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Larry Laudan: “A ciência como solução de problemas”

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Larry Laudan: “A ciência como solução de problemas” Jorge%2BAlberto%2BSilva%2BBucksdricker%2B-%2BRacionalidade%2Be%2Bm%25C3%25A9todo%2Bcient%25C3%25ADfico


Larry Laudan: “A ciência como solução de problemas”




"No prólogo do livro Progress and its Problems, antes de propor qualquer questão, Laudan apresenta um breve resumo da situação da filosofia da ciência em seu tempo (1977). Nesse resumo, o autor começa afirmando a condição de obviedade de que a racionalidade da ciência historicamente desfrutou. No transcorrer do mesmo, o autor chama a atenção, contudo, para o fato dessa obviedade ter sido seriamente desafiada por diversos “desenvolvimentos” recentes no estudo da ciência. Entre esses desenvolvimentos, cinco são enfatizados por ele. São eles: a falência dos modelos tradicionais de racionalidade – que não encontram exemplos no processo de desenvolvimento científico; as falhas nas tentativas de se demonstrar que os métodos da ciência garantem conhecimento verdadeiro, provável, progressivo ou altamente confirmado; alguns trabalhos sociológicos – que apontam para fatores aparentemente não racionais no processo de decisão científica; alguns trabalhos em história e filosofia da ciência – que rejeitam a própria possibilidade da escolha entre teorias se dar de forma racional – e, por fim, o relativismo cultural.

Ainda na composição do resumo, Laudan apresenta uma série de caminhos que, segundo ele, estariam abertos ao filósofo da ciência que escreve nesse contexto específico. De um lado – afirma o autor – pode-se esperar que algum pequeno ajuste na análise tradicional possa clarear e justificar nossas intuições sobre a boa fundamentação cognitiva da ciência. De outro lado, pode-se desistir da busca por um modelo de racionalidade, aceitando que, até onde nos é dado saber, a ciência é claramente irracional. Por fim, pode-se começar a analisar a racionalidade da ciência novamente tentando evitar aquelas pressuposições que vitimaram o modelo tradicional de racionalidade.

O caminho que Laudan assume e no qual se dará a sua contribuição é, então, por exclusão, logo indicado. Para o autor, por motivos diferentes, os dois primeiros caminhos são flagrantemente inadequados. As tentativas feitas no sentido de aperfeiçoar os modelos de Carnap, Popper e Reichenbach, por exemplo, não trouxeram, segundo ele, os resultados esperados e boa parte das dificuldades que se detectavam nos trabalhos desses filósofos permanecem nas tentativas de superá-las. Deduzir, porém, da falência desses modelos a irracionalidade da ciência é, para Laudan, por demais apressado, pois a ciência pode permanecer racional muito embora esses modelos estejam irremediavelmente equivocados. Assim, se por um lado os trabalhos de autores como Salmon, Lakatos e Hintikka não são muito promissores, são bastante prematuras, segundo Laudan, as conclusões irracionalistas extraídas desse fracasso por Kuhn e Feyerabend.

A via restante, portanto, é unicamente a terceira e para ela deve se dirigir a atenção de filósofos e historiadores da ciência. Desde o ponto de vista de Laudan, é preciso repensar a racionalidade da ciência deixando deliberadamente de lado conceitos tradicionais como os de confirmação e corroboração, evitando cair, contudo, no irracionalismo em que autores como Kuhn e Feyerabend incorreram. É preciso responder as questões colocadas pela abordagem histórica desses autores num modelo que não sonegue ao desenvolvimento científico o caráter racional que intuitivamente imaginamos inerente a ele.

O primeiro passo que Laudan vai dar no sentido de desenvolver tal modelo diz respeito à determinação dos fins da atividade científica. Segundo o autor:

Para Laudan, o “objetivo cognitivo mais geral da ciência”, é solucionar problemas cognitivos e não alcançar a verdade ou a probabilidade. Desde o seu ponto de vista, tanto a verdade quanto a probabilidade são fins utópicos já que aparentemente não temos como saber se estamos alcançando, ou se viremos a alcançar, qualquer um deles. A idéia popperiana de um progressivo aproximar-se da verdade é, para o autor, igualmente inviável, uma vez que também não temos critério satisfatório para determinar como poderíamos avaliar tal proximidade. Como enfatiza Laudan: “Se o progresso científico consiste em uma série de teorias que representam um progressivo aproximar-se da verdade, então não se pode demonstrar que a ciência é progressiva.”(1977: 126).

A solução de problemas, de sua parte, não apresenta as mesmas características e uma vez que fica estabelecido que o fim da atividade científica é a solução de problemas e não a busca pela verdade, algumas dessas diferenças começam a surgir. Em primeiro lugar, a noção de resolução de problema revela-se bastante relativa quando comparada, por exemplo, com a noção tradicional de explicação factual. Como o autor enfatiza, problemas podem ser reconhecidos como tais num período histórico determinado e deixarem de o ser em um período subseqüente, enquanto os fatos são sempre fatos independentemente do seu contexto. A explicação de um fato tem, além disso, um caráter definitivo – no sentido de que a teoria explicativa deve implicar um enunciado exato do fato a ser explicado e deve ser verdadeira ou altamente provável – enquanto a resolução de um problema não necessita tê-lo. Nas palavras do autor:

Um problema empírico está resolvido quando, dentro de um particular contexto de investigação, os cientistas não mais o consideram uma questão em aberto, isto é, quando eles acreditam que entenderam porque a situação colocada pelo problema é do jeito que é.”(1977:22)

Esses aspectos divergentes dos conceitos constituem uma importante resposta para questões trazidas pela abordagem histórica de Kuhn e Feyerabend. Nas suas críticas à idéia de desenvolvimento por acúmulo, esses autores chamam a atenção para o fato de historicamente alguns problemas – outrora considerados genuínos por alguma teoria específica – terem sido abandonados por teorias posteriores como pseudoproblemas ou terem sido simplesmente deixados de lado na nova configuração teórica. Em diversas passagens, Kuhn e Feyerabend também enfatizam que muitas soluções tidas como genuínas em contextos determinados simplesmente deixaram de ser vistas como tais em contextos diferentes. No modelo de Laudan, ambas questões são abarcadas. Essas semelhanças aparentes não podem ocultar, contudo, as discordâncias que existem. Embora reconheça a pertinência dessas questões e busque contemplá-las no seu modelo, Laudan diverge radicalmente da interpretação que especialmente Kuhn oferece na Estrutura para esses fenômenos históricos. Para começar, o próprio conceito de paradigma – central para a compreensão kuhniana dessas questões – é rejeitado por Laudan que o substitui pelo conceito de tradição de pesquisa. Embora a tradição de pesquisa guarde consideráveis semelhanças com o paradigma kuhniano31, existem pelo menos duas diferenças cruciais. Diferente do paradigma, as tradições de pesquisa não têm relação com as realizações exemplares compartilhadas. Além disso, as tradições de pesquisa não são tão rígidas quanto os paradigmas, comportando mudanças inclusive no que Lakatos denomina de núcleo duro /hard core/.

Quanto às mudanças nos padrões de solução, enquanto para Kuhn não podemos supor que essas modificações representem a passagem de um nível metodológico inferior para um nível metodológico superior – já que, por exemplo, certos padrões de soluções foram muitas vezes abandonados para serem posteriormente recuperados33 – para Laudan o que há, na verdade, é um desenvolvimento através dos tempos dos padrões de exigência para algo contar como uma solução para um problema. Desde o seu ponto de vista: “A menos que nós reconheçamos que o critério para uma solução aceitável de problema evolui, a história do pensamento permanecerá um enigma.”(LAUDAN 1977: 26). Já, no que diz respeito às mudanças nos tipos de problemas considerados legítimos pela comunidade científica, enquanto Kuhn afirma que não existe um padrão exterior que determine que problemas são realmente importantes resolver, Laudan se propõe a construir toda uma maquinaria analítica para determinar o peso relativo desses problemas. Dentro dessa maquinaria, os problemas assumem uma relevância diferenciada conforme um certo número de critérios estipulados pelo autor.

No terreno dos problemas empíricos, por exemplo, os problemas não resolvidos apenas indicam linhas para pesquisa futura, uma vez que não é claro se eles realmente constituem problemas genuínos e nem que disciplina específica deveria resolvê-los. Já os problemas resolvidos, constituem evidência favorável àquelas teorias que os resolveram enquanto os problemas anômalos contam contra as teorias que falharam em solucioná-los.

Laudan enfatiza, entretanto, que o que ele entende por anomalia não coincide com o conceito que ele tem por tradicional. Do seu ponto de vista, esse conceito não se esgota nas instâncias inconsistentes com a teoria em questão. A anomalia diz respeito a todos aqueles problemas empíricos que alguma teoria rival resolve, mas que a teoria sob apreço falha em resolver. Dessa forma, muitos problemas anômalos podem ser consistentes com uma teoria, desde que exista uma rival capaz de resolvê-lo. De outra parte, para Laudan a anomalia não obriga a descartar a teoria que a produz, embora lance sérias dúvidas sobre a adequação empírica da mesma.

Outros critérios, além desses, são também desenvolvidos pelo autor ao longo do corpo do livro. Segundo ele, a importância de um problema é inflacionada quando, por exemplo, a ele é dado um caráter arquetípico. Problemas mais gerais, de sua parte, pesam mais que aqueles comprovadamente mais específicos, enquanto uma anomalia, sempre que é resolvida, empresta à teoria responsável, importantes argumentos. Em oposição, há deflação na importância de um problema sempre que as mudanças de crenças implicam na dissolução do mesmo ou na sua transferência para outra área. Quando uma teoria é abandonada, os seus problemas arquetípicos perdem consideravelmente o valor. As anomalias, por fim, variam de importância proporcionalmente ao seu grau de discrepância e ao tempo que perduram.

Afora os problemas empíricos, Laudan também propõe critérios para determinar o peso do que ele denomina de problemas conceituais – que são basicamente questões sobre os fundamentos das teorias. Segundo o autor, o papel desses problemas no desenvolvimento científico foi terrivelmente mal compreendido pelos filósofos da ciência, o que contribuiu decisivamente para a falência dos seus modelos. Tradicionