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Alvin Plantinga: um filósofo cristão
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16092011
Alvin Plantinga: um filósofo cristão
É o desejo que gera o pensamento.
Plotino
Pascal
Filosofia não se reduz à simples reflexão sistemática e sofisticada de um tema. Mas, antes disto, é um modo de vida. O homem vive e escolhe pra si um modo de vida de acordo com suas crenças e prioridades. E os filósofos são os que desenvolvem um sistema sofisticado de razões para as suas crenças e que conseguem, no decorrer de sua vida, falar e defender o modo que viveram e escolheram viver. É claro que nem todos fazem isso; sabemos que o escritor de Emílio ou Da Educação, Jean-Jacques Rousseau, foi um péssimo pai que abandonou filhos numa espécie de orfanato. Karl Marx, que teve um filho fora do casamento e não quis assumi-lo dando a paternidade a outro e depois oferecendo a outra família para cuidar, tinha uma “ótima” teoria para a boa educação da sociedade com a finalidade de tirá-la da alienação e da opressão burguesa, aparentemente isso não estava reservado aos seus filhos. Esses homens contradizem suas vidas com que dizem ou porque o que dizem não é aplicável ou só o dizem para satisfazer o coração daqueles que esperavam aquelas palavras. E por isso que, muito provavelmente, não creram no que diziam.
Há filósofos, no entanto, que nitidamente dizem o que creem e procuram dar razões a tais crenças em seus escritos. Um destes filósofos, sem dúvidas, é Alvin Plantinga. Ele nasceu em 15 de Novembro de 1932 em Ann Arbor, Michigan, onde seu pai era estudante de Filosofia, na University of Michigan. Teve uma educação cristã reformada nos moldes Calvinista-Holandês, pois seus pais vinham desta tradição. Quando estava para fazer 17 anos matriculou-se no Jamestown College, mas seu pai foi convidado para ensinar psicologia no Calvin College obrigando o jovem estudante a se mudar para lá. Um pouco contrariado mudou-se para Grand Rapids, e já matriculado no Calvin, resolveu, só por brincadeira, se candidatar a uma bolsa em Harvard University, e quão grande foi a surpresa de ter recebido uma boa bolsa de estudos para fazer filosofia lá. Quando já tinha feito dois semestres em Harvard, foi visitar o seu pai nas férias, e como as férias de Harvard eram diferentes das do Calvin, resolveu fazer algumas matérias enquanto estava lá. Ficou completamente maravilhado com as aulas de William Harry Jellema, professor de filosofia desde 1920 no Calvin, que inclusive em 1922 formou em filosofia Cornelius Van Til[1]. Com as aulas de Jellema, Plantinga pôde ouvir filosofia de maneira extremamente sofisticada e Cristã, e as muitas dúvidas que já tinha nos primeiros semestres em Harvard puderam ser observadas numa ótica cristã. Ele se apaixonou tanto pelo ensino de Jellema que transferiu-se para o Calvin College, estudando aos pés do mestre. Saiu de lá em 1954 para o mestrado na University of Michigan, onde foi aluno de William P. Alston. Por fim, obteve o seu Ph.D. na Yale University em 1958.
É notório observar que o caminho dos estudos de Plantinga foi norteado pela sua cosmovisão cristã e o seu desejo de responder as objeções formuladas pelo pensamento ateísta. Num artigo escrito para contar um pouco da sua história ele afirma que uma das coisas que o fez sair de Harvard e ir pro Calvin estudar com Jellema foi que em se referindo a essas objeções o professor disse: [que] “a oposição intelectual ao Cristianismo ou ao Teísmo era na verdade um amontoado de imperialismo intelectual com pouca base real.”[2] Portanto, é fácil perceber que o modo de vida adotado por Plantinga foi também o modo de vida adotado academicamente por ele. Isso será ainda mais patente nos trabalhos dele e nesse sentido precisamos fazer alguns pequenos comentários sobre os livros mais importantes dele e algumas de suas ideias.
