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A Ira de Deus e a Ira do Homem
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01092011
A Ira de Deus e a Ira do Homem
Publicado em 01/09/2011 por Blog Sétimo Dia
Este é um dos assuntos mais difíceis de ser explicado dentro das Escrituras, porque estas condenam a ira e de outro lado apresentam tantas referências à ira de Deus. Este estudo tenciona esclarecer os estudantes da Bíblia sobre a necessidade de fazer nítida distinção entre ira humana e o real significado da expressão ira de Deus.
Sobre a importância do tema basta mencionar estes aspectos:
1º) O Theological Dictionary of the New Testament de Kittel dedica 62 páginas ao estudo da palavra ira:
2º) Há uma compreensão totalmente errada, de modo geral no mundo e mesmo entre nós com respeito à expressão “ira de Deus”.
Faz pouco tempo obtive da Biblioteca Evangélica de São Paulo uma brochura, que é um sermão intitulado “Pecadores nas Mãos de um Deus Irado” de autoria de Jonathan Edwards, um destacado teólogo e erudito dos Estados Unidos no século XVIII.
Suas ponderações sobre a ira divina são verdadeiramente absurdas. Para termos uma idéia precisa do que ele pregou basta este trecho:
“Ó pecador, considera o temível perigo em que te achas! E sobre uma grande fornalha de ira, um abismo hiante e sem fundo, cheio do fogo da ira, que és seguro na mão daquele Deus, cuja ira é provocada e despertada contra ti, tanto quanto contra muitos dos condenados do inferno.. .”
O sermão é todo neste mesmo diapasão, mostrando uma distorção total do caráter de Deus.
Comentários Gerais
Definição de Ira
“Mágoa ou paixão que a injúria desperta na pessoa injuriada; raiva, cólera. Desejo de vingança.” – Laudelino Freire.
No consenso comum esta palavra significa fúria, raiva, cólera, com um desordenado desejo de vingança. Esta seria a ira humana, por isso é condenada na Bíblia.
Ira do Homem
De acordo cem o Dicionário Enciclopédico da Bíblia (Editora Vozes Limitada, Petrópolis) a ira do homem geralmente é reprovada na Escritura; quanto ao Velho Testamento sobretudo, nos escritos de Salomão. O motivo parece ser mais utilitário desde que a ira nos causa prejuízo.
- Prov. 15:18 – “O homem iracundo suscita contendas, mas o longânimo apazigua a luta.”
- Prov. 18:19 – “Homem de grande ira tem de sofrer o dano.”
O Novo Testamento também condena a ira, basta ler:
• Mat. 5: 22 – “Quem se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento.”
• Efésios 4:31 – “Longe de vós toda a amargura, e cólera e ira…”
Pode-se ler ainda: Gál. 5:20; Ecles. 7:9; Jó 5:2, Sal. 37:8; Prov.14:17.
A ira está classificada pela Igreja Católica entre os sete pecados capitais; sendo os outros seis: orgulho, avareza, luxúria, gula, inveja, preguiça. Destes sete há dois que merecem, no uso corrente da linguagem, uma exceção muito honrosa, o orgulho e a ira. Falamos habitualmente em santo orgulho (a justa soberba) como em santa ira (o ódio bem fundado). Quando nos orgulhamos de atos que merecem o nosso respeito e representam verdadeiros paradigmas de nossa conduta, o orgulho deixa de ser pecado para se transformar em virtude. É o santo orgulho. Quando odiamos a injustiça, o erro, o pecado e discernimos, com isso, o bem do mal, o certo do errado, a virtude do relaxamento, esse ódio se transfigura e se redime. É a santa ira. Desta santa ira o próprio Jesus nos deu o exemplo, como se vê na sua maneira de falar sobre os fariseus e no seu comportamento no templo. Estas atitudes estão relatadas em Marcos 3:5 e Mat. 21:12.
Em Marcos 3:5 no grego se encontra: olhando-os ao redor, cem ira – orguê.
Não seria a esta ira que se refere a Palavra Divina, quando preceitua: “Irai-vos e não pequeis” (Efés. 4:26?
A Palavra Ira no Original
No Velho Testamento a palavra ira é a tradução de várias palavras do original hebraico, enquanto no Novo Testamento ira é a tradução de três palavras gregas:
orghv – orguê; qimovv – thimós; parorgismovv – parorguismós:
1ª) orghv – orguê, a mais usada no Novo Testamento, por aparecer 385 vezes.
