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Sobre a coexistência de Deus com o mal Empty Sobre a coexistência de Deus com o mal




Sobre a coexistência de Deus com o mal Problem_of_evil

Analisando o problema do mal ateológico


    1. Introdução:

O presente ensaio tem como objetivo fazer uma leitura crítica da problemática clássica da coexistência de Deus com o mal: sendo Deus um ser bondoso, sábio e poderoso o suficiente para aniquilar o mal, e mesmo assim não o faz, será que o podemos chamar de Deus? Ou: será que Ele realmente comporta em si, simultaneamente, todos os atributos que normalmente são ditos dele (onipotencia, onisciencia e perfeição moral), mesmo com tais ocorrências que nos parecem tão absurdas, como uma criança que morre de fome na África ou o caso de um feto acéfalo?

Trataremos destas questões abaixo. Veremos que, com o rigor apropriado, o problema do mal não é consistente e que só permanece sendo defendido por tanto tempo devido as características psicológicas inerentes de suas premissas, sendo estas completamente estranhas a juízos epistêmicos; e que, na verdade, o problema do mal não é próprio do ateu, mas é característico de profundas reflexões teísta-religiosas no decorrer da história da filosofia.

Várias filósofos propuseram soluções (as chamadas teodicéias) para o problema, como Agostinho, Leibniz, Kant etc. Atualmente talvez a melhor discussão sobre o tema seja a de Alvin Plantinga [1] (embora sua “Defesa do Livre Arbítrio” não seja mencionada neste artigo).

    2. Exposição do problema do mal ateu:

Não nos cabe aqui abordar o problema do mal em suas tradicionais ramificações. Nos basta apenas o que há de mais substancial nele. Em outras palavras: é dito que um problema é um problema do mal ateu quando este visa demonstrar a inexistência (ou a provável inexistência) de Deus a partir da existência do mal, onde Deus é entendido como um ser onipotente, onisciente e perfeitamente moral.
A versão aqui exposta, entretanto, terá paralelos com aquela usada por Austin Dacey em seu debate com William Lane Craig [2]; ou seja, os chamados “males sem sentido” serão evocados.

Mas antes cabe mencionar o problema em sua forma mais clássica. Ele pode ser exposto nos seguintes enunciados:

      1. Deus é onipotente.
      2. Deus é onisciente.
      3. Deus é perfeitamente moral.
      4. Há mal




    É dito que este conjunto de proposições é inerentemente inconsistente (i.e., não há um modelo N pela qual o conjunto das proposições (1)-(4) sejam verdadeiras ao mesmo tempo).
    Essa ideia é direta e não muito complexa. Contudo, não há razões a priori para considerar este conjunto inconsistente, tendo em vista que os males podem ter uma razão específica de ser (i.e., que essa assertiva é uma possibilidade lógica). Se os males tiverem um sentido, um fim moral, então o problema do mal não pode se sustentar. Por essa razão alguns tem inserido, como dito, a noção de “males desnecessários” no problema.

    A versão reformulada segue:

    5. Deus é onipotente, onisciente e perfeitamente moral.
    6. Necessariamente, se Deus é assim definido e existe, então não podem haver males sem sentido.
    7. Há males sem sentido.
    8. Logo o Deus definido não existe.

Onde um mal sem sentido é um mal que não tem absolutamente razão de ser alguma, tanto para o sujeito que o sofre quanto para a humanidade em geral. É, em suma, um sofrimento gratuito, do qual não podemos extrair imediatamente uma razão moral.
Fora isso o argumento não carece de mais exposições; as premissas, se verdadeiras, servem para inferir a conclusão.
Claro que ainda podem haver aqueles que introduzam a noção de probabilidade no problema: nesse caso, ao invés do juízo expresso em (7) – onde antecedente “Deus existe” é a condição suficiente do consequente –, teriamos o seguinte (sem distinguir entre males com ou sem sentido):

    9. Se o Deus definido existe, então provavelmente não haveria mal.
    10. Se há mal, então é improvável que Deus exista.
    11. Há mal.
    12. Logo é improvável que Deus exista.

Essa versão é muito mais sutil que aquelas que afirmam categoricamente a inexistência de um Deus onipotente, onisciente e perfeitamente moral, pois assume um juízo meramente probabilístico. Ela ainda é fortalecida quando o defensor do problema afirma que Deus, podendo fazer qualquer coisa que não envolva contradições lógicas, poderia muito bem ter criado um mundo onde não existisse mal; e se Deus é bom, essa deveria ser sua vontade.

