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A vida e a época de Isaac Newton

não sei como posso parecer ao mundo; a mim
me parece que fui apenas um menino
que brincava na praia e se divertia procurando
uma pedrinha mais lisa e uma conchinha
mais bonita do que as outras, enquanto o grande
oceano da verdade se estendia à minha frente
inexplorado
Isaac Newton


“Isaac Newton nasceu no dia de Natal em 1642. Filho de Hannah Newton e Isaac Newton (pai, que morreu dois meses antes de o filho nascer), nasceu em Woolsthorpe, perto de rantham, no Lincolnshire. (Brennan, 1998)

Newton foi criado quase exclusivamente pela avó materna. Desde cedo, preferia ficar só, pensando consigo mesmo, do que brincar com outras crianças. Segundo seus biógrafos, ele era tímido, nervoso e temperamental. Sua educação iniciou-se em aldeia próxima de Woolsthorpe, mais tarde foi estudar em Grantham, que era muito longe para o estudante ir a pé, por isso foi morar na casa do boticário, sr. Clark.

Em 1661, foi estudar em Cambridge. Em 1665, Isaac deixou Cambridge para uma permanência na sua casa, na aldeia de Woolsthorpe, por causa da temida peste negra. Biógrafos afirmam que foi essa a época mais produtiva da vida de Newton (quando teria escrito os "rascunhos" dos Principia). Quando Cambridge reabriu, em 1667, Newton ganhou uma bolsa de estudos para estudar no Trinity College. Em 1687, publicou os
Principia.

Newton desenvolveu uma teoria sobre óptica, tendo publicado o Óptica, originalmente em inglês, em 1704. Segundo Assis (1998), no Óptica tem-se essencialmente um tratamento experimental dos fenômenos da reflexão e da refração da luz, da decomposição da luz branca nas cores do espectro ao atravessar um prisma, das cores dos corpos naturais, do arco- íris, do telescópio refletor, das cores produzidas por corpos transparentes delgados e espessos (anéis de Newton), da difração da luz, etc.

Também se dedicou ao estudo da alquimia. Desenvolveu ainda o teorema do binômio e várias propriedades das séries infinitas e lançou também os fundamentos do cálculo das variações. Newton, além disso, inventou o telescópio de reflexão, mostrando aos astrônomos como transpor limitações do telescópio construído com lentes. (Cohen, 1967)

Porque quero entender com um pouco mais de detalhe as condições de produção das leis de Newton, faço um breve comentário sobre a época em que Newton viveu, apoiada nos estudos de Koestler (1989), Hessen (1985), Najmanovich (2001), Koyrè (1982) e Cohen (1967).

Inicio com um breve comentário sobre a filosofia da Idade Média. Até relativamente poucos anos atrás, a Idade Média era apresentada sob as cores mais sombrias: triste época em que o espírito humano, subjugado à autoridade, esgotava-se em discussões estéreis de problemas imaginários (Koyrè, 1982):

A Idade Média teve sua época de profunda barbárie política, econômica e intelectual, época que se estende mais ou menos do século VI ao século XI. Mas teve também uma época extraordinariamente fecunda, época de vida intelectual e artística de uma intensidade sem par, que se estende do século XI ao século XIV (inclusive), e à qual devemos, entre outras coisas, a arte gótica e a filosofia escolástica. p.22

Segundo Koyrè, a Idade Média teve sua fase de desenvolvimento intelectual e, em geral, “nos é apresentada como inteiramente dominada pela autoridade de Aristóteles. Talvez isso seja verdadeiro, mas apenas no que se refere a um determinado período”.

Provavelmente em 384 a.c., nascia Aristóteles, nas cercanias da província de Macedônia (hoje parte da federação de estados da Iuguslávia). Aos 17 anos, foi para Atenas completar seus estudos. Tornou-se a influência dominante até o fim da Idade Média, e só depois de dois mil anos após sua morte é que suas idéias começaram a ser refutadas.

Para ele, havia dois tipos de movimento: o natural, que se dividia em radial descendente ou ascendente (para corpos terrestres) e circular uniforme (para corpos celestes), e o violento, produzido por causas externas (Rocha, 2002). Tudo deveria ocupar seu lugar natural:

assim, o elemento terra deverá sempre deslocar-se para baixo, pois é o mais pesado (grave) de todos, enquanto que o fogo sempre erguer-se-á acima de todos os outros elementos. O ar ficará abaixo, apenas, da terra. Se abandonamos, portanto, uma pedra, ela cairá através do ar e afundará, mais lentamente, dentro da água, buscando seu lugar natural. Já, se acendermos uma fogueira, a chama elevar-se-á acima do ar, para da mesma forma, encontrar seu lugar natural. p.63

Na Mecânica Aristotélica, um corpo só pode ter um movimento de cada vez. Um projétil lançado obliquamente terá movimento ascendente até que cesse a ação inicial, depois cai verticalmente, sendo assim, a trajetória triangular. Além disso, para ele, os corpos mais pesados caem mais rapidamente, porque procuram com mais "urgência" seu lugar natural.

Aristóteles acreditava ainda que era preciso a ação de uma "força" para ocorrer o movimento com velocidade uniforme. A tendência do corpo, em movimento retilíneo uniforme, seria parar se nenhuma força continuasse a empurrá-lo. Ou seja, um corpo se movendo com velocidade constante, só continuaria a se mover dessa maneira se uma força fosse aplicada sobre ele.

Com relação à Renascença, período considerado por muitos de "renascimento" das letras e das artes como um todo, iniciado na Itália no Século XIV, tendo alcançado seu auge no Século XVI, ainda de Koyrè destaco que:

Falar da contribuição científica da Renascença pode parecer um paradoxo; ou até uma temeridade. Com efeito, se a Renascença constituiu uma época de fecundidade e de riquezas extraordinárias, uma época que enriqueceu prodigiosamente nossa imagem do Universo, todos sabemos, sobretudo nos dias atuais, que a inspiração da Renascença não foi uma inspiração científica. [...] Trata-se da época da mais grosseira e mais profunda superstição, da época em que a crença na magia e na feitiçaria se expandiu de modo prodigioso, infinitamente mais do que na Idade Média. p.46-47

Para Koyrè, uma grande inimiga da Renascença, do ponto de vista filosófico e científico, foi a síntese aristotélica; ao mesmo tempo em que a grande obra desse período foi a destruição dessa síntese. Na física e na cosmologia aristotélicas, é a própria estrutura do espaço físico que determina o lugar dos objetos que nele se encontram. A Terra está no centro do mundo porque, por força de sua natureza, deve achar-se no centro. Exatamente a concepção inversa (Sol no centro do Universo – heliocentrismo) que abre caminho aos sistemas astronômicos que se opõem à concepção aristotélica.

Quem também viveu nessa época foi Descartes. Para ele, movimento natural, ou seja, a idéia de inércia (corpo continuar em movimento), era o movimento em linha reta:

a inércia não fazia os corpos persistirem em movimento circular, mas em movimento linear, o que constituía a teoria mais assombrosa, pois os corpos celestes podiam mover-se em círculos ou em elipses, mas indubitavelmente não se moviam em linha reta. Descartes, portanto, admitiu serem os planetas movidos em círculos por vórtices num éter que a tudo penetrava [...] (KOESTLER, 1989, p.348)

Já Galileu (1564-1642), entre outros estudos, dedicou-se ao movimento/queda dos corpos na superfície da Terra, enquanto Kepler (1571-1630) estudou o movimento dos corpos "no céu".

Kepler explicou que os planetas moviam-se em trajetórias elípticas e que, quanto mais próximos do sol estivessem, maior seria sua velocidade, pois, segundo ele, os planetas varrem áreas iguais em tempos iguais. O que era radicalmente novo na concepção do mundo de Kepler era a idéia de que o Universo era regido pelas mesmas leis e por leis de natureza estritamente matemática:

Kepler soube descobrir as verdadeiras leis dos movimentos planetários. Em compensação, não soube formular as leis do movimento, pois não foi capaz de levar, até o estágio para tanto necessário - aliás, seria extremamente difícil -, a geometria do espaço e chegar à nova noção de movimento que daí resulta. Para Kepler, que, nesta questão, permanece como bom aristotélico, o repouso não precisa ser explicado. O movimento, pelo contrário, precisa de uma explicação e de uma força. Por isso, Kepler não consegue conceber a lei da inércia. Em sua mecânica, como na de Aristóteles, as forças motrizes produzem velocidades e não acelerações. A persistência de um movimento implica a ação permanente de um motor. (KOYRE, 1982, p.52)

Kepler pode estar ligado à Renascença, mas, de acordo com Koyré, é com Galileu que se rompe definitivamente com essa maneira de pensar. Galileu é atraído pela física matemática, pela redução do real ao geométrico. Talvez seja o primeiro a acreditar que as formas matemátics eram efetivamente realizadas no mundo:

Então, saímos da Renascença propriamente dita. E é sobre essas bases, sobre a base galileana e de sua interpretação cartesiana, que se construirá a ciência tal como a conhecemos, nossa ciência, e é sobre essas mesmas bases que se poderá construir a grande e vasta síntese do século XVII, concluída por Newton. (KOYRÈ, 1982, p.53)

Galileu, entre muitos outros estudos, se voltou para a dinâmica dos objetos em queda. Segundo ele, enquanto um corpo cai, a resistência do ar aumenta até que se torna tão grande e se iguala ao peso do corpo que cai. Dessa maneira, "a resistência do ar evitará qualquer aumento em velocidade e tornará o movimento uniforme" (COHEN, 1967, p.118). Essa afirmativa é antiaristotélica, porque, como afirmei anteriormente, quando a força motriz iguala a resistência, a velocidade é zero. Pode-se dizer, em forma restrita, que se trata da afirmação da primeira lei do movimento de Newton.

No que se refere a Isaac Newton (1642-1727), Hessen (1985) forneceu-me informações relevantes a respeito da época em que viveu e escreveu sua obra sobre mecânica. As atividades de Newton se encontram no mesmo momento do desenvolvimento da propriedade privada (século XVII - XVIII).

Quais eram os problemas técnicos existentes nesse período? Na época anterior, do feudalismo, não havia necessidade de intensa comunicação, pois os feudos (unidades de produção) eram auto-suficientes. Com o desenvolvimento do comércio, surgiu a necessidade de melhorar o transporte: aumentar a carga transportada pelos navios, assim como sua velocidade e estabilidade. O desenvolvimento da indústria favoreceu o desenvolvimento da artilharia e a extração mineral (ferro e cobre). Os primeiros trabalhos teóricos no campo da balística correspondem ao século XVI e, no final do século XVII, em todos os países, a artilharia perde seu caráter artesanal.

Quando penso em condições de produção das leis de Newton, destaco as idéias que Najmanovich (2001) traz em O sujeito encarnado. Para refletir a respeito dos limites de validade das leis e das suas condições de produção é necessário entender a época em que estas leis foram criadas. Por exemplo, Galileu, que viveu entre 1564 e 1642, privilegiou o quantitativo em favor do qualitativo. "Seria Galileu extraterrestre, um ser absolutamente diferente de seus contemporâneos, ou essa prioridade do quantitativo, ao contrário, era um elemento fundamental da sociedade em que ele vivia?"

Se se retornar à sua época, nota-se que coincide com o Renascimento, em que era privilegiado o quanto, até o amor era quantificado "qual de vós, dizei-me, nos ama mais? Que nossa maior generosidade se estenda sobre aquela cujos sentimentos naturais mereçam maior prêmio."

Foi uma época em que as cidades começaram a florescer, o comércio passou a ser atividade de destaque, ou seja,

as velhas certezas começaram a cambalear, mas sua queda e substituição por uma nova cosmovisão durou vários séculos, durante os quais se produziram transformações radicais nas artes, na filosofia, e na religião ligadas sempre ao novo modo de vida das cidades e à concepção mercantil da intermudança. (NAJMANOVICH, 2001, p.70)

Segundo a mecânica Newtoniana “o mundo da matéria é uma máquina cujas operações se podem determinar exactamente por meio de leis físicas e matemáticas [...]” (SANTOS, 1987, p.17).

Somente no início do século XX, através da teoria da Relatividade Geral e da Física Quântica, é que se concebeu que o universo das leis de Newton tinha suas limitações:

Einstein constitui o primeiro rombo no paradigma da ciência moderna, um rombo, aliás, mais importante do que o que Einstein foi subjectivamente capaz de admitir. Um dos pensamentos mais profundos de Einstein é o da relatividade da simultaneidade. Einstein distingue entre a simultaneidade de acontecimentos presentes no mesmo lugar e a simultaneidade de acontecimentos distantes, em particular de acontecimentos separados por distâncias astronômicas. (SANTOS, 1987, p. 2)

O pressuposto da teoria de Einstein é que não existe velocidade superior à velocidade da luz. O problema a ser resolvido é "como é que o observador estabelece a ordem temporal de acontecimentos no espaço?" Certamente, por medições da velocidade da luz (SANTOS, 1987). Ao medir a velocidade numa direção, Einstein se defronta com um problema:

a fim de determinar a simultaneidade dos acontecimentos distantes é necessário conhecer a velocidade; mas para medir a velocidade é necessário conhecer a simultaneidade dos acontecimentos. [...] Einstein rompe com este círculo, demostrando que a simultaneidade de acontecimentos distantes não pode ser verificada, pode tão - só ser definida. [...] essa teoria veio revolucionar as nossas concepções de espaço e de tempo. p.24-25

Ainda de acordo com Santos, se Einstein relativizou o rigor das leis de Newton no domínio da astrofísica, a mecânica quântica fê-lo no domínio da microfísica:

Heisenberg e Bohr demostram que não é possível observar ou medir um objecto sem interferir nele, sem o alterar, e a tal ponto que o objecto que sai de um processo de medição não é o mesmo que lá entrou.[...] A idéia de que não conhecemos do real senão o que nele introduzimos, ou seja, que não conhecemos do real senão a nossa intervenção nele, está bem expressa no princípio de incerteza de Heisenberg (SANTOS, 1987, p.26)

Ainda que considere os avanços da relatividade e da Física quântica, reforço a importância dos estudos das leis de Newton também porque, como afirma Silva (2004),

teorias físicas do século XX certamente se afastam em muitos aspectos da mecânica newtoniana, possuindo epistemologias e filosofias diferentes [...]. No entanto, a física newtoniana, uma teoria muito bem estabelecida há mais de 300 anos, não apenas permanece válida, ainda que sob certos limites impostos pela teoria quântica e pela teoria da relatividade, como tem uma relação forte com nosso contexto científica – tecnológico contemporâneo, além de ter seu campo de fenômenos de aplicação ampliado pelo desenvolvimento da cosmologia e astrofísica no século 20. p.35

---
É isso!


Fonte:
Tatiana Lança: “Newton numa leitura de divulgação científica: produção de sentidos no Ensino Médio”. (Dissertação de Mestrado. Orientatora: Maria José P.M. de Almeida). Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Campinas, 2005.

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
Eduardo
Eduardo

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Inscrição : 08/05/2010

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