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Um pouco da história da ANATOMIA
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23012011
Um pouco da história da ANATOMIA
Um pouco da história da ANATOMIA
Histórico do uso de cadáveres humanos
A “Anatomia” tem os seus primeiros relatos deste o início da civilização, a partir do instante em que o homem passa observar em outro homem e em outros animais, as várias regiões do corpo das quais eram constituídos (Tavares, 1999; Silvino, 2001). Ao contrário do que muitos pensam, a Anatomia não é uma ciência morta, muito menos de apenas cadáveres. Anatomia, além de não ser uma ciência morta, é essencial para o conhecimento, pois é através dela que os profissionais da área da saúde adquirem conhecimentos dissecando ou observando o corpo humano (Chevrel, 2003).
A ciência “Anatomia” começou nos primórdios da história humana. O homem pré-histórico já observava à sua volta a existência de seres diferentes de seu corpo, os animais. Com isso, passou a gravar nas paredes das cavernas e fazer esculturas das formas que via. Com isso passou a notar detalhes, que hoje nos permite identificar as espécies animais descritas (Silvino, 2001). Estas representações indicam não somente que a pintura pré-histórica nasceu há muito tempo, mas que se desenvolveu em ritmo rápido e atingiu admirável grau de satisfação (Knapp, 2004).
Segundo Valladas et al (2004), a arte do Homo sapiens era bastante elaborada, tanto em termos de realismo quanto de traços artísticos, é o que revela os animais desenhados nas grutas, os quais tem aparência bastante realista.
Da simples observação, passou-se a prática da dissecação, o que levou a anatomia a se firmar como princípio fundamental da prática na “área da saúde” (Erhart, 1976; Alberts, 1997). Segundo Moore (1990) “A anatomia é uma antiga ciência médica básica”.
Na verdade, torna-se impossível distinguir a história da Anatomia Humana e da Medicina visto que estas áreas cresceram e se desenvolveram em "parceria" durante séculos (Oliveira, 1981).
A partir do ano 150 a. C. a dissecação humana foi proibida por razões éticas e religiosas (Petrucelli, 1997). Parece que o estudo da anatomia humana, segundo Petrucelli (1997) e Wecker (2002), recomeçou mais por razões práticas que intelectuais, e o motivo mais importante para a dissecação humana, foi o desejo de saber a causa da morte por razões essencialmente médico-legais, de averiguar o que havia matado uma pessoa importante ou elucidar a natureza da peste ou outra enfermidade infecciosa.
A anatomia da Grécia teve sua origem no Egito (Gray, 1977; Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978; Melo, 1989; Moore, 1990; Singer, 1996). Durante o milênio que antecedeu à Cristo, o centro da civilização transferiu-se do Egito para o cenário temperado do mundo grego, onde nasceram os conceitos de medicina racional e de ética médica como parte integrante de uma busca do homem pela verdade objetiva (Melo, 1989; Noronha, 1998).
A história do uso do cadáver humano retrata que o meio mais antigo, de que se tem conhecimento, para conservação de cadáveres, é a mumificação ou embalsamento (Chagas, 2001). Segundo Melo (1989), este método era praticado pelos egípcios com finalidade religiosa e não para preparar cadáveres desconhecidos. Acreditava-se que os mortos continuariam vivos no túmulo, porém era uma graça concedida apenas aos nobres e reis, como pode ser observado pela cabeça mumificada do Faraó Ramses V. No Egito dos Faraós, a mais de 5.000 anos, desenvolveu-se esta técnica de embalsamento, permitindo os primeiros estudos anatômicos das doenças.
Os primeiros cientistas Anatomistas e Médicos foram os egípcios. Após vieram os Mesopotâmios (Melo, 1989). A importância do médico que cuidava dos animais era tão grande para os Mesopotâmios, que o exercício da atividade ganhou destaque até no "código de Hamurabi". Essa importância era devida aos cavalos, pois estes eram: o meio de transporte, máquina de guerra e moeda de escambo (Chagas, 2001).
Foram os gregos que denotaram um maior avanço no estudo da anatomia. A história grega conta que todo guerreiro era hábil em extrair uma ponta de flecha. Os médicos guerreiros conheciam ossos, juntas, músculos e tendões do corpo (Melo, 1989). O cadáver humano não era violado, por questões religiosas e leis oficiais estabelecidas (Chagas, 2001).
