somos levados a crer que a Igreja Adventista do Sétimo Dia possui uma filosofia musical distinta, a qual não é oriunda tão somente de sua tradição religiosa, todavia provém do mesmo Deus que convocou os adventistas como povo remanescente, para transmitir a última e solene advertência, dentro da qual se inclui o convite à verdadeira adoração e a rejeição à adoração falsa. Relativizar a música, que se enquadra na adoração, é, no mínimo, desconsiderar o aspecto da Revelação que incluí o referencial sobre o assunto, ou, na pior das hipóteses, rejeitar o que Deus revelou por ser contrário ao nosso gosto, formação ou opinião. Em tudo quanto envolve a vida cristã, é necessário todo o cuidado e submissão à vontade do Senhor, porque o verdadeiro cristão é aquele que vive de “toda a palavra que procede da boca Deus” (Mat. 4:4, NVI).
[1] Primeiros Escritos, p. 254, ênfase suprida. Tive a atenção chamada para este texto pelo Pr. Sidionil Biasi, durante suas palestras no Concílio pastoral da Associação Catarinense do segundo semestre de 2007.
[2] Há uma imensa quantidade de textos que tratam da alimentação dentro das preocupações mencionadas. Seria impossível, dentro desse espaço, fazer alusão a todos, mas, em especial, mencionamos Conselho sobre saúde, p. 577 e Carta 27, 1972, citada em Mente Caráter e personalidade, vol 2, p. 392.
[3] Temperança, p. 14.
[4] Mensagens Escolhidas, vol. II, p. 36 e 37.
[5] A palestra está disponível em http://www.goodnewsunlimited.org/library/1979forum/part1.cfm e http://www.goodnewsunlimited.org/library/1979forum/part2.cfm.
[6] Em especial, consultei um trabalho de conclusão de curso, da autoria de Glauber S. de Araújo, intitulado “Desmond Ford e a doutrina do santuário: análise comparativa de duas fases distintas”, disponível em http://www.unasp.br/kerygma/pdf/tcc5_glauber_revisado.pdf.
[7] Idem, pp. 53-55.
[8] André Gonçalves, em comentário à LG.
[9] Idem.
[10] Admitimos que a ópera fazia parte do contexto muiscal de Ellen White; mas não era o único tipo de música disponível. “A ópera e o Lieder alcançavam seu apogeu, bem como as sinfonias e os concertos. Tais atrações eram apresentadas nos melhores teatros. Era o que chamamos de ‘música popular’ da época.” Samuel Krähenbühl, “Ellen G. White: Autoridade em Música?” Revista Adventista, março 1999, p. 11; também disponível em http://www.musicaeadoracao.com.br/egw/autoridade_musica.htm. Acesso: 3 de Setembro de 2007. Krähenbühl chega a relacionar, adiante, o movimento da “Carne Santa” ao surgimento do jazz.
[11] Dario Pires de Araújo, “Música Adventismo e Eternidade”, p. 14.
[12] Nancy Pearcey, “Verdade Absoluta”, p. 296.
[13] Gilbert Chase, “Do Salmo ao Jazz” (America’s music), p. 193, citado por Dario Pires de Araújo, idem.
[14] Em 1843, no auge do Milerismo, Joshua Himes, importante colaborador e responsável pela “arrancada” evangelística de William Miler, publicou “The Millenial Harp”, uma coletânea com mais de cânticos, moldados pela tradição reavivamentista. Entre o grupo que posteriormente se chamaria “Adventistas do Sétimo Dia”, a herança reavivamentista foi sendo depurada; na segunda coletânea adventista, organinada por James (Tiago) White, “Hymns and Spirituals Songs for Camp- Meetings and Other Religious Gatherings”, ao invés do que o nome possa sugerir, o paradigma musical das antigas reuniões de reavivamento deixou marcas insignificantes. Cf.: Dario Pires de Araújo, idem, p. 20-22.
[15] Roberto Muggiati, “Blues: da lama à fama” (São Paulo, SP: Editora 34, 1995), 1ª reimpressão, p. 10 e 11.
[16]Dorneles, p. 88
[17] François Billard, “A vida cotidiana no mundo do Jazz” (São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2001), p. 17. No mesmo contexto, o autor liga o surgimento do jazz ao carnaval de rua de New Orleans.
[18]Gunnar Lindgren, “Las raíces árabes del Jazz y los Blues”, disponível em: http://64.233.169.104/search?q=cache:TpOpzqMQ2RkJ:www.unesco.org/imc-OLD/mmap/pdf/prod-lindgren-s.pdf+%C3%A1rabe+%2B+melisma&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=4&gl=br, acesso: 29 de Agosto de 2007.
[19] Ellen G. White, Testimonies, vol. 1, págs. 496 e 497, grifos supridos.
[20] Dario Pires de Araújo, idem, p. 45.
[21] Adrian Ebens “A Música na Adoração: Fontes para um modelo cristão de música na adoração”, publicado em http://www.musicaeadoracao.com.br/livros/musica_adoracao/index.htm, acesso: 10 de Agosto de 2007.
[22]Samuel Krähenbühl Fonte, “Ellen G. White: Autoridade em Música?”.
[23] Emily Akuno, “Diálogo com uma professora adventista no Quênia”; entrevista cedida a Hudson E. Kibuuka (Silver Spring, MD: CAUPA, 2006), vol. 18, n° 3, p. 18.
[24] “Ellen White, Manuscript Releases Volume 5, Manuscript nr. 306 – Music, p. 194 – 197 ("Testimony Concerning Brother Stockings," circa 1874.) disponível em http://www.musicaeadoracao.com.br/egw/testemunho_regente.htm, sob o título “ Testemunho a um Sensível Regente de Coro”.
[25] Muitas compilações, resumos e estudos foram feitos; os interessados podem encontrar um catálogo de materiais sobre o assunto em http://www.musicaeadoracao.com.br/egw/index.htm; para uma síntese geral, poderá ser consultado Horne P. Silva, "Adoração Aceitável", Ministério, ano 73, n° 3, Mai./Jun. 2002, disponível em sob o título “Música Aceitável”, em http://questaodeconfianca.blogspot.com/2007/07/msica-aceitvel.html.
[26]“A música é um elemento mas os artistas e compositores não são neutros. Ou você é de Deus ou do inimigo.”, Flávio Santos, “Músicos Cristãos: Ministros ou Artistas?”, em http://www.flaviosantos.com.br/artigos/ministros.htm. Se a música é um elemento, podemos concluir que ela não é importante em si mesma,ou que, desde que a letra seja “religiosa”, o tipo de música não mereça consideração alguma; mas o uso que dela fizermos dependerá de nossa integridade enquanto cristãos. Obviamente, rejeitamos esta concepção, considerando os tópicos anteriores deste artigo.
[27] E. G. White, Educação, p. 231.
[28] “Filosofia Adventista de Música”(Diretrizes Relativas a uma Filosofia de Música da Igreja Adventista do Sétimo Dia), Assocação Geral – IASD, Concílio Outonal – 1972, disponível em http://www.musicaeadoracao.com.br/documentos/filosofia.htm.
[29]“Filosofia Adventista do Sétimo Dia com Relação à Música” (Documento Oficial da Associação Geral, votado no Concílio Anual em 13 de outubro de 2004, com o acréscimo de um adendo elaborado pela Divisão Sul Americana da IASD, com diretrizes específicas para as Igrejas da América do Sul)”, disponível em http://www.musicaeadoracao.com.br/documentos/filosofia_dsa.htm.
c) O reducionismo, tanto na abordagem histórica do contexto cultural no qual Ellen White estava inserida quando escreveu sobre a música, quanto na aplicação atual do que ela escreveu.
Para compreendemos melhor a questão da importância da Revelação na adoração, é necessário notarmos que, para os adventistas, o mundo é visto como caminhando para um fim irreversível; nestes últimos dias da História da Terra, Deus tem, então, preparado um povo, dando a ele um cabedal de verdades que devem ser anunciadas a todo mundo. A mensagem da obra de Cristo no Santuário, parte deste sistema e eixo integrador do corpo de verdades para o tempo do fim, deve atrair nossa consideração nesses últimos dias. Como afirma Ellen White:
“Encerrando-se o ministério de Jesus no lugar santo, e passando Ele para o lugar santíssimo e ficando de pé diante da arca, a qual contém a lei de Deus, enviou um outro anjo poderoso com uma terceira mensagem ao mundo. Um pergaminho foi posto na mão do anjo e descendo ele à Terra com poder e majestade, proclamou uma terrível mensagem de advertência com a mais terrível ameaça que já foi feita ao homem.Esta mensagem estava destinada a pôr os filhos de Deus de sobreaviso, mostrando-lhes a hora de tentação e angústia que diante deles estava.Disse o anjo: ‘Aqui está a perseverança dos santos, daqueles que guardam os mandamentos de Deus e tem a fé de Jesus’ Apocalipse 14:12. Ao dizer estas palavras, aponta para o santuário celestial. As mentes de todos os que abraçam esta mensagem são dirigidas ao lugar santíssimo, onde Jesus está em pé diante da arca fazendo intercessão final por todos aqueles por quem a misericórdia ainda espera, e pelos que ignorantemente terão violado a lei de Deus.”[1]
Perceba que a doutrina da purificação do santuário, justamente por ser tanto crucial para a integração da verdade (juntamente com as três mensagens angélicas, também referidas no texto), quanto por servir de advertência de que “a hora da tentação e angústia” está se aproximando, deve ocupar a consideração das “mentes de todos os que abraçam esta verdade.” O processo de aquilatar a grande Verdade da obra de Cristo no Santuário Celestial acontece na mente.
Diante da importância do papel da mente para a compreensão da verdade, surge uma série de admoestações inspiradas para cuidarmos da mente: principal, mas não unicamente, Ellen White trata dos cuidados que os adventistas têm que ter com a alimentação. Hábitos errôneos, compreendendo o comer em demasia, não seguir um regime apropriado, são responsáveis pelo “entorpecimento” e “embotamento” da mente, impedindo-a de apreciar as grandes verdades para os presentes dias.[2] Propriamente dentro deste contexto, surge a afirmação “Com a mente servimos ao Senhor”[3]
Contudo, como relacionar o cuidado que devemos manifestar no que toca à mente com o curso que a música vem tomando no moderno adventismo?