É ira com desejo de vingança. É a ira pensada, mais calma, mais firmada na vontade e na razão, orguê é usada para a ira do homem:
Efés. 4:31; Col. 3:8; I Tim. 2: 8; Tiago 1:19, 20; para a ira de Cristo contra os fariseus, relatada em Marcos 3:5; mas também para o julgamento final de Deus: Mateus 3:7; Luc. 3:7; Rom. 1:18; 2:5, 8; 3:5; 12:10; Efésios 2:3; 5:6; Col. 3:6; I Tess. 1:10; 5:9.
2ª) qimovv – thimós, empregada apenas 18 vezes, 10 das quais se acham no Apocalipse. É a paixão irascível, ira a ferver, ira como algo em ebulição.
W. E. Vine Expository Dictionary of the New Testament Words, pág. 55 assim a distingue de orguê – “thimós expressa mais o sentimento interno, orguê a emoção ativa.”
Vincent afirma: “Tanto orguê como thimós são unidos no Novo Testamento para ira ou cólera, e sem qualquer distinção comumente observada. Orguê denota um mais profundo e mais permanente sentimento, um hábito mental estabelecido, enquanto que thimós é uma agitação mais turbulenta, embora temporária. Ambas as palavras são usadas na frase ira de Deus, que comumente denota uma manifestação distinta do juízo divino (Rom. 1: 18; 3: 5; 9: 22; 12: 19).” – Word Studies in the New Testament, vol. II, pág. 110.
De acordo com The Interpreter’s Dictionary of the Bible, vol. I, pág. 135, a distinção a ser feita é esta:
“Se há qualquer distinção entre estas duas palavras no Novo Testamento em relação à emoção humana, parece que thimós denota melhor a paixão irrefletida da ira (por ex. Luc. 4:28); orguê, a indignação moral mais relativamente considerada (Tiago1:19).
Nota: Há autores que afirmam que nenhuma distinção pode ser feita entre estas duas palavras.
3ª) parorgismovv – parorguismós.
Nesta palavra se encontra uma reforçada forma de orguê. Ela aparece apenas uma vez no Novo Testamento em Efés. 4:26, com o sentido de ira provocada.
O verbo cognato parorgxw – parorguidzo, irritar, excitar à ira é usado duas vezes: Rom. 10:19 e Efés. 6:4.
Vine ao explicar parorguismós de Efés. 4: 26 afirma:
“O verbo precedente, orguidzo; neste verso faz supor uma ocasião justa para o sentimento. Isto é confirmado pelo fato de que é uma citação do Salmo 4:4 (Septuaginta), onde a palavra hebraica significa tremer com forte emoção.” – Expository Dictionary of the New Testament Words, pág. 56.
Ira de Deus
Uma pesquisa na Bíblia nos leva à conclusão de que a ira humana e a ira de Deus são totalmente distintas.
Freqüentemente o princípio da ira de Deus é apresentado em termos antropomórficos. Veja apêndice.
Russel Norman Champlin, em seu comentário sobre Romanos 1:18 pondera:
“A ira de Deus não indica alguma forma de emoção humana, que perturbe o equilíbrio emocional das pessoas e as torne desejosas de ferir às outras, em forma de ações maldosamente planejadas, conforme a ira humana geralmente obriga as suas vitimas a fazerem. A ira de Deus é ordinariamente aludida em termos escatológicos, referindo-se ao julgamento que haverá no futuro dia do Senhor.”
“É a justa indignação de Deus quando do julgamento contra o pecado.” – Idem, comentário de Rom. 5:9.
F. F. Bruce no livro: Romanos – Introdução e Comentário, pág. 69 ao analisar Rom. 1:18 nos esclarece:
“Se se pensa que a palavra ira não é muito apropriada para usar-se com relação a Deus, é provavelmente porque a ira como a conhecemos na vida humana, constantemente envolve paixão egocêntrica, pecaminosa. Com Deus não é assim. Sua ‘ira’ é a reação da santidade divina face à impiedade e rebelião. Paulo decerto concordaria com Isaías ao descrever esta ira de Deus, como ‘sua obra estranha’ (Isaías 28:21) à qual Ele a aplica lentamente e com relutância. …
“A idéia de que Deus é ira não é mais antropopática do que o pensamento de que Deus é amor. A razão pelo qual a idéia da ira divina está sempre sujeita a mal-entendidos é que a ira entre os homens é eticamente errada. E contudo, mesmo entre os homens não falamos da ira justa?”
Há dois extremos que devem ser evitados ao tratar-se da ira de Deus. O primeiro pertence àqueles que O apresentam cheio de amor e longanimidade e como um Pai amoroso não irá destruir os seus filhos, portanto não acreditam na severidade ou na ira de Deus. No extremo oposto se encontram os que apresentam a Deus como um ser vingativo e irado que fará os homens queimarem para sempre. Muitos sacrifícios têm sido feitos para aplacar esta ira.
Não há nenhuma discrepância nos versos que apresentam a Deus cheio de bondade e amor com aqueles que revelam sua ira contra o pecado e os pecadores que acintosamente o rejeitam. O amor requer julgamento. A severidade divina é sempre manifestação do amor.
Como bem se expressou Arthur John Gossip:
“Mas no Novo Testamento os homens não ouvem qualquer choque entre a ira divina e a longanimidade divina: pelo contrário, ficam certos tanto da bondade como da severidade de Deus; certos de que a sua severidade faz parte da Sua bondade, e que, se essa severidade estivesse ausente, ele não seria bom, porquanto os alicerces morais do mundo se desequilibrariam e entrariam em colapso.”
Do cotejo de várias passagens bíblicas os estudiosos têm chegado à conclusão de que há uma dupla necessidade da ira de Deus, que neste caso seria sinônimo de sua justiça:
1ª) Para que haja manutenção das leis divinas que pedem justiça.
2ª) Para extermínio do pecado e dos pecadores impenitentes que se opuseram à misericórdia divina.
A Bíblia nos apresenta a ira de Deus desviada após confissão do pecado e arrependimento. Salmo 106:43-45; Jer. 3:12, 13; 31:18-20; Luc. 15:18-20.
A ira de Deus é justa. Salmo 58: 10, 11; Rom. 6:2, 8; Apoc. 16:6, 7.
De acordo com Rom. 2:4 e 5 a ira de Deus significa o juízo de Deus.
Ela é usada contra:
a) Os ímpios – Isa. 13:9; Rom. 1:18; Efés. 5:6.
b) A apostasia – Heb. 10:26-27.
c) A idolatria – Deut. 29:27-28; Jos. 26:16; Jer. 44:3.
d) Aqueles que se opõem ao evangelho. Salmo 2:2, 3, 5; I Tess. 2:16.
Ela é temperada com misericórdia no caso dos santos. Salmo 30: 5; Isa. 26:20; Jer. 30:11.
Ela deve conduzir-nos ao arrependimento. Isa. 42: 24-25; Jer. 4:8.
O livro Essays in Honor of Edward Heppenstall – The Stature of Christ apresenta como capítulo final: “An Interpretation of the Wrath of God”, de Morris D. Lewis, trabalho honesto, bem fundamentado e que expressa de maneira feliz a crença adventista sobre este empolgante tema. Para que se tenha melhor compreensão do problema aqui se encontram traduzidos das primeiras 8 páginas, das 22 de sua pesquisa, alguns trechos mais significativos:
“As centenas de textos bíblicos que descrevem a ira como uma característica de Deus criam um problema. O amor na personalidade da Divindade parece estar em conflito com as muitas referências às demonstrações de cólera, furor e ira de Deus. Uma referência típica é aquela de Jeremias retratando a exasperação divina por causa da pecaminosidade dos habitantes de Jerusalém.
“Assim diz o Senhor, o Deus de Israel: . . . eu planejarei contra vós com mão estendida, e com braço forte, e com ira, e com indignação e com grande furor. E ferirei os habitantes desta cidade, assim os homens como os animais: de grande pestilência morrerão. (Jer. 21:4-6).
“A maioria dos teólogos modernos hoje crêem que em adição à característica divina de amor, a personalidade da Divindade, às vezes, se inflama ante a rebelião do homem e exibe cólera e ira para testificar contra a odiosidade do pecado. Alguns escritores tendem ao raciocínio de que a ira de Deus é justificável porque é expressa somente após incessante agravamento dos pecadores. Outros enfatizam que a ira de Deus apenas confirma sua santa aversão ao pecado.”
