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A crise na ciência
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05032011
A crise na ciência
A crise na ciência
“É possível imaginar que na Europa, a oeste do rio Reno, o pensamento mecanicista e determinista obteve uma aceitação muito grande, porque existia uma base material, qual seja, o grande desenvolvimento industrial que aí ocorreu, e pela capacidade do desenvolvimento tecnológico em permitir a construção de maquinas suficientemente poderosas que estavam permitindo multiplicar várias vezes a produtividade do trabalho humano. Vamos primeiro investigar como se deu no campo da ciência esta ruptura com pensamento tradicional e hegemônico.
Depois da conquista da Alsácia e da Lorena, a indústria siderúrgica alemã se desenvolveu rapidamente e um dos objetivos dessa indústria era a produção de aço de alta qualidade e para isto é necessário que a temperatura dos altos fornos fosse cuidadosamente controlada. Para se alcançar esse objetivo foi utilizado o método da observação das cores emitidas pelas radiações térmicas dos altos fornos.
Observou-se a radiação emitida por corpos dotados de uma cavidade e aquecidos, concluindo-se que a radiação emitida pela cavidade era maior que a emitida pelas paredes externas. Era de se supor que tal fato se devia à ressonância eletromagnética, pois desde 1860 que Maxwell, na Inglaterra, chegara à conclusão que a luz era uma onda eletromagnética.
Posteriormente, Sthephan e Boltzmann concluíram que a intensidade desta radiação não dependia do material do qual fosse constituído o corpo, nem da forma do corpo e era independente das dimensões da cavidade. A radiância emitida pela cavidade depende apenas da temperatura. A princípio tentou-se uma explicação utilizando-se a física clássica. Entretanto verificou-se que os fenômenos observados pareciam contradizer o Segundo Princípio da Termodinâmica, o qual estabelece que a natureza se comporta de um modo não simétrico em relação a determinados fenômenos. Para deixar esta afirmação mais clara, podemos tomar dois exemplos:
1) Quando colocamos em contato dois corpos, que estão em temperaturas diferentes, ocorre espontaneamente a passagem do calor do corpo mais quente para o mais frio, e os dois corpos, após algum tempo, estarão em equilíbrio térmico, isto é, ambos os corpos se encontrarão na mesma temperatura. O fluxo de calor no sentido inverso, ou seja do corpo mais frio para o corpo mais quente somente ocorre se existir um agente externo, que forneça energia.
2) Se um certo recipiente contiver um certo gás A e outro recipiente contiver um outro gás B (que não reaja com A), e estes dois conteúdos estiverem conectados por um duto, dotado de uma torneira, e esta for aberta, as moléculas dos dois gases irão se misturar de modo espontâneo. Embora não seja impossível, porém é altamente improvável, que as moléculas dos dois gases se separem de maneira espontâneo, retornando os dois gases à situação inicial.
Wien propôs uma fórmula teórica cuja “concordância com os valores experimentais é razoavelmente boa”. Max Planck, “observou que bastaria uma simples modificação na fórmula de Wien para ajustá-la precisamente aos valores experimentais” .
Havia uma outra questão que intrigava os cientistas, nesse final do século XIX. Tratava-se das observações, feitas inicialmente por Balmer, em 1885, das linhas espectrais da luz emitida pelo gás hidrogênio, quando submetido a tensões elétricas elevadas. Estas raias luminosas se apresentavam claramente individualizadas, o que parecia contradizer a teoria clássica, pois de acordo com esta, a emissão de energia se dá de maneira contínua. O espectro da luz emitida pelo hidrogênio gasoso parecia sugerir que a emissão de energia sofria hiatos.
Estas questões intrigavam profundamente Planck e somente puderam ser adequadamente explicadas, quando este se convenceu, no verão 1900, que tais fenômenos precisavam de uma abordagem inteiramente nova. Nesse ano seu filho diz que seu pai lhe “confessou que sentia ter feito uma descoberta de primeira grandeza, comparável talvez às descobertas de Sir Isaac Newton”.O que Planck havia acabado de conceber foi a formulação da mecânica quântica, admitindo que a energia emitida pelos elétrons é feita de modo descontínuo e segundo unidades discretas que Planck denominou quanta.