Anteriormente, mencionamos o movimento da “Carne Santa”, uma heresia que surgiu no meio do adventismo. Aquela experiência serve não apenas como um exemplo histórico da maneira pela qual tendências pentecostais se insurgiram na denominação adventista, mas fornece um síloge do futuro paradigma na adoração adventista. Notemos o que Ellen White comenta:
“As coisas que descrevestes como ocorrendo em Indiana, o Senhor revelou-me que haviam de ocorrer imediatamente antes da terminação da graça. Demonstrar-se-á tudo quanto é estranho. Haverá gritos com tambores, música e dança. Os sentidos dos seres racionais ficarão tão confundidos que não se pode confiar neles quanto a decisões retas. E isto será chamado operação do Espírito Santo. […]
“Não entrarei em toda a triste história; é demasiado. Mas em janeiro último o Senhor mostrou-me que seriam introduzidos em nossas reuniões campais teorias e métodos errôneos, e que a história do passado se repetiria. Senti-me grandemente aflita. Fui instruída a dizer que, nessas demonstrações, acham-se presentes demônios em forma de homens, trabalhando com todo o engenho que Satanás pode empregar para tornar a verdade desagradável às pessoas sensatas; que o inimigo estava procurando arranjar as coisas de maneira que as reuniões campais, que têm sido o meio de levar a verdade da terceira mensagem angélica perante as multidões, venha a perder sua força e influência."[4]
No contexto dos últimos dias, Ellen White afirma que manifestações como a ocorrida em Indiana serão a regra, não a exceção. De alguma forma, “gritos”, “tambores”, música” e “dança” acompanharão o repertório de nossa música. Obviamente, a autora relaciona essa mudança de valores musicais como um estratagema de Satanás, para confundir “os sentidos dos seres racionais”. Essa aproximação satânica com a maneira pagã de adorar seria considerada “operação do Espírito Santo”.
Já consideramos nos tópicos anteriores os fatores que têm permitido, paulatinamente, a ocorrência desse fenômeno de mudança paradigmática entre os adventistas. Somente a Revelação poderia reorientar nossa concepção musical dentro da perspectiva de nossa singularidade como movimento profético. Entrementes, a Revelação tem sido desconsiderada, mesmo no meio denominacional.
Faz-se necessário nos determos em um exemplo recente da história do Adventismo para percebermos o desenvolvimento de alguns conceitos responsáveis pelo desprestígio da Revelação. Uma das maiores crises que a Igreja Adventista enfrentou foi desencadeada quando Desmond Ford, um proeminente teólogo adventista, questionou a doutrina do santuário. Ele apresentou suas dúvidas de forma pública inicialmente em 27 de Outubro de 1979, em uma palestra sobre Hebreus 9 e suas implicações para a doutrina adventista, no Pacific Union College.[5] Diante da repercussão do fato, foram concedidas seis meses a Ford pela Associação Geral, a fim de que desenvolvesse e apresentasse suas idéias. O trabalho de Ford rendeu um texto de quase 1000 páginas que foi debatido entre teólogos adventistas, sendo possível encontrar muitas publicações sobre o ocorrido, bem como refutações à posição de Ford.[6]
O curioso é que, para sustentar sua nova compreensão sobre o santuário, Ford teve de reinterpretar os escritos de Ellen White, que para ele passaram a ser vistos como incorporando muitos dos erros de contemporâneos adventistas da autora, mais preocupados em prover uma explicação para o desapontamento do que em buscar uma perspectiva bíblica. Ellen White teria, para Ford, somente a finalidade de aconselhar de forma pastoral, sem autoridade doutrinária.[7]
Ford, certamente, não foi quem primeiro duvidou da autoridade profética de Ellen White, contudo, ele trouxe uma nova e perigosa abordagem restritiva da Revelação, limitando sua funcionalidade ao patamar “pastoral” (admoestativo). Mesmo em congregações brasileiras, nas quais geralmente o criticismo histórico raramente é encontrado, muitos dos livros de Ellen White são tratados como meros “conselhos”, como se a obediência voluntária àqueles aspectos da Revelação encontrados em tais livros não fosse relevante para a salvação ou desenvolvimento da vida cristã, mas meramente “opcional”.
O que ocorreu no caso de Ford ilustra a racionalização que tendemos a fazer quando nossa compreensão não se conforma com o que a Revelação apresenta sobre determinado assunto. Em uma esfera menor e, geralmente, de forma inconsciente, passamos a atribuir um valor reduzido ao que o profeta pronunciou ou acomodar sua mensagem às nossas preferências, sendo seletivos em relação ao que ele comunicou.
Infelizmente, no campo da adoração, que constitui um “tabu” entre os adventistas, os conselhos de Ellen White ainda são pouco explorados, e, lentamente, uma concepção popular, de influência marcadamente mais evangélica, vem substituindo os princípios especificamente adventistas. Quando estudamos os conselhos da mensageira do Senhor, reagimos inconscientemente a eles, no sentido de “enquadrá-los” em nossas preferências.
Como já vimos, entre os evangélicos é comum aceitar a fusão entre música secular e letra religiosa, embora este não seja um princípio coerente com nossa filosofia de culto. No entanto, André Gonçalves, em seu comentário a LG se aproxima da posição evangélica quando afirma:
“[…]Utilizar as palavras que a irmã White usou após uma experiência de arrebatamento para o Céu para nortear a música em termos específicos e técnicos é descontextualizar completamente o que ela escreveu.
“Usar as palavras dela, como ‘harmonia’, ‘dissonância’, ‘acordes perfeitos’, entre outras, todas, de fato, plenas de significado e intenção por parte da autora, e supor que o significado destas mesmas palavras seja equivalente ao uso das mesmas palavras hoje em dia é, no mínimo, ingênuo e provavelmente reflete uma ausência profunda de conhecimento das regras mais fundamentais de exegese.”[8]
Se bem compreendi sua afirmação, André Gonçalves está dizendo que o que Ellen White escreveu não tinha o objetivo de orientar a música em seus aspectos técnicos, principalmente porque os termos usados pela autora não encontram uma correspondência direta e simples. Cabe perguntar, em primeira estância, qual o objetivo de Ellen White fornecer conselhos sobre música se eles não servem para nortear a música de forma precisa? Evidentemente, esse mesmo tipo de raciocínio poderia ser estendido às outras áreas em que ela escreveu: como poderíamos aprender de seus conselhos na área pedagógica, se eles não se expressam em termos precisos (e/ou técnicos)? Se, enfim, estendêssemos este tipo de interpretação a tudo quanto entendemos ser a Revelação de Deus através de Ellen White, chegaríamos inevitavelmente à conclusão de que a mesma Revelação é despropositada, uma vez que seu caráter é impreciso e, portanto, indigno de confiança.
A essa altura, seria proveitoso saber o que André propõe como forma de interpretar o legado profético de Ellen White. No parágrafo posterior, André então fornece um modelo hermenêutico:
“Alguns ao contextualizarem textos da Bíblia ou da irmã White destituem esses mesmo textos de relevância para os nossos dias. Isso se torna tão perigoso quanto o uso completamente descontextualizado. O equilíbrio entre os dois é o ideal e não quero que isso soe como chavão simplório e, portanto, vou tentar explicar.
“Entender o que um texto quer dizer para a sua própria época nos ajuda a entender se o texto trata de uma aplicação de um princípio, cujo princípio pode ser encontrado através de dedução e, neste caso, oração, ou se ele trata de uma idéia imutável, portanto, um princípio. Não consigo resistir à tentação de utilizar um chavão neste momento: Todo texto fora do contexto advém de um pretexto.”[9]
Ele argumenta que a contextualização excessiva dos textos de Ellen White tira a relevância do que a autora escreveu para a nossa época, enquanto a não-contextualização é igualmente “perigosa”. André Gonçalves passa a propor um “equilíbrio” entre as duas práticas. De início, a idéia soa um tanto estranha: como seria possível um equilíbrio entre a excessiva contextualização e a não-contextualização? Teríamos, então, de objetivar uma “meia-contextualização”? Parece-nos que o autor, no decorrer de seu comentário, se expressa com maior clareza, referindo-se a um estudo meticulosamente comparado entre o que Ellen White afirmou dentro de seu contexto, buscando extrair princípios para a adoração atual.
Em LG, devido ao nosso propósito, analisamos alguns textos de Ellen White, conservando em mente sua aplicação literal mais clara, sem entrar em detalhes quanto ao contexto histórico, por uma questão de espaço, e por não ser o que nos propusemos a fazer. Embora a abordagem tencionada seja válida, um criterioso exame de como André Gonçalves empregou o método que ele mesmo propôs nos revela o reducionismo, talvez inconsciente, da contextualização dos escritos de Ellen White. Gonçalves restringe todo o cenário musical norte-americano no século XIX à influência do “Bel-canto”, estilo italiano característico da música lírica (especialmente óperas).[10]
Para resgatarmos o contexto em que Ellen White escreveu, temos necessidade de buscar entender que o século XIX constiuiu-se de uma era de despertamentos religiosos em solo americano. Ainda em 1800, Francis-Asbury, considerado o primeiro pregador itinerante, iniciava as reuniões campais de reavivamentos, chamadas de “Camp meetings”.[11] Visando alcançar o povo individualista e isolado que vivia na fronteira, os evangélicos daquela época mudaram sua abordagem, focalizando na “experiência de conversão profunda” para promover novas conversões. Na dinamicidade do processo, a religião passou a ser redefinida “em termos de emoção, no mesmo tempo que contribuía para negligenciar a teologia, a doutrina e o elemento cognitivo da crença.” Notoriamente, essa mudança no paradigma religioso levou a uma reestruturação do sistema de culto, que passou a incorporar “linguagem simples do povo e músicas populares”. [12] Note esta descrição de tais reuniões:
“‘Tenho visto presbiterianos, metodistas, quacres, batistas, anglicanos e independentes, todos tomados de sacudidelas; cavalheiros e damas, negros e brancos, velhos e moços, ricos e pobres sem exceção. […]
“Era a noite que o frenesi reavivamentista alcançava a intensidade máxima. Ao clarão das fogueiras que rodeavam o campo, os pregadores iam por entre a turba exortando aos pecadores a arrependerem-se para escapar do fogo do inferno. O canto se avolumava, transformando-se em portentoso rugido, os brados abalavam a terra, homens e mulheres sacudiam-se, saltavam ou rolavam pelo chão até que desmaiavam e tinham de ser carregados. Entre soluços, gemidos e gritos homens e mulheres apertavam as mãos uns dos outros e davam vazão a todas as suas frustrações e emoções em grandes transportes vocais que culminavam no ‘êxtase do canto’.”[13]
A influência da música cantada nos camp meetings atravessou o movimento milerita e demorou até ser sistematicamente rejeitada pelos primeiros hinários adventistas[14]. Reapareceu, contudo, durante o episódio da Carne Santa, que, à luz da História do evangelicalismo americano se torna ainda mais verossímil.
