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YHWH: A Identidade do Deus de Israel
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14022012
YHWH: A Identidade do Deus de Israel
Posted on 14/02/2012 by Blog Sétimo Dia
O nome bíblico de Deus que aparece mais vezes no Texto Sagrado é SENHOR, ou, como algumas versões rezam, Jeová. Muito se tem discutido a respeito da pronúncia do original hebraico YHWH. Seria realmente Jeová? Visto que os nomes na Bíblia são carregados de significado, o que esse nome de quatro letras, também chamado de Tetragrama sagrado, significa? Revelaria ele a identidade do Deus dos israelitas? O presente artigo objetiva responder a essas questões.
Comumente se vê na tradução portuguesa da Bíblia o nome divino traduzido por “SENHOR”, que no original hebraico é YHWH 1 (יהוה) denominado “o Tetragrama sagrado”, que ocorre cerca de 6.828 vezes no texto massorético (EISENSTEIN; MCLAUGHLIN, 2002; JENNY, 1978) 2 , sendo até mais frequente, do que o nome genérico “Deus”, que ocorre aproximadamente 4.500 vezes em toda a Bíblia.3 Este é, portanto, o nome específico e mais importante de Deus. Foi considerado pelos rabinos como “‘O grande e temível nome’ […] ‘O inefável nome’” 4 (LOCKYER, 1975, p. 17, tradução livre), por causa de sua santidade, fato que fez a original pronúncia desaparecer ao longo dos séculos, obliterando também muito de seu significado.
Desde séculos atrás, até os dias de hoje, há grandes debates quanto à pronúncia e significado deste nome de quatro letras. Como ele era pronunciado? O que ele significa?
O objetivo deste estudo é responder a essas questões apresentando a possível pronúncia e o provável significado do nome de Deus, revelado a Moisés no monte Horebe descobrindo, consequentemente, parte do caráter divino revelado através desse nome.
A metodologia usada é a pesquisa bibliográfica, utilizando-se da Bíblia traduzida, dos textos nas línguas originais e de autores judeus e cristãos.
YHWH: o tetragrama sagrado e sua pronúncia
É muito comum encontrar defensores da pronúncia “Jeová”. Mas, há alguns problemas nessa defesa, pois, entre o período pós-exílico e Cristo (DAVIS, apud READ, 1958a), os judeus por um respeito extremado, baseados em Levítico 24:16 5, deixaram de pronunciar o nome divino, considerado então inefável, ou indizível, não sendo possível saber com certeza a real pronúncia.
Josefo diz que não era permitido pronunciar o nome (Ant. II.12,4), e Filo relata que ele era ouvido e proferido no Santos dos Santos (Vit.Mos., iii.11). A Mishna Barachoth (ix. 5) diz, comentando sobre Rute 2:4 […] 6 , que seu uso era permitido em cumprimentos. Abba Schaul (Sanhedrin x. 1), por outro lado, inclui entre aqueles que não têm parte na vida futura todos os que pronunciarem o nome divino como está escrito. De acordo com Maimonides (More, i.61), o nome pode ser pronunciado somente no templo pelos sacerdotes enquanto pronunciavam a benção [sacerdotal], e pelo sumo sacerdote no dia da expiação; mas mesmo esse privilégio foi perdido depois da morte de Simeão (OEHLER, 1883, p. 1152, tradução livre).7
Alguns chegam a afirmar que, quando no Santo dos Santos, o sacerdote não pronunciava, mas sussurrava o verdadeiro nome divino (LOCKYER, 1975). Outros afirmam, segundo o Talmud Kiddushin, que “a pronúncia do divino nome de quatro letras YHWH, os sábios confiavam a seus discípulos uma vez a cada sete anos, no ano sabático” (READ, 1958b, p. 36, tradução livre).8
Entretanto, mesmo parando de pronunciar o nome de Deus, os judeus ainda o escreviam na forma das consoantes hebraicas yod, hê, waw, hê, compondo o tetragrama sagrado; sendo que na leitura realizada na sinagoga este nome foi substituído por ’ādônāy, significando “meu senhor”, ou apenas Senhor (PAYNE, 1998), ou ainda por ’elōhîm, quando o tetragrama estava associado com ’ādônāy (THOMPSON, 1992). Mesmo na época em que foram escritos os Manuscritos do Mar Morto, já se fazia desta maneira. Num tempo que não havia sinais vocálicos, a forma como deveria ser lida, adonay, era colocada sobre o tetragrama (BYINGTON, 1957).