Em 1964 ele publicou seu primeiro livro em conjunto com outros autores que foi intitulado, Faith and philosophy: philosophical studies in religion and ethics issued in honor of W. Harry Jellema. Uma clara homenagem ao seu mentor filosófico. Nisto, Plantinga já dava os seus primeiros passos na Filosofia Analítica da Religião, onde se destacará como o maior nome desta área de estudo. Das grandes discussões sobre a fé e sua racionalidade aguçou-se o interesse pelos antigos argumentos medievais para a existência de Deus, em especial o argumento ontológico de Anselmo de Cantuária, o qual o seu professor William P. Alston já havia escrito numa tentativa de refutar o argumento ontológico, assim como as modificações propostas por alguns filósofos tais como o testamentário de Wittgenstein, Norman Malcolm, a quem se atribui o grande aumento atual pelo interesse deste argumento[3]. Desta forma, edita o livro The Ontological Argument que é uma compilação dos trabalhos mais notáveis sobre o argumento, desde o próprio Anselmo até Norman Malcolm, passando por Descartes, Leibniz, Espinosa, Kant, Alston, entre outros.
Em 1967 escreve God and Other Minds, a obra que o fez conhecido na filosofia da religião, dedicado ao estudo da justificação racional da crença em Deus. Neste livro ele faz pelo menos duas marcantes argumentações em prol da racionalidade da crença na existência de Deus. (1) a famosa defesa do livre-arbítrio (free will defense), em que para responder ao problema do mal, propõe que o melhor mundo possível é o mundo com livre-arbítrio[4], e portanto, Deus por ser perfeito, só poderia criar o melhor mundo possível, e sendo este mundo com livre-arbítrio, coube ao homem fazer a escolha de ter ou não mal no mundo, e assim, Deus não seria culpado pelo mal, dado que foi o próprio homem na sua liberdade que o produziu. (2) a proposta da analogia da crença em outras mentes e da crença em Deus, onde, usando muito Wittgenstein, ele dá os primeiros passos para o que depois será chamado da Basicalidade da Crença em Deus, em que defenderá que alguém não precisa de evidencias, como as propostas pelo Círculo de Viena, para crer em Deus. Por conta das discussões modais envolvendo o argumento ontológico, ele escreve em 1974 The Nature of Necessity, livro sobre metafísica modal, sendo, portanto, um dos primeiros a escrever sobre o assunto, já que o livro que se dá como o início dessa discussão na contemporaneidade é o Naming and Necessity de Saul Kripke no ano de 1972.
Em 1974 escreve God, Freedom and Evil, um livro que visa principalmente tratar do problema do mal, tema que ele já havia tratado em God and Other Minds e em The Nature of Necessity, neste último ele é mais detalhista principalmente nas difíceis discussões modais. Em 1983 lança junto com Nicholas Wolterstorff o livro Faith and Rationality: Reason and Belief in God, onde há artigos de vários autores sobre o tema da racionalidade da crença religiosa. É neste livro que ele lança o que seria o mais famoso artigo dele, com 67 páginas o Reason and Belief in God expõe de maneira magnífica um dos maiores argumentos em prol da racionalidade da crença em Deus, e é neste artigo que ele propõe de maneira mais pormenorizada, antes de 2000, a basicalidade da crença em Deus, teoria que a crença em Deus é básica e, portanto, não precisa de evidências, muito menos científicas, para ser racional.
Mas ainda não foi falada a maior obra do filósofo Alvin Plantinga, na realidade não é uma obra, mas três. Aquilo que ficou conhecido como a trilogia do Warrant. Como já ficou claro para o leitor, o caminho da pena de Plantinga sempre girou em torno da resposta e refutação das objeções contra a fé cristã, e, influenciado por Jellema, Plantinga não teve medo de estudar assuntos considerados dos mais difíceis da filosofia. Porém, como ele mesmo diz, até então não tinha se debruçado no assunto mais difícil que tinha enfrentado, a discussão sobre a definição de conhecimento proposicional pós-Gettier.
Em 1963, Edmund Gettier faz uma reviravolta na epistemologia com um artigo de 3 páginas publicado pela Analysis. Gettier já havia trabalhado com Plantinga, eles foram colegas de docência na Wayne State University, e o próprio Plantinga afirma que Gettier, a despeito de ser filho de pastor, confrontou várias vezes as crenças de Plantinga com argumentos ateístas tão sofisticados e profundos que ele nunca havia se deparado antes. E sem sombra de dúvidas, desde aquele tempo, meado de 1957, Plantinga se preparava para refutar as maiores objeções que já havia encontrado. E num trabalho primoroso e sofisticado publica de uma só vez dois livros em 1993, Warrant: The Current Debate e Warrant and Propper Function. No primeiro livro, tenta expor o atual debate em torno da justificação da crença para ser reconhecida como conhecimento, citando, analisando e refutando os maiores filósofos da epistemologia contemporânea. E no segundo, corajosamente, explica e argumenta em favor da sua própria teoria para a justificação da crença, a qual ele chamará de Garantia e Função Apropriada. Não é objetivo deste artigo expor os pormenores desta difícil tarefa de Plantinga, mas é salutar que por conta desta teoria dezenas de artigos e livros foram escritos para analisar, refutar ou aprimorar a teoria. Mas foi em 2000 que Alvin Plantinga escreveu sua obra mais completa, Warranted Christian Belief. Ali, ele nos dá um final maravilhoso para todo o seu projeto.[5] Ele trata sobre todas as problemáticas que já havia trabalhado nos seus outros escritos e muitas outras, como pós-modernidade, criticismo Bíblico, mas principalmente, aprimorando sua teoria da Garantia e Função Apropriada. Não há dúvidas que esse é o trabalho mais completo e sofisticado de Plantinga, principalmente porque ele mesmo afirma isso.
O que podemos observar com toda essa narrativa biográfica e bibliográfica é que Alvin Plantinga é um filósofo como os antigos gregos, como os filósofos cristãos e como alguns outros filósofos que manifestaram em seus escritos aquilo que faziam publicamente. E de modo específico ele levou sobre si o mandamento de destruir os conselhos, e toda altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus e levando cativo todo o pensamento à obediência de Cristo. (Segunda carta de São Paulo aos Coríntios 10.5).
Ronaldo Barboza de Vasconcelos.[6]
http://palpiteabsoluto.blogspot.com/
[1] Dr. Cornelius Van Til, por 43 anos foi professor de apologética no Seminário Teológico Westminster, na Filadéfia, e professor emérito desde a sua aposentadoria em 1972, morreu em 17 de Abril de 1987 com 91 anos.Cf. http://www.vantil.info/articles/obituary.html
[2] http://www.calvin.edu/125th/wolterst/p_bio.pdf
[3]Charles Hartshorne revindicou para si a autoria do argumento ontológico modal. Plantinga, para evitar entrar no mérito da autoria, chamou esse argumento de “o argumento Hartshorne-Malcolm”.
[4] Logicamente anterior a esta argumentação, Plantinga, também propõe o desafio de que alguém possa mostrar que as duas proposições, (P) Há um Deus bom e todo poderoso, e (Q) Há mal no mundo, são contraditórias e, portanto, excludentes.
[5] Foi o estudioso de Alvin Plantinga, Ms. Bruno Uchôa, doutorando em filosofia na UFSC, que chamou a minha atenção para o projeto apologético de Plantinga, também devo a ele algumas críticas a esse artigo, que foram imediatamente acatadas.
[6] Bacharelando em Filosofia na Universidade Presbiteriana Mackenzie e Teologia no Seminário Teológico Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição.
Eduardo- Mensagens : 5997
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Inscrição : 08/05/2010
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