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O determinismo genético e a eugenia
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25122010
O determinismo genético e a eugenia
A face oculta da genética: o determinismo genético e a eugenia
“O Dogma Central citado no capítulo anterior - “o DNA faz o RNA, o RNA faz as proteínas e as proteínas fazem a gente” (CAPRA, 2002, p. 179) – acaba por acarretar numa simplificação extremamente perigosa levando a afirmação de que “os genes determinam o comportamento”. Ou seja, reduz-se o ser humano ao seu aspecto genético, isto é, as suas informações/características genéticas.
Essa idéia é chamada de determinismo genético, a qual propugna que quando se conhecer exatamente a seqüência de bases genéticas do DNA se saberá, por via de conseqüência, como os genes causam diversas doenças, o comportamento violento, a inteligência, etc.
Comportamentos considerados “anti-sociais”, ou seja, reprováveis pela “maioria” da sociedade serão imputados às características genéticas, dentre eles, o homossexualismo, o alcoolismo, a assim chamada índole criminosa ou violenta, entre outras. E, por outro lado, algumas características ou comportamentos desejáveis ou favoráveis, por assim dizer, também serão atribuídos às características genéticas, dentre elas, e, em especial, a inteligência.
Insta observar que o determinismo “induz ao abandono de uma leitura unitária do ser humano e impõe ao intérprete uma visão cindida e despersonalizada do homem” (SANTOS, 2001, p. 321), reduzindo-o apenas às suas características biológicas.
Acrescenta-se ainda que o caminho que liga as idéias do determinismo genético à eugenia é bastante estreito, senão inexistente, como se pôde constatar no decorrer da história. A conseqüência “lógica” é que tais idéias deterministas acarretem na busca pelo aperfeiçoamento genético da raça humana, ou seja, pela afirmação da doutrina eugênica.
“A eugenia está baseada na ciência que investiga os métodos pelos quais a composição genética dos seres humanos pode ser aperfeiçoada.” O termo eugênico – bem nascido – foi cunhado por Francis Galton, o qual é considerado o pai da pesquisa moderna para melhorar a raça humana (VARGA, 1990, p. 77).
Através de seu livro “Gênio Hereditário: uma pesquisa a respeito de suas leis e conseqüências” (1869), Francis Galton e seus seguidores “afirmaram que a seleção natural não se realiza mais nos seres humanos, porque as instituições de caridade e os governos protegem os fracos, os doentes, os incapazes que sobrevivem para propagar a sua espécie.” No seu entender tal circunstância acarreta na decadência da raça humana, razão pela qual difundia a necessidade de que tal declínio fosse interrompido, “impedindo a propagação dos degenerados, dos fracos mentais, dos alcoólatras, dos criminosos, isto é, de todos os elementos indesejados na sociedade” (VARGA, 1990, p. 77).
Para tanto, Francis Galton defendia a idéia de que os governos deveriam proibir “casamentos entre pessoas inferiores, separando-as da sociedade e esterilizando-as mesmo contra a sua vontade.” Por via de conseqüência, as raças superiores deveriam ser “encorajadas e ajudadas a propagar sua própria espécie e, assim, melhorar a raça humana” (VARGA, 1990, p. 77).
A justificativa do pensamento eugênico se funda na “proteção da espécie humana (ou sua sobrevivência)” e na “melhora das condições sociais do ser humano e da coletividade” (CASABONA, 1999, p. 170).
A Eugenia, ciência que estuda as condições mais propícias para o melhoramento da raça humana, pode distinguir-se em duas espécies, de acordo com o objetivo que se propõe: a eugenia negativa e a positiva. A eugenia negativa busca extirpar os defeitos genéticos, através da esterilização ou recolhimento dos defeituosos em instituições fechadas, impedindo a transmissão de defeitos genéticos. Ressalta Andrew C. Varga (1990, p. 78) que no início do movimento foi proposta a esterilização forçada, porém eugenicistas modernos são a favor da informação e da persuasão. Ou seja, aplicam-se meios de “seleção genética, através da qual as pessoas podem descobrir se são portadores de genes defeituosos, permitindo-lhes decidir a se absterem de procriar, para impedir o nascimento de filhos defeituosos.”
A eugenia positiva conclama a reprodução de “pessoas sadias” ou de “qualidade superior” e ainda a criação de “traços desejáveis” (VARGA, 1990, p. 78). A eugenia positiva pode ser conseguida buscando encorajar a reprodução entre seres humanos “superiores”, através dos métodos de reprodução artificial, através de manipulações genéticas sem fins terapêuticos ou até mesmo através da clonagem de seres humanos.
Acima se demonstraram as possibilidades decorrentes da terapia gênica, porém, agora, ressalta-se o perigo da eugenia positiva decorrente dessa espécie de terapia:
Existe a terapia somática, que afeta apenas a pessoa que está sendo tratada, e a terapia germinal, que implica mudanças que podem passar às gerações futuras. Até o momento, todos os esforços na terapia genética em seres humanos se concentram nas células somáticas. O grande receio é que, se a terapia genética somática em seres humanos for aceita pela medicina, haverá fortes motivos para estender a terapia genética também às células germinativas. Embora as terapias de células germinativas e de zigotos sejam muito promissoras para o futuro, as incertezas técnicas, o abuso da tecnologia do DNA para fins não-terapêuticos levantam sérias questões éticas acerca de nossa relação com a posteridade. Técnicas de junção de genes podem ser usadas para eugenia positiva a fim de mudar as características básicas da natureza humana em vez de para curar desordens cromossômicas. Podem, além disso, tornar-se um instrumento de malevolência tirânica que manipule seres humanos para fins políticos e sociais. (PESSINI; BARCHIFONTAINE, 2000, p. 214)
O movimento eugênico se desenvolveu em dois estágios. No primeiro estágio as idéias eugênicas baseavam-se em um conhecimento escasso da hereditariedade. A partir do conhecimento gerado pelas Leis da Hereditariedade de Mendel o movimento eugênico aparentemente se fundava numa base científica. “A segunda fase do movimento eugênico começou com o rápido desenvolvimento da microbiologia e genética molecular, após a II Guerra Mundial” (VARGA, 1990, p. 79). Conforme se verificará no item seguinte, o movimento eugênico e essa pseudo-cientificidade deu azo a acontecimentos aterrorizantes e bárbaros e até hoje o tema da eugenia ainda não foi superado (WINNACKER, 1998, p. 220-221).
Demonstrando certa expansão desses ideais, Carlos María Romeo Casabona (1999, p. 174-176) salienta que “as descobertas modernas sobre o genoma humano e o aperfeiçoamento e ampliação das técnicas de reprodução assistida já abriram uma enorme potencialidade instrumental para o pensamento eugênico”.
No mesmo sentido, Elio Sgreccia (2002, p. 244) ressalta que um dos mais importantes problemas relacionados ao conhecimento decorrente do Projeto Genoma Humano é a possibilidade de aplicação mais ampla do diagnóstico pré-natal com finalidade eugênica. E acrescenta que ao ser possível se conhecer “mais amplamente na fase pré-natal genes doentes e sujeitos portadores deles, a tendência de eugenia pode receber uma aplicação maior.”
Analisando, ainda, a expansão do uso dos testes genéticos e, conseqüentemente, das informações deles advindas também se pode prever a sua utilização com claro intuito eugênico e discriminatório.
Contudo, a ciência comprova que tais idéias eugênicas são infundadas. Veja-se, o determinismo genético se olvida da influência marcante do ambiente na determinação do fenótipo, ou seja, na aparência, na estrutura do indivíduo em um determinado momento. Ou seja, as características externas não são, como já dito, somente afetadas pelo genótipo, mas sim é conseqüência da interação entre o genótipo e o meio ambiente.
Portanto, as idéias difundidas pelo determinismo genético ou biológico não passam de considerações sem qualquer respaldo científico, sendo muitas vezes usadas como “uma lamentável tendência de mobilizar as forças da biologia a serviço da ordem vigente” (WILKIE, 1994, p. 203-204).
Neste sentido Eliane S. Azevedo (1999, p. 8) ensina:
Tanto para qualquer característica como para doenças, os genes agem em complexa interação com o ambiente. Em outras palavras, não existe determinismo genético. Até mesmo nas doenças primariamente dependentes da presença de genes, estes são necessários, mas não suficientes para causá-las. A genética clássica apresenta dois fenômenos fundamentais na relação entre genes e seus efeitos: “penetrância” e “expressividade”. Ser portador de um gene relacionado à determinada doença não significa a certeza de vir a tê-la: o gene pode jamais se manifestar, isto é, não apresenta “penetrância”. E, em se manifestando, poderá fazê-lo com intensidade ou “expressividade” variável.