Anos depois, “quando os escribas massoretas adicionaram as vogais aos manuscritos hebraicos da Bíblia no 7º ou 8º séculos A.D. [com o objetivo de preservar o conhecimento da linguagem falada (NICHOL, 1954, v. 1, p. 34) eles adicionaram as vogais de ’ādônāy às consoantes” do tetragrama, que quando é transliterado tem-se a forma anômala: YeHoWaH 9 (WARREN, 1984, p. 22, tradução livre) 10, ou em português, Jeová; forma difundida no meio cristão desde 1518 por Petrus Galatinus, confessor do papa Leão X (THOMPSON, 1992).11 Resultado de uma má compreensão do Ketib-Qere 12.
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Porém, no meio judaico moderno, o rabino Melamed (2001, p. 159) argumenta sobre a liturgia: “Em respeito à sua enorme santidade, o Tetragrama não é pronunciado nas rezas ou durante a leitura da Torá conforme está escrito, sendo substituído por Ado-nai [sic] ou hashem” , “o nome” (Lv 24:11).
Apesar das controvérsias, a maioria dos eruditos concorda que a pronúncia mais provável de YHWH, diferente daquela lida no Qere Perpetuum 13 pela Idade Média, é Yahweh (FREEDMAN, 1986). Esta conclusão foi tirada de considera-
ções filológicas baseadas em: 1) A forma verbal da provável raiz de YHWH, hāyāh, quando flexionada na “1ª pessoa comum do imperfeito Qal, resultando em ’ehyeh” (informação verbal)14 ; 2) Escritos gregos dos pais da Igreja, tais como Teodoreto (4º século) e Clemente de Alexandria (início do 3º século). Teodoreto, bem como Epifanius, afirmou que os Samaritanos liam o nome ’Ιαβέ e os judeus ’Αϊά. Clemente, por sua vez, dizia ’Ιαουέ; e 3) Outras evidências extrabíblicas, como a inscrição amorita, que apresentam yahwî (THOMPSON, 1992).
Entretanto, há contra-argumentações: 1) Formas hipocorísticas 15 geralmente prefixadas a nomes próprios, como yô (יו[p.ex. yôkebed — “Joquebede”]) ou yehô ( p.ex. yehôšûa‘ — “Josué”]); ou sufixadas como yāh ( [p.ex. ’ēliyyāh — “Elias”]) ou yāhû ( [p.ex. yirmeyāhû — “Jeremias”]) (ABBA, 1961); 2) Fragmentos gregos encontrados em Qumran que indicam a pronúncia yāhô (PAYNE, 1998); 3) Os papiros de Elefantina no Egito (c. 400 a.C.) apresentam
em aramaico YHW, que segundo estudiosos, teria a provável vocalização de yahû (FREEDMAN, 1986); e 4) Payne (1998, p. 347) acrescenta que “tais testemunhos [dos manuscritos em grego] são muito recentes e parecem contradizer testemunhos judaicos bem mais antigos, como os papiros de Elefantina e os elementos teofóricos 16 dos nomes hebraicos, nenhum dos quais terminava em ‘eh’”.
Portanto, não há concordância sobre qual seja a correta pronúncia do tetragrama, mas bem poucos creem que seja “Jeová” (OEHLER, 1883), 17 sendo, a tradução mais improvável. O mais seguro é ficar com a tradução portuguesa moderna da Bíblia, com o vocábulo “SENHOR”, proveniente do Qere, ’ādônāy, presente desde o 2º século a.C. nos Manuscritos do Mar Morto, e que aparece no grego da LXX como κύριος desde o 3º século a.C.18
YHWH: o tetragrama e seu significado
“Disse Moisés a Deus: Eis que, quando eu vier aos filhos de Israel e lhes disser: o Deus de vossos pais me enviou a vós outros; e eles me perguntarem: Qual é o seu nome? Que lhes direi?” (Êx. 3:13).
O nome no Antigo Testamento não é simplesmente uma etiqueta, uma “designação convencional” (CAZELLES, 1977) ou um título externo, mas sim algo que exprime “a realidade profunda do ser que o carrega” (MICHAUD, 2001), sua natureza (PAYNE, 1998), o papel que ele desempenha no universo como um todo; tanto que, caso não se conheça o nome, não se conhece a pessoa que o leva (Jz 13:6; MICHAUD, 2001).