Foi Alcameon de Croton (500 a.C.) que forneceu os mais antigos registros de observações anatômicas reais, fazendo dissecação em animais (Gray, 1977; Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978; Melo, 1989; Petrucelli, 1997; Soares, 1999) e o seu tratado sobre a natureza tornou-se um texto médico fundamental (Melo, 1989).
Na Grécia, Hipócrates de Cós, criou a célebre "Teoria Humoral da Enfermidade", com base na aparência externa do indivíduo e correlacionando causas e efeitos, ainda que empiricamente (Melo, 1989). Considerado um dos fundadores da ciência anatômica (Gray, 1977; Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978; Moore, 1990), e a ele são atribuídos 72 textos e num destes afirmou que “A Natureza do corpo é o início da Ciência Médica” (Melo, 1989; Moore, 1990).
Os “Ensinamentos e Juramento” de Hipócrates deram partida aos códigos moral e ético da prática profissional, e o mundo grego conheceu uma nova imagem do médico, agora sendo um homem simples, humano, real (Melo 1989).
Nessa mesma Roma antiga, viveu Cornelius Celsus, que descreveu os 4 sinais cardeais da inflamação: vermelhidão, inchaço, calor e dor ["Signa inflammationis quatror sunt: Rubor et Tumor, cum Calor et Dolor"], redescobertos em 1443 pelo Papa Nicolas V (Melo, 1989). Escreveu a primeira história médica organizada, traçando sua evolução através da Medicina hipocrática e Alexandrina (Chagas, 2001).
A anatomia humana de superfície foi estudada em obras de arte da Grécia desde o século V a.C. De Anatomia (da coleção hipocrática, meados do século IV a.C.) é talvez o mais antigo tratado de anatomia e do Coração é a mais antiga obra anatômica completa (Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978).
Setenta e dois anos depois de Hipócrates, surge Aristóteles, o qual adotava o coração como centro das emoções (Cole, 1944; Gray, 1977; Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978). Aristóteles (384-322 a.C.), foi o fundador da anatomia comparativa, sendo o mais famoso dos discípulos de Platô, também não usou cadáveres humanos, concentrando seus estudos de dissecação nos vertebrados (Moore, 1990; Singer, 1996; Chagas, 2001).
Quase meio século depois de Aristóteles, surgiu o primeiro homem a ousar dissecar o cadáver humano, apesar de todos os perigos e preconceitos existentes na época (Chagas, 2001). Foi Herófilo da Calcedônia concretizando o desejo de muitos anatomistas ao dissecar o corpo humano, e assim, desenvolveu um esquema de distribuição, formato e tamanho dos órgãos: descreveu o fígado, o cérebro, os órgãos sexuais. Através dos seus estudos pioneiros nascia a Medicina (Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978; Petrucelli, 1997, Soares, 1999).
Já Erasístrato de Quios (290 a.C.) colaborador de Herófilo também dissecou cadáveres humanos e formou a Escola de Alexandria, a qual deu, a partir dali, impulso às ciências anatômicas (Chagas, 2001).
Segundo Gardner, Gray e O’Rahilly (1978), Mondino de Luzzi (1276-1326), o “restaurador da anatomia”, fez voltar, de forma inovadora, o hábito de dissecar cadáveres humanos, adotado por Herófilo e Erasístrato, dando porém mais ênfase à prática anatômica universitária. Realizou dissecações públicas em Bolonha em 1315 e escreveu sua Anatomia em 1316. Nesta época de Mondino, era comum as aulas práticas de anatomia acontecerem na casa do próprio professor (Noronha, 1998). Surgia a fase da real importância do cadáver desconhecido, não só para o estudo da anatomia, como também posteriormente, pré-requisito para a cirurgia (Chagas, 2001).