“Seja qual for o arrazoamento para justificar a característica de cólera e ira na natureza da Divindade, a argumentação é destituída de fundamento escriturístico. Os Escritos da Inspiração como registrados por Isaías testificam da declaração do próprio Deus: “Não há indignação em mim”: (Isa. 27: 4). O mesmo escritor também confirmou a atitude divina no verso nove do capítulo 54:9 – “. . . assim jurei que não me irarei mais contra ti, nem te repreenderei.” A palavra hebraica mais freqüentemente usada para provocação é a mesma palavra usada muitas vezes para ira. Ficar zangado e ser provocado e mostrar ira são expressões muito semelhantes e intimamente relacionadas. Mas de Cristo, a escritora de O Desejado de Todas as Nações disse: “Sua calma resposta proveio de um coração imaculado, paciente e brando, que não se irritava.”1 Cristo nunca foi agitado por pecadores a ponto de revidar com uma atitude excitada. “O qual, quando o injuriavam, não injuriava, e quando padecia não ameaçava” (I Ped. 2:23). Cristo nunca foi provocado à cólera ou ira, e ele expressava o caráter de Deus o Pai.
“Que Deus é soberano é indisputável. Como o termo ira de Deus está relacionado com a soberania da Divindade, liga-se primeiramente com a operação da lei. Quer em função da natureza, quer em função do relacionamento moral do homem, a mesma posição predominante de Deus permanece.
Disse o salmista, falando de Deus: “Tu firmaste a terra, e firme permanece. Conforme o que ordenaste, tudo se mantém até hoje; porque todas as coisas te obedecem.” Sal. 119:90, 91. Em outra referência o escritor depois de exaltar o poder criador de Deus em estabelecer o sol, a lua, as estrelas e as águas, concluiu: “Louvem o nome do Senhor, pois mandou, e logo foram criados. E os confirmou para sempre, e lhes deu uma lei que não ultrapassarão. (Sal. 148:5, 6).
São estas apenas umas poucas das muitas referências em que Deus é retratado como constantemente controlando a natureza pela lei natural. Neste contexto a operação da natureza é declarada Sua serva.
Os processos da natureza que dão vida, alimento, beleza e prazer são os servos de Deus. Eles executam Seu mando. Esses mesmos processos podem tornar a ser uma tempestade ou uma praga para destruir o homem e a natureza. As funções destrutivas da natureza podem muito bem ser chamadas a ira ou a cólera de Deus.
“O Senhor é um Deus zeloso e que toma vingança, o Senhor toma vingança e é cheio de furor: o Senhor toma vingança centra os seus adversários, e guarda a ira contra os seus inimigos. O Senhor é tardio em irar-se, mas grande em força, e ao culpado não tem por inocente; o Senhor tem o seu caminho na tormenta, e na tempestade, e as nuvens são o pó dos seus pés” (Naum 1:2-3).
O Senhor tem o Seu caminho nas tempestades; elas, também, são Suas servas. Tempestades de tal violência podem destruir os ímpios” (Jer. 23:19-20). Quer as operações da natureza sejam tranqüilas e serenas, quer sejam violentas e destruidoras, ambas as funções são mencionadas como sendo a mão de Deus.
A Palavra Inspirada fornece uma compreensão mais profunda e atribui as funções naturais de destruição aos poderes do mal. Disse Isaías: “Eis que o Senhor mandará um homem valente e poderoso; como uma queda de saraiva, uma tormenta de destruição, e como uma tempestade de impetuosas águas que transbordam, violentamente e derribará por terra” (Isa. 28:2).
O valente e poderoso é a força satânica. Em outra referência em Isaías o profeta observou o poder de Deus como a força que cria o destruidor. “. . . também criei o assolador para destruir”. (Isa. 54:16). O artigo com a palavra assolador indica uma pessoa específica. A mesma palavra aqui empregada ocorre em Êxo. 12:23, e nesta referência é traduzida por destruidor e tem também consigo o artigo. Satanás é o poderoso como uma tempestade destruidora fazendo devastação em a natureza.