Dentro do contexto de Êxodo 3, a pergunta do profeta expressa uma indagação a procura de qualidade, expressão (ABBA, 1961), “significado, caráter e interpretação do nome” (KAISER JR., 1990, p. 320, tradução livre)19 , o que está por detrás dele. Portanto, ao Moisés perguntar pelo nome de Deus, significava que ele queria saber o caráter daquele que aparecera nessa experiência de teofania e que agora o enviava, a fim de apoiar-se em Sua autoridade (DURHAM, 1987), legitimando a comissão de Moisés (METTINGER, 1987).
Logo, ao se descobrir o significado do nome divino, também se descobrirá parte do caráter do ser que o carrega, no caso, o próprio Deus.
No entanto, este estudo se limitará às principais linhas de interpretação, pois como afirma Durham, “a gama de interpretações […] é quase interminável” (DURHAM, 1987, p. 38, tradução livre)20.
A interpretação incognoscível
Alguns intérpretes, tais como Zimmerli (apud GIANOTT, 1985, p. 41, tradução livre), atestam que o nome divino representado pelo tetragrama tem um significado incognoscível, ou seja, que não pode ser conhecido. Estes têm sua base principal na argumentação da transcendência de Deus, que faz com que os seres humanos não possam conhecer Seu caráter. Acrescentam como argumentos Apocalipse 19:12, “E os seus olhos eram como chama de fogo; e sobre a sua cabeça havia muitos diademas; e tinha um nome escrito, que ninguém sabia senão ele mesmo”; e Gênesis 32:29 21 , quando na luta de Jacó com Deus, este recusa dizer seu nome, dando a entender, segundo os defensores dessa tese, que não se pode colocar o significado do nome em uma “gaiola de definição” 22.
Em adição a isto, alguns interpretam a resposta de Deus à pergunta de Moisés em Êxodo 3, como uma resposta evasiva, tentando não responder a pergunta do profeta (DURHAM, 1987). Seria como se Deus dissesse: “Você me pergunta quem eu sou. Eu simplesmente sou e não há meio de me definir” (ZIMMERLI apud GIANOTTI, 1985, p. 41, tradução livre)23.
Contudo, esta hipótese mostra-se menos plausível quando termina-se a leitura do contexto de Êxodo 3, especialmente os versos 14 e 15 que vinculam o Eu Sou com YHWH, dando assim, um nome para Deus. Não que expresse um significado completo do caráter divino, mas apresenta uma declaração a respeito do caráter de Deus usando um de Seus nomes (GIANOTTI, 1985).
A interpretação ontológica
Esta interpretação baseia-se principalmente na perícope de Êxodo 3:13–22, o diálogo entre Deus e Moisés, passagem considerada como chave que revela o nome de Deus e seu significado. O trecho principal (Êx 3:11-15) com seu contexto reza o seguinte:
(Verso 11) Então Moisés disse a Deus: Quem sou eu, que vá a Faraó e tire do Egito os filhos de Israel?
(Verso 12) E disse: Certamente eu serei ( ’ehyeh []) contigo; e isto te será por sinal de que eu te enviei: Quando houveres tirado este povo do Egito, servireis a Deus neste monte.
(Verso 13) Então disse Moisés a Deus: Eis que quando eu for aos filhos de Israel, e lhes disser: O Deus de vossos pais me enviou a vós; e eles me disserem: Qual é o seu nome? Que lhes direi?
(Verso 14) E disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU (’ehyeh . Disse mais: Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU (’ehyeh []) me enviou a vós.
(Verso 15) E Deus disse mais a Moisés: Assim dirás aos filhos de Israel: O SENHOR Deus de (YHWH ’elôhēy []) vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, e o Deus de Jacó, me enviou a vós; este é meu nome [] eternamente, e este é meu memorial de geração em geração.