Na área secular, a influência da agitação religiosa também ajudava a criar um novo gênero, que marcaria a musicalidade norte-americana: o jazz. O homem negro, trazido da África como escravo, foi inserido no contexto musical americano, misturando a sua musicalidade primitiva àquela que encontrou no continente novo. Nos campos do Sul dos Estados Unidos, os escravos se comunicavam através dos “hollers”, gritos que funcionavam como uma espécie de sonar, e do qual várias canções se desenvolveram. Dentro desse cenário musical, a figura do “griot” desempenha importante papel: nas tribos da costa ocidental da África, eles ocupavam uma função social e religiosa de destaque.[15] A adesão da tradição musical africana no movimento reavivamentista desenvolveu um novo tipo de música profana, como observamos em LG:
“A Black Music nasceu dos antigos Negro-spirituals, canções folclóricas de fundo religioso, cantadas pelos escravos africanos nos Estados Unidos. Os spirituals não apenas deram origem ao gospel, mas a uma gama de estilos negros.”
A afinidade entre a música africana e a dos movimentos cristãos norte-americanos ultrapassou o período dos reavivamentos e se perpetuou nos movimentos pentecostais. Dorneles observa:
“O pentecostalismo, possuído pela ênfase na experiência tangível da salvação, encontrou nos elementos culturais africanos uma forma adequada de expressão. Essa forma incorporada ao culto abre espaço para uma liturgia emocional e corporal”[16]
A música profana da época recebeu direta influência da música negra, como também de várias outras culturas, que foram se imiscuindo, para criar as condições necessárias ao surgimento do Jazz. Com efeito:
“A ópera francesa, a canção popular, a música napolitana, os tambores africanos […], o ritmo haitiano, a melodia cubana, os refrões satíricos dos crioulos, os spirituals e os blues americanos, o ragtime, a música popular da época – tudo isso se fazia ouvir lado a lado nas ruas [de New Orleans].”[17]
É digno de nota a relação, tanto devido à proximidade geográfica, quanto à afinidade de ritmos entre o jazz e a música latino-americano (“o ritmo haitiano” e “a melodia cubana”). A História das Américas releva que os negros estiveram lado a lado com os conquistadores espanhóis, sendo que em “alguns casos, até os próprios líderes coloniais eram negros, como Estebanico” e “Juan Valiente”, que fizeram expedições às terras que hoje pertencem, respectivamente, ao México e ao Chile. “Entre 1502 e 1518, centenas de negros emigraram” para as Américas; os colonos negros, que moravam antes na Península Ibérica, já haviam “substituído a cultura africana original pela cultura moura (árabe)”, isto porque os árabes dominaram a Espanha desde o século VIII, e o ano em que Colombo partiu (1492) também havia marcado a queda do último “bastião dos mouros”. Quando a Espanha chegou a primazia no tráfico de escravos, estes provinham da África ocidental, “países com distintos padrões de cultura árabe”. Na Espanha, a tolerância aos costumes dos escravos era maior, por haverem influências árabes tanto na cultura espanhola como na de seus escravos africanos. A presença de elementos árabes nas culturas africanas e latino-americanas contribuiu para a formação de gêneros tipicamente norte-americanos, como o blues e o jazz. E o processo de “incrementação” da música negra nos Estados Unidos se deu ainda no século XIX.[18]
Tais informações históricas tornam-se úteis para entendermos as origens da música em desenvolvimento no período no qual foram dadas as advertências inspiradas, como a que consta no seguinte texto de Ellen G. White:
“Foi-me mostrado que a juventude necessita assumir posição mais alta e fazer da Palavra de Deus sua conselheira e guia. Solenes responsabilidades repousam sobre os jovens, as quais eles levianamente consideram. A introdução de música em seus lares, em vez de incitá-los à santidade e espiritualidade, tem sido um meio de desviar-lhes a mente da verdade. Canções frívolas e peças de música popular do dia parecem compatíveis com seus gostos. Os instrumentos de música têm tomado o tempo que devia ter sido dedicado à oração. A música, quando não abusiva, é uma grande bênção; mas quando usada erroneamente, é uma terrível maldição. Ela estimula, mas não comunica a força e a coragem que o cristão só pode encontrar no trono da graça enquanto humildemente faz conhecidas suas necessidades e, com fortes clamores e lágrimas, suplica força celestial para se fortificar contra as poderosas tentações do maligno. Satanás está levando cativa a juventude. Oh, que posso eu dizer para levá-los a quebrar seu poder de sedução! Ele é um hábil sedutor para levá-los à perdição.”[19]
Quando Ellen White comenta os efeitos danosos que a “música popular” de seus dias causava sobre os jovens, desviando-lhes “a mente da verdade”, temos de entender sua orientação dentro de uma “época em que o ‘jazz’ começava a se generalizar.”[20] Mais uma vez, a preocupação é com a mente e com suas condições de receber, entender e aceitar o conjunto de verdades que Deus tem para o tempo do fim.
Merece a nossa atenção o fato de no século XIX, a cultura musical, tanto a religiosa quanto a secular, sofreram inúmeras influências, rompendo antigos padrões. É claro que o surgimento de uma atitude descompromissada se comparada às convenções estabelecidas dentro do protestantismo histórico em detrimento do sincretismo entre culturas influenciadas pelo emocionalismo cúltico, também foi um fenômeno perfeitamente explicado pelo surgimento do Romantismo, que se insurgia contra a autoridade, quer no âmbito particular ou público. “Este espírito foi incentivado pela Revolução Francesa”, responsável por muitos dos princípios da modernidade. Agora, a “partir de uma perspectiva protestante, a música se tornou carregada de emocionalismo”, perdendo de vista qualquer senso de responsabilidade.[21]
Assim, tornava-se ainda mais imperativo que Deus fornecesse informações concretas para o povo adventista, vivendo instantes antes do advento, a fim de não lhes deixar a mercê de critérios subjetivos, uma vez que tais critérios os levariam a cultivar uma qualidade de música tão emocional como os evangélicos contemporâneos deles. No entanto, é justo perguntarmos: O que de prático podemos mensurar dos conselhos de Ellen White a respeito da música? Teria sido ela clara o suficiente ao abordar o assunto, ou deu orientações que pudessem ser interpretadas de formas diversas, até mutuamente excludentes?
É certo que não há de se esperar uma linguagem musical técnica nos escritos de Ellen White, tendo em vista que a autora não tinha formação musical, e não escreve pensando apenas naqueles que são músicos profissionais; contudo, o cunho de seus escritos reflete uma filosofia musical que (caso aceitemos o fato de ela ser a “mensageira do Senhor”) expressa a vontade de Deus para o Seu povo. Samuel Krähenbühl argumenta:
"Algumas pessoas podem afirmar em tom irônico que Ellen não nos deixou partituras. Mas reflitamos: seus conselhos foram em sua maioria de cunho filosófico. Entretanto, a Música Filosófica está intimamente relacionada com a Música Notação."[22]
Inferimos, portanto, que a Revelação de Deus a Ellen White abrange princípios, que o músico cristão se preocupará em seguir. Emily Akuno, professora adventista de música, cuja influência é reconhecida no Quênia, seu país de origem, afirma:
“[…] Como adventista, quero usar a música para transmitir valores corretos. Para atingir esse objetivo, uso os dons que Deus me concedeu para ensinar meus alunos de tal modo que possam fazer decisões sábias na utilização de seus talentos musicais. Minha fé também me orienta e ajuda na escolha das músicas que utilizo. Isso não significa que trabalho apenas com música sacra, mas deixo meus valores cristãos influenciarem minha perspectiva de música, tanto a sacra como a secular, clássica ou contemporânea.”[23]
A despeito de não utilizar linguagem musical técnica, os princípios encontrados na Revelação de Deus à Ellen White abrangem a todos, inclusive os músicos profissionais, que devem se pautar pelos mesmos princípios, ao compor, interpretar, tocar ou reger a música durante o culto. Entre os seus escritos, encontramos um testemunho de Ellen White a um regente, que, embora fosse possuidor de “conhecimento musical”, possuía uma “formação em música foi do tipo a adequar-se mais ao palco do que ao solene culto de Deus”. Ela lhe advertiu que “qualquer excentricidade ou peculiaridade cultivadas [no canto] atrai a atenção ao do povo e destrói a impressão séria e solene que deveriam ser o resultado da música sagrada. Qualquer coisa excêntrica e estranha no canto deprecia a seriedade e caráter sagrado do serviço religioso.” Especificamente, Ellen White se refere à sua “voz alta e estridente”, ao seu excessivo “movimento corporal durante o canto” e ao fato de que o referido “irmão” “tem se tornado desencorajado e não quer fazer nada” quando se vê questionado.[24] Por esse exemplo, fica notório o fato de a Revelação situa-se acima da autoridade meramente acadêmica, o que vale para qualquer área em geral e, em nosso caso específico, para a área musical.