No entando essa versão nos parece muito frágil e não será considerada em si neste artigo. Veremos no decorrer do texto que as objeções que iremos direcionar à versão exposta inicialmente servem igualmente para a versão probabilística e para qualquer versão do problema, desde que nos propomos, como já dito, a ponderar o que há de substancial nele.

    3. Definição de mal:

    É importante também gastar algumas linhas considerando o quê se entende por mal. Nesse ponto as coisas não são tão simples e redutíveis ao essencial como é com o problema.
    Definir alguma coisa é, necessariamente, a delimitar: traçar linhas e dizer o quê aquilo é e o quê aquilo não é. É investigar as propriedades mais gerais daquela coisa, e a diferenciar das demais, para dizer, afinal, o que é aquela coisa. Para nossos propósitos, se trata de trazer a tona “aquilo que subjaz” um conceito X.
    Diante disso, o que seria, na verdade, o mal? Essa pergunta é ao mesmo tempo simples e inquietante. É muito comum que situemos o mal no campo dos prejuízos e sofrimentos.
    Se for dito que mal é aquilo que causa dor e sofrimento, então teriamos de assumir que o parto de uma mulher é uma ocorrência má. Mas qualquer pessoa em sã consciência não consideraria o nascimento de um ser humano (um filho, um irmão) algo mal em si mesmo. Isso, na verdade, é algo que muitos sonham desde os primeiros anos de socialização.
    O mesmo poderia ser dito se o mal fosse definido como o causador de prejuízo. Existem prejuízos que não são maus. O jogador compulsivo precisa primeiro perder uma considerável quantia em dinheiro para perceber que precisa deixar seu vício. No final o seu prejuízo, na verdade, foi um ganho: o de mudar de vida.
    Logo, esses critérios não servem para estabelecer uma definição ontológica do mal, pois os conceitos que são comumente colocados em uma relação de identidade com o ele, não são, de fato, idênticos ao próprio – há um mundo possível onde sofrimento e prejuízo não são ocorrências más, logo o sofrimento e prejuízo não podem ser idênticos ao mal.

    De fato, há uma imensa dificuldade conceitual no que concerne ao mal. No entando, não nos é difícil identificar o mal quando o vemos no nosso dia a dia.
    Quando algum desastre natural ocorre e varre a vida de milhares, ou quando algum parlamentar é deposto de seu cargo por corrupção, não é difícil que a coletividade veja nesses eventos um mal explícito: temos aqui um exemplo de mal natural e mal moral.
    Portanto poderia nos ser útil dizer que um evento P é mal se, e somente se, causar desordem na ordem estabelecida, não importando se essa ordem é subjetiva (particular) ou intersubjetiva (coletiva, a nível cultural) – quando o desenrolar dos fatos não ocorre da forma como deveria acontecer.

    Mas ainda assim não chegamos a uma identificação real do mal. Sua ousía ainda não foi desvelada, já que, na realidade propriamente dita, o subjetivo e o intersubjetivo só nos dizem acerca da compreenção dos indivíduos acerca de alguma coisa, mas não diz nada acerca do que é, de fato, aquilo, independentemente de nossas concepções de primeira pessoa.

    Quanto a isso temos duas saídas: (i) ou postulamos que não existe nada mal em si mesmo ou (ii) recorremos a uma explicação religiosa para o mal.
    No primeiro caso, o problema do mal ateu já sofre uma espinhosa objeção: se ele pretende, através da existência do mal, demonstrar que Deus não existe (ou que provavelmente não existe), a tarefa de justificar as premissas do problema se torna muito mais difícil a medida em que percebemos que o mal só existe como um para-mim ou um para-nós, sendo os juízos provenientes do problema meramente juízos singulares, sem um fundamento na realidade independente dos sujeitos (realísticamente falando).

    Reconhecemos, porém, que essa objeção não é suficiente. O que nos leva para a segunda opção.