O verbo ’ehyeh está na 1ª pessoa comum do imperfeito Qal do verbo hāyāh (היה), “ser”, “estar”. Sendo assim, muitos argúem: por que no verso 11 este verbo fora traduzido no futuro e no verso 14, ele foi traduzido no presente? Doukhan (1993, p. 36, tradução livre), explana que o verbo hebraico, como em outras línguas semíticas, tem duas “conjugações”, o “perfeito” e o “imperfeito”. E elas não expressam categorias de tempo (passado e futuro), mas, categorias de ação. “O perfeito expressa a ideia de uma ação realizada; o imperfeito expressa a ideia de uma ação incompleta (em andamento). Assim, o perfeito corresponde mais ou menos ao nosso passado, e o imperfeito ao nosso futuro.” Não há conjugação no presente no Hebraico, porém, quando isso ocorre, segundo ele, “está tanto certo como errado, visto que o imperfeito hebraico cobre presente e futuro, mas em vez de expressar um tempo específico, o imperfeito expressa uma perspectiva.”24
Logo, ambas as traduções são válidas, apesar da forma mais provável ser: “eu serei” (DOUKHAN, 1993; MELAMED, 2001).
Entretanto, como há a ideia de continuidade e ação incompleta, a LXX traz: ἐγώ ἐιμί ὁ ὤν, “Eu sou Aquele que é” ou “Eu estou sendo Aquele que está sendo”; e a Vulgata: ego sum qui sum (BÍBLIA DE JERUSALÉM, 1973, Êx 3:14, nota c), “Eu sou quem sou”, no verso 14a e, qui est, “Quem é” no 14b (DURHAM, 1987).
Com isso, os defensores dessa interpretação acreditam que ’ehyeh pode ser traduzido e interpretado como “Eu sou Aquele que sempre é”, “Eu sou Aquele que está sendo”, “Eu estou sendo o que estou sendo” (DURHAM, 1987, p. 39, tradução livre)25, “Eu sou o existente” (BÍBLIA DE JERUSALÉM, 1973, Êx 3:14, nota c), “Eu sou Aquele que existe por Si mesmo” (LOCKYER, 1975, p. 18, tradução livre)26. E a conexão disso com o tetragrama ocorre pela repetição tripla de ’ehyeh, seguida do aparecimento do tetragrama (DURHAM, 1987), conectando à raiz hyh com YHWH, que alguns creem ser proveniente da raiz hwh, a raiz aramaica primitiva de hyh (JENNI, 1978; OEHLER, 1883; SARNA, 1991), quando flexionada na 3ª pessoa (ABBA, 1961). Mesmo antigos “exegetas, como Onkelos, os Targuns de Jerusalém e pseudo-Jonathan relacionam ‘Ehyeh’ e ‘Ehyeh Asher Ehyeh’ com o nome da Divindade, e aceitam a etimologia de ‘hayah’= ‘ser’” (TOY E BLAU, 2002, tradução livre).27
Pelas razões supracitadas, alguns judeus traduziram o tetragrama por “o Eterno”, argumentando que o nome é formado “pelas letras que compõem as palavras ‘foi’ [היה], ‘é’ [הוה] e ‘será’ [יהוה],” (MELAMED, 2001) expressando a “qualidade de ser absoluto, o eterno, imutável [e de] dinâmica presença” (SARNA, 1991, p. 17, tradução livre)28. Para eles “o tetragrama representa o nível em que passado, presente e futuro são os mesmos” (WORLD ORT, 2000, tradução livre)29. Portanto, neste ponto de vista interpretativo, Deus revelou ser autoexistente, eterno, imutável e de livre vontade (OEHLER, 1883).
Todavia, contra esta visão, há o argumento de que o verbo hāyāh nunca significa “pura existência”, mas traz o sentido de “acontecendo”, “tornando-se”, “estando em um certo estado ou lugar”, “estando presente” (ABBA, 1961).
A interpretação causativa
Outros intérpretes veem na raiz hāyāh (היה) mais significados além de “ser” ou “estar”. Veem “existir”, “tornar-se”, “chegar a ser”, “manifestar–se”, “originar”. E no nome YHWH, interpretam-no como sendo uma forma verbal do causativo hifil, dando o significado de “Aquele que traz à existência”, “Aquele que mantém o ser”, “Aquele que cria” (JENNI, 1978,tradução livre)30. Consequentemente, formam-se expressões interligadas que têm outros significados, como YHWH ṣēbā’ôt, significando “Ele que cria as hostes celestiais” (METTINGER, 1987).