A partir desse momento, uma das idéias centrais da física clássica, que consistia na crença de que a energia fluía de modo contínuo, ruiu.
A proposta de Planck, que possuía um certo subjetivismo, isto quer dizer que, o sujeito por decisão própria grava sua concepção sobre a realidade, uma vez que, a decisão de conceber a idéia de que o fluxo de energia se dava por cápsulas era a maneira possível de conciliar evidências experimentais com questões teóricas com quais estava trabalhando. A decisão de Planck foi uma evidência clara da verdadeira revolução intelectual que se estava iniciando na Europa e especialmente na Alemanha.
Por outro lado, Philipp Lenard havia observado que a energia dos elétrons emitidos por metais quando estes ficavam sob a ação da luz não dependia da intensidade luminosa, mas da cor da radiação luminosa, ou seja essa energia dependia da freqüência dessa radiação. Era possível de acordo com Heisenberg:
“... explicar tal resultado meramente interpretando a hipótese de Planck como significando que a luz consiste de quanta de energia que se propagam através do espaço. Ademais, a energia de um único quantum deve, de acordo com as hipóteses feitas por Planck, ser igual ao produto da freqüência da luz pela constante de Planck.”
Estas observações e concepções sobre o caráter da luz, conduziam à admissão, de ser a luz constituída por corpúsculos, e em conseqüência, nascia um conceito muito diferente daquele concebido por Maxwell, que por sua vez acreditava no aspecto ondulatório da radiação luminosa.
As conclusões de Maxwell e as apontadas pela mecânica quântica, a menos que estivessem erradas, mas isto era improvável, pois coincidiam com fatos observáveis, apontavam para algo inteiramente novo, ou seja que o mesmo tipo de radiação, no caso luminosa, apresentar-se com características inteiramente distintas. Esta contradição, seria, de certa maneira, superada, vários anos depois, quando De Broglie, em 1924, ”procurou estender o dualismo, entre as descrições de onda e de partícula, às partículas elementares que constituem a matéria,começando pelo elétron.”
A afirmação de Planck, as observações de Lenard e as conclusões de Maxwell, abalavam seriamente os fundamentos da física clássica e da ciência como um todo, pois pareciam indicar, a existência de algo na natureza, que possuía caráter duplo. A possibilidade de ter a luz comportamento fundamentalmente distinto, anunciava uma verdadeira revolução na maneira de se pensar a natureza.
Estas observações e propostas, e outras novas, que seriam feitas nos anos seguintes, contribuiriam para o questionamento do modelo mecanicista e determinista, uma vez que tornava problemático prever em que situações a luz se comportava como uma espécie de cápsula de energia ou como um fenômeno ondulatório, ou ainda, se esse duplo comportamento da luz poderia ocorrer de forma aleatória.
Por outro lado, diversas experiências realizadas no final do século XIX e início do século XX permitiram entender melhor o mundo das partículas elementares. Becquerel, descobriu a radioatividade em 1896. No dizer de Russel Wher e James Richard:
“O fato particularmente novo que Becquerel constatou foi que as radiações provinham dos sais de urânio, que estiveram protegidos de todas as radiações excitantes conhecidas durante meses, emitiam ainda radiações penetrantes sem qualquer enfraquecimento sensível.”
Wher e Richard, ainda dizem mais adiante que:
“Para mostrar que a radioatividade provinha do próprio urânio, Becquerel trabalhou com muitos sais desse elemento e com o próprio metal. Empregou esses materiais cristalizados, fundidos e em solução. Em todos os casos parecia que as radiações eram proporcionais à concentração do urânio.”
Entretanto, foi o casal Pierre e Marie Curie, que prosseguindo no estudo da radioatividade, conseguiu isolar em 1898 e 1899 “dois elementos muito mais radioativos que o urânio: o polônio e o rádio”.
Quanto às radiações, “Rutherford constatou em 1897, que elas eram de mais de uma espécie sendo umas mais penetrantes do que outras”. Posteriormente Rutherford denominou as radiações menos penetrantes de raios alfa e as mais penetrantes de raios beta.
Logo após, em 1900, Villard descobriu a radiação gama, ainda mais penetrante que alfa e beta.
