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Ciência: luxo ou necessidade?*

Débora Calixto










O sociólogo italiano, Domenico de Masi, ressalta em sua obra, "Criatividade e grupos criativos – descoberta e Invenção", a importância e atenção recebida pela pesquisa científica e tecnológica no mundo inteiro, e enfatiza que, delas dependem as maiores esperanças da humanidade relacionadas ao seu progresso material [1] . Por causa dessa atenção mundial quanto às descobertas e inovações tecnológicas, a imprensa brasileira tem dado ênfase no progresso científico mundial e assim, expressado certo desinteresse na divulgação da ciência brasileira.

Além do pouco interesse pela cobertura do progresso científico brasileiro, a mídia se preocupa menos ainda em tratar das políticas públicas da área. A revista Scientific American Brasil publicou,na edição de abril deste ano, a reportagem “A não falada política de C, T&I”, enfatizando o desinteresse por parte da imprensa nas políticas públicas de Ciência, Tecnologia e Inovação [2] .

Não há dúvida de que investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I) precisam vir acompanhados de políticas públicas para a área, ou seja, regras e leis que devem reger o andamento das atividades científicas e tecnológicas do país. E esse é outro tema praticamente ocultado pela mídia. Segundo o jornalista e especialista em jornalismo científico Wilson da Costa Bueno a mídia brasileira, de modo geral, não debate a política de C, T&I. Bueno, que também é professor da Universidade de São Paulo, USP, e da Universidade Metodista de São Paulo, Umesp, destaca que a imprensa se ocupa, quase sempre, de fatos pontuais, como por exemplo, polêmicas que envolvem pesquisadores e instituições.

“Isso ocorre porque, verdadeiramente, a cobertura da área de ciência e tecnologia é precária, com raras exceções, e está refém de fontes externas”, critica. Segundo Bueno, a cobertura é episódica, quase sempre descontextualizada e não associa ciência, tecnologia e inovação a um quadro mais amplo, especialmente o econômico. Tem um perfil pouco crítico e, na maioria das vezes, repercute fontes fatos que não foram levantados pelas redações.

Editor-chefe da revista Scientific American Brasil , Ulisses Capozolli classifica essa abordagem como superficial. “A política cientifica não está muito presente na mídia, pois esta se preocupa mais com o factual”, aponta. “Novas descobertas e pesquisas, isso dá noticia”, exemplifica.

Por outro lado, é necessário avaliar se a cobertura de ciência é um problema só da mídia. Embora tenha havido uma evolução nos últimos anos em relação à ciência e o governo tenha se preocupado mais com políticas da área, o jornalista Mauro Celso Destácio acredita que ainda assim, é insuficiente. “Esse problema não é parte apenas da imprensa, mas das instituições públicas que deveriam fazer o trabalho de divulgação das políticas”, analisa.

A imprensa tem o poder de determinar a cobertura de temas relevantes. Se algo é diferente e chama atenção,então é divulgado. Eventualmente, aparecem algumas notícias e reportagens na mídia, como é o caso do projeto Cientec [3] .O Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia, Cietec, está localizado em São Paulo na cidade Universitária e cumpre a missão de incentivar o empreendedorismo e a inovação tecnológica, dar apoio à criação e fortalecimento de empresas. Já o projeto Genoma [4] , interessa à mídia pelo fato de estar ligado a questão genética [5] . “Quando são temas atraentes, a imprensa tem uma tendência natural de divulgar”, desabafa Destácio, que é também especialista em divulgação científica.

Ciência e educação


Por outro lado, quando se trata de assuntos ligados à educação científica, como a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, SNCT [6] , a mídia parece não dar muita atenção. A SNCT, cujo principal objetivo é mobilizar, em especial crianças e jovens sobre temas relacionados à ciência e tecnologia (C&T), acontece todos os anos e passa quase despercebida.

De fato, a Ciência e Tecnologia influenciam a sociedade. Graça Caldas, doutora em Ciências da Comunicação, reflete isso em seu trabalho intitulado “A política de C&T, Mídia e Sociedade”. Na pesquisa, ela fala sobre o papel da mídia na formação da opinião pública sobre a política científica e tecnológica do Brasil.

"Por ausência de uma divulgação científica que aproxime o cidadão comum à área transforme o indivíduo num agente participante das decisões dos investimentos e dos rumos da C&T, as pessoas vão, aos poucos, afastando-se do pensamento científico, na medida em que não encontram respostas para suas perguntas" [7] , aponta a pesquisadora em seu artigo.

Por isso, cabe aos jornalistas e cientistas desenvolverem uma parceria para que se tenha coerência nos materiais de cunho científico, e linguagem adequada ao público.

“A principal iniciativa pública tem que começar na escola”, enfatiza Destácio. Segundo ele, o Brasil está muito atrasado em educação e isso se reflete em ciência. Destácio aponta que falta uma cultura de valorização da educação e envolvimento das pessoas no que elas fazem no seu dia a dia. Se as necessidades na área da educação não são supridas fica complicado esperar evolução em outros aspectos.

“A defasagem da educação impede que a ciência evolua”, critica. Se a mudança não ocorrer nas salas de aula, as crianças continuarão compreendendo mal o significado e a importância da ciência para a sociedade. Para muitos, cientista é aquele que trabalha em laboratórios, usa óculos especiais e faz experiências com líquidos coloridos. Não passando de um estereótipo construído pela própria mídia.

De acordo com Carlos Oití Berbert, coordenador geral das unidades de pesquisa do Ministério da Ciência e Tecnologia, MCT, a cobertura midiática das políticas científicas ainda é incipiente. A razão é a dificuldade que se tem, no Brasil, na transmissão do conhecimento científico e tecnológico. “É muito aquém do que poderia e deveria ser para que houvesse participação mais efetiva da sociedade na cobrança e na formulação das políticas de ciência, tecnologia e inovação do país”, avalia. A divulgação da ciência é feita normalmente em cadernos especiais, revistas e alguns programas em canais fechados.