Das orientações de Ellen White, estudiosos adventistas têm extraído diversas características da música cristã, que, embora não sejam exaustivas, nos ajudam a ter critérios mais concretos. Enquanto André Gonçalves entende que o “grande princípio que permeia as palavras da irmã White”, no que diz respeito à música, seja que toda “música cantada deve focar em primeiro lugar a clareza da mensagem”, outros autores tem destacado, quer de forma literal, quer por dedução e aplicação indireta, entre outros diversos fatores, os seguintes: cantar de forma harmoniosa e dominada, fazer uso da expressão correta (sem “chiados”, voz “rouquenha” ou de forma gritada, comuns aos músicos populares), não usar dissonâncias não resolvidas (como na música popular ou erudita contemporânea), empregar música solene, evitar todo tipo de estridência vocal, não fazer da música um ato de exibição teatral (como nas óperas), preparar-se adequadamente para dirigir ou apresentar a música na igreja (sem restringi-la a alguns poucos), não utilizar música muito ritmada (cujo ritmo seja facilmente identificado com algum gênero popular), cantar com espírito e entendimento.[25]
Gonçalves ainda insiste que é “complicado classificar música, especialmente música sacra.” Nossa preocupação é se este tipo de afirmação poderia estar refletindo uma abordagem “liberalista” da música, sob a alegação de “ser difícil” definir o que é sacro ou não, razão pela qual deveríamos buscar santidade apenas em termos pessoais, não musicais.[26] Esta abordagem, ainda que seja muito cômoda, não nos parece convincente ou mesmo mostrar coerência, em face aos conceitos de Ellen White e a maneira pela qual têm sido interpretados pelos adventistas ao longo da história denominacional. Cabe essa consideração:
"A capacidade de discernir entre o que é reto e o que não o é, podemos possuí-la unicamente pela confiança individual em Deus. Cada um deve aprender por si, com auxílio dEle, mediante a Sua Palavra. A nossa capacidade de raciocinar foi-nos dada para que a usássemos, e Deus quer que seja exercitada." [27]
O primeiro documento oficial dos adventistas do sétimo dia sobre a música afirma, a certa altura, que o cristão:
"Considerará músicas como "blues", "jazz", o estilo "rock" e formas similares como inimigas do desenvolvimento do caráter cristão, porque abrem a mente a pensamentos impuros a levam ao comportamento não santificado. Tais tipos de música têm uma direta relação com o ‘comportamento permissivo’ da sociedade contemporânea. A distorção do ritmo, da melodia, e da harmonia como empregados nestes gêneros de música e sua excessiva amplificação, embotam a sensibilidade e finalmente destroem a apreciação por aquilo que é bom e santo."[28]
Se este documento se apóia em princípios da Revelação, porque hoje assistimos apresentações musicais com os ritmos mencionados (“blues”, “jazz”, “rock” e “formas similares”) realizadas por cantores adventistas? No decurso de trinta anos, o tipo de música que antes destruía “a apreciação por aquilo que é bom e santo” passou a ser ele mesmo bom e santo? Esta mudança não indicaria uma rejeição sistemática, embora não-voluntária ou consciente, dos princípios revelados? Os líderes da Igreja Adventista na América do Sul coadunam com o pensamento de que não podemos nivelar nossa concepção musical pelos gêneros populares. Tanto que aprovaram um documento em anexo às orientações mundiais para orientar a música no território sul-americano. No que tange à música propriamente dita, os princípios são assim colocados:
“II. A Música
1 - Glorifica a Deus e ajuda os ouvintes a adorá-Lo de maneira aceitável.
2 – Deve ser compatível com a mensagem, mantendo o equilíbrio entre ritmo, melodia e harmonia (I Crônicas 25:1, 6 e 7).
3 - Deve harmonizar letra e melodia, sem combinar o sagrado com o profano.
4 - Não segue tendências que abram a mente para pensamentos impuros, que levem a comportamentos pecaminosos ou que destruam a apreciação pelo que é santo e puro."A música profana ou a que seja de natureza duvidosa ou questionável, nunca dever ser introduzida em nossos cultos". – Manual da Igreja, pág. 72.
5 - Não se deixa guiar apenas pelo gosto e experiência pessoal. Os hábitos e a cultura não são guias suficientes na escolha da música. "Tenho ouvido em algumas de nossas igrejas solos que eram de todo inadequados ao culto da casa do Senhor. As notas longamente puxadas e os sons peculiares, comuns no canto de óperas, não agradam aos anjos. Eles se deleitam em ouvir os simples cantos de louvor entoados em tom natural." – Ellen White, Manuscrito 91.
6 - Não deve ser rebaixada a fim de obter conversões, mas deve elevar o pecador a Deus. (Ver Evangelismo, pág. 137.) Ellen White diz que "haveriam de ter lugar imediatamente antes da terminação da graça... gritos com tambores, música e dança. Os sentidos dos seres racionais ficarão tão confundidos que não se pode confiar neles quanto a decisões retas. E isto será chamado operação do Espírito Santo. O Espírito Santo nunca Se revela por tais métodos, em tal balbúrdia de ruído. Isto é uma invenção de Satanás para encobrir seus engenhosos métodos para anular o efeito da pura, sincera, elevadora, enobrecedora e santificante verdade para este tempo." – Mensagens Escolhidas, vol. 2, pág. 36.
7 - Provoca uma reação positiva e saudável naqueles que a ouvem.”[29]
Com esses dados, somos levados a crer que a Igreja Adventista do Sétimo Dia possui uma filosofia musical distinta, a qual não é oriunda tão somente de sua tradição religiosa, todavia provém do mesmo Deus que convocou os adventistas como povo remanescente, para transmitir a última e solene advertência, dentro da qual se inclui o convite à verdadeira adoração e a rejeição à adoração falsa. Relativizar a música, que se enquadra na adoração, é, no mínimo, desconsiderar o aspecto da Revelação que incluí o referencial sobre o assunto, ou, na pior das hipóteses, rejeitar o que Deus revelou por ser contrário ao nosso gosto, formação ou opinião. Em tudo quanto envolve a vida cristã, é necessário todo o cuidado e submissão à vontade do Senhor, porque o verdadeiro cristão é aquele que vive de “toda a palavra que procede da boca Deus” (Mat. 4:4, NVI).
[1] Primeiros Escritos, p. 254, ênfase suprida. Tive a atenção chamada para este texto pelo Pr. Sidionil Biasi, durante suas palestras no Concílio pastoral da Associação Catarinense do segundo semestre de 2007.
[2] Há uma imensa quantidade de textos que tratam da alimentação dentro das preocupações mencionadas. Seria impossível, dentro desse espaço, fazer alusão a todos, mas, em especial, mencionamos Conselho sobre saúde, p. 577 e Carta 27, 1972, citada em Mente Caráter e personalidade, vol 2, p. 392.
[3] Temperança, p. 14.
[4] Mensagens Escolhidas, vol. II, p. 36 e 37.
[5] A palestra está disponível em http://www.goodnewsunlimited.org/library/1979forum/part1.cfm e http://www.goodnewsunlimited.org/library/1979forum/part2.cfm.
[6] Em especial, consultei um trabalho de conclusão de curso, da autoria de Glauber S. de Araújo, intitulado “Desmond Ford e a doutrina do santuário: análise comparativa de duas fases distintas”, disponível em http://www.unasp.br/kerygma/pdf/tcc5_glauber_revisado.pdf.
[7] Idem, pp. 53-55.
[8] André Gonçalves, em comentário à LG.
[9] Idem.
[10] Admitimos que a ópera fazia parte do contexto muiscal de Ellen White; mas não era o único tipo de música disponível. “A ópera e o Lieder alcançavam seu apogeu, bem como as sinfonias e os concertos. Tais atrações eram apresentadas nos melhores teatros. Era o que chamamos de ‘música popular’ da época.” Samuel Krähenbühl, “Ellen G. White: Autoridade em Música?” Revista Adventista, março 1999, p. 11; também disponível em http://www.musicaeadoracao.com.br/egw/autoridade_musica.htm. Acesso: 3 de Setembro de 2007. Krähenbühl chega a relacionar, adiante, o movimento da “Carne Santa” ao surgimento do jazz.
[11] Dario Pires de Araújo, “Música Adventismo e Eternidade”, p. 14.
[12] Nancy Pearcey, “Verdade Absoluta”, p. 296.
[13] Gilbert Chase, “Do Salmo ao Jazz” (America’s music), p. 193, citado por Dario Pires de Araújo, idem.
[14] Em 1843, no auge do Milerismo, Joshua Himes, importante colaborador e responsável pela “arrancada” evangelística de William Miler, publicou “The Millenial Harp”, uma coletânea com mais de cânticos, moldados pela tradição reavivamentista. Entre o grupo que posteriormente se chamaria “Adventistas do Sétimo Dia”, a herança reavivamentista foi sendo depurada; na segunda coletânea adventista, organinada por James (Tiago) White, “Hymns and Spirituals Songs for Camp- Meetings and Other Religious Gatherings”, ao invés do que o nome possa sugerir, o paradigma musical das antigas reuniões de reavivamento deixou marcas insignificantes. Cf.: Dario Pires de Araújo, idem, p. 20-22.
[15] Roberto Muggiati, “Blues: da lama à fama” (São Paulo, SP: Editora 34, 1995), 1ª reimpressão, p. 10 e 11.
[16]Dorneles, p. 88
[17] François Billard, “A vida cotidiana no mundo do Jazz” (São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2001), p. 17. No mesmo contexto, o autor liga o surgimento do jazz ao carnaval de rua de New Orleans.
[18]Gunnar Lindgren, “Las raíces árabes del Jazz y los Blues”, disponível em: http://64.233.169.104/search?q=cache:TpOpzqMQ2RkJ:www.unesco.org/imc-OLD/mmap/pdf/prod-lindgren-s.pdf+%C3%A1rabe+%2B+melisma&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=4&gl=br, acesso: 29 de Agosto de 2007.
[19] Ellen G. White, Testimonies, vol. 1, págs. 496 e 497, grifos supridos.
[20] Dario Pires de Araújo, idem, p. 45.
[21] Adrian Ebens “A Música na Adoração: Fontes para um modelo cristão de música na adoração”, publicado em http://www.musicaeadoracao.com.br/livros/musica_adoracao/index.htm, acesso: 10 de Agosto de 2007.
[22]Samuel Krähenbühl Fonte, “Ellen G. White: Autoridade em Música?”.
[23] Emily Akuno, “Diálogo com uma professora adventista no Quênia”; entrevista cedida a Hudson E. Kibuuka (Silver Spring, MD: CAUPA, 2006), vol. 18, n° 3, p. 18.
[24] “Ellen White, Manuscript Releases Volume 5, Manuscript nr. 306 – Music, p. 194 – 197 ("Testimony Concerning Brother Stockings," circa 1874.) disponível em http://www.musicaeadoracao.com.br/egw/testemunho_regente.htm, sob o título “ Testemunho a um Sensível Regente de Coro”.
[25] Muitas compilações, resumos e estudos foram feitos; os interessados podem encontrar um catálogo de materiais sobre o assunto em http://www.musicaeadoracao.com.br/egw/index.htm; para uma síntese geral, poderá ser consultado Horne P. Silva, "Adoração Aceitável", Ministério, ano 73, n° 3, Mai./Jun. 2002, disponível em sob o título “Música Aceitável”, em http://questaodeconfianca.blogspot.com/2007/07/msica-aceitvel.html.