Depois de Mondino, o uso de cadáver na prática da anatomia teve um retrocesso, com o surgimento de Galeno de Pérgamo, que demonstrou e escreveu sobre anatomia sem ter dissecado um só cadáver humano (Gray, 1977; Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978; Chagas, 2001). Galeno teve reconhecimento na Roma Imperial, em relação à prática médica, que percebeu a ação do cérebro sobre todas as manifestações físicas dos doentes romanos (Melo, 1989; Noronha, 1998). A religião grega era mais hostil e dominante do que a religião egípicia, no que se refere a qualquer interferência quanto ao uso dos corpos dos mortos. “As leis romanas impediam o uso de cadáveres humanos para estudos” (Chagas, 2001).
Mas um dos pontos fracos do ensino de Galeno foi frustar o desenvolvimento da Medicina por séculos. O conteúdo teológico de suas idéias era bastante aceitável para a crescente teologia da fé cristã, objetá-las tornou-se, com o tempo, uma séria ofensa (Melo, 1989).
Galeno, efetuou estudos fisiológicos em cães, porcos, cavalos, aves, macacos e fez alusão ao ser humano, cometendo desta maneira, grandes erros, descobertos depois por anatomistas de outras épocas (Petrucelli, 1997; Soares, 1999; História da medicina, 2003). Suas descobertas foram ainda utilizadas por 1400 anos (Melo, 1989). Os estudos provenientes nessa época e nas seguintes, dependiam da autorização expressa do rei, ou corria-se o risco de ser preso e condenado (Chagas, 2001).
Em 1315, Frederico II imperador da Alemanha e das Sicílias tornou obrigatório para os cirurgiões o estudo da anatomia em cadáveres humanos, (o conhecimento da anatomia humana é o primeiro requisito para cirurgia) e a partir daí foram fundados cursos de anatomia nas Universidades da Itália, França e toda Europa, posteriormente (Silvino, 2001). Porém existem provas de que as dissecações começaram na Itália antes de 1240. Em 1275, o italiano Guglielmo Saliceto lança “Chirurgia”, é o primeiro registro de dissecação de um cadáver humano (Gray, 1977; Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978; Melo, 1989).
Meio às dificuldades, clandestinidade e resistência das classes cléricas e governamentais, um fato importante e histórico acontecia em 1376, quando o Duque Anjou autorizou a dissecação pública e anual de um cadáver, o que constituiu-se num importante avanço para o estudo da anatomia (Chagas, 2001).
Na Idade Média o curso da Anatomia modificou-se quando um artista italiano, tentando esculpir um crucifixo para uma igreja, obteve do prior a permissão para esfolar um cadáver para verificação de seus músculos. Nascia a Anatomia como arte (Melo, 1989).
O Renascimento chegava em boa hora para o bem e progresso da humanidade, pois foi um movimento de renovação de valores, pagando todos os preços que tinha direito, pois o espírito liberal rompia as barreiras do culto cego das autoridades e, aos poucos, ganhava espaço em nome da razão e evolução dos tempos (Chagas, 2001).
A anatomia foi estudada por artistas como, por exemplo, Leonardo da Vinci, que contribuiu muito para a anatomia (Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978; Melo, 1989). Estudando com finalidade de buscar a perfeição em suas formas artísticas, acabou por contribuir com a descrição de partes do corpo (Petrucelli, 1997). Ele acreditava que a verdade anatômica na arte só poderia ser atingida na mesa de dissecação (Melo, 1989).
As proporções do corpo humano não foram simplesmente medidas e cálculos, mas um conhecimento exato do corpo, sendo o primeiro a se dedicar de maneira sistemática a analisar a anatomia e as proporções do corpo humano e dos animais (Friedenthal, 1990).
Os desenhos de Da Vinci evidenciam, não só a arte, mas também um profundo conhecimento anatômico, mostrando não apenas anatomia de superfície, mas grupos musculares perfeitos, como os músculos do dorso e membros superiores vistos na figura 19 (Petrucelli, 1997; Tavares, 1999).
A osteologia também teve uma atenção toda especial nas dissecações de Da Vinci, como pode ser observado no livro “O Pensamento Vivo” de Da Vinci” (Claret, 1985). A comparação de imagens obtidas nos modernos aparelhos de tomografia computadorizada com seus desenhos sobre a anatomia oferece uma espécie de revelação: Leonardo acertou com exatidão espantosa, por exemplo, detalhes sobre a posição do feto no interior do útero antecipando imagens modernas (Teixeira, 2004).