Analisando detidamente os fundamentos do determinismo genético e da eugenia, verifica-se que a eugenia negativa que conclama a eliminação dos defeitos genéticos não se impõe porque “as mutações ocorrem sempre de novo; mal elas foram eliminadas em um lugar, elas aparecem de novo em outro.” Ressalta, ainda, Ernst-Ludwig Winnacker (1998, p. 222) que, além disso, os genes defeituosos são extremamente difundidos na população humana, sendo que todos nós somos portadores de cópias avulsas, ocorrendo a irrupção de uma doença genética quando há a conjunção de duas cópias defeituosas, uma vinda do pai e outra da mãe.
Por isso Ernst-Ludwig Winnacker evidencia que a busca pela eugenia negativa, através da eliminação dos genes defeituosos, somente se concretizaria se toda a espécie fosse atingida. Portanto, “a eugenia negativa não pode ser um instrumento sensato de estratégia coletiva para o afastamento de genes defeituosos do pool de genes humanos.” Sendo que, “nesse sentido ela carece de qualquer fundamento científico” (2002, p. 222, grifo do autor).
Isso também acontece com a eugenia positiva: a busca pelo melhoramento da espécie por meio de medidas de reprodução. Como bem adverte Ernst-Ludwig Winnacker (2002, p. 223), a espécie humana é de uma composição genética extremamente heterogênea, sendo que cada indivíduo da espécie humana “possui a sua própria constelação genética, de sorte que transplantes não são possíveis (exceto em gêmeos univitelinos).”
Neste sentido, Tom Wilkie (1994, p. 208) ressalta que “biologicamente, a espécie humana se beneficia da diversidade, em parte em razão do que é por vezes chamado de ‘vigor híbrido’, mas sobretudo [sic] porque a diversidade representa um valioso fundo de genes a que se pode recorrer quando, por exemplo, surge uma nova doença.”
E continua:
uma visão demasiado estreita, a genética, tal como aplicada aos seres humanos, parece enfatizar as diferenças entre os membros de uma sociedade humana. Em termos biológicos, porém, essas diferenças são vantajosas para a sobrevivência geral da espécie, pois a seleção natural não atua apenas para assegurar a sobrevivência dos indivíduos mais aptos numa população. Herbert Spencer seguiu a trilha errada ao cunhar sua frase sobre a ‘sobrevivência dos mais aptos’, e os darwinistas sociais estavam errados não só em sua política como também em sua biologia. É necessário considerar as implicações da genética para a população como um todo, e não apenas para os indivíduos dentro dela. A evolução promove um equilíbrio entre a aptidão imediata e a flexibilidade genética a prazo mais longo. A seleção natural, combinada com os padrões mendelianos de hereditariedade, tende a manter certo grau de flexibilidade genética nas grandes populações – há uma concentração em torno da média, mas os extremos de variação raramente se perdem. Essa tendência a conservar a diversidade fornece a matéria-prima sobre a qual a seleção natural pode operar, e constitui uma fonte mais importante de variação do que as mutações benéficas, relativamente escassas, que podem ocorrer aleatoriamente nos genes. Se o meio ambiente mudar – se surgir uma nova doença –, a seleção natural empurrará a média numa direção ligeiramente diferente, pois os indivíduos que por acaso tiverem uma resistência um pouco maior ou total à doença tenderão a ter mais chances de sobrevida e de procriação. Para o geneticista, a diversidade dentro de nossa espécie é algo a ser valorizado. (WILKIE, 1994, p. 208).
Portanto, o que para alguns pode ser considerado motivo para discriminação – a variedade genética da espécie humana – para a sociedade como um todo, em especial para as futuras gerações, é de extrema importância.
Porém, sabe-se que, em que pese tais circunstâncias científicas, a história nos relata que tais perspectivas eugênicas e/ou deterministas foram e ainda serão usadas como fundamento de várias práticas discriminatórias, conforme se verificará a seguir.
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É isso!
Fonte:
GISELE ECHTERHOFF: “O DIREITO À PRIVACIDADE DOS DADOS GENÉTICOS". (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito Econômico e Social da Pontifícia Universidade Católica do Paraná como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito. Orientadora: Prof.ª Drª Jussara Maria Leal de Meirelles). PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ. CURITIBA, 2007.
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