[26]“A música é um elemento mas os artistas e compositores não são neutros. Ou você é de Deus ou do inimigo.”, Flávio Santos, “Músicos Cristãos: Ministros ou Artistas?”, em http://www.flaviosantos.com.br/artigos/ministros.htm. Se a música é um elemento, podemos concluir que ela não é importante em si mesma,ou que, desde que a letra seja “religiosa”, o tipo de música não mereça consideração alguma; mas o uso que dela fizermos dependerá de nossa integridade enquanto cristãos. Obviamente, rejeitamos esta concepção, considerando os tópicos anteriores deste artigo.
[27] E. G. White, Educação, p. 231.
[28] “Filosofia Adventista de Música”(Diretrizes Relativas a uma Filosofia de Música da Igreja Adventista do Sétimo Dia), Assocação Geral – IASD, Concílio Outonal – 1972, disponível em http://www.musicaeadoracao.com.br/documentos/filosofia.htm.
[29]“Filosofia Adventista do Sétimo Dia com Relação à Música” (Documento Oficial da Associação Geral, votado no Concílio Anual em 13 de outubro de 2004, com o acréscimo de um adendo elaborado pela Divisão Sul Americana da IASD, com diretrizes específicas para as Igrejas da América do Sul)”, disponível em http://www.musicaeadoracao.com.br/documentos/filosofia_dsa.htm.
A MÚSICA SACRA DENTRO DA COSMOVISÃO ADVENTISTA: INTERPRETANDO E APLICANDO CONCEITOS DE ELLEN WHITE - Parte 4
Já tendo colocado nossa posição sobre o que tem feito os adventistas brasileiros, de forma generalizada, a admitirem um novo paradigma na adoração, trataremos a seguir das “observações pontuais” que o Pr. André Gonçalves fez no final de sua resposta a LG. Apresentaremos suas palavras ipsis litteris, inclusive, obedecendo à numeração que o autor usou, seguidas de nossa posição :
1. “Uma música santa não pode ser identificada com ritmos populares (samba, rock, axé, hip hop, sertanejo, pop, entre outros), que transmitem sentimentos e ideais mundanos (como sensualidade, protesto, revolta, satisfação egoísta, etc.).”
Já argumentamos anteriormente sobre a influência da cosmovisão na música (veja o tópico “A subjetividade de critérios filosóficos/teológicos para nortear a música cristã contemporânea"). Se adoramos a um Deus santo, tenderemos a desenvolver uma espécie de adoração cuja forma seja compatível com a reverência requerida diante de Sua santidade. Em contrapartida, ao admitirmos conceitos baseados em nosso critério pessoal ou focando em nossa satisfação, a cosmovisão desenvolvida será contrária à adventista, e, conseqüentemente, nossa adoração será diferente da que se espera como resultado da vivência propriamente adventista. Que a presença de seres santos é incompatível com determinados tipos de música popular fica evidente pelo texto seguinte:
“Voam anjos em torno de uma habitação além. Jovens estão ali reunidos; ouvem-se sons de música em canto e instrumentos. Cristãos acham-se reunidos nessa casa; mas que é que ouvis? Um cântico, uma frívola canção, própria para o salão de baile. Vede, os puros anjos recolhem para si a luz, e os que se acham naquela habitação são envolvidos pelas trevas. Os anjos afastam-se da cena. Têm a tristeza no semblante. Vede como choram! Isso vi eu repetidamente pelas fileiras dos observadores do sábado, e especialmente em ______.”1
Como se vê, nossa argumentação se vale de provas, não do “senso-comum”.2
2. A nota de rodapé nº. 10, com a qual eu concordo, que diz que “Assim como o jazz, que a influenciou, a Bossa Nova pode ser considerada uma linguagem, uma maneira de pensar e fazer música. Por ser uma concepção musical não redutível a um determinado gênero, comporta manifestações variadas: sambas (Tem dó, de Baden Powell e Vinícius de Moraes), marchas (Marcha da quarta-feira de cinzas, de Carlos Lyra e Vinícius de Moraes), valsas (Luiza, de Tom Jobim), serestas (O que tinha que ser, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes), beguines (Oba-lá-lá, de João Gilberto) etc.” “Bossa Nova: uma batida diferente” em http://www.dianagoulart.pro.br/english/artigos/bossa.htm), mas percebo um uso de poucas citações para comprovar uma idéia. Qualquer estudo mais sério mostraria com clareza as várias origens da Bossa Nova que inclui o Jazz, mas que vai bem além disso, já que a própria Bossa Nova influenciou o Jazz também. A Bossa Nova está para o Jazz como o Jazz está para a Bossa Nova. Isso significa que são linguagens musicais equivalentes e não ramificações uma da outra. Esse tipo de embasamento permeia todo o artigo. É uma forma superficial de argumentação e característica de um estudo apologético em vez de um estudo pela busca da verdade.
Queremos primeiramente perguntar: se André concorda com as informações da nota de rodapé n° 10 de LG, porque, a seguir, ele as contesta? Não teria sido melhor dizer que “concorda parcialmente”? André se olvida de que o objetivo de LG não é rastrear a história do desenvolvimento musical da Bossa-nova, mas mostrar como este gênero popular é inadequado para ser usado no louvor. O ponto central é perdido de vista (talvez como forma de minar minha argumentação ou por falta de maior esclarecimento por parte do Pr. André). No demais, o texto simplesmente coloca o papel do jazz de ter influenciado a Bossa em seu início, o que seria de se esperar, uma vez que o jazz surgiu primeiro!
Mas, pelo que escreve, André estaria assumindo que podemos usar música popular (como os exemplos que citei) na adoração? Cabe a ele responder.
3. “Como a santidade divina pode ser devidamente representada por um ritmo popular, também usado em canções seculares frívolas?” Perguntas retóricas aliada a adjetivos que demonstram opiniões pessoais sempre serão tentativas simplórias de manipular o dito ‘senso comum’, senso que pelo fato de ser utilizado pode ser atestado como mediocridade, já que carece imparcialidade e argumentos fundamentados. Nunca esqueçamos que este ‘senso comum’ já foi utilizado muitas vezes para perseguir uma minoria pensante (e muitas vezes esclarecida) na história deste mundo e este mesmo trará a perseguição de uma minoria no fim dos tempos.
Na retórica, chamamos esta técnica de argumentação, que consiste em usar perguntas e apresentar respostas, de “diatribe”. Se esse recurso é inválido, temos de censurar o próprio apóstolo Paulo que o usa em excesso (p. ex.: Rom. 3:31, 8:31-39). A própria Ellen White utiliza o recurso; vejamos dois exemplos:
“Aqueles Cujo Coração Está no Esforço - Em seus esforços para alcançar o povo, os mensageiros do Senhor não devem seguir as maneiras do mundo. Nas reuniões realizadas, não devem depender de cantores do mundo nem de exibições teatrais para despertar o interesse. Como se pode esperar que aqueles que não têm nenhum interesse na Palavra de Deus, que nunca leram Sua Palavra com sincero desejo de lhe compreender as verdades, cantem com o espírito e entendimento? Como pode seu coração estar em harmonia com as palavras do canto sagrado? Como se pode o coro celeste unir a uma música, que é meramente uma forma?”3
“Apenas Canto Suave e Simples - Como pode Deus ser glorificado quando confiais para o vosso canto em um coro mundano que canta por dinheiro? Meu irmão, quando virdes essas coisas em seu verdadeiro aspecto, só tereis em vossas reuniões apenas o canto suave e simples, e pedireis a toda a congregação que se una a esse canto. Que importa, se entre os presentes há alguns cuja voz não é tão melodiosa como a de outros! Quando o canto é de molde a que os anjos se possam unir com os cantores, pode-se causar no espírito uma impressão que o canto de lábios não santificados não pode produzir."4
Se o uso da diatribe qualifica “tentativa simplória de manipular o senso comum”, então tanto Paulo quanto Ellen White estariam munidos de más intenções?
4. Uma citação do renomado e polêmico músico Karlheinz Stockhausen sem qualquer alusão ao contexto em que foi feita já demonstra uma falta de cuidado com interpretação e exegese, independente do tipo de fonte citada. Pela maneira com que o autor cita e menciona músicos e música em geral fica evidente que o seu conhecimento de história da música e da própria matéria da música são de fato bastante limitados. Isso não significa que ele não possa argumentar a respeito da mesma, no entanto deveria restringir-se a lidar com o que poderia estar ao seu alcance que, no caso, poderia ser a Bíblia e os escritos de Ellen G. White. Se aventurando num campo desconhecido ele corre o risco de comprometer a sua argumentação em campos em que seja instruído por demonstrar tamanho despreparo e ignorância em assuntos abordados que claramente estão além do seu conhecimento. Só a citação Stockhausen já deixa isso abundantemente claro. Aconselho que pelo menos se conheça um pouco a quem se cita. Neste caso específico, a vida, a música e a obra de Stockhausen e a citação do mesmo constatam o que popularmente poderíamos chamar de um ‘tiro pela culatra’ para toda a argumentação do autor, pois Stockhausen é ícone de renovação e evolução da estética musical a tal ponto que duvido que o autor consiga ouvir uma obra completa dele com apreciação. Eu pelo menos não consigo.
Não é preciso argumentar muito no sentido de desfazer o palavrório contido na observação. Basta esclarecer que cito Stockhausen para fundamentar uma verdade universalmente aceita (a de que a música “tem o poder de influenciar nossa cultura, comportamento, ideologia e sentimentos”) e não porque eu concorde com ele em todos os pontos. Semelhantemente, cito uma frase de Darlene Zschech (“Aquilo com que você se deleita transparece quando dirige o louvor.”)5 para estabelecer que nossa cosmovisão (incluindo nossos gostos pessoais) transparecesse em nossa forma de adorar; é claro que não concordo com a visão cúltica de Zschech, nem vejo que uma anuência cabal com suas opiniões seja condição sine quan non para citar o que ela afirma de válido e útil dentro de meu contexto.
André, ao introduzir este estranho critério para o uso de citações, pelo qual seríamos obrigados a citar autores com os quais concordássemos plenamente, compromete até os apóstolos bíblicos Paulo e Judas, posto que tais autores canônicos utilizam citações de escritores pagãos (Paulo cita uma frase de Arato, Phaenomena, em Atos 17:5) e apócrifos (Judas menciona uma passagem do livro de Enoque ao se referir a “assunção de Moisés”)6.
5. A declara[ç]ão sobre a inegável semelhança entre ‘Coração do Pai’ com Anytime do Brian McKnight. Mas o autor do artigo pelo menos tomou o tempo para entrar em contato com o compositor da música, Lineu F. Soares para tirar esta dúvida? Senão esta afirmação caracteriza prepotência e beira ao perjúrio.
A minha afirmação não poderia caracterizar “prepotência” ou beirar “ao perjúrio”, porque esta constatação (sobre a semelhança entre as duas canções) parte de uma observação não-técnica ou de caráter definitivo (demandas sobre autoria musical, plágio e uso indevido não são assunto para artigos, mas tribunais, e mesmos estes passam, não raramente, 10 ou 20 anos para resolver tais pendengas). No demais, qualquer pessoa pode, à vontade, contrastar as músicas ("Anytime" e "Coração do Pai"), notando suas semelhanças e diferenças.
O foco, entretanto, não é o mero cotejo entre as melodias e, sim, até que ponto uma música sacra poderia ser identificada com outra, de caráter secular e popular? André não fez sequer menção à outra música de que tratei, “Serei o seu anjo”, gravada por Leonardo Gonçalves em dueto com Tatiana Costa, a qual se baseia em um sucesso pop-romântico de Celine Dion. Acredito que nem André se arriscaria a defender o indefensável.
Um adendo: há um consenso de que o plágio só é caracterizado pelo uso de oito compassos completos, ainda que não haja um texto legal sobre o assunto que especifique o número de compassos, sendo “muito difícil definir até que ponto apenas foi uma coincidência de seqüência ou houve intenção de se copiar algum trecho.” Em todo caso, “A mesma melodia (usando-se os mesmos acordes da melodia original ou não) é um plágio.”7
6. A citação dos ditos ‘genéricos’, já que o artigo trata do Leonardo, se torna, no mínimo, inadequada sendo que ele não possui influência direta sobre eles, muito menos controle.
“É para nós de suma importância que circundemos a alma com a atmosfera de fé. Cada dia estamos decidindo nosso próprio destino eterno em harmonia com a atmosfera que circunda a alma. Somos individualmente responsáveis pela influência que exercemos, e conseqüências que não vemos resultarão de nossas palavras e ações.”87. A citação nº. 13, que discordo de forma veemente: “O teor da polêmica envolvendo o trabalho de Leonardo Gonçalves está no uso constante da técnica do melisma”. Creio que os melismas constituem a razão superficial que de fato advém de uma séria de outras preocupações e sensações sejam elas conscientes ou inconscientes. A grande polêmica já foi abordada, aparentemente inconscientemente, pelo autor do artigo. Trata-se do uso da cultura contemporânea para louvar a Deus. Isso, no entanto, não é algo novo. Quero fazer referência a um excelente artigo ‘O Compositor Cristão no Tempo’ que li muito recentemente no blog do Joêzer (http://notanapauta.blogspot.com/). Vale a pena lê-lo, pois foi feito baseado em pesquisa de fatos reais da história da música. Longe de mim comparar o Leonardo com Bach ou Händel, mas quero demonstrar que este é o verdadeiro debate e que é mais antigo do autor parece perceber.
Comecei meu trabalho pesando a rápida ascensão da carreira de Leonardo Gonçalves com as críticas ao seu trabalho. Por isso afirmei a certa altura que o que mais atrai polêmica (dividindo o público entre fãs ardorosos do artista e seus opositores) é o emprego da técnica do melisma. Obviamente, o assunto do emprego do melisma não é o teor de meu trabalho e sim de muitas das críticas que Leonardo Gonçalves recebe. Sobre música e cultura já discutimos anteriormente no corpo deste artigo. Uma nota: eu e milhares de apreciadores da música sacra agrademos a André por não comparar seu irmão Leonardo a “Bach ou Händel”.
8. A nota de rodapé 13: “Melisma em música é a técnica de alterar a nota (sensação de freqüência) de uma sílaba de um texto enquanto ela está sendo cantada. A música cantada neste estilo é dita melismática, ao contrário de silábica, em que cada sílaba de texto é casada com uma única nota. A música das culturas antigas usavam técnicas melismáticas para atingir um estado hipnótico no ouvinte, útil para ritos místicos de iniciação (Mistérios Eleusinianos) e cultos religiosos. Esta qualidade ainda é encontrada na música contemporânea indu e muçulmana. Na música ocidental, o termo refere-se mais comumente ao Canto gregoriano, mas pode ser usado para descrever a música de qualquer gênero, incluindo o canto barroco e mais tarde o gospel. Geralmente, Aretha Franklin é considerada uma das melhores empregadoras modernas desta técnica.” http://www.babylon.com/definition/melisma/Portuguese” A citação nº. 13 é correta, porém incompleta. O autor provavelmente nunca notou a quantidade imensa do uso do melisma no Oratório do “Messias” de Händel e muitas outras obras musicais que, pelo estilo, o próprio autor deve considerar sacras. O uso de melismas não se limita ao querer criar um estado “hipnótico” no ouvinte. Esse estado surge em um contexto musical específico quando o músico controla a situação para tal. Os melismas pouco influenciam neste estado. Ritmos como os praticados em terreiros e imitações conscientes ou inconscientes dos mesmos podem levar a este estado de transe.
9 - Creio que o autor do artigo finalmente fez a pergunta chave logo após a citação nº. 16. “Seria legítimo empregar elementos claramente identificados com a música secular para louvar a Deus?” Faço referência mais uma vez ao excelente artigo do Joêzer Mendonça cujo link já foi colocado acima. Creio que muitas vezes aquilo que o atual ‘senso comum’ considera ser o epítome da música sacra (cito aqui como exemplos J. S. Bach, G. F. Händel e, que os músicos me perdoem e entendam, The Kings Heralds) enfrentou sérias controvérsias na época de surgimento e criação por estar próximo demais do padrão musical contemporâneo. A divisão da música em três tipos como ‘música erudita’, ‘música folclórica’ e ‘música popular’ se torna insustentável diante da complexidade de definição de estilos musicais e suas origens. Citações curtas sem aprofundamento e tiradas do contexto facilmente podem ser usadas para criar falsos silogismos (ditos silogismos dialéticos ou retóricos).
Estou persuadido de ter apresentado razões mais do que suficientes para discordar deste último parágrafo no decorrer de meu presente artigo. André, ainda que expondo de forma sincera seu raciocínio, deixa escapar um relativismo que não se conforma com o pensamento adventista, dentro do qual a música não é mero fenômeno dentro de limites sócio-culturais ou mesmo antropológicos; na Criação, os anjos cantavam (Jó 38:7), indicando que, desde o princípio esta forma de adoração é independente da experiência (e até anterior à própria existência) dos seres humanos. Não é bíblico tratarmos a música apenas como manifestação de cultura, porque princípios de adoração estão em jogo.
O fato de que músicos cristãos sofreram confrontação no passado, indica, ao menos, que houve mudanças na forma de entender e produzir música, o que, per si, não é necessariamente ruim. A música, como toda arte, é passível de evolução, desde que os princípios da Revelação, em se tratando de música sacra, sejam praticados coerentemente. Não devemos esperar que os “bons tempos” do passado voltem; todavia, devemos cobrar que nossos músicos sejam integralmente ligados a Deus para produzir e apresentar música nova, compatível com a adoração, coerente com o período em que vivemos, sem ser conivente com o padrão mundano.
Conclusão
De tudo quanto apresentamos, nosso pensamento se volta para a premente necessidade de que o padrão bíblico para a adoração seja mais bem compreendido pelo adorador adventista; portanto, incentivamos aos pastores e líderes locais, bem como aos diretores de nossas instituições, e mesmo aos membros esclarecidos de nossa denominação, enfim, a todos que temem a Deus, que estudem cautelosamente e com humildade tudo quanto envolva a adoração, em geral, e a música, em particular.
Enquanto critérios subjetivos (e mesmo relativistas) dominarem o cenário do adventismo brasileiro no que se reporta à música (apresentada durante os cultos, congressos, reuniões de líderes, concílios e grandes eventos ou veiculada em programas de rádio ou televisão), dificilmente poderemos estar à altura de nossa comissão, porque teremos perdido nossa identidade como povo peculiar de Deus.
Sentimos ser o tempo de nos mobilizarmos para estudar maneiras de crescer enquanto adoradores: grupos de estudo ou comissões especiais devem ser formados nas igrejas, reunindo-se pelo tempo que acharem conveniente para formar uma declaração local ou distrital sobre o assunto, a qual deverá ser expressa na forma de princípios claros e bem definidos. Tal declaração tem ainda de ser apresentada à igreja e votada pela comissão. Uma vez que a determinada igreja ou distrito pastoral adquira a sua compreensão da adoração, esta visão precisa ser compartilhada sistematicamente, para que haja uma reeducação do adorador que freqüentar a congregação ou distrito.
Em cima desta visão, poderemos fortalecer um sólido ministério musical dentro do contexto distrital, incentivando financeiramente pessoas que tenham talento para a música para que completem sua formação em conservatórios ou adquiram instrumentos. Esse ministério, sem dúvida, enriquecerá o culto de adoração e permitirá que os talentos que Deus concedeu não apenas sejam bem aproveitados, mas também corretamente direcionados. Músicos cristãos recebendo apoio de suas congregações é fato mais comum do que nos pareça. Para isto, basta termos um propósito bem definido e uma visão bem fundamentada sobre como dirigir a adoração em nossos cultos.
Agradecimentos
Em especial, agradeço a Levi de Paula Tavares e Adrian Theodor Schartner Corbó, que são, respectivamente, gerenciador e colaborador do site Musica Adoração (http://www.musicaeadoracao.com.br), que pacientemente leram o artigo, apresentando sugestões, indicando citações e confrontando minhas idéias; aos pastores Ademar Paim e Isaac Malheiros, por generosamente disponibilizar materiais usados na pesquisa biográfica para este trabalho; aos jornalistas Michelson Borges e Diogo Cavalcanti por me indicarem as pessoas adequadas para esclarecimento de detalhes técnicos. Acima de tudo, a Deus, pela beleza de Sua Revelação e pelo poder de nos capacitar a compreendê-la a cada dia mais. O presente artigo reflete as convicções de seu autor, o qual se responsabiliza pelos conceitos formulados, e não necessariamente a opinião daqueles que contribuíram, de uma forma ou de outra, para a sua realização.
1 Mensagens aos Jovens, p. 295, grifos supridos.
2 Em contrapartida, o Pr. André, que questionou tanto o aspecto biográfico, não usou sequer uma referência para embasar suas convicções.