Porém, contra esta interpretação, Abba (1961, p 32) argumenta que não há nenhuma ocorrência do verbo hāyāh na forma hifil no texto hebraico; Mettinger (1987, p. 32) ainda acrescenta que o Antigo Testamento coloca a ideia de “criar” através de outros verbos, como por exemplo: bārā’, qānā etc; e, como último argumento contra, Gianotti (1985, p. 44) propõe a dificuldade observada na expressão YHWH ’elôhîm, que, segundo a ideia proposta pela interpretação causativa, resultaria em “aquele que cria Deus”, algo que deve ser rejeitado.
Contudo, Freedman (1986, p. 513), um dos principais defensores dessa tese, insiste que o nome YHWH pode ser um único ou especial uso do tronco causativo (THOMPSON, 1992).
A interpretação do “sopro”
Uma conjectura sobre a etimologia do nome divino é que seja derivado da raiz hwh, “soprar”, baseando-se em raízes árabes (JENNI, 1978). Isso posto, alguns como Wellhausen, chamam YHWH de “o soprador” (the breather), que seria uma designação ao Deus do tempo, do vento e da tempestade (WELLHAUSEN apud TOY E BLAU, 2002, tradução livre). Outros, como o Rabino e ativista político americano Arthur Waskow (apud GERSHON, 2008, tradução livre), propõem que “as quatro letras do nome hebraico de Deus são consoantes suaves” e que se pronunciadas sem vogal, o som seria como o de uma respiração: “yod, hê, waw, hê” ou “yah…weh” 31.
Entretanto, essa interpretação não é tão provável, pelo fato de que a raiz semítica hyh como forma posterior de hwh é muito mais plausível de ser aceita por sua proximidade com esta, do que com qualquer outra raiz árabe (JENNI, 1978).
A interpretação da aliança
Os proponentes desta interpretação afirmam que as interpretações ontológica e causativa não são satisfatórias por não considerarem o contexto amplo de onde o nome divino aparece. Então, eles propõem que o background de Êxodo 3 traz à luz o real significado do nome divino.
Um dos principais proponentes é Raymond Abba (1961, tradução livre), que mostra o contexto da passagem em questão: o encontro divino com Moisés, marcando o início da história de Israel como nação. Porque Deus visitara o povo na escravidão egípcia, e ao ver sua aflição e ouvir seu choro, decide, por meio de Moisés, realizar a libertação deles, a fim de estabelecer uma aliança com Seu povo. “Com o chamado de Moisés foi dada a repetida garantia da divina presença, ‘Eu estarei com você’ 32, a prova de que seria [feita] a realização da libertação de Israel. Libertos da escravidão no Egito, eles adorariam a Deus, na montanha, onde fora feita a aliança”. E Deus mesmo esteve presente com Israel por todo o trajeto no deserto através das colunas de nuvem e de fogo, do tabernáculo e da arca. “Esta certeza da presença do Deus salvador com seu povo da aliança, que estava incorporada no nome Yahweh.”
Então, à luz destas coisas, a fórmula ’ehyeh ’ªšer ’ehyeh de Êxodo 3:14, pode ser interpretada como uma enfática afirmação de segurança na aliança, isto é, “Eu certamente estarei presente”.
Essa explicação da aliança é então corroborada pelo fato de que no Sinai a introdução dos mandamentos de Deus apresentam a expressão “Eu sou YHWH” (Êx 20:2), bem como em outras ordens divinas, conforme se vê em Levítico 18:2,4,21,30. E dentro dos mandamentos de Deus, há um mandamento específico para que o nome divino não seja tomado em vão (Êx 20:7). É interessante notar que há uma conexão entre o nome YHWH com “explícitas referências à aliança com os pais e com o verbo ‘redimir’, conclui[-se] que ‘o coração da revelação mosaica de Yahweh, foi que Ele veio redimir Seu povo’” (MOTYER apud GIANOTTI, 1985, tradução livre).
Davidson (apud ABBA, 1961, tradução livre) chega a asseverar: “O nome não é um nome como Elohim, que expressa Deus no lado de seu ser, como essência, com vários poderes; é uma palavra que expressa sim uma relação — Elohim em relação com Israel é Jahweh”.
Outros argumentos importantes para esta proposta é o fato do verbo hāyāh, com o qual YHWH está relacionado, ocorrer “frequentemente em fórmulas de concerto (Dt 26:17–18; Jr 7:23; 11:4, 24: 24:7; 31:33; Ez 36:28; 37:27)” (GIANOTTI, 1985) e que a forma conjugada ’ehyeh no imperfeito, expressa continuidade implícita da “constância eterna da aliança de Deus que permanece contra a inconstância de Israel” (ABBA, 1961).
Este último argumento é bem desenvolvido por Abba (1961, p.326), através de um paralelo com o livro de Oséias. No Êxodo, no contexto da aliança, Israel é chamado de ‘ammî , “meu povo” (Êx 3:7,10) e YHWH ’ehyeh , “Eu sou YHWH” (Êx 6:7–8). Já em Oséias, quando o profeta estava convicto da infidelidade da nação, que havia transgredido o relacionamento, proclamou a Palavra do SENHOR:
“Vós não sois meu povo , e para vós Eu não estarei mais presente ; Os 1:9, tradução de Abba)”. Então, para Raymond Abba (1961, p. 327, tradução livre),
A concepção incorporada no nome divino Yahweh é pessoal e dinâmica; transcendência bem como imanência estão subentendidas. Yahweh repetidamente “visita” seu povo, tanto para julgamento, quanto para salvação; sua presença “corresponde a cada vez uma nova aproximação”; Ele intervém em sua história para levantá-lo da indiferença ou salvá-lo da aflição […] É pela ação divina em julgamento e salvação que Yahweh é conhecido […] O verbo hyh com o qual este está ligado, denota não o ser essencialmente, mas o ser fenomenologicamente, […] [e] embora a ideia básica do nome Yahweh no contexto de Êxodo 3 e 4 ser “presença”, a forma verbal tem a sugestão de “tornar-se”, […] a ativa manifestação de existência. Deus é presente na história manifestando-se a si mesmo de uma nova forma à humanidade […] Através de suas visitações Yahweh se torna conhecido; em cada nova aproximação algo de seu caráter e propósito é revelado.33
Logo, na visão dele, Deus pode somente ser conhecido realmente “de acordo com o caráter funcional de seu ser, não em seu próprio ser”. No entanto, esta visão não considera que, biblicamente, “o ser ontológico de Deus não está separado de seus atos” (informação verbal)34. Diferentemente do que a Teologia clássica afirma, Deus se revela na história através de seus atos, logo pode-se conhecer alguns aspectos do ser de Deus, somente aqueles revelados por Seus atos e caráter funcional. Além do mais, Abba também não considerou a possibilidade da multiplicidade de sentidos que pode estar envolvida no nome divino.
Considerações Finais
O Tetragrama sagrado foi, é e será objeto de estudo por muito anos. Muitas conjecturas e estudos foram formulados sobre o seu significado, que revelaria a identidade do Deus de Israel. Contudo, o que os autores analisados provavelmente não perceberam foi que na língua hebraica acontece o “fenômeno” da polissemia 35, a multiplicidade de significados.
Jacques B. Doukhan (1993, p. xxi, tradução livre), argumentando sobre a simplicidade da língua hebraica, diz que é uma das línguas mais fáceis do mundo. “Em comparação com outras línguas antigas, contemporâneas aos tempos bíblicos, como o sumeriano, acadiano ou mesmo o grego, ou qualquer outra língua moderna, o hebraico mostra a mais simples gramática e vocabulário.” Diferente do sumeriano, acadiano, grego, alemão etc. Não há declinações no hebraico. Ele possui um vocabulário muito pequeno: somente 225 palavras são usadas mais de 200 vezes na Bíblia; constituindo o vocabulário básico. “As palavras restantes são também compostas de palavras etimologicamente relacionadas, ou são palavras raras.”36
Diante disso, muitos estudiosos da língua hebraica afirmam que esta é uma língua altamente polissêmica, pelo fato de que isto é muito comum em línguas “que apresentam uma estrutura sintática e morfológica mais concisa. […] A própria estrutura gramatical de raízes tri-consonantais influenciaria a existência de vários significados para uma mesma forma lexical.” Entretanto, há sentidos mais representativos ou básicos, prototípicos, e outros menos prototípicos, derivados (CRUZ, 2010). E de fato, muitas vezes esse tipo de “recurso” é utilizado propositalmente na Bíblia para dar uma ideia de totalidade ou multiplicidade de significado (VERMEULEN, 2009),37 como o que ocorre no paralelismo Janus, na poesia bíblica (GROSSBERG, 1986).
