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O Shabat e o Diálogo entre Judeus e Adventistas no Brasil

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Reinaldo W. Siqueira, Ph.D Professor de exegese e teologia bíblica. Centro Universitário Adventista, Campus Engenheiro Coelho, Brazil.

Esta palestra foi publicada em: SIQUEIRA, Reinaldo W. "O shabat e o diálogo entre judeus e adventistas no Brasil". In: LEWIN, Helena (coord.). Identidade e Cidadania: como se expressa o judaísmo brasileiro. Rio de Janeiro: Programa de Estudos Judaicos, 2005. p. 442-451. Palestra proferida no III Encontro de Estudos Judaicos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, 25 de abril de 2002.



1. Introdução:

O Shabat ("sábado"), como dia de descanso, santificado a Deus, é uma das características básicas e fundamentais tanto do Judaísmo como do Adventismo.
No Judaísmo, a fundamental importância do Shabat pode ser claramente percebida nas palavras de Dayan I. Grunfeld, na sua popularização em inglês das idéias do famoso rabino Samson Raphael Hirsch, ao dizer que "the Sabbath epitomizes the whole of Judaism" ["o sábado tornou-se a epítome da totalidade do Judaísmo"] (Grunfeld, 1956: 11); ou na famosa frase de Ahad Ha'am: "Mais do que o povo judeu tem guardado o sábado; o sábado tem guardado o povo judeu" (Ha'am, 1965: 286).

Para os Adventistas do Sétimo Dia, a importância do Shabat pode ser vista pelo fato dele estar incorporado ao próprio nome que os define: "Adventistas do Sétimo Dia". Assim, a guarda e santificação do sábado, o sétimo dia da semana, e a esperança no breve advento do Messias correspondem aos dois elementos mais característicos do Adventismo como comunidade religiosa.

É o propósito desta apresentação sugerir que, sendo um ponto comum e de fundamental importância para ambas as comunidades, o Shabat poderia servir de plataforma privilegiada para um diálogo interreligioso entre judeus e adventistas, a começar do Brasil, e creio que esse diálogo teria repercussões mundiais para ambas comunidades.

Na fundamentação desta proposta, creio que existem bases extremamente sólidas para sustentá-la:

1) Na própria teologia bíblica do Shabat, que serve em si mesma como um elemento catalisador de diálogo e confraternização entre os seres humanos.

2) Na perspectiva judaica acerca do Shabat, visto que tanto a tradição judaica acerca do Shabat, como a sua interpretação no pensamento judaico da atualidade, fazem do mesmo um elemento ideal para o diálogo interreligioso.

3) Na perspectiva Adventista do Sétimo Dia, baseando-se na compreensão adventista do Shabat, de sua universalidade, sua importância fundamental na compreensão de Deus e a relevância profético-escatológica desse dia para toda humanidade.

4) Na prática: O fato de duas comunidades que guardam e santificam o mesmo dia, em si mesmo, já tem criado uma realidade na qual temos tido de relacionar-nos em busca de uma cooperação mútua e, às vezes, tem nos levado até mesmo a lutar lado a lado pelos nossos interesses em comum. A níveis práticos, o interrelacionamento já existe, ainda que pouco conhecido, desenvolvido, ou até mesmo conscientemente aceito pela maioria dos membros de ambas comunidades. Creio que chegou a hora de passarmos juntos a um outro nível de relacionamento, fundamentado em um diálogo franco, aberto e respeitoso, diálogo este que possa promover uma verdadeira amizade, maior conhecimento e cooperação entre ambas comunidades.

2. A Teologia Bíblica do Shabat e o Diálogo:

O Shabat está inteiramente relacionado com alguns dos fundamentos bíblicos que servem de base para o diálogo interreligioso entre judeus e cristãos (International Council of Christians and Jews, 1993; National Jewish Scholars Project, 2000):

1) A crença comum no mesmo Deus, Criador do mundo e de toda humanidade: O Shabat está intimamente ligado à teologia da Criação (Gênesis 2:1-3; Êxodo 20:8-11). A razão básica para a observação do Shabat, na Bíblia, é o reconhecimento de Deus como Criador e Soberano. A soberania de Deus está envolvida, porque foi Ele quem ordenou a santificação do Shabat ("E abençoou o dia sétimo e o santificou" [Gênesis 2]; "lembrá-te do dia de sábado para o santificar. Seis dias trabalharás e farás todo a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus; não farás nenhum trabalho..." [Êxodo 20:8-10]). O Seu ato criativo é a base mesmo dessa ordem ("E havendo deus terminado no dia sétimo a Sua obra, que fizera, descansou nesse dia de toda a Sua obra que tinha feito" [Gênesis 2]; "porque, em seis dias, fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao sétimo dia, descansou; por isso, o Senhor abençoou o dia sétimo e o santificou" [Êxodo 20:11]).

2) Nossa crença comum na Bíblia como Palavra de Deus e como base importante para o diálogo e para a fundamentação de nossos pontos de vista: O Shabat é um tema essencialmente bíblico que ocupa um espaço importante tanto na Bíblia Hebraica, o Tanach, como no Novo Testamento (o termo "Shabat", se referindo ao sétimo dia da semana, aparece uma centena de vezes na Bíblia Hebraica e 68 vezes no Novo Testamento).

3) A importância dos 10 Mandamentos para toda a humanidade: O Shabat é o quarto dos 10 Mandamentos dados por Deus no monte Sinai (Êxodo 20:2-17; Deuteronômio 5:6-21).

Os aspectos acima são importantes e fundamentais quanto à teologia do Shabat, e foram profusamente trabalhados tanto por judeus como cristãos que se atinaram a explorar esse tema da teologia bíblica. Gostaria, no entanto, de me deter em um aspecto particular: Inerente à própria natureza bíblica do Shabat existem os aspectos do "Diálogo" e do "Encontro" como elementos fundamentais da própria existência humana (Doukhan, 1996: 22). Esses dois aspectos podem ser claramente percebidos nos textos bíblicos básicos acerca do Shabat:

Segundo o relato da Criação (Gênesis 1:1-2:3), o homem foi criado no sexto dia (Gênesis 1:26-31), assim o primeiro dia completo da existência humana foi um Shabat (Gênesis 2:1-3). Esta seqüência do relato bíblico implica que a natureza fundamental do Shabat é bem mais uma questão de "comunhão/relacionamento" do que de um mero descanso após seis dias de trabalho (ainda que este último aspecto seja importante):

1) Relacionamento com Deus: Tendo sido acabado de ser criado, o primeiro dia da existência humana foi passado em adoração e comunhão com Deus, o Criador e Senhor de tudo. O Shabat é assim um convite a um tempo de diálogo e de encontro com o Criador.

2) Relacionamento com o "Outro/Próximo": Homem (Adam) e Mulher (Ishá) passaram o seu primeiro dia de vida em relacionamento um com o outro. O Shabat é o tempo de diálogo e de encontro humano, do relacionamento do casal, da família, da comunidade, da humanidade. Todos os seres humanos estão representados no relato bíblico, como o uso dos nomes genéricos Adam ("Adão", mais precisamente "homem") e Ishá ("mulher") o indicam. Essa estrutura relacional humana, própria à natureza do Shabat, aparece também na seqüência do relato bíblico, quanto tomamos em consideração o paralelo das estruturas dos dois relatos da Criação: A) No primeiro relato, Gênesis 1:1-2:3, o Shabat aparece como o clímax do mesmo (Gênesis 2:1-3); B) Já no segundo relato, Gênesis 2:4-25, o "casamento/união" entre homem e mulher é o clímax (Gênesis 2:21-25). Assim Shabat e casamento são duas idéias em paralelo e intimamente ligadas na Bíblia, fato que inspirou profusamente toda a teologia judaica acerca do Shabat como uma Kalá, uma "noiva" (Heschel, 1966: 54-55; Schaum, editors e Schachter, 1973:107-108).