3 Testimonies, vol. 9, p. 143.
4 Carta 190, 1902.
5 Cf.: Citação número 10 do presente artigo.
6 Para entender a melhor o uso dessas citações pelos escritores bíblicos citados, indicamos a leitura de Gleason Archer, “Enciclopédia de dificuldades bíblicas”, (São Paulo, SP: Editora Vida, 1997), pp. 461 e 462.
7 Essas informações foram gentilmente fornecidas pelo maestro José Newton da Silva Júnior, diretor de produções artísticas da Casa (Musicasa), em e-mail ao autor.
8 Ellen White, Mente, Caráter e Personalidade, Vol. 2, pp. 433 e 434, grifos nossos.
Já tendo colocado nossa posição sobre o que tem feito os adventistas brasileiros, de forma generalizada, a admitirem um novo paradigma na adoração, trataremos a seguir das “observações pontuais” que o Pr. André Gonçalves fez no final de sua resposta a LG. Apresentaremos suas palavras ipsis litteris, inclusive, obedecendo à numeração que o autor usou, seguidas de nossa posição :
1. “Uma música santa não pode ser identificada com ritmos populares (samba, rock, axé, hip hop, sertanejo, pop, entre outros), que transmitem sentimentos e ideais mundanos (como sensualidade, protesto, revolta, satisfação egoísta, etc.).”
Essa afirmação é apresentada sem comprovação. O uso do tal do ‘senso-comum’ é um meio medíocre de argumentar.
Já argumentamos anteriormente sobre a influência da cosmovisão na música (veja o tópico “A subjetividade de critérios filosóficos/teológicos para nortear a música cristã contemporânea"). Se adoramos a um Deus santo, tenderemos a desenvolver uma espécie de adoração cuja forma seja compatível com a reverência requerida diante de Sua santidade. Em contrapartida, ao admitirmos conceitos baseados em nosso critério pessoal ou focando em nossa satisfação, a cosmovisão desenvolvida será contrária à adventista, e, conseqüentemente, nossa adoração será diferente da que se espera como resultado da vivência propriamente adventista. Que a presença de seres santos é incompatível com determinados tipos de música popular fica evidente pelo texto seguinte:
“Voam anjos em torno de uma habitação além. Jovens estão ali reunidos; ouvem-se sons de música em canto e instrumentos. Cristãos acham-se reunidos nessa casa; mas que é que ouvis? Um cântico, uma frívola canção, própria para o salão de baile. Vede, os puros anjos recolhem para si a luz, e os que se acham naquela habitação são envolvidos pelas trevas. Os anjos afastam-se da cena. Têm a tristeza no semblante. Vede como choram! Isso vi eu repetidamente pelas fileiras dos observadores do sábado, e especialmente em ______.”1
Como se vê, nossa argumentação se vale de provas, não do “senso-comum”.2
2. A nota de rodapé nº. 10, com a qual eu concordo, que diz que “Assim como o jazz, que a influenciou, a Bossa Nova pode ser considerada uma linguagem, uma maneira de pensar e fazer música. Por ser uma concepção musical não redutível a um determinado gênero, comporta manifestações variadas: sambas (Tem dó, de Baden Powell e Vinícius de Moraes), marchas (Marcha da quarta-feira de cinzas, de Carlos Lyra e Vinícius de Moraes), valsas (Luiza, de Tom Jobim), serestas (O que tinha que ser, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes), beguines (Oba-lá-lá, de João Gilberto) etc.” “Bossa Nova: uma batida diferente” em http://www.dianagoulart.pro.br/english/artigos/bossa.htm), mas percebo um uso de poucas citações para comprovar uma idéia. Qualquer estudo mais sério mostraria com clareza as várias origens da Bossa Nova que inclui o Jazz, mas que vai bem além disso, já que a própria Bossa Nova influenciou o Jazz também. A Bossa Nova está para o Jazz como o Jazz está para a Bossa Nova. Isso significa que são linguagens musicais equivalentes e não ramificações uma da outra. Esse tipo de embasamento permeia todo o artigo. É uma forma superficial de argumentação e característica de um estudo apologético em vez de um estudo pela busca da verdade.
Queremos primeiramente perguntar: se André concorda com as informações da nota de rodapé n° 10 de LG, porque, a seguir, ele as contesta? Não teria sido melhor dizer que “concorda parcialmente”? André se olvida de que o objetivo de LG não é rastrear a história do desenvolvimento musical da Bossa-nova, mas mostrar como este gênero popular é inadequado para ser usado no louvor. O ponto central é perdido de vista (talvez como forma de minar minha argumentação ou por falta de maior esclarecimento por parte do Pr. André). No demais, o texto simplesmente coloca o papel do jazz de ter influenciado a Bossa em seu início, o que seria de se esperar, uma vez que o jazz surgiu primeiro!
Mas, pelo que escreve, André estaria assumindo que podemos usar música popular (como os exemplos que citei) na adoração? Cabe a ele responder.
3. “Como a santidade divina pode ser devidamente representada por um ritmo popular, também usado em canções seculares frívolas?” Perguntas retóricas aliada a adjetivos que demonstram opiniões pessoais sempre serão tentativas simplórias de manipular o dito ‘senso comum’, senso que pelo fato de ser utilizado pode ser atestado como mediocridade, já que carece imparcialidade e argumentos fundamentados. Nunca esqueçamos que este ‘senso comum’ já foi utilizado muitas vezes para perseguir uma minoria pensante (e muitas vezes esclarecida) na história deste mundo e este mesmo trará a perseguição de uma minoria no fim dos tempos.
Na retórica, chamamos esta técnica de argumentação, que consiste em usar perguntas e apresentar respostas, de “diatribe”. Se esse recurso é inválido, temos de censurar o próprio apóstolo Paulo que o usa em excesso (p. ex.: Rom. 3:31, 8:31-39). A própria Ellen White utiliza o recurso; vejamos dois exemplos:
“Aqueles Cujo Coração Está no Esforço - Em seus esforços para alcançar o povo, os mensageiros do Senhor não devem seguir as maneiras do mundo. Nas reuniões realizadas, não devem depender de cantores do mundo nem de exibições teatrais para despertar o interesse. Como se pode esperar que aqueles que não têm nenhum interesse na Palavra de Deus, que nunca leram Sua Palavra com sincero desejo de lhe compreender as verdades, cantem com o espírito e entendimento? Como pode seu coração estar em harmonia com as palavras do canto sagrado? Como se pode o coro celeste unir a uma música, que é meramente uma forma?”3
“Apenas Canto Suave e Simples - Como pode Deus ser glorificado quando confiais para o vosso canto em um coro mundano que canta por dinheiro? Meu irmão, quando virdes essas coisas em seu verdadeiro aspecto, só tereis em vossas reuniões apenas o canto suave e simples, e pedireis a toda a congregação que se una a esse canto. Que importa, se entre os presentes há alguns cuja voz não é tão melodiosa como a de outros! Quando o canto é de molde a que os anjos se possam unir com os cantores, pode-se causar no espírito uma impressão que o canto de lábios não santificados não pode produzir."4
Se o uso da diatribe qualifica “tentativa simplória de manipular o senso comum”, então tanto Paulo quanto Ellen White estariam munidos de más intenções?
4. Uma citação do renomado e polêmico músico Karlheinz Stockhausen sem qualquer alusão ao contexto em que foi feita já demonstra uma falta de cuidado com interpretação e exegese, independente do tipo de fonte citada. Pela maneira com que o autor cita e menciona músicos e música em geral fica evidente que o seu conhecimento de história da música e da própria matéria da música são de fato bastante limitados. Isso não significa que ele não possa argumentar a respeito da mesma, no entanto deveria restringir-se a lidar com o que poderia estar ao seu alcance que, no caso, poderia ser a Bíblia e os escritos de Ellen G. White. Se aventurando num campo desconhecido ele corre o risco de comprometer a sua argumentação em campos em que seja instruído por demonstrar tamanho despreparo e ignorância em assuntos abordados que claramente estão além do seu conhecimento. Só a citação Stockhausen já deixa isso abundantemente claro. Aconselho que pelo menos se conheça um pouco a quem se cita. Neste caso específico, a vida, a música e a obra de Stockhausen e a citação do mesmo constatam o que popularmente poderíamos chamar de um ‘tiro pela culatra’ para toda a argumentação do autor, pois Stockhausen é ícone de renovação e evolução da estética musical a tal ponto que duvido que o autor consiga ouvir uma obra completa dele com apreciação. Eu pelo menos não consigo.
Não é preciso argumentar muito no sentido de desfazer o palavrório contido na observação. Basta esclarecer que cito Stockhausen para fundamentar uma verdade universalmente aceita (a de que a música “tem o poder de influenciar nossa cultura, comportamento, ideologia e sentimentos”) e não porque eu concorde com ele em todos os pontos. Semelhantemente, cito uma frase de Darlene Zschech (“Aquilo com que você se deleita transparece quando dirige o louvor.”)5 para estabelecer que nossa cosmovisão (incluindo nossos gostos pessoais) transparecesse em nossa forma de adorar; é claro que não concordo com a visão cúltica de Zschech, nem vejo que uma anuência cabal com suas opiniões seja condição sine quan non para citar o que ela afirma de válido e útil dentro de meu contexto.
André, ao introduzir este estranho critério para o uso de citações, pelo qual seríamos obrigados a citar autores com os quais concordássemos plenamente, compromete até os apóstolos bíblicos Paulo e Judas, posto que tais autores canônicos utilizam citações de escritores pagãos (Paulo cita uma frase de Arato, Phaenomena, em Atos 17:5) e apócrifos (Judas menciona uma passagem do livro de Enoque ao se referir a “assunção de Moisés”)6.
Confirmado o critério do Pr. André, ou ambos os apóstolos não “conheciam a quem citavam” ou concordavam plenamente com eles, razão pela qual deveríamos canonizar os escritos por eles referidos (incluindo as obras de um poeta grego e o livro de Enoque em nossas Bíblias!).
5. A declara[ç]ão sobre a inegável semelhança entre ‘Coração do Pai’ com Anytime do Brian McKnight. Mas o autor do artigo pelo menos tomou o tempo para entrar em contato com o compositor da música, Lineu F. Soares para tirar esta dúvida? Senão esta afirmação caracteriza prepotência e beira ao perjúrio.