Essas descobertas auxiliaram Rutherford em sua famosa experiência, realizada em 1911. Jun’ ichi Osada nos diz que: “[Rutherford] imaginou que poderia saber a forma do núcleo, se incidissem outras partículas carregadas sobre o átomo e estudasse o aspecto do espalhamento”. Rutherford bombardeou placas finíssimas de vários elementos químicos, com raios alfa, cuja carga positiva, já era conhecida pelos cientistas, e notou que as partículas alfa, ao atingirem chapas fotográficas, colocadas atrás daquelas placas, o faziam com um certo desvio angular.
A observação desta experiência, permitiu a Rutherford, concluir, que os átomos possuíam um núcleo de dimensões reduzidas, uma vez que, as partículas alfa somente poderiam atingir a placa fotográfica se existisse um espaço vazio no interior dos átomos. Também concluiu que, no núcleo atômico deveriam estar concentradas as cargas positivas, porque a deflexão angular, sofrida pelas partículas alfa, era quase certamente causado pela presença de cargas positivas no núcleo, que desviavam a radiação alfa devido a repulsão elétrica. Esta experiência levou também à conclusão do núcleo ser orbitado por elétrons, de carga negativa.
O modelo atômico de Rutherford, entretanto, levantava algumas questões, que de acordo com a mecânica clássica, pareciam inexplicáveis, tais como, a grande estabilidade do átomo, que permitia inclusive, a um átomo de um determinado elemento, passar de um composto químico, para o outro sem grandes alterações em sua estrutura fundamental. Levantava questões também do tipo seguinte: se o elétron está em movimento e tem carga negativa e portanto é atraído pelo núcleo, porque não descreve órbitas espiraladas até chocar-se com o núcleo?
Heisenberg nos diz:
“A explicação para essa inusitada estabilidade foi dada por Bohr, em 1913, aplicando a hipótese quântica de Planck. Com efeito, se o átomo [sic] pode mudar sua energia somente por quanta com energias discretas, isso deve significar que o átomo [sic] só possa existir em estados discretos estacionários, aquele de energia mais baixa sendo o estado em que ele normalmente se encontra.Portanto, após qualquer tipo de interação o elétron retomará ao seu estado normal.”
Observa-se também que a postulação de Bohr, exposta no fragmento em questão por Heisenberg, permitia uma boa explicação para as raias espectrais resultantes da emissão de luz por parte do gás hidrogênio, quando os átomos deste elemento eram ionizados pela ação de descargas elétricas, já observadas por Balmer, trinta anos antes.
Esta era, basicamente, a situação do pensamento científico às vésperas da Primeira Guerra Mundial, ou seja a hipótese quântica, proposta por Planck, permitia o entendimento de vários fenômenos que não encontravam explicação ou que produziam um sem número de contradições quando se recorria à teoria clássica. Em conseqüência, algumas idéias começaram a se firmar: a natureza não é inerte, o mundo não é um edifício construído e portanto seria importante questionar o seu funcionamento como se fosse uma máquina.
A proposta de Bohr, permitiu a sugestão da idéia de “que aquilo que observamos não é a Natureza em si mas, sim, a Natureza exposta ao nosso método de questionar”. Este modo de conceber a investigação científica, no qual o observador, dirige seu olhar para a natureza de uma maneira claramente deliberada, não somente, constituiu uma concepção inteiramente nova de fazer ciência, mas representou também grandes mudanças em relação ao paradigma anterior, na procura do entendimento da natureza. É interessante notar que neste novo paradigma é abandonada a atitude “neutra“ do observador diante da natureza.
A posição de neutralidade do investigador diante do objeto, nos parece ilusória, pois mesmo que o conhecimento seja induzido a partir da experiência, a passagem do experimento para a consciência onde se forma o conceito, não é feita de forma automática, mas passa pela interpretação da razão.”
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Fonte:
FRANCISCO FABIANO ANDRADE ARAUJO: "ATUAÇÃO DA VONTADE: UM NOVO MODO DE FAZER CIÊNCIA E ARTE NO OCIDENTE". (Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em História da Ciência, sob a orientação da Profa. Dra. Ana Maria Haddad Baptista. São Paulo, 2005.
Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
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