    Uma explicação religiosa, evidentemente, precisaria recorrer a alguma tradição religiosa para fundamentar o mal na realidade propriamente dita. Se nós recorrermos a tradição cristã, onde há um Deus todo bondoso, o mal seria, nos servindo da definição de Karl Barth [3], das Nichitige – aquilo que se opõe a existência e a vontade original de Deus para as coisas: nisso, se Deus desejou P, o mal será ~P e vice verso (nada longe da definição medieval do mal como a “ausência do bem”).
    Nesse ponto seria necessário conhecer a vontade original de Deus para poder saber o que é mal; como estamos falando de uma tradição religiosa, então parte da vontade original de Deus (e não sua totalidade) nos é conhecida: os valores morais e existenciais contidos no seio do cristianismo seriam o bem; sua negaçõe seria, portanto, o mal: eis aí o mal objetivo (que constituiria a realidade, independente das noções culturais e pessoais).

    Assumindo que Deus existe podemos definir o mal de uma forma objetiva. E é justamente nesse cenário que o problema do mal se mostra como um problema: por isso desde já é necessário dizer que, para que qualquer versão do problema do mal seja ao menos válida, é necessário que ela assuma por premissa – implícita ou não – que existe um Deus com esses e aqueles atributos e a partir disso apontar uma contradição (Reductio ad absurdum). Assumir que Deus não exista e que, portanto, os males existentes não teriam razão de ser, seria tomar por premissa o que se pretende provar. Em outras palavras: apenas uma grosseira petição de princípio.

    Nos ocupemos, então, da crítica ao problema do mal ateu.

    4. O problema do mal ateu: falso ou verdadeiro?

    Já vimos que, por mais que hajam diversas ramificações do problema do mal ateu, ele pode ser reduzido ao que há de essencial nele: aquele problema que pretende exprimir juízos de existência, em relação a Deus, recorrendo a existência evidente do mal; vimos também que não se pode reduzir o mal à sofrimento, dor ou prejuízo e que ele não pode ser definido objetivamente sem recorrer a existência de Deus, já que todos os males existentes sempre são males subjetivos ou intersubjetivos. Portanto, o problema do mal, para ser válido, precisa primeiro assumir a existência de Deus como premissa condicional.

    Feitas essas considerações, podemos agora verificar a factibilidade do problema.
    Iniciemos com um silogismo demonstrativo. Depois de exposto em sua forma lógica, concluiremos com comentários sobre as premissas do argumento para verificar se o problema do mal ateu é um falso problema ou não.

    O argumento contra o problema do mal segue:P1. O mal existente ou tem ou não tem um sentido.
    P2. Se tem um sentido, então o problema do mal ateu é falso.
    P3. Se não tem um sentido, então o problema do mal ateu é verdadeiro.
    P4. Se o problema do mal ateu é verdadeiro, então não existe um ser tal que exemplifique as propriedades de ser onipotente, onisciente e perfeitamente moral.
    P5. Existe um ser tal que exemplifique as propriedades de ser onipotente, onisciente e perfeitamente moral.

    C1. Logo o mal existente tem um sentido.
    C2. Consequentemente o problema do mal ateu é falso.

Em linguagem lógica:

      1. P v Q (disjunção)
      2. P –> ~A
      3. Q –> A
      4. A –> ~B
      5. B (premissa condicional)

      6. ~Q (SH, 3, 4)
      7. P (Disj., 1, 6)
      8. ~A (MP, 2, 7)



(P1) é incontroversa. Não há outra opção: ou o mal existente no mundo tem ou não tem um sentido (definido no segundo tópico). (P2) e (P3) consistem na noção de males gratuitos e males significativos.
Como já foi definido, mas retomando uma vez mais, é dito que um mal é gratuito se, e somente se, for um evento, ou ocorrência, que, via de regra, cause prejuízo, dano, sofrimento, e derivados, a qualquer ser, sem que tal carga produza algo signifcativo e não tenha razão alguma de ser. Por exemplo, pode-se alegar que o sofrimento de um dinossauro em uma idade longínqua não serviu de nada para ninguém e para propósito algum.
Já um mal não-gratuito (significativo) é o oposto disso. Ponderar essas duas definições nos ajudará a resolver o problema.
A questão que se levanta, então, é: se Deus é predicado como onipotente, onisciente e perfeitamente moral, faz algum sentido afirmar que há algum mal gratuito na realidade? Ora, sua onisciência pode prever fins inimagináveis para o sofrimento e a morte, aparentemente sem sentido. É perfeitamente inteligível que uma “Sabedoria Transcendente” possa vislumbrar fins morais para eventos que, para nós, não fazem sentido algum – essa ideia não se trata de um absurdo lógico.
De igual forma, seu caráter moral intrínseco – perfeição moral – nos faz inferir que os males existentes não são alheios a um propósito previamente orquestrado; antes, precisam antender a tal propósito, uma vez que, caso contrário, sua perfeição moral não seria possível – tendo em vista que, sendo assim, permitiria coisas ruins acontecerem por motivo justificável algum.
Sendo onipotente, significa que nada do que ocorre está fora de seu controle.