3) Relacionamento com o "Mundo/Criação": O primeiro dia do ser humano foi passado em comunhão e no desfrutar a perfeita criação de Deus (animais e natureza em geral). O Shabat tem assim um aspecto ecológico, o homem é chamado à comunhão e diálogo com o mundo criado.
Os aspectos de "Diálogo" e de "Encontro" são ainda mais explícitos na descrição do 4º mandamento (Êxodo 20:8-11):

1) Relacionamento, encontro e diálogo com Deus: "Lembrá-te do dia de sábado para o santificar" (Êxodo 20:8), ou seja, o homem é chamado a dedicar esse dia totalmente a Deus. "Seis dias trabalharás e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus" (Êxodo 20:9-10).
2) Relacionamento, encontro e diálogo com o "Próximo" e a "Natureza": "Não farás nenhum trabalho, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o forasteiro das tuas portas para dentro" (Êxodo 20:10). Todos se acham descritos aqui, implicando assim que o Shabat é um mandamento de comunhão universal. A cessação de trabalho proveria tempo livre, tempo a ser gasto na adoração de Deus e também no encontro de um com o outro: Pais e filhos (encontro em família); senhores e servos (promovendo o respeito e igualdade humana); homem e animais (promovendo o respeito e cuidado pelos animais e nos lembrando que eles como nós também são criaturas de Deus); israelita e estrangeiro (indicando a unidade da humanidade e sua igualdade diante de Deus). Tudo isto deveria ocorrer "das tuas portas para dentro", no lugar mais íntimo do ser humano, sua habitação, seu lar.

O Shabat na Bíblia é assim a epítome da comunhão, do encontro, do momento para o diálogo: Com Deus, com os homens, com a natureza. Nisto, o Shabat resume em si a essência mesmo dos mandamentos: Amar a Deus sobre todas as coisas (Deuteronômio 6:5) e ao próximo como a si mesmo (Levítico 19:34).

Essa idéia relacional, intimamente ligada ao Shabat, aparece claramente explorada em outros textos da Bíblia. Em Isaías 58, por exemplo, a busca e dedicação a Deus, aqui representada pela prática do jejum (Isaías 58:1-5), aparece ligada à prática do bem ao necessitado e aflito, ou seja ao próximo (Isaías 58:6-10), à contribuição humana para a redenção do mundo, o Tiqum haOlam (Isaías 58:11-12), e à guarda do Shabat (Isaías 58:13-14).

3. O Shabat e o Diálogo a Partir da Perspectiva Judaica:

Ao abordar esse tema aqui, o faço como um leitor da literatura judaica sobre a questão. Nessa análise da perspectiva judaica, tanto tradicional como moderna, acerca do Shabat, creio que podemos encontrar vários elementos básicos que fazem do Shabat uma plataforma privilegiada para um diálogo interreligioso.

Antes, no entanto, de prosseguir nessa linha de pensamento, creio que seria necessário lidar com uma aparente contradição à mesma: Ao tratar da questão da guarda do Shabat por não judeus, a Mishná (Tratado Shabat 16:6) declara: "Se um gentio vem [no dia de Shabat] apagar [um fogo], não devemos dizer-lhe nem 'apague' ou 'não apague', pois o Shabat não é [obrigatório] para eles". Do mesmo modo o Livro dos Jubileus (literatura judaica do segundo século antes da Era Comum) declara que: "Ele [Deus] não permitiu que nenhum outro povo, ou povos, guardasse o Shabat nesse dia, exceto Israel somente; só a ele, Deus concedeu comer, beber e guardar o Shabat" (Livro dos Jubileus 2:31). Aparentemente, a lógica que estaria por detrás dessas duas declarações seria o ponto de vista de que o Shabat é um sinal exclusivo da aliança entre Deus e Israel (Êxodo 31:12-17), um memorial da redenção da escravidão do Egito (Deuteronômio 5:12-15), evento exclusivo da história de Israel e não das nações.