Portanto, é possível que no nome Yahweh também haja polissemia com o objetivo de expressar uma gama de significados. Cada um dos aspectos explorados pelas diferentes interpretações são importantes: o contexto imediato segue para uma direção, o contexto amplo para outra, a raiz etimológica para outra. São ideias fortes, mas incompletas, algo que favorece o argumento da polissemia. Seja qual for a real significação de Yahweh, é certo que Deus, revelado como YHWH, é de certa forma, incognoscível; é santo, eterno, autoexistente, criador, que provê a vida e o fôlego a todos os seres viventes, que quer entrar em relação de aliança com a humanidade em amor e é também o Deus tanto transcendente, como imanente, que “visita” seu povo, que se manifesta agindo na história humana.
E a manifestação máxima da imanência, a aproximação de Deus, foi quando o logos, o ’ādônāy, o kyrios, o próprio Yahweh, tornou-se carne e habitou entre nós (Jo 1:14), para nos salvar de nossos pecados, através do sangue da nova aliança. Seu nome é Jesus, ou no hebraico, Yehoshua, “Yahweh salva”, “porque Ele salvará o Seu povo dos pecados deles” (Mt 1:21).
REFERÊNCIAS
1 Alguns transliteram a consoante vav com v e não com w. Este estudo usará a transliteração comum nos EUA, que utiliza w.
2 Contudo outros há que defendem o número de 5.321 vezes, como Abba (1961), Payne (1998).
3 Contagem feita pelo software BibleWorks 7.0.
4 “The Great and Terrible Name, […] The Ineffable Name”.
5 O verso diz: “E aquele que blasfemar o nome do SENHOR, certamente morrerá; toda a congregação certamente o apedrejará; assim o estrangeiro como o natural, blasfemando o nome do SENHOR, será morto.”
6 Rute 2:4: “E eis que Boaz veio de Belém, e disse aos segadores: O SENHOR seja convosco. E disseram-lhe eles: O SENHOR te abençoe.”
7 “Josephus says he was not allowed to utter the name (Ant. II. 12, 4), and Philo relates that it was heard and uttered in the Holy of holies (Vit. Mos., iii. 11). The Mishna Barachoth (ix. 5) says, in commenting upon Ruth ii. 4, Judg. ii. 16, that its use was permitted in greetings. Abba Schaul (Sanhedrin x. 1), on the other hand, includes amongst those who have no part in the future life all who pronounce the divine name as it is written. According to Maimonides (More, i. 61), the name might only be uttered in the temple by the priests in pronouncing the blessing, and by the high priests on the day of atonement; but even this privilege was taken away after the death of Simeon.”
8 “The [pronunciation of the Divine] Name of four letters [JHVH] the sages confide to their disciples once a septennate [sabbatical year]”.
9 Alguns acreditam ser a forma correta e original, como Gataker e Leusden, (apud OEHLER, 1883).
10 “When the Masoretic scribes added vowels to the Hebrew manuscripts of the Bible in the seventh or eighth century A.D. they added the vowels for ‘Adonai to the consonants YHWH”.
11 Thompson também argumenta que talvez essa forma confusa tenha começado
por volta do ano 1100; contudo, Gesenius em seu léxico defende a data aproximada de 1520 por Galatinus. (BROWN; et al., 1980).
12 Do Aramaico lit. [O que está] escrito e [Como deve ser] lido (WIKIPEDIA, 2011).
13 Qere Perpetuum é a forma vocalizada ou transmitida pelos massoretas, pela junção das consoantes do tetragrama com as vogais de , que foi transliterada e transmitida por Jeová. Ver Jenni (1978).
14 Comentário proferido por Reinaldo W. Siqueira nas aulas de Hebraico II na Faculdade Adventista de Teologia, em 2009.
15 Hipocorístico é uma palavra cuja formação fonética tem o objetivo de suavizar ou atenuar o som da palavra de que se origina. Por extensão, um hipocorístico pode ser também uma palavra derivada de um nome próprio, adotada com propósitos de diferenciação por intimidade. Em geral, mas nem sempre, consistem na forma reduzida do nome por apócope ou aférese, algumas vezes também no grau aumentativo ou diminutivo (WIKIPEDIA, 2011).
16 Nomes teofóricos são aqueles que, na sua composição, tem a palavra Deus ou o nome de uma divindade específica. Wikcionario (2011).
17 A Tradução Novo Mundo das Escrituras Sagradas, das Testemunhas de Jeová, é um exemplo das traduções modernas que mantém o nome Jeová.