Da Vinci é a maior prova de que a arte e ciência caminham juntas de mãos dadas e, na anatomia, o cadáver foi esse elo (Singer, 1996). Segundo Freud, apud Teixeira (2004), “Leonardo da Vinci acordou do sono da Idade Média antes dos outros homens”.
A força e o dinamismo desmedidos do corpo humano atingiram seu ápice com Michelangelo Buonarotti (Melo, 1989). Ele passou pelo menos vinte anos adquirindo conhecimentos anatômicos através das dissecações que praticava pessoalmente, sobretudo no convento de Santo Espírito de Florença (Petrucelli, 1997; Wecker, 2002). Michelangelo também estudou o corpo humano a fundo, e para isso, dissecou e desenhou até que a figura deixasse de ter quaisquer segredos (Gombrich, 1978). Usava modelos vivos para capturar a realidade, sendo retratado em obras como: David uma obra-prima de anatomia; a escultura de Moisés concluída em 1516, traz a estrutura de um ombro dissecado na perna do patriarca bíblico e as imagens do teto da Capela Sistina, que são imensas mas anatomicamente corretas, (Melo, 1989; Meshberger, 1991; Sala, 1995; Teixeira, 2004; Giron, 2004).
Apesar de todo o progresso em relação aos estudos da anatomia humana, a dissecação de cadáveres humanos não só era proibida pela Igreja e autoridades governamentais, como era também punido quem fosse apanhado dissecando. Mas a ciência não podia parar e, movidos pelo ímpeto e desejo de aprender e desmistificar o proibido em prol da ciência, os anatomistas não se davam por vencidos (Chagas, 2001). E, enquanto a autorização não chegava, eles insistiam em dissecar os cadáveres às escondidas, normalmente em calabouços ou subterrâneos devidamente escolhidos para este fim.
No passado apenas os cadáveres de criminosos e assassinos enforcados eram usados nas dissecações. Isto gerou um grave problema que era a quantidade insuficiente de cadáveres para estudo, resultando com isto o aparecimento dos chamados “ressucitadores” que eram pessoas que supriam, com cadáveres roubados, os famosos médicos e anatomistas da época (Melo, 1989; Chagas, 2001).
A anatomia foi totalmente reformada por Andreas Vesalius, em seu livro “De humani corporis fabrica” (Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978; Melo, 1989; História da Medicina, 2003; Vesalius, 2003). De acordo com Petry (2000) e Silvino (2001) nesta época a anatomia deu um grande passo para conquistar definitivamente o seu papel fundamental como “Ciência Básica”. Finalmente o cadáver desconhecido não só seria conhecido do público, como a partir dessa época passaria a ser, depois do professor, a figura mais importante no ensino da anatomia, sem esquecer do corpo discente (Chagas, 2001).
Vesalius em vez de apoiar-se em aparências, preferiu pesquisar todas as partes do corpo, corrigindo muitos erros cometidos por outros estudiosos anteriores a ele (DiDio, 2000; Vesalius, 2003; Teixeira, Galvão, Steiger et al, 2004). Segundo Melo (1989), Vesalius descobriu que várias das descrições de Galeno não estavam de acordo com os fatos observados. As dissecações públicas de Vesalius, demonstradas através de seu livro De Humani Corporis Fabrica comprovam que ele estabeleceu definitivamente o método correto de dissecação anatômica. As poses dos corpos dissecados lembram mais a vida que a morte, em alguns casos, o pano de fundo retrata paisagens naturais ou cidades italianas. Já a figura 30, retrata uma das pranchas de seu livro, a qual descreve todos os músculos superficiais do corpo. A postura do cadáver, sugeriu a posição anatômica, hoje padronizada, para o ensino de anatomia humana em todo mundo (Saunders, 1956; Chagas, 2001; Teixeira, Galvão, Steiger et al, 2004)...”
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É isso!
Fonte:
CARLA DE ALCÂNTARA FERREIRA QUEIROZ: “O USO DE CADÁVERES HUMANOS COMO INSTRUMENTO NA CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO A PARTIR DE UMA VISÃO BIOÉTICA”. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais e Saúde, da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Católica de Goiás, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Ambientais e Saúde. Orientador: Prof. Dr. José Nicolau Heck). Universidade Católica de Goiás. Goiânia, 2005.
Nota:
O título e as imagens inseridos no texto não se incluem na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
Histórico do uso de cadáveres humanos
A “Anatomia” tem os seus primeiros relatos deste o início da civilização, a partir do instante em que o homem passa observar em outro homem e em outros animais, as várias regiões do corpo das quais eram constituídos (Tavares, 1999; Silvino, 2001). Ao contrário do que muitos pensam, a Anatomia não é uma ciência morta, muito menos de apenas cadáveres. Anatomia, além de não ser uma ciência morta, é essencial para o conhecimento, pois é através dela que os profissionais da área da saúde adquirem conhecimentos dissecando ou observando o corpo humano (Chevrel, 2003).
A ciência “Anatomia” começou nos primórdios da história humana. O homem pré-histórico já observava à sua volta a existência de seres diferentes de seu corpo, os animais. Com isso, passou a gravar nas paredes das cavernas e fazer esculturas das formas que via. Com isso passou a notar detalhes, que hoje nos permite identificar as espécies animais descritas (Silvino, 2001). Estas representações indicam não somente que a pintura pré-histórica nasceu há muito tempo, mas que se desenvolveu em ritmo rápido e atingiu admirável grau de satisfação (Knapp, 2004).
Segundo Valladas et al (2004), a arte do Homo sapiens era bastante elaborada, tanto em termos de realismo quanto de traços artísticos, é o que revela os animais desenhados nas grutas, os quais tem aparência bastante realista.
Da simples observação, passou-se a prática da dissecação, o que levou a anatomia a se firmar como princípio fundamental da prática na “área da saúde” (Erhart, 1976; Alberts, 1997). Segundo Moore (1990) “A anatomia é uma antiga ciência médica básica”.
Na verdade, torna-se impossível distinguir a história da Anatomia Humana e da Medicina visto que estas áreas cresceram e se desenvolveram em "parceria" durante séculos (Oliveira, 1981).
A partir do ano 150 a. C. a dissecação humana foi proibida por razões éticas e religiosas (Petrucelli, 1997). Parece que o estudo da anatomia humana, segundo Petrucelli (1997) e Wecker (2002), recomeçou mais por razões práticas que intelectuais, e o motivo mais importante para a dissecação humana, foi o desejo de saber a causa da morte por razões essencialmente médico-legais, de averiguar o que havia matado uma pessoa importante ou elucidar a natureza da peste ou outra enfermidade infecciosa.
A anatomia da Grécia teve sua origem no Egito (Gray, 1977; Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978; Melo, 1989; Moore, 1990; Singer, 1996). Durante o milênio que antecedeu à Cristo, o centro da civilização transferiu-se do Egito para o cenário temperado do mundo grego, onde nasceram os conceitos de medicina racional e de ética médica como parte integrante de uma busca do homem pela verdade objetiva (Melo, 1989; Noronha, 1998).
A história do uso do cadáver humano retrata que o meio mais antigo, de que se tem conhecimento, para conservação de cadáveres, é a mumificação ou embalsamento (Chagas, 2001). Segundo Melo (1989), este método era praticado pelos egípcios com finalidade religiosa e não para preparar cadáveres desconhecidos. Acreditava-se que os mortos continuariam vivos no túmulo, porém era uma graça concedida apenas aos nobres e reis, como pode ser observado pela cabeça mumificada do Faraó Ramses V. No Egito dos Faraós, a mais de 5.000 anos, desenvolveu-se esta técnica de embalsamento, permitindo os primeiros estudos anatômicos das doenças.
Os primeiros cientistas Anatomistas e Médicos foram os egípcios. Após vieram os Mesopotâmios (Melo, 1989). A importância do médico que cuidava dos animais era tão grande para os Mesopotâmios, que o exercício da atividade ganhou destaque até no "código de Hamurabi". Essa importância era devida aos cavalos, pois estes eram: o meio de transporte, máquina de guerra e moeda de escambo (Chagas, 2001).
Foram os gregos que denotaram um maior avanço no estudo da anatomia. A história grega conta que todo guerreiro era hábil em extrair uma ponta de flecha. Os médicos guerreiros conheciam ossos, juntas, músculos e tendões do corpo (Melo, 1989). O cadáver humano não era violado, por questões religiosas e leis oficiais estabelecidas (Chagas, 2001).