Este ponto de vista da tradição judaica parece colocar em cheque tudo o que estamos tentando construir aqui, e alguns poderiam, com base nessa linha de pensamento, se opor totalmente à relevância do Shabat para o diálogo interreligioso. No entanto, creio que não deveríamos nos deixar levar pelas primeiras impressões, pois encontramos na literatura judaica toda uma série de passagens que falam da importância e relevância do Shabat também para os gentios. No próprio Livro dos Jubileus 2:1 lemos: "Deus descansou no Shabat, do sétimo dia, e o santificou por todas as eras, e o designou como um sinal para todas as Suas criaturas". Filo de Alexandria (20 a.E.C. - 50 E.C.) em sua obra Criação, 89, enfatizou que o Shabat existia desde a Criação e que era um "festival não de uma única cidade, nem de um só país, mas do universo, e somente ele, estritamente falando, merece ser chamado de feriado público, pertencente a todos os povos".

O valor universal do Shabat no Judaísmo aparece claramente na compreensão judaica da universalidade dos 10 Mandamentos. A crença nessa universalidade é inequívoca nas tradições religiosas ligadas à festa de Shavuot ("Pentecostes"), festa que celebra o "Recebimento da Lei" (Matan Torá). Segundo a tradição judaica (Ross, 1994: 115), a Torá foi dada no deserto, terra de ninguém, para que nenhum povo, nem mesmo o povo eleito (Israel) pudesse reclamá-la como sua propriedade exclusiva. Ao ser proclamada, ela o foi simultaneamente em 70 línguas diferentes (as línguas das 70 nações do mundo, segundo Gênesis 10), para que cada nação da terra pudesse entendê-la e aceitá-la. Nesse contexto, o papel de Israel seria o de vivenciar e zelar pelos preceitos da Torá, como uma nação santa e reino de sacerdotes em meio às outras famílias da terra, tornando assim conhecidas a todos verdades universais que estão disponíveis a qualquer um, independente de seu sexo, raça ou nacionalidade. Essa idéia é reiterada, em Shavuot, pela ênfase que é dada durante essa festa ao livro de Rute (ver Mindel, 1986: 23), uma mulher estrangeira (moabita) que aceita a fé e o povo de Israel, e se torna uma das matriarcas de Israel, vindo a ser a bisavó do grande rei Davi. Como mulher e estrangeira, Rute pertencia ao tipo de pessoas que mais facilmente tem sido alienado e desconsiderado em qualquer sociedade através da história. Essa ênfase na história de Rute realça a universalidade da Torá, ela é para todos aqueles que a desejarem.

A noção da universalidade do Shabat aparece vividamente no pensamento e escritos de vários teólogos e filósofos judeus modernos:

Para Samuel Dresner, o Shabat provê "dentro de seu limites um dos meios mais seguros de se encontrar a paz, no atormentado domínio da alma. Ele é uma das instituições básicas da humanidade — uma idéia com potencialidades infinitas, com poder infinito e infinita esperança.... Através do sábado, o Judaísmo conseguiu materializar seus maiores ensinos [na ideologia] de um dia" (Dresner, 1970: 14).

Já, para Erich Fromm: "O sábado é o dia de completa harmonia entre o homem e a natureza. 'Trabalho' é qualquer tipo de distúrbio do equilíbrio homem-natureza. Na base dessa definição geral, nós podemos entender o ritual do sábado... O sábado simboliza um estado de união entre homem e a natureza e entre o homem e o homem" (Fromm, 1966: 195-198).
Analisando a natureza e singularidade do tempo em contraste com a do espaço, Abraham J. Heschel enfatizou a universalidade do Shabat observando que:

"...o espaço está exposto à nossa vontade; nós podemos moldar e mudar as coisas no espaço, segundo o nosso desejo. Tempo, no entanto, está além do nosso alcance, além do nosso poder... Ele pertence exclusivamente a Deus.

"Tempo, portanto, é singularidade/diferença [otherness], um mistério que plana acima de todas as categorias... Ainda assim, é somente dentro do tempo que existe comunhão e união/relacionamento [togetherness] de todos os seres.

"Cada um de nós ocupa um pedaço do espaço. Isto se passa de modo exclusivo. A porção do espaço que meu corpo ocupa é tomada por mim em exclusão de qualquer outro. No entanto, ninguém possui o tempo. Não existe um só momento o qual eu possa possuí-lo exclusivamente. Este exato momento pertence tanto a todos os homens vivos como ele pertence a mim. Nós compartilhamos o tempo, nós possuímos o espaço" (Heschel, 1966: 99).

Segundo Heschel, enquanto outras religiões santificam o espaço (um lugar santo, uma montanha, etc...), Judaísmo santifica sobretudo o tempo. O Shabat é o presente mais precioso que a humanidade recebeu dos tesouros de Deus — um "Palácio no tempo" (em vez de no espaço), um santuário de tranqüilidade, serenidade, paz, descanso e adoração, universal e onipresente, que pode ser compartilhado por todos, ao mesmo tempo e em qualquer lugar (ibid., 13-24, 79-83).

"O sábado é um dia de harmonia e paz, paz entre os homens, paz no homem, e paz com todas as coisas... ele é profunda harmonia consciente entre o homem e o mundo, uma simpatia por todas as coisas e uma participação no espírito que une o que está aqui embaixo e o que está em cima. Tudo o que é divino no mundo é levado à união com Deus. Isto é o sábado, e a verdadeira alegria do universo" (ibid., 31-32).

A perspectiva de um diálogo interreligioso, fundamentado na universalidade do Shabat, parece ainda mais reforçada com base na interpretação judaica das palavras proféticas de Isaías 56:1-8. Esta passagem de Isaías tem sido compreendida normalmente (Melamed, 1978: 218) como indicando que, de todas as festas judaicas, o Shabat é a única obrigatória a todos os estrangeiros que se unem a Deus e aceitam a fé bíblica (uma outra festa obrigatória, segundo Zacarias 14:16, seria a festa das Cabanas, Sucot, mas isto somente durante o reino messiânico). Para Moshe Greemberg, segundo essa passagem de Isaías, duas categorias de povo deveriam ser incluídas na nova comunidade de adoradores do Deus de Israel: O "estrangeiro" e o "eunuco", duas categorias antes proibidas de unir-se à comunidade de Israel. Após a restauração de Israel do Exílio, Deus mesmo traria estes dois novos tipos à Sua adoração no templo de Jerusalém. A palavra utilizada para "estrangeiro" não é "ger" (que conota um prosélito), mas sim "ben hanechar", ou seja, realmente "um estrangeiro". Segundo Isaías, esse estrangeiro iria unir-se a Deus, e não "aos judeus". As condições para admissão na comunidade seriam: Primeiro, guardar o Shabat; e segundo, "não praticar o mal" — abraçando assim a "Aliança de Deus". Os direitos e os deveres impostos sobre esses "novos membros" da comunidade seriam os mesmos impostos sobre Israel, no entanto, eles permaneceriam como um grupo distinto. "Em outras palavras, eles seriam um grupo de status igual a Israel, embora distinto de Israel" (ver Jerusalem House of Prayer for All Peoples, 1997).