Ellen White faz as mesmas observações:
“Assim foi que Lúcifer, “o portador de luz”, aquele que participava da glória de Deus, que servia junto ao Seu trono, tornou-se, pela transgressão, Satanás, o “adversário” de Deus e dos seres santos, e destruidor daqueles a quem o Céu confiou a sua guia e guarda.”2
“Satanás também opera por meio dos elementos a fim de recolher sua colheita de almas desprevenidas. Estudou os segredos dos laboratórios da Natureza, e emprega todo o seu poder para dirigir os elementos tanto quanto o permite Deus. . . . nos violentos furacões e terríveis saraivadas, nas tempestades, inundações, ciclones, ressacas e terremotos, em toda parte e sob milhares de formas, Satanás está exercendo o seu poder.”3
Para o observador casual a fúria da tempestade parece ser a demonstração direta do poder divino. Isto não é totalmente verdade. O princípio bíblico de soberania atribui a Um que comanda todos os atos feitos sob Sua autoridade.
Isto se verifica claramente no trato de Davi com o amalequita que pretendia ter matado Saul. Em uma referência (II Sam. 1:15), é dito que Davi chamou um de seus jovens para lançar-se sobre o amalequita e matá-lo, e em outro relato (II Sam. 4:10), Davi disse que lançou mão do homem e o matou. Aqui não há nenhuma contradição. O que foi feito por aqueles que estavam sob o comando de Davi é dito ter sido feito pelo próprio Davi. Este mesmo princípio é verdade na descrição do profeta da soberania de Deus sobre todas as forças da natureza. A fúria da tempestade é declarada ser a ira de Deus, quando em realidade a ira é Satanás usando os elementos da tempestade quando Deus permite.
Como pode ser dito que Deus trouxe a tempestade e ao mesmo tempo declarar que Ele não estava nas funções destrutivas da natureza? Quando as impetuosas exibições da natureza ocorreram no vento, terremoto e fogo, foi dito ao profeta Elias que Deus não estava nelas. (I Reis 19:11, 12). A declaração acima de O Grande Conflito torna claro que tempestades e calamidades da natureza são a obra do diabo, não de Deus. Satanás usa as leis de Deus para destruir. As leis são de Deus. O propósito de destruir é o intento de Satanás. A destruição é a obra do poder maligno, até onde Deus o permite.
Enfermidade, sofrimento e morte são obra de um poder antagônico. Satanás é o destruidor, Deus é o Restaurador.4 Onde quer que a Bíblia fale de Deus como estando a causar destruição através dos elementos da natureza, a destruição ocorre apenas por Sua soberana permissão e através da operação de Suas leis.
“Nada ocorre na Terra ou no Céu sem o conhecimento do Criador. Nada pode acontecer sem Sua permissão.”5
A obra de destruição no mundo natural é a obra de Satanás; é dito ser de Deus apenas no sentido de Sua soberania.
Para entender a ira, é muito importante ver a relação íntima entre a lei natural e a lei moral.
“Os homens podiam aprender do desconhecido pelo conhecido; coisas celestiais foram reveladas pelas terrenas; . . . As coisas naturais eram o veículo para as espirituais; cenas da Natureza e da experiência diária de Seus ouvintes eram relacionadas com as verdades das Escrituras Sagradas.”6
Todo o esquema do ensino bíblico está baseado na íntima relação das leis natural e moral. Paulo concluiu: “Não erreis; Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará. Porque o que semeia na sua carne, na carne ceifará a corrupção; mas o que semeia no Espírito, do Espírito ceifará a vida eterna” (Gál. 6:7, 8).
Cristo repetiu o mesmo princípio básico de ensino quando Se referiu à Sua morte como um grão de trigo caído no solo. (João 12:24, 25).
É mais evidente perceber a lei física na operação de cada simples função do corpo humano. É menos aparente, mas certamente como concreto, concluir que a operação da evolução e inteligência humanas está em conexão com a lei moral.
Como supremo Soberano do Universo, Deus ordenou leis para o governo não só de todos os seres vivos, mas de todas as operações da Natureza. Todas as coisas, quer grandes quer pequenas, animadas ou inanimadas, acham-se sujeitas a leis fixas, que não podem ser desrespeitadas. Não há exceções a esta regra; pois coisa alguma feita pela mão divina, foi esquecida pela mente divina. Mas se bem que tudo em a Natureza seja governada pela lei natural, o homem, tão-só, como ser inteligente, capaz de compreender seus reclamos, é responsável à lei moral.7
Cada função, seja física ou mental, está operando por lei. É bastante íntima a influência de uma sobre a outra, e o princípio funcional é também íntimo. A autora White, tendo citado Sal. 19:1-6, disse: “O salmista relaciona a lei de Deus no mundo natural com as leis dadas às Suas inteligentes criaturas.8 Assim, a mesma função operacional de vida e destruição na lei natural seria encontrada também na lei moral.