“Embora ainda falte um grande caminho a percorrer, avançamos muito nessas décadas”, orgulha-se Berbert ao informar que, nas últimas décadas, o Brasil passou a ocupar a terceira posição em artigos publicados em revistas científicas no exterior. Além disso, o país ocupa o 24° em citações científicas, 20° lugar em produção científica e 31° lugar em patentes depositadas no exterior, logo atrás da Rússia. As patentes seriam uma maneira de o governo conceder ao criador a propriedade de sua criação.

Apesar de ter acontecido uma enorme evolução na formação de mestres e doutores no país, a concentração de instituições de pesquisa nas regiões ainda está desequilibrada. Há muitas instituições na região Sudeste e poucas instituições de ciência e tecnologia nas demais regiões do país. Gaci Zancan, presidente da Associação Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), declarou para o Observatório da Imprensa[8] que o Brasil precisa de educação científica em todos os níveis e observa que a concentração de pesquisas na região Sudeste cria um obstáculo para o desenvolvimento.

Investimentos em C, T&I


Bueno não acredita que as políticas científicas brasileiras estejam dando os resultados de que o país necessita. “Os investimentos estão aquém do necessário, quase sempre privilegiando áreas e grupos que contam com lobbies formidáveis e localizados nos grandes centros”, analisa. O discurso de pró-democratização do conhecimento, mas que na prática o engajamento de pesquisadores e instituições é incipiente também é lembrada por Bueno.

“A sociedade continua à margem dos debates que envolvem as prioridades de pesquisa”, lamenta. Como exemplo de relações pouco transparentes nessa área, Bueno cita a capitulação na questão dos transgênicos e a relação da CTNBIO, Comissão Técnica Nacional de Biossegurança. Para Berbert, apesar de os investimentos em C, T&I terem uma elevação por parte do governo e de alguns governos estaduais, ainda não condizem com a demanda do país.

No dia 27 de maio deste ano, Wilson da Costa Bueno publicou um artigo no Portal Imprensa, intitulado “A política científica entre cobras e lagartos” [9] . A partir do incêndio ocorrido no Instituto Butantã, a vulnerabilidade e má administração dos centros de produção de conhecimento brasileiros e a existência de uma política imperfeita de ciência e tecnologia é criticado por Bueno.

“Não adianta apostar na tecnologia para a exploração do Pré-Sal, em pesquisas para produção de nanotubos, desenvolver a investigação sobre células tronco ou mapear a biodiversidade brasileira, se não cuidarmos de aspectos básicos, como a segurança dos edifícios onde trabalham os pesquisadores e estão depositados os nossos acervos”, escreve em seu artigo.

“O incêndio no Instituto Butantã, com uma perda incalculável de um patrimônio acumulado há um século, evidencia que há pouca competência em gestão e lacunas importantes a serem preenchidas”, declara em entrevista ao Canal da imprensa. Apesar disso, Bueno reconhece que, nos últimos anos, alguns avanços têm sido obtidos com o governo Lula, embora ainda falte um longo caminho para superar o atraso em que o país se encontra.

Sobre o tema, Ulisses Capozolli cita o historiador a filósofo argentino, Mario Bunge, que em “Ciência e Desenvolvimento”, investiga a possibilidade de se fazer ciência em um país subdesenvolvido e indaga se esta, a ciência, pode ser considerada um luxo ou uma necessidade. O historiador argentino ainda acrescenta em sua publicação, que a política científica brasileira sofre as consequências de uma definição de filosofia de ciência [10] .

Em sua reportagem, Ulisses considera que as transformações necessárias e inadiáveis de que o país necessita, no entanto, não tem como acontecer em quanto houver a ausência de uma política científica capaz de abranger um horizonte de tempo futuro de, no mínimo, uma década.

O acesso à informações de cunho científico e às suas políticas públicas são elementos extremamente importantes para que a sociedade compreenda o desenvolvimento dessa área e, em consequência disso, possa criticar e aumentar a sua participação.



Referências:

[1] DE MAIS, Domenico. Criatividade e grupos criativos. Editora Sextante, Rios de Janeiro, 2003. Pág. 350.

[2] Scientific American Brasil, que é publicada pela Duetto Editorial, é uma versão brasileira da revista de divulgação científica Scientific American. Reportagem: “A não falada política de C, T&I – Imprensa científica brasileira não se interessa por políticas públicas para a área”. Disponível em http://migre.me/MdQW

[3] Site do Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia – Cietec http://www.cietec.org.br

[4] Saiba mais sobre o projeto Genoma humano. Disponível em http://migre.me/MuUg

[5] Revista Comciência – reportagem: Projeto Genoma – a ciência de ponta no Brasil. Disponível em http://migre.me/MdTa

Reportagem - Sequenciamento genético da Xylella fastidiosa. Disponível em http://migre.me/MdTQ

[6] Semana Nacional de Ciência e Tecnologia - http://migre.me/MdUT

[7] CALDAS, Graça. A política de C&T, Mídia e Sociedade. Disponível em http://migre.me/MdVL

[8] Observatório da Imprensa - Reportagem: Congresso apontou desafios. Disponível em http://migre.me/MdW1

[9] Portal Imprensa – “A política científica entre cobras e lagartos”. Disponível em http://migre.me/MdWG

[10] Livro Verde pode ampliar conceito de política científica. Disponível em http://migre.me/MdXm

*publicada originalmente na 97 ª edição do Canal da Imprensa (www.canaldaimprensa.com.br)
Eduardo
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