4. O Shabat e o Diálogo na Perspectiva Adventista do Sétimo Dia:

Para os Adventistas do Sétimo Dia (General Conference of Seventh-day Adventists, 1988: 248-266), o Shabat tem um caráter universal e eterno. Estabelecido na Criação (Gênesis 2:1-3), ele é um memorial perpétuo da mesma, e é parte integrante e central dos 10 Mandamentos (Êxodo 20:8-11), a Lei de Deus eterna e universal, escrita pelo próprio Deus em tábuas de pedra como uma transcrição do Seu caráter santo e ético. Guardar o Shabat é reconhecer a Deus como Criador e, sobretudo, como Senhor. É uma experiência de fé, pois fé não é somente crer, mas crer e se submeter a Deus (através do reconhecimento de Sua autoridade e direito como Deus e Senhor pela obediência ao que Ele ordenou). Assim, o Shabat se torna um sinal de "santificação", ou seja, de uma auto-separação, voluntária, para servi-Lo, amá-Lo e obedecê-Lo (Êxodo 31:13). O Shabat é um símbolo da salvação pela graça de Deus, através da fé em Cristo (, pois no Shabat o homem é convidado a descansar, deixar de lado as suas próprias "obras" e repousar em Deus, usufruindo do Seu "descanso" (Shabat), da Sua graça (Hebreus 4:9-11).

O Shabat é importante para os cristãos, devendo ser o dia de guarda dos mesmos. Em nenhum lugar do Novo Testamento o Shabat foi abolido por Deus e outro dia ordenado em seu lugar (algumas passagens do NT têm sido tiradas fora do seu contexto e utilizadas para provar algo que elas não estão tratando, ex.: Jesus e o sábado, em Mateus 12:1-14; Paulo e a Lei, em Colossenses 2:16-17; etc...). Jesus guardou o Shabat (Lucas 4:16; Mateus 24:20) e assim fizeram os seus discípulos (Paulo - Atos 16:13; 17:1-2; as mulheres que seguiam a Jesus - Lucas 23:56). O estudo da história demonstra que foi somente a partir da metade do 2º século E.C., ou seja, cerca de 120 anos após Jesus, que grupos de cristãos começaram a abandonar o Shabat a favor do primeiro dia da semana (Bacchiochi, 1977).

O Shabat é uma questão atual e importante, pois segundo o livro de Apocalipse 14:6-7, o advento final do Messias e o estabelecimento do reino messiânico são precedidos por uma proclamação mundial, de origem divina, conclamando todos os homens a temer a Deus, o Criador, e a dar-Lhe glória pois é chegada a hora do Seu juízo, e a adorar "Aquele que fez o céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas". A renovação da fé em Deus como o Criador e Senhor, evidenciada pela guarda do Shabat e dos mandamentos de Deus (Apocalipse 12:7, 17), é um dos eventos finais que precedem o advento do Messias.

Segundo Isaías 66:23, o Shabat será celebrado na Nova Jerusalém e na nova terra, por todos os redimidos e por toda a eternidade.
Vários autores adventistas, trabalhando sobre a teologia do Shabat, reconhecem no mesmo um elemento importante para o "Encontro" e "Diálogo" entre os seres humanos:

Para Samuele Bacchiochi, uma maneira pela qual "a verdadeira guarda do sábado nos capacita a experimentar o descanso de Cristo é pela quebra das barreiras sociais, raciais e culturais. A incapacidade, ou falta de vontade, de apreciar e aceitar a cor da pele de uma outra pessoa, sua cultura, língua ou status social, é uma causa fundamental de muito tumulto, ódio e tensão em nossa sociedade contemporânea. Após a Queda, como observado no capítulo V, uma importante função do sábado tem sido a de ensinar a igualdade e respeito por todo membro da sociedade humana. A cada sete dias, a cada sete anos (ano sabático) e a cada sete semanas de anos (ano do jubileu), todas as pessoas, animais e propriedades deveriam tornar-se livres diante de Deus. E verdadeira liberdade conduz à igualdade" (Bacchiochi, 1986: 223).