Disso podemos extrair a seguinte premissa:

      Pi. Necessariamente, se existe um ser onipotente, onisciente e perfeitamente moral, então para cada mundo possível Q onde esse ser exista e exista mal, haverá uma razão moral W que justifique a existência deste mal.



Se há ao menos um mal gratuito, então temos uma contradição e o ser em questão não existe da forma como é descrito (onipotente, onisciente…).
Contudo, se existe um ser tal que exemplifique estas propriedades, é logicamente impossível haver um mal gratuito na realidade. Mesmo que não possamos saber precisamente qual é o signifcado de certos males (p.e., uma criança nascer morta, ou alguém ser preso injustamente por 10 anos, ficar cego e adiquirir câncer [4]). Afinal, nosso conhecimento é limitado: isso significa que nossas condições cognitivas de seres que conhecem não são absolutas e que nosso conhecimento é corrigível.

William Lane Craig comenta algo similar [5]:
    “Não estamos em condições de avaliar com confiança a probabilidade de que Deus não possua razões moralmente suficientes para permitir a ocorrência dos males (…) O que dificulta a avaliação da probabilidade aqui é que não estamos numa boa posição epistêmica para fazer esses tipos de juízos de probabilidade com confiança. Como pessoas finitas, somos limitados no espaço e no tempo, na inteligência e no juízo. Mas o Deus transcendente e soberano vê o final da história (…) Com o objetivo de alcançar seus fins, Deus pode muito bem ter colocado alguns males no meio do caminho. Males que aparentemente parecem sem sentido ou desnecessários para nós, dentro de nosso limitado arcabouço, podem ser vistos como tendo sido justamente permitidos a partir do escopo divino mais amplo”.

Analogias que ilustram nossa limitação cognitiva também são possíveis e não estão longe de nós.
Suponhamos que somos juízes em um tribunal e que estamos a julgar o caso de duas mulheres: Marta e Joana. Aparentemente Marta feriu Joana com um objeto cortante e nosso dever é julgar se o ato se configura como uma tentativa de homicídio ou se foi apenas um acidente.
Diante da proposição Marta furou o estômago de Joana, a qual conclusão podemos chegar? Alguém poderia dizer que Marta cometeu tal ato por vingança devido a um desendimento passado; outro poderia afirmar que Marta o fez por ser uma cirurgiã e que nesse momento estava a salvar a vida de Joana!
Mas como obter esse conhecimento? A resposta óbvia é que seria necessário empreender uma investigação. Informações adicionais seriam necessárias: qual instrumento Marta utilizou? Onde elas estavam durante o ocorrido? O que faziam antes? …

Esse exemplo nos leva a distinção entre nossa percepção do caso e o caso em si. Ou seja, a proposição em questão (Marta furou o estômago de Joana) só poderá servir para justificar uma outra proposição se houver uma razão intermediária entre ambas.
Se eu tenho a crença de que Marta e Joana sempre foram inimigas, isto servirá para justificar minha crença de que o ocorrido foi – ou muito provavelmente foi – uma tentativa de assassinato. De igual forma: se acredito que ambas sempre foram muito amigas e que Marta é uma renomada médica, a proposição em questão receberá outra significação e assim por diante.

Porém, se nossa condição epistêmica não pode apreender a totalidade destes casos – o caso em si –, que são meras exemplificações quotidianas, muito maior ignorância nos seria própria se tratando de um caso – a própria história da humanidade – que envolvesse um ser que é, por definição, muito além de nós, humanos.
Sendo assim, fica impossível fazer afirmações aprioristicas sobre o caso de Marta e Joana (o que seria diferente se houvesem informações a priori sobre Marta e Joana, do mesmo mode que há sobre Deus). E se não posso exprimir tal juízo, exatamente por desconhecer a amplitude do caso, seria tolice afirmar categoricamente que Marta cometeu o ato X pelo motivo Y, ou que Joana tenha feito Z e N para motivar tal ação por parte de Marta. A limitação epistêmica delimita a qualidade do juízo – e ninguém negaria que não apreendemos a totalidade das coisas: somos finitos!
O mesmo se aplica ao problema do mal: afirmar que o existência do mal é inconsistente com a existência de Deus, ou que Deus não possua razões perfeitamente morais e justificaveis para permitir tais ocorrências, é confundir nossa percepção do caso com o caso em si.

Um outro exemplo também é válido [6]:
    “Suponha que você encontre seu vizinho e o filho dele no elevador. O garoto está chorando e diz que o pai o puniu por ele ter andado lá fora. Você pergunta o porquê. “Bom, eu tive minhas razões para isso”.
    Não surpreendemente, você não consegue achar nenhuma razão para tal. E daí segue que NÃO há nenhuma razão? Como você pode saber os motivos, as razões e o contexto onde esse ato aconteceu? A menos que você tenha acesso a um scan mental daquele homem, então você não está em posição para fazer um julgamento justificado de B nesse caso, sendo que o pai não é sequer superior a você, mas está na mesma escala de capacidade (em média).

    E nós estamos muito mais próximos, analogicamente, do primata para homem na relação homem-Deus do que para situações de dois seres humanos iguais. Se há um ser todo sábio e onisciente, ele está muito, muito longe da nossa capacidade para sabermos o quanto é necessário para efeitos que seriam desejáveis, quaisquer que eles sejam.”

A diferença entre nossa concepção e a de Craig é que este geralmente desenvolve seu argumento na escala das possibildades (Deus pode ter razões…), enquanto nós pensamos que, necessariamente, Deus tem essas razões ocultas em si. Não há um mundo possível onde Deus exista e haja algum mal gratuito; caso contrário, o problema do mal ateu é verdadeiro e Deus, ou não pode (não é onipotente), ou não sabe (não é onisciente), ou não quer (não é perfeitamente moral) acabar com o mal: essa é a implicação mais geral do problema, conforme construido no clássico paradoxo de Epicuro.

(É válido frisar que tal ideia vale para qualquer tipo de mal: natural, moral ou de qualquer outra ordem).

Nos resta então nossa premissa condicional:

    P5. Existe um ser tal que exemplifique as propriedades de ser onipotente, onisciente e perfeitamente moral.

Como foi dito anteriormente, o problema só pode ser válido se esta premissa condicional for assumida como verdadeira. O que segue disso são simples deduções de nossas premissas anteriores: como esse ser existe, então os males existentes são signifativos (há uma razão moralmente justificável para que eles existam); e como os males são significativos, o problema do mal ateu deve ser falso, já que ele só seria verdadeiro se houvesse ao menos um mal existente que não fosse significativo ou se não fosse possível à Deus permanecer sendo o que é, mesmo significando os males. Todavia, como a essência de Deus implica numa significação moral, metafisicamente necessária (verdadeira em todos os mundos possíveis), para o mal, segue que ambas as chances do problema ser bem sucedido fracassam.
Consequentemente segue que a conclusão é inevitável e, portanto, o problema do mal ateu é um falso problema; e como o corpo das proposições dispostas no cojunto do problema não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo (i.e. “Deus existe” e “Existem males gratuitos”), concluimos que o problema é logicamente inconsistente (ou seja, não é consistente).

    5. Conclusão:

Foi visto que o problema do mal ateológico assume diversas formas, mas que retem uma essência comum; essa essência foi tratada aqui e acompanhada da concepção de males gratuitos, de forma similar àquela que Austin Dacey defendeu contra Craig; depois foi definido o significado da palavra mal, sendo este irredutível ao sofrimento humano e dependente do subjetivo. Assumindo, porém, a existência do Deus de tradição cristã, tem-se uma definição objetiva do mal: essa definição se alcança através da negação de tudo aquilo que emana propriamente de Deus (ou da vontade de Deus).
Vimos que é imprescindível ao problema assumir esta definição – junto com a existência de Deus – para que ele fassa sentido. Fator este que, na verdade, é sua própria sepultura: se essa premissa for verdadeira, segue que não existe mal gratuito algum e que, portanto, tanto o problema usual, quanto o problema probabilístico do mal – e seja lá qual for a forma em que ele apareça –, exprimem juízos que não podem ter o menor alcance epistêmico. Por esse motivo o problema do mal ateu não serve para demonstrar a inexistência de Deus e nem dispõe de substrato racional para tal.

