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CRISTIANISMO TOLERADO, CRISTIANISMO ESVAZIADO


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Penso que Sproul foi muito feliz ao identificar o conflito entre Humanismo secular e Teísmo como gravitando em torno da busca pela verdade definitiva – “só pode haver um definitivo”, afirma ele. Com lucidez, ele ainda pondera a respeito da “tolerância entre duas visões de mundo concorrentes”: “Uma nação secular pode escolher ‘tolerar’ o Cristianismo em algum grau enquanto este for visto meramente como a expressão de uma forma de religião humana, mas não pode tolerar as alegações de verdade do mesmo.” [1] Em outras palavras: no caso citado, o Humanismo secular jamais tolera o Cristianismo, mas uma versão inofenciva dele.

O renomado historiador adventista George Knight afirmou que as pessoas procuram uma igreja que se mostre arrogante o suficiente para declarar não apenas que a verdade existe, mas que a possui. Ele relaciona o espírito liberal do protestantismo a partir do século XIX com a perda de membros das igrejas históricas – entre 1965 a 1990, presbiterianos, metodistas e discípulos de Cristo experimentaram um declínio de sua membresia de, respectivamente, 34%, 21% e 50% [2].

Considerando o que foi dito, não chega a estranhar a aparente tolerância que Richard Dawkins exibe em relação àqueles cristãos que aceitam ter Deus dirigido a evolução [3]. Afinal, o Cristianismo que ele tolera é uma versão inofensiva da religião de Jesus, que não compromete em nada o naturalismo de Dawkins, e muito menos reinvindica a verdade definitiva (no caso, sobre a origem da vida no planeta). Parece que muitos religiosos querem garantir a sobrevivência da religião às custas de sua reivindicação de verdade exclusiva e final. Em outras palavras: deixe que o Cristianismo exista como uma ilusão, conquanto ele tenha acesso à sua fatia no mercado.

Um artigo recente corrabora com essa tendência. Tratando sobre o método de interpretação da Bíblia, Júlio Paulo Tavares Zabatiero afirma a “inutilidade da luta” entre os métodos gramático-histórico (que aceita a Bíblia como um livro histórico e inspirado por um Deus que Se revela na História) e o histórico-crítico (que aceita a Bíblia como o produto de uma cultura e apenas como expressão dessa cultura religiosa).

Se tais métodos são tão diferentes, por que a disputa para saber qual o que melhor corresponde à verdade se constituiria “inutilidade”? Para Zabatiero “Não se conseguiu perceber que ambas [as formas de interpretar a Bíblia] não competem necessariamente entre si, mas, sim, ambas contra a ideologia, a ignorância, a ilusão do engano.”

E como a Bíblia deveria, então, ser interpretada? Para o pesquisador, “o sentido é fruto da ação intersubjetiva: o sentido não deve mais ser visto como correspondente à intenção do sujeito [i.e., aos auotres da Bíblia, ou, em última instância, à intenção de Deus], nem ao referente do texto, mas como fruto da interação humana […]”.

Assim, cada indivíduo é livre para trazer sua contribuições, desde que essas sejam “criticamente examinadas”, “livremente apresentadas” e “responsavelmente partilhadas”[4] Logo, a Bíblia deixa de ser o guia para a experiência espiritual, mas a experiência espiritual se torna o guia para interpretar a Bíblia. Uma religiosidade assim difusa, que vise alimentar a experiência dos cristãos, sem impor quaisquer imperativos definidos e definitivos, não passa de um “baixar de guardas” diante do pensamento de nossa época. A conclusão: não importa quais sejam suas crenças religiosas, porque, no fim, nenhuma delas corresponde à verdade mesmo!

Recentemente, visitei uma senhora afastada da igreja. Ela confessou que seu falecido esposo trocara a denominação adventista para se tornar um batista do sétimo dia. Perguntei-lhe se ela percebia os erros teológicos do ex-marido, ao que ela me respondeu: “Bem, eu acho que verdade é aquilo em que uma pessoa acredita”. Tal o espírito de nossa época, que restringe o Cristianismo a uma oferta vazia, insuficiente e sem relevância…
Veja também:
A misericórdia ilusória da crença
Pós-modernidade à luz de 2 Pedro 3
O teto que se fecha sobre nós
A verdade ou a vida (parte 1 e 2)
[1] R. C. Sproul, Sola Gracia: A controvérsia sobre o libre-arbítrio na História (São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, 2001), p. 14.
[2] George Knight, em palestra proferida no concílio via satélite, em 2 de Março de 2010.
[3] Veja o prefácio de O maior espetáculo da Terra: as evidências da Evolução (São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2009).
[4] Júlio Paulo Tavares Zabatiero, Renovando a leitura da Bíblia na sociedade pós-moderna, em João Cesário Leonel Ferreira e Silas Luiz de Souza (ed.) Revista Teológica do Seminário Presbiteriano do Sul (Campinas, SP: Janeiro-Dezembro 2008), vol. 68, no 65/66, pp. 73, 74, 77, 76.
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