Richard Davidson, no seu estudo sobre o Salmo 92 (o Salmo para o dia de Shabat), argumenta que o Shabat nos indica que a verdadeira fonte de todo sentido é Deus. E a comunhão com Deus nas horas santas do sábado, além do nos levar ao ponto essencial da existência humana — a adoração de Deus — nos leva também à comunhão entre os companheiros de adoração:

"Uma experiência com o Deus do sábado transforma a melodia da nossa vida em uma celebração e louvor. O cântico [salmo} para o sábado se torna no nosso grande ode de louvor. Nos unimos aos nossos companheiros que guardam o sábado no entoar a canção de amor ao sábado, o salmo da vida. O coro vai aumentando até que realizamos que somos parte de uma multidão de cantores, um coro cósmico composto de todos os seres inteligentes do universo. Então toda a Criação, animada e inanimada, levanta as suas incontáveis vozes num crescendo sem paralelo.

"De acordo com uma antiga alegoria judaica, até mesmo o sábado personificado se une ao coro:

"'Então o Sábado se levantou de seu assento e prostrou-se diante de Deus, dizendo: Bom é render graças ao Senhor. E toda a Criação completou: E render louvores ao Teu Nome, ó Altíssimo'.
"Companheiros cantores da canção do sábado, o tamanho do coro sabático pode parecer pequeno agora, visto pelos olhos humanos. Mas, apesar das aparências, pela autoridade da Escrituras e no amor pelo Santo Cordeiro, venha, deixemos nossas vozes continuar a irromper com o cântico para o sábado" (Davidson, 1988: 120-121).

Para Jacques Doukhan:
"Esta santidade do sábado, a qual coloca a parte os fiéis, não deveria no entanto separá-los de seus próximos. Pelo contrário, no sábado a abertura ao 'Outro' divino é completada pela abertura ao 'outro' humano. A dimensão social do sábado se encontra implícita na referência ao evento da Criação, a qual nos relembra da origem comum de todos os homens e mulheres. Isto é também explicitamente indicado no quarto mandamento, o qual se refere ao 'outro' humano, ou seja, o servo e o estrangeiro que participam durante este dia dos mesmos privilégios de liberdade e descanso com os israelitas. Este é o dia quando cada um deve lembrar-se do próximo como igual, e portanto a ser respeitado. O sábado é também descrito por Isaías como o lugar de reunião de todos os povos de Deus (Isaías 56:3-8)" (Doukhan, 1991: 157).

5. A Realidade Prática e o Diálogo:

Judeus e adventistas têm mantido muito pouco diálogo entre si, e o pouco que se tem feito tem ocorrido somente em um nível muito individual e personalizado. No entanto, na prática, as características e crenças que compartilhamos em comum nos têm levado a lutar juntos em várias ocasiões e a nos servimos mutuamente, suprindo as necessidades um do outro onde necessário, por exemplo:

1) O Shabat e as obrigações cívicas (ver Tyner, 1991; Rosenthal, 1991): Em épocas de eleição que caem no sábado, ou no caso de objetores de consciência que envolvam atividades no sábado (como no serviço militar), vemos rabinos e pastores adventistas, representantes jurídicos e membros influentes de ambas comunidades freqüentando os mesmos escritórios de políticos e autoridades civis e militares, lutando pela mesma causa comum. A vitória de um é o benefício também do outro.

2) O Shabat e a escola: Vestibulares e aulas ao sábado são desafios comuns que crianças e jovens judeus praticantes e adventistas freqüentemente enfrentam. Esta realidade provoca um bom nível de stress e preocupação constantes nos lares e nas congregações de ambas comunidades. Face a essas dificuldades, judeus e adventistas têm "cooperado" mutuamente, servindo um ao outro de certo modo "naturalmente". Nas Faculdades Renascença, em São Paulo, mais de 300 alunos são adventistas do sétimo dia, formando um dos maiores blocos do corpo estudantil daquela instituição judaica. Por outro lado, muitas famílias judias têm colocado seus filhos nas escolas adventistas, que se encontram espalhadas por todo Brasil.