    6. Últimas considerações:

Está o teísta, neste ponto, apelando ao mistério? Sim e não. Sim porque, de fato, as razões de Deus para permitir o mal nos são misteriosas, não acessíveis, até o momento, à nós, de forma que só podemos refletir sobre elas, sem nunca chegar a uma resposta definitiva. Não porque tal acusação, provavelmente da parte de algum defensor do problema, é meramente prejorativa, como se o teísta de estivesse usando de algum tipo argumento da ignorância. Entretanto, o exame de nossas condições epistêmicas, juntamente com os exemplos “experimentais” apresentados, funcionam como verdadeiros invalidadores desta objeção.

Está o teísta usando de uma explicação simplista? Não. A explicação é simples, não simplista. O problema continua sendo um problema – no sentido de insitar reflexões mais árduas –, mas não a um nível “epistêmico”, onde é crido como uma forma de “provar o ateísmo” (Smith, 1996).

“Não há evidências de que os males não são gratuitos”, disse Quentin Smith, proeminente filósofo ateísta, em um discurso proferido em 1996. O filósofo reclama a ausência de uma evidência positiva para o contra-argumento teísta; diz ele que “se Deus existe, então deveriamos ter uma evidência de que todos os males que vemos são meios para um bem maior” [7]. Porém, depois de todo o raciocínio desenvolvido ao longo deste texto, a objeção de Smith parece deveras frágil: a evidência – se é que podemos chamar assim – se trata de uma verdade analítica: de que um ser todo sábio e todo bondoso não poderia criar um mundo onde houvessem males gratuitos, como quer o filósofo.
Sendo assim a objeção não parece configurar uma “prova” do ateísmo.

(Isso sem levar em consideração toda a tradição de argumentos pró-existência de Deus que não nos cabe abordar neste espaço).

Deus poderia ter feito tudo de forma a não permitir o mal? Sim. Não parece existir uma contradição lógica em um mundo onde não há males (embora isso possa conflitar com a existência da liberdade humana), embora não saibamos se esta realidade, para os propósitos de Deus, são necessárias ou contingentes. Mas o caso é que, por alguma razão que não parece ser acessível à nós, Ele não fez.

Deus é imoral por permitir males significativos? Não. Como já foi dito, se dispomos de uma definição a priori de Deus (definição que é inquestionável quando falamos do problema do mal), então é possível inferir que, seja lá qual for o motivo implícito na “cognição” divina, ele é um motivo moral.

Como fica o problema do mal, então?

Para a intenção atéia de demonstrar a inexistência (ou provável inexistência) de Deus, fica uma enorme interrogação, acompanhada de um nada que lhe é característico. Contudo, para o teísta, sobretudo para o cristão, fica um manancial de reflexão existencial.
Embora saibamos que o mal não pode se reduzido ao sofrimento e derivados, não há de se negar que entre ambos existe uma íntima relação. O problema do mal muitas vezes se confunde com o problema do sofrimento – e não poderia ser diferente, pois se o mal não afetasse o seio da humanidade de forma a causar desequilíbrio de alguma ordem, não veriamos nisto um problema: mas o identificamos a medida que somos afetados por ela, direta ou indiretamente.

Portanto, observamos que o mal, em certas escalas, supõe o sofrimento: nessa altura surgem as mais belas e profundas reflexões sobre o tema; como vemos nos escritos bíblicos – tanto nos clamores por justiça de Habacuc e Jó, quanto nos sofrimentos apostólicos aludidos no novo testameno –, nas diversas tradições filosóficas, de autores que se debruçaram sobre o tema integralmente, com ênfase em Kierkegaard, que considerava a angústia como uma condição para a liberdade e o desespero como propriedade universal do ser humano [8]:
    “Da mesma forma como provavelmente não haja, segundo os médicos, ninguém completamente são, também se poderia dizer, conhecendo bem o homem, que não há um só que esteja isendo do desespero, que não tenha lá no fundo uma inquietação, uma perturbação, uma desarmonia, um receio de não se sabe o quê desconhecido ou que ele nem ousa conhecer, receio duma eventualidade exterior ou receio de si mesmo.”