Foi Alcameon de Croton (500 a.C.) que forneceu os mais antigos registros de observações anatômicas reais, fazendo dissecação em animais (Gray, 1977; Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978; Melo, 1989; Petrucelli, 1997; Soares, 1999) e o seu tratado sobre a natureza tornou-se um texto médico fundamental (Melo, 1989).
Na Grécia, Hipócrates de Cós, criou a célebre "Teoria Humoral da Enfermidade", com base na aparência externa do indivíduo e correlacionando causas e efeitos, ainda que empiricamente (Melo, 1989). Considerado um dos fundadores da ciência anatômica (Gray, 1977; Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978; Moore, 1990), e a ele são atribuídos 72 textos e num destes afirmou que “A Natureza do corpo é o início da Ciência Médica” (Melo, 1989; Moore, 1990).
Os “Ensinamentos e Juramento” de Hipócrates deram partida aos códigos moral e ético da prática profissional, e o mundo grego conheceu uma nova imagem do médico, agora sendo um homem simples, humano, real (Melo 1989).
Nessa mesma Roma antiga, viveu Cornelius Celsus, que descreveu os 4 sinais cardeais da inflamação: vermelhidão, inchaço, calor e dor ["Signa inflammationis quatror sunt: Rubor et Tumor, cum Calor et Dolor"], redescobertos em 1443 pelo Papa Nicolas V (Melo, 1989). Escreveu a primeira história médica organizada, traçando sua evolução através da Medicina hipocrática e Alexandrina (Chagas, 2001).
A anatomia humana de superfície foi estudada em obras de arte da Grécia desde o século V a.C. De Anatomia (da coleção hipocrática, meados do século IV a.C.) é talvez o mais antigo tratado de anatomia e do Coração é a mais antiga obra anatômica completa (Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978).
Setenta e dois anos depois de Hipócrates, surge Aristóteles, o qual adotava o coração como centro das emoções (Cole, 1944; Gray, 1977; Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978). Aristóteles (384-322 a.C.), foi o fundador da anatomia comparativa, sendo o mais famoso dos discípulos de Platô, também não usou cadáveres humanos, concentrando seus estudos de dissecação nos vertebrados (Moore, 1990; Singer, 1996; Chagas, 2001).
Quase meio século depois de Aristóteles, surgiu o primeiro homem a ousar dissecar o cadáver humano, apesar de todos os perigos e preconceitos existentes na época (Chagas, 2001). Foi Herófilo da Calcedônia concretizando o desejo de muitos anatomistas ao dissecar o corpo humano, e assim, desenvolveu um esquema de distribuição, formato e tamanho dos órgãos: descreveu o fígado, o cérebro, os órgãos sexuais. Através dos seus estudos pioneiros nascia a Medicina (Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978; Petrucelli, 1997, Soares, 1999).
Já Erasístrato de Quios (290 a.C.) colaborador de Herófilo também dissecou cadáveres humanos e formou a Escola de Alexandria, a qual deu, a partir dali, impulso às ciências anatômicas (Chagas, 2001).
Segundo Gardner, Gray e O’Rahilly (1978), Mondino de Luzzi (1276-1326), o “restaurador da anatomia”, fez voltar, de forma inovadora, o hábito de dissecar cadáveres humanos, adotado por Herófilo e Erasístrato, dando porém mais ênfase à prática anatômica universitária. Realizou dissecações públicas em Bolonha em 1315 e escreveu sua Anatomia em 1316. Nesta época de Mondino, era comum as aulas práticas de anatomia acontecerem na casa do próprio professor (Noronha, 1998). Surgia a fase da real importância do cadáver desconhecido, não só para o estudo da anatomia, como também posteriormente, pré-requisito para a cirurgia (Chagas, 2001).
Depois de Mondino, o uso de cadáver na prática da anatomia teve um retrocesso, com o surgimento de Galeno de Pérgamo, que demonstrou e escreveu sobre anatomia sem ter dissecado um só cadáver humano (Gray, 1977; Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978; Chagas, 2001). Galeno teve reconhecimento na Roma Imperial, em relação à prática médica, que percebeu a ação do cérebro sobre todas as manifestações físicas dos doentes romanos (Melo, 1989; Noronha, 1998). A religião grega era mais hostil e dominante do que a religião egípicia, no que se refere a qualquer interferência quanto ao uso dos corpos dos mortos. “As leis romanas impediam o uso de cadáveres humanos para estudos” (Chagas, 2001).