3) Na área de saúde: Hospitais adventistas têm servido uma grande parcela da comunidade judaica brasileira, especialmente nas grandes capitais onde não existem instituições judaicas de saúde, como é o caso, por exemplo, do Rio de Janeiro (onde o Hospital Adventista Silvestre consta com milhares de associados judeus), de Belém do Pará e de Manaus. É relativamente grande também o número de judeus que freqüentam os restaurantes vegetarianos adventistas devido ao pequeno número de restaurantes Kosher existentes no Brasil. A fábrica de alimentos adventista Superbom tem uma longa tradição na preparação de alimentação saudável, tendo desenvolvido nos últimos anos toda uma linha de alimentos vegetais Kosher, certificada aqui no Brasil por rabinos representantes da Orthodox Union americana, especialmente para servir a comunidade judaica.

4) No momentos de crises: A nossa crença comum no Shabat realmente nos aproxima mais do que imaginamos, e isto se revelou claramente em um recente episódio na França, no qual judeus e adventistas tiveram de lutar lado a lado a fim de enfrentar um momento de crise comum. Durante os anos de 1994 a 1997, as comunidades judaicas e adventistas na França enfrentaram sérias dificuldades com uma série de novas leis "anti-seitas" que tornavam obrigatória, na compreensão de muitos diretores das escolas francesas, a presença às aulas no dia de sábado. Estas leis permitiam também às autoridades legais punir financeiramente as famílias cujos filhos faltassem às aulas mais de uma vez por mês, por questões religiosas, e até mesmo levá-las a juízo sobre a guarda dessas crianças, permitindo assim que se retirasse essas crianças do seio de suas famílias. Judeus praticantes e adventistas enfrentaram grandes dificuldades, chegando mesmo a ter várias famílias enfrentando processos judiciários e sendo ameaçadas de perderem seus filhos para a tutela do estado. Esta crise levou aos departamentos jurídicos de ambas comunidades e seus escritórios responsáveis pela liberdade religiosa a lutarem intensamente juntos, nas cortes e nos escritórios do governo, até conseguirem resolver a situação em 1997, quando o ministro da educação francês assinou um decreto permitindo aos estudantes judeus praticantes e adventistas do sétimo dia de se ausentarem da escola no dia de Shabat (ver Adventist News Network, July 15, 1997).

6. Conclusão:

Olhando para a parte prática, nossas crenças em comum nos têm levado a cooperarmos mais do que a média das comunidades religiosas cooperam entre si. Olhando para a parte teológica, judeus e adventistas não somente compartilham de vários pontos em comum, especialmente o Shabat, mas têm pontos de vistas semelhantes acerca desses pontos. Olhando para a Bíblia, a base de fé e prática de todos aqueles que se vêem como "povo do livro", somos incentivados pela Palavra de Deus a nos abrirmos uns aos outros e a nos engajarmos em um verdadeiro "Encontro" e "Diálogo".

A tragédia, no entanto, é que, como judeus ou adventistas, nós mal nos conhecemos. O que pensamos um acerca dos outro está normalmente cheio de estereótipos emprestados de terceiros, que pouca simpatias têm tanto pelos judeus como pelos adventistas. Nos vemos com os olhos dos outros.

Creio que já é hora de nos encontrarmos face a face, de enxergar um ao outro com os nossos próprios olhos, ouvir a voz do outro e responder. Sim, creio que já é hora de nos engajarmos em verdadeiro e real diálogo, a partir do Brasil, diálogo que possa até envolver o mundo. Um diálogo que possa resultar naquilo que a nossa crença comum no Shabat preconiza, ou seja um verdadeiro Shabat Shalom!

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Fonte: http://www.bbts.org.br/04_informativo/01_shabatDialogo_07.html
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