A minha afirmação não poderia caracterizar “prepotência” ou beirar “ao perjúrio”, porque esta constatação (sobre a semelhança entre as duas canções) parte de uma observação não-técnica ou de caráter definitivo (demandas sobre autoria musical, plágio e uso indevido não são assunto para artigos, mas tribunais, e mesmos estes passam, não raramente, 10 ou 20 anos para resolver tais pendengas). No demais, qualquer pessoa pode, à vontade, contrastar as músicas ("Anytime" e "Coração do Pai"), notando suas semelhanças e diferenças.
O foco, entretanto, não é o mero cotejo entre as melodias e, sim, até que ponto uma música sacra poderia ser identificada com outra, de caráter secular e popular? André não fez sequer menção à outra música de que tratei, “Serei o seu anjo”, gravada por Leonardo Gonçalves em dueto com Tatiana Costa, a qual se baseia em um sucesso pop-romântico de Celine Dion. Acredito que nem André se arriscaria a defender o indefensável.
Um adendo: há um consenso de que o plágio só é caracterizado pelo uso de oito compassos completos, ainda que não haja um texto legal sobre o assunto que especifique o número de compassos, sendo “muito difícil definir até que ponto apenas foi uma coincidência de seqüência ou houve intenção de se copiar algum trecho.” Em todo caso, “A mesma melodia (usando-se os mesmos acordes da melodia original ou não) é um plágio.”7
6. A citação dos ditos ‘genéricos’, já que o artigo trata do Leonardo, se torna, no mínimo, inadequada sendo que ele não possui influência direta sobre eles, muito menos controle.
“É para nós de suma importância que circundemos a alma com a atmosfera de fé. Cada dia estamos decidindo nosso próprio destino eterno em harmonia com a atmosfera que circunda a alma. Somos individualmente responsáveis pela influência que exercemos, e conseqüências que não vemos resultarão de nossas palavras e ações.”8
Comecei meu trabalho pesando a rápida ascensão da carreira de Leonardo Gonçalves com as críticas ao seu trabalho. Por isso afirmei a certa altura que o que mais atrai polêmica (dividindo o público entre fãs ardorosos do artista e seus opositores) é o emprego da técnica do melisma. Obviamente, o assunto do emprego do melisma não é o teor de meu trabalho e sim de muitas das críticas que Leonardo Gonçalves recebe. Sobre música e cultura já discutimos anteriormente no corpo deste artigo. Uma nota: eu e milhares de apreciadores da música sacra agrademos a André por não comparar seu irmão Leonardo a “Bach ou Händel”.
8. A nota de rodapé 13: “Melisma em música é a técnica de alterar a nota (sensação de freqüência) de uma sílaba de um texto enquanto ela está sendo cantada. A música cantada neste estilo é dita melismática, ao contrário de silábica, em que cada sílaba de texto é casada com uma única nota. A música das culturas antigas usavam técnicas melismáticas para atingir um estado hipnótico no ouvinte, útil para ritos místicos de iniciação (Mistérios Eleusinianos) e cultos religiosos. Esta qualidade ainda é encontrada na música contemporânea indu e muçulmana. Na música ocidental, o termo refere-se mais comumente ao Canto gregoriano, mas pode ser usado para descrever a música de qualquer gênero, incluindo o canto barroco e mais tarde o gospel. Geralmente, Aretha Franklin é considerada uma das melhores empregadoras modernas desta técnica.” http://www.babylon.com/definition/melisma/Portuguese” A citação nº. 13 é correta, porém incompleta. O autor provavelmente nunca notou a quantidade imensa do uso do melisma no Oratório do “Messias” de Händel e muitas outras obras musicais que, pelo estilo, o próprio autor deve considerar sacras. O uso de melismas não se limita ao querer criar um estado “hipnótico” no ouvinte. Esse estado surge em um contexto musical específico quando o músico controla a situação para tal. Os melismas pouco influenciam neste estado. Ritmos como os praticados em terreiros e imitações conscientes ou inconscientes dos mesmos podem levar a este estado de transe.
André se olvida do fato de que o uso do melisma na música sacra é distinto de como Mariah Carey a emprega, por exemplo. Não é o uso de melisma que torna a música sacra ou profana; mas, da forma como vem sendo empregado o recurso, não é muito difícil associá-lo com a música secular negra contemporânea, conforme eu já havia mencionado em LG. Ocorre que, no canto gregoriano ou em outros gêneros sacros, o melisma enfatiza e destaca a palavra, na moderna música popular, ele evidencia a emoção, às vezes de um modo exagerado (herança das experiências africanas de culto, que são imanentes).
9 - Creio que o autor do artigo finalmente fez a pergunta chave logo após a citação nº. 16. “Seria legítimo empregar elementos claramente identificados com a música secular para louvar a Deus?” Faço referência mais uma vez ao excelente artigo do Joêzer Mendonça cujo link já foi colocado acima. Creio que muitas vezes aquilo que o atual ‘senso comum’ considera ser o epítome da música sacra (cito aqui como exemplos J. S. Bach, G. F. Händel e, que os músicos me perdoem e entendam, The Kings Heralds) enfrentou sérias controvérsias na época de surgimento e criação por estar próximo demais do padrão musical contemporâneo. A divisão da música em três tipos como ‘música erudita’, ‘música folclórica’ e ‘música popular’ se torna insustentável diante da complexidade de definição de estilos musicais e suas origens. Citações curtas sem aprofundamento e tiradas do contexto facilmente podem ser usadas para criar falsos silogismos (ditos silogismos dialéticos ou retóricos).
Estou persuadido de ter apresentado razões mais do que suficientes para discordar deste último parágrafo no decorrer de meu presente artigo. André, ainda que expondo de forma sincera seu raciocínio, deixa escapar um relativismo que não se conforma com o pensamento adventista, dentro do qual a música não é mero fenômeno dentro de limites sócio-culturais ou mesmo antropológicos; na Criação, os anjos cantavam (Jó 38:7), indicando que, desde o princípio esta forma de adoração é independente da experiência (e até anterior à própria existência) dos seres humanos. Não é bíblico tratarmos a música apenas como manifestação de cultura, porque princípios de adoração estão em jogo.
O fato de que músicos cristãos sofreram confrontação no passado, indica, ao menos, que houve mudanças na forma de entender e produzir música, o que, per si, não é necessariamente ruim. A música, como toda arte, é passível de evolução, desde que os princípios da Revelação, em se tratando de música sacra, sejam praticados coerentemente. Não devemos esperar que os “bons tempos” do passado voltem; todavia, devemos cobrar que nossos músicos sejam integralmente ligados a Deus para produzir e apresentar música nova, compatível com a adoração, coerente com o período em que vivemos, sem ser conivente com o padrão mundano.
Conclusão
De tudo quanto apresentamos, nosso pensamento se volta para a premente necessidade de que o padrão bíblico para a adoração seja mais bem compreendido pelo adorador adventista; portanto, incentivamos aos pastores e líderes locais, bem como aos diretores de nossas instituições, e mesmo aos membros esclarecidos de nossa denominação, enfim, a todos que temem a Deus, que estudem cautelosamente e com humildade tudo quanto envolva a adoração, em geral, e a música, em particular.
Enquanto critérios subjetivos (e mesmo relativistas) dominarem o cenário do adventismo brasileiro no que se reporta à música (apresentada durante os cultos, congressos, reuniões de líderes, concílios e grandes eventos ou veiculada em programas de rádio ou televisão), dificilmente poderemos estar à altura de nossa comissão, porque teremos perdido nossa identidade como povo peculiar de Deus.
Sentimos ser o tempo de nos mobilizarmos para estudar maneiras de crescer enquanto adoradores: grupos de estudo ou comissões especiais devem ser formados nas igrejas, reunindo-se pelo tempo que acharem conveniente para formar uma declaração local ou distrital sobre o assunto, a qual deverá ser expressa na forma de princípios claros e bem definidos. Tal declaração tem ainda de ser apresentada à igreja e votada pela comissão. Uma vez que a determinada igreja ou distrito pastoral adquira a sua compreensão da adoração, esta visão precisa ser compartilhada sistematicamente, para que haja uma reeducação do adorador que freqüentar a congregação ou distrito.
Em cima desta visão, poderemos fortalecer um sólido ministério musical dentro do contexto distrital, incentivando financeiramente pessoas que tenham talento para a música para que completem sua formação em conservatórios ou adquiram instrumentos. Esse ministério, sem dúvida, enriquecerá o culto de adoração e permitirá que os talentos que Deus concedeu não apenas sejam bem aproveitados, mas também corretamente direcionados. Músicos cristãos recebendo apoio de suas congregações é fato mais comum do que nos pareça. Para isto, basta termos um propósito bem definido e uma visão bem fundamentada sobre como dirigir a adoração em nossos cultos.
"E não vos conformeis a este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus." Romanos 12:2
Agradecimentos
Em especial, agradeço a Levi de Paula Tavares e Adrian Theodor Schartner Corbó, que são, respectivamente, gerenciador e colaborador do site Musica Adoração (http://www.musicaeadoracao.com.br), que pacientemente leram o artigo, apresentando sugestões, indicando citações e confrontando minhas idéias; aos pastores Ademar Paim e Isaac Malheiros, por generosamente disponibilizar materiais usados na pesquisa biográfica para este trabalho; aos jornalistas Michelson Borges e Diogo Cavalcanti por me indicarem as pessoas adequadas para esclarecimento de detalhes técnicos. Acima de tudo, a Deus, pela beleza de Sua Revelação e pelo poder de nos capacitar a compreendê-la a cada dia mais. O presente artigo reflete as convicções de seu autor, o qual se responsabiliza pelos conceitos formulados, e não necessariamente a opinião daqueles que contribuíram, de uma forma ou de outra, para a sua realização.
Para ler outras partes deste artigo:
Parte 1
Parte 2
Parte 3
1 Mensagens aos Jovens, p. 295, grifos supridos.
2 Em contrapartida, o Pr. André, que questionou tanto o aspecto biográfico, não usou sequer uma referência para embasar suas convicções.
3 Testimonies, vol. 9, p. 143.
4 Carta 190, 1902.
5 Cf.: Citação número 10 do presente artigo.
6 Para entender a melhor o uso dessas citações pelos escritores bíblicos citados, indicamos a leitura de Gleason Archer, “Enciclopédia de dificuldades bíblicas”, (São Paulo, SP: Editora Vida, 1997), pp. 461 e 462.
7 Essas informações foram gentilmente fornecidas pelo maestro José Newton da Silva Júnior, diretor de produções artísticas da Casa (Musicasa), em e-mail ao autor.
8 Ellen White, Mente, Caráter e Personalidade, Vol. 2, pp. 433 e 434, grifos nossos.
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