18 O vocábulo grego da LXX foi emprestado para o Novo Testamento. Mais tarde fora traduzido por Jerônimo na Vulgata por Dominus em ambos os Testamentos.
19 “seeks the significance, character, quality, and interpretation of the name.”
20 “The range of interpretations of this response […] is nearly endless”
21 O verso diz: “E Jacó lhe perguntou, e disse: Dá-me, peço-te, a saber o teu nome. E disse: Por que perguntas pelo meu nome? E abençoou-o ali.”
22 “the cage of a definition”.
23 “You ask who I am; I simply am. There is no way to define Myself”
24 “Like in other Semitic languages, Hebrew knows two tenses, the Perfect and the Imperfect. (Footnote #1: There is no present tense in Hebrew; this explains why the Imperfect form in the name of God in Exod 3:14 has been translated with a present by the Septuagint [“I am ho I am”]. in fact, this rendering is both right and wrong since the Hebrew Imperfect encompasses present and future; but rather than expressing a specific time, the Imperfect empresses a perspective, in this instance, the eternal perspective of the God of Hope.) These tenses do not express, like in our languages, categories of time (past and future), but rather categories of action. The Perfect expresses the idea of an unaccomplished action (in becoming). Thus Perfect corresponds more or less to our Past, and Imperfect to our Future.”
25 “connoting continuing, unfinished action: ‘I am being that I am being,’ or ‘I am
the Is-ing One’, that is, ‘the One Who Always Is’.”
26 “The Self-Existing One.”
27 “The oldest exegetes, such as Onkelos, and the Targumim of Jerusalem and pseudo-Jonathan regard ‘Ehyeh’ and ‘Ehyeh asher Ehyeh’ as the name of the Divinity, and accept the etymology of ‘hayah’ = ‘to be’.”
28 “expresses the quality of absolute Being, the eternal, unchanging, dynamic presence.”
29 “The Tetragrammaton denotes the level where past, present and future are the same.”
30 “El que da el ser, El que mantiene El ser.”
31 “is that all four letters of God’s Hebrew name are soft consonants. If you try to pronounce them without any vowels, the sound that emerges is just like that of taking a breath.”
32 O autor apresenta os textos: Êxodo 3:12; 4:12, 15; 33:14; Josué 1:5.
33 “The conception embodied in the divine name והָהְי is personal and dynamic; transcendence as well as immanence is implied. Yahweh repeatedly ‘visits’ his people both in judgment and in salvation; his presence ‘corresponds each time to a new approach’; he intervenes in their history to arouse them from indifference or to save them in distress […] It is by the divine action in judgment and in salvation that Yahweh is known […] The verb היה with which it is linked denotes not to be essentially but to be phenomenally […] Although the basic idea of the name והָהְי in the context of Exod [sic] 3 and 4 is ‘presence,’ the verbal form has the suggestion of ‘becoming’; […]the active manifestation of existence. God is present in history manifesting himself anew to mankind […] Through his visitations Yahweh becomes known; in each new approach something of his character and purpose is revealed.” (ênfase acrescentada).
34 Comentário proferido por Jean C. Zuckowski nas aulas de Panorama Religioso Brasileiro na Faculdade Adventista de Teologia, em 05 de ago. de 2011.
35 Diferenciação entre homonímia e polissemia: na homonímia, temos palavras diferentes com coincidência de grafia ou fonética e, na polissemia, temos uma mesma palavra que apresentaria significados distintos, mas relacionados entre si. (ver CRUZ, 2010?).
36 “In fact, Hebrew is one of the easiest languages of the world. In comparison to other ancient languages contemporary to the biblical times, such as Sumerian, Akkadian, or even to Greek, or any modern language, Hebrew displays a more simple grammar and vocabulary. There are no declesions to learn in opposition to Sumerian, Akkadian, Greek, German etc. There is very little vocabulary: only about 225 words are used more than 200 times in the Bible; they constitute the basic vocabulary. The remaining words are either made up of etymologically related words, or are rare words.”
37 A autora comenta na página 8 sobre o uso do palalelismo Janus em Gn 24:16, como na poesia bíblica, onde uma palavra pode ter um sentido duplo, um de acordo com a oração precedente e o outro com a oração seguinte; Doukhan (1993, p. 195) tem um capítulo sobre o pensamento hebreu (hebrew thought), falando sobre a totalidade expressa pelas palavras.
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