Os dez mandamentos são a regra básica para a vida e a morte; amor e ódio. O segundo mandamento estabelece este duplo conceito.
“. . . Porque eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a maldade dos pais nos filhos até à terceira geração daqueles que me aborrecem. E faço misericórdia em milhares aos que me amam e guardam os meus mandamentos” (Êxo. 20:5, 6).
A lei diz que Deus visitará suas iniqüidades sobre aqueles que odeiam e a Sua misericórdia sobre aqueles que amam. Um princípio muito importante e distinto é formulado aqui que envolve a natureza da ira e a fonte de sua origem. Deus é a fonte de misericórdia sobre aqueles que amam, mas iniqüidade e ira vêm sobre o homem tendo o próprio homem como fonte.
A palavra para visitar no texto acima é a mesma palavra usada para mandamento no texto seguinte: “As obras das suas mãos são verdade e juízo; fiéis todos os seus mandamentos.” (Sal. 11:7). O princípio da visitação é uma lei. Quando o Senhor visitar os pecadores, Ele visitará os seus pecados sobre eles. (Êxo. 32:34). Esta função da lei moral é precisamente a mesma que a lei da natureza; o que é semeado, o mesmo é ceifado. Se alguém semeia na carne, colherá na carne. O profeta Jeremias falando dos falsos profetas disse que o Senhor visitaria sobre eles a maldade de suas ações. (Jer. 23:2). No mesmo capítulo o profeta explicou o processo mais detalhadamente.
“Portanto, o caminho deles será como lugares escorregadios na escuridão; serão empurrados e cairão nele; porque trarei sobre eles calamidade, o ano mesmo em que os castigarei, diz o SENHOR” (Jer. 23:12).
O Senhor visitaria os caminhos escorregadios sobre eles, e eles cairiam em trevas. Assim, o dia da visitação é um dia de recompensa. (Osé. 9:7). O dia da visitação é o dia em que os pecados que o pecador semeou tornar-se-ão uma ceifa. A visitação dos pecados sobre os pecadores funciona à parte da intervenção direta de Deus. Visitar a iniqüidade dos pais sobre os filhos é retribuir o mal dos pecadores sobre si mesmos. Este processo é chamado a ira de Deus.
“E aos que são fiéis em Seu serviço, promete-se a misericórdia, não meramente à terceira e quarta geração, como é ameaçada a ira contra os que O aborrecem, mas a milhares de gerações.”9
Na citação acima a autora cita o comentário do segundo mandamento e iguala o termo “visita a maldade dos pais sobre os filhos” com ira. Deste modo, o processo de visitação como uma operação de lei traz ira sobre aqueles que odeiam. Paulo faz a mesma declaração em Rom. 4:15 – “. . . a lei opera a ira”.
A lei moral como a lei natural opera em um sentido duplo, para a vida e para a morte. Paulo salientou distintamente a operação da lei do pecado como outra lei e a denominou a lei do pecado e da morte.
“Mas vejo, nos meus membros, outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros.” “causou-me a morte” (Rom. 7:23, 13).
“Porque a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte.” (Rom. 8:2).
A palavra outra está enfatizando outra em qualidade de preferência a outra em número. (A palavra outra de Rom. 7:23 em grego é evterov – héteros e não – álos, por ser álos outro da mesma qualidade e héteros – outro de natureza diferente. Nota do autor do livro.)
Deus fala de ambos os grupos, aqueles que são governados por Sua lei de amor. Falando de Israel, o Senhor disse que eles eram Seus servos (Lev. 25:55) Também, a maioria dos ímpios são chamados Seus servos. Assim o Senhor falou de Nabucodonosor quando ele primeiro veio contra Judá. Sua soberania é inquestionável no domínio do pecado e da justiça. A operação da vontade é do homem; a operação da lei é Sua. Como declarou Davi que a ação de seu oficial subordinado era sua própria, assim Deus fala do caminho dos pecadores como Sua própria realização.
“Eu sou o SENHOR, que faço todas as coisas, que sozinho estendi os céus e sozinho espraiei a terra; que desfaço os sinais dos profetizadores de mentiras e enlouqueço os adivinhos; que faço tornar atrás os sábios, cujo saber converto em loucuras” (Isa. 44:24, 25).