Para o leitor atento dos escritos religiosos, sobretudo os escritos cristãos, fica evidente a imanência do sofrimento, desespero, angústia, perda – palavras tipicamente cristãs – na existência humana. O apóstolo Paulo dizia completar em si “os sofrimentos que faltavam à Cristo”, pela própria Igreja, através dos sofrimentos que ele nos relata [9]. Isso sem contar que a própria fé cristã está fundamentada no sofrimento e ressurreição de Jesus Cristo.

O ateu que pensa estar afetando o teísmo, ou o cristianismo mais especificamente, usando o problema do mal, provavelmente não conhece as passagens bíblicas onde Jeremias questiona claramente a justiça de Deus, mesmo reconhecendo que não poderia entrar com ele num debate [10]; ou quando o mesmo reclama de seu sofrimento e o atribui a Deus [11]; ou ainda mais os diálogos entre Deus e Jó, quando a ignorância de Jó, até mesmo sobre seu próprio mundo, é pareada com os desígnios de YHWH, que são, por definição, muito mais profundos que o conhecimento natural: [Disse Deus] Quem é este que obscurece meus desígnios com palavras sem sentido? Cinge-te os rins, como herói, interrogar-te-ei e tu me responderás: Onde estavas, quando lancei os fundamentos da terra? Dize-mo, se é que sabes tanto” [12].

O problema do sofrimento nunca foi negligenciado pela religião. Ele aparece sempre com seu tom misterioso e com sua seta apontando para a única realidade que pode, efetivamente, por um fim (resolver) o problema: ou seja, a Realidade Última que, por tradição, denominamos de Deus; pois se ele não existe, logo todo sofrimento é puro acaso, fruto do devir cego: é niilismo (isto é, se Deus for apenas uma ideia e não existir na realidade).
Mas caso contrário, caso Deus não seja apenas uma ideia e exista na realidade, a resolução estará nele. E ao ser humano resta lidar com o mal: fazer de si uma síntese.

Nas palavras do saudoso João Paulo II: [O sofrimento] É algo tão profundo como o homem, precisamente porque manifesta a seu modo aquela profundidade que é própria do homem e, a seu modo, a supera. O sofrimento parece pertencer à transcendência do homem; é um daqueles pontos em que o homem está, em certo sentido, « destinado » a superar-se a si mesmo; e é chamado de modo misterioso a fazê-lo.” [13].

Deixemos o problema, então, nas mãos de quem ele pertence.
___________________________________________________________

Notas e referências:

1 – PLANTINGA, Alvin. God, Freedom And Evil. London: Allen e Unwin, 1975.
2 – William Lane Craig vs. Austin Dacey: “Debate: Does God Exist?”. Purdue University, 2005. Dividido em 14 partes e disponível aqui (tradução de Eliel Vieira). Acesso em: 13 de janeiro de 2012.
3 – MCGRATH, Alister E. Teologia: sistemática, histórica e filosófica. São Paulo: Sheed Publicações, 2005 (p. 347).
4 – Foi o caso de Marcos Mariano da Silva.
5 – MORELAND, J. Porter; CRAIG, W. Lane. Filosofia e Cosmovisão Cristã. São Paulo: Vida Nova, 2005 (p. 659).
6 – Extraído do artigo “Técnica: Paradoxo de Epicuro/Problema do Mal – Parte II”, publicado no blog Quebrando o Encanto do Neo-Ateísmo. Disponível aqui. Acesso em: 19 de fevereiro de 2012 (Para um exame mais amplo do problema do mal, ver a série de três artigos contidas no referido blog).
7 – SMITH, Quentin. Evidential Arguments from Evil (1996). Disponível aqui (tradução livre). Acesso em: 19 de fevereiro de 2012.
8 – KIERKEGAARD, Soren A. O Desespero Humano: coleção a obra-prima de cada autor, texto integral. São Paulo: Martin Claret, 2001. Livro II: A universalidade do desespero (p. 27).
9 – Colossenses 1, 24 e 2 Corintios 11, 23-28.
10 – Jeremias, 12, 1.
11 – Ibid., 15, 18.
12 – 38, 2-4. In: BÍBLIA. Bíblia de Jerusalém: Nova edição, revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2002.
13 – PAULO II, João. Salvifici Doloris: sobre o sentido cristão do sofrimento humano, Vaticano, 1984. Disponível aqui. Acesso em: 14 de janeiro de 2012.
Eduardo
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