Mas um dos pontos fracos do ensino de Galeno foi frustar o desenvolvimento da Medicina por séculos. O conteúdo teológico de suas idéias era bastante aceitável para a crescente teologia da fé cristã, objetá-las tornou-se, com o tempo, uma séria ofensa (Melo, 1989).
Galeno, efetuou estudos fisiológicos em cães, porcos, cavalos, aves, macacos e fez alusão ao ser humano, cometendo desta maneira, grandes erros, descobertos depois por anatomistas de outras épocas (Petrucelli, 1997; Soares, 1999; História da medicina, 2003). Suas descobertas foram ainda utilizadas por 1400 anos (Melo, 1989). Os estudos provenientes nessa época e nas seguintes, dependiam da autorização expressa do rei, ou corria-se o risco de ser preso e condenado (Chagas, 2001).
Em 1315, Frederico II imperador da Alemanha e das Sicílias tornou obrigatório para os cirurgiões o estudo da anatomia em cadáveres humanos, (o conhecimento da anatomia humana é o primeiro requisito para cirurgia) e a partir daí foram fundados cursos de anatomia nas Universidades da Itália, França e toda Europa, posteriormente (Silvino, 2001). Porém existem provas de que as dissecações começaram na Itália antes de 1240. Em 1275, o italiano Guglielmo Saliceto lança “Chirurgia”, é o primeiro registro de dissecação de um cadáver humano (Gray, 1977; Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978; Melo, 1989).
Meio às dificuldades, clandestinidade e resistência das classes cléricas e governamentais, um fato importante e histórico acontecia em 1376, quando o Duque Anjou autorizou a dissecação pública e anual de um cadáver, o que constituiu-se num importante avanço para o estudo da anatomia (Chagas, 2001).
Na Idade Média o curso da Anatomia modificou-se quando um artista italiano, tentando esculpir um crucifixo para uma igreja, obteve do prior a permissão para esfolar um cadáver para verificação de seus músculos. Nascia a Anatomia como arte (Melo, 1989).
O Renascimento chegava em boa hora para o bem e progresso da humanidade, pois foi um movimento de renovação de valores, pagando todos os preços que tinha direito, pois o espírito liberal rompia as barreiras do culto cego das autoridades e, aos poucos, ganhava espaço em nome da razão e evolução dos tempos (Chagas, 2001).
A anatomia foi estudada por artistas como, por exemplo, Leonardo da Vinci, que contribuiu muito para a anatomia (Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978; Melo, 1989). Estudando com finalidade de buscar a perfeição em suas formas artísticas, acabou por contribuir com a descrição de partes do corpo (Petrucelli, 1997). Ele acreditava que a verdade anatômica na arte só poderia ser atingida na mesa de dissecação (Melo, 1989).
As proporções do corpo humano não foram simplesmente medidas e cálculos, mas um conhecimento exato do corpo, sendo o primeiro a se dedicar de maneira sistemática a analisar a anatomia e as proporções do corpo humano e dos animais (Friedenthal, 1990).
Os desenhos de Da Vinci evidenciam, não só a arte, mas também um profundo conhecimento anatômico, mostrando não apenas anatomia de superfície, mas grupos musculares perfeitos, como os músculos do dorso e membros superiores vistos na figura 19 (Petrucelli, 1997; Tavares, 1999).
A osteologia também teve uma atenção toda especial nas dissecações de Da Vinci, como pode ser observado no livro “O Pensamento Vivo” de Da Vinci” (Claret, 1985). A comparação de imagens obtidas nos modernos aparelhos de tomografia computadorizada com seus desenhos sobre a anatomia oferece uma espécie de revelação: Leonardo acertou com exatidão espantosa, por exemplo, detalhes sobre a posição do feto no interior do útero antecipando imagens modernas (Teixeira, 2004).
Da Vinci é a maior prova de que a arte e ciência caminham juntas de mãos dadas e, na anatomia, o cadáver foi esse elo (Singer, 1996). Segundo Freud, apud Teixeira (2004), “Leonardo da Vinci acordou do sono da Idade Média antes dos outros homens”.
A força e o dinamismo desmedidos do corpo humano atingiram seu ápice com Michelangelo Buonarotti (Melo, 1989). Ele passou pelo menos vinte anos adquirindo conhecimentos anatômicos através das dissecações que praticava pessoalmente, sobretudo no convento de Santo Espírito de Florença (Petrucelli, 1997; Wecker, 2002). Michelangelo também estudou o corpo humano a fundo, e para isso, dissecou e desenhou até que a figura deixasse de ter quaisquer segredos (Gombrich, 1978). Usava modelos vivos para capturar a realidade, sendo retratado em obras como: David uma obra-prima de anatomia; a escultura de Moisés concluída em 1516, traz a estrutura de um ombro dissecado na perna do patriarca bíblico e as imagens do teto da Capela Sistina, que são imensas mas anatomicamente corretas, (Melo, 1989; Meshberger, 1991; Sala, 1995; Teixeira, 2004; Giron, 2004).
Apesar de todo o progresso em relação aos estudos da anatomia humana, a dissecação de cadáveres humanos não só era proibida pela Igreja e autoridades governamentais, como era também punido quem fosse apanhado dissecando. Mas a ciência não podia parar e, movidos pelo ímpeto e desejo de aprender e desmistificar o proibido em prol da ciência, os anatomistas não se davam por vencidos (Chagas, 2001). E, enquanto a autorização não chegava, eles insistiam em dissecar os cadáveres às escondidas, normalmente em calabouços ou subterrâneos devidamente escolhidos para este fim.
No passado apenas os cadáveres de criminosos e assassinos enforcados eram usados nas dissecações. Isto gerou um grave problema que era a quantidade insuficiente de cadáveres para estudo, resultando com isto o aparecimento dos chamados “ressucitadores” que eram pessoas que supriam, com cadáveres roubados, os famosos médicos e anatomistas da época (Melo, 1989; Chagas, 2001).
A anatomia foi totalmente reformada por Andreas Vesalius, em seu livro “De humani corporis fabrica” (Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978; Melo, 1989; História da Medicina, 2003; Vesalius, 2003). De acordo com Petry (2000) e Silvino (2001) nesta época a anatomia deu um grande passo para conquistar definitivamente o seu papel fundamental como “Ciência Básica”. Finalmente o cadáver desconhecido não só seria conhecido do público, como a partir dessa época passaria a ser, depois do professor, a figura mais importante no ensino da anatomia, sem esquecer do corpo discente (Chagas, 2001).
Vesalius em vez de apoiar-se em aparências, preferiu pesquisar todas as partes do corpo, corrigindo muitos erros cometidos por outros estudiosos anteriores a ele (DiDio, 2000; Vesalius, 2003; Teixeira, Galvão, Steiger et al, 2004). Segundo Melo (1989), Vesalius descobriu que várias das descrições de Galeno não estavam de acordo com os fatos observados. As dissecações públicas de Vesalius, demonstradas através de seu livro De Humani Corporis Fabrica comprovam que ele estabeleceu definitivamente o método correto de dissecação anatômica. As poses dos corpos dissecados lembram mais a vida que a morte, em alguns casos, o pano de fundo retrata paisagens naturais ou cidades italianas. Já a figura 30, retrata uma das pranchas de seu livro, a qual descreve todos os músculos superficiais do corpo. A postura do cadáver, sugeriu a posição anatômica, hoje padronizada, para o ensino de anatomia humana em todo mundo (Saunders, 1956; Chagas, 2001; Teixeira, Galvão, Steiger et al, 2004)...”
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É isso!
Fonte:
CARLA DE ALCÂNTARA FERREIRA QUEIROZ: “O USO DE CADÁVERES HUMANOS COMO INSTRUMENTO NA CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO A PARTIR DE UMA VISÃO BIOÉTICA”. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais e Saúde, da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Católica de Goiás, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Ambientais e Saúde. Orientador: Prof. Dr. José Nicolau Heck). Universidade Católica de Goiás. Goiânia, 2005.
Nota:
O título e as imagens inseridos no texto não se incluem na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
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