O Senhor conduz os tortuosos e aqueles que obram a maldade (Sal. 125:5). O Senhor conduz os mentirosos, os adivinhadores, os sábios, e os tortuosos pela função de Sua lei do pecado em suas vidas. Os poderosos da Terra são a vara da indignação de Sua ira.
“Ai da Assíria, cetro da minha ira! A vara em sua mão é o instrumento do meu furor.” (Isa. 10:5).
“O orgulho assírio, conquanto usado por Deus por algum tempo como a vara de Sua ira, para punir as nações, não deveria sempre prevalecer.10
A ira não era uma expressão pessoal da Divindade. Os assírios, como servos de Deus da lei do pecado, estavam sob Seu soberano controle. A palavra hebraica para ira neste contexto é a mesma usada em muitos lugares.
Deus usou Sisaque como Sua ira.
“. . . Humilharam-se, não os destruirei; antes, em breve lhes darei socorro, para que o meu furor não se derrame sobre Jerusalém, por intermédio de Sisaque.” (II Crôn. 12:7)
Não havia nenhuma expressão de ira da parte de Deus neste exemplo. O Egito, como os outros poderosos da Terra, era o servo de Deus. “Eu dei ordens aos meus consagrados, sim, chamei os meus valentes para executarem a minha ira, os que com exultação se orgulham.” (Isa. 13:3). Deus usa a ira dos homens para controlar os homens. Assim disse o profeta: “Tão certo como eu vivo, diz o SENHOR Deus, com mão poderosa, com braço estendido e derramado furor, hei de reinar sobre vós” (Ezeq. 20:33).
A operação da lei do pecado (ira de Deus) é a relação de homens maus contra os homens maus. Desta forma, Deus governa em sociedade com a ira dos homens maus para com homens maus.
“Quando pais ou governadores negligenciam o dever de punir a iniqüidade, Deus mesmo tomará o caso em Suas mãos. Seu poder restringidor será em certa medida removido dos agentes do mal, de tal forma que uma sucessão de circunstâncias se levantarão, as quais punirão o pecado com pecado.”11
Assim, vemos na Bíblia e no Espírito de Profecia que Deus não é um Deus de ira. Ele é um Deus que tem soberano controle de tudo, mesmo dos ímpios. As expressões nas Escrituras que parecem indicar Deus com raiva e ira são, na realidade, a verificação de Seu soberano controle.
A lei moral do Deus de amor funciona pelo desejo e intenção da divindade; a lei do pecado e da morte, que é a ira de Deus, funciona pela permissão de Deus. É um idiomatismo da semântica bíblica para atribuir a Deus aquilo que em Sua providência Ele permite que ocorra. “Deus domina sobre tudo” (Sal. 103:19). Isto inclui também os ímpios. (II Crôn. 20:6). O trato de Deus para com os ímpios é o da permissão. Do contrário, a Bíblia parece contradizer-se.
“Pois, ainda que entristeça a alguém, usará de compaixão segundo a grandeza das suas misericórdias; porque não aflige nem entristece de bom grado os filhos dos homens” (Lam. 3:32, 33).
No primeiro versículo acima, é declarado que Deus causa aflição e no seguinte é dito que Ele não aflige ou entristece. Jeremias disse que o Senhor afligiu Jerusalém. (Lam. 1:12) e Jó disse que o Todo-Poderoso não aflige (Jó 37:23). A verdade é encontrada da avaliação das citações de Lamentações. O Senhor não aflige de Seu coração; isto quer dizer, não é Sua intenção segundo Sua santidade. O Senhor permite que a aflição ocorra.
“Nós lemos que Deus tentou a Abraão, que Ele tentou aos filhos de Israel. Isto significa que Ele permitiu que ocorressem circunstâncias para testar sua fé, e conduzi-los a olhar para Ele para obter auxilio.”12
Desta forma, o Espírito de Profecia e a Bíblia concordam na semântica da permissão divina. O que é dito do que Deus faz no reino do pecado é feito somente pela Sua permissão. Um bom exemplo disto é encontrado em Isaías: “Eu formo a luz, e crio as trevas; faço a paz e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas coisas” (Isa. 45:7).
Sob esta luz, Jeremias disse: “Acaso não procede do Altíssimo assim o mal como o bem?” (Lam. 3:38). O mal não procede do coração de Deus. A divindade somente permite que o mal ocorra.
Tais contradições aparentes são numerosas na Bíblia. As declarações da ira de Deus são somente uma delas. Há um princípio muito definido e padronizado revelado em uma longa conseqüência de causa e efeito do pecado. O eminente sábio hebreu Mainmonides mostrou todos os eventos humanos como uma fila de dominós, tendo efeito contingente sobre os eventos bem sucedidos. Sejam eles bons ou maus, Deus foi a primeira grande causa. Então, citou ele o idiomatismo dos profetas hebreus que cancela os eventos intermediários e conecta o primeiro ao último como se não houvesse entre eles registro intermitente. Ao invés de um caso sem envolvimento com o mal ou a ira, parecia como se Deus fosse o real causador.
“Satanás procura esconder dos homens a ação divina no mundo físico – a fim de conservar fora das vistas a incansável operação da primeira grande causa.”13
“Os homens têm geralmente atribuído a Deus tais características de raiva, ira, tentação, maldade, enviando fogo e oprimindo o coração dos homens, quando na realidade tais termos são usados para estabelecer Deus como a primeira causa e, por conseguinte, o soberano da terra. É tempo de as dissimulações de Satanás serem expostas. Assim fazendo, Satanás é removido de seu alto e cobiçado lugar e sujeito a uma linha de ação permitida por Deus. Satanás pode exercer sua autoridade usurpada somente como Deus permite.”14
“Seus sofrimentos são muitas vezes representados como sendo castigo a eles infligido por decreto direto da parte de Deus. É assim que o grande enganador procura esconder sua própria obra. Pela obstinada rejeição do amor e misericórdia divina, os judeus fizeram com que a proteção de Deus fosse deles retirada, e permitiu-se a Satanás dirigi-los segundo a sua vontade.”15
Quantas vezes a ira que veio a Israel foi interpretada como vinda de Deus. Assim, Satanás oculta sua obra, atribuindo-a a Deus. Ele tem alistado muitos teólogos ao seu lado para ajudá-lo nesta fraude.
“Satanás exerce domínio sobre todos os que Deus não guarda especialmente. Ajudará e fará prosperar alguns, a fim de favorecer os seus próprios intuitos; trará calamidade sobre outros, e levará os homens a crer que é Deus que os aflige.”16
Após outros exemplos, confirmações e elucidações para ilustrar as maneiras distintas de agir de Deus e Satanás, Morris D. Lewis conclui suas ponderações declarando:
Embora a ira do homem opere pela lei de Deus, pela mesma lei o amor de Deus opera a ira do homem. Deus não é um Deus de ira, mas um Deus de amor.
Conclusão
Quando a Bíblia fala da ira de Deus ela nos deseja ensinar que Ele é justo e tem aversão ao pecado.
Ira de Deus é uma expressão bíblica que significa o castigo dos ímpios no Juízo Final.
Ira de Deus é outra expressão para a justiça divina.
Apêndice
Os judeus apresentavam a divindade com reações humanas antropomórficas.
A palavra antropomorfismo significa em grego – avnqrwpov – antropos, homens e morfhv – morfê, forma. Seria atribuir a Deus formas e qualidades humanas. A Bíblia fala da boca, lábios, mãos, olhos, etc. de Deus. Atribui ainda à Divindade as paixões e sentimentos experimentados pelos homens, por isso fala em cólera, alegria e vingança de Deus.
Referências
- O Desejado de Todas as Nações, pág. 700.
- Patriarcas e Profetas, pág. 40.
- O Grande Conflito, págs. 589-590.
- O Ministério da Cura, pág. 11.
- Minha Vida Hoje, pág. 291.
- Parábolas de Jesus, pág. 17.
- Mensagens Escolhidas, vol. I, pág. 216.
- SDABC, vol. III, pág. 1114.
- Idem, pág. 306.
- Profetas e Reis, pág. 349.
- Profetas e Reis, pág. 728.
- SDABC, vol. I, pág. 1094.
- Patriarcas e Profetas, pág. 509.
- Desire of Ages, pág. 130.
- O Grande Conflito, pág. 35.
- O Grande Conflito, pág. 589.
Texto de autoria de Pedro Apolinário, extraído da apostila Explicação de Textos Difíceis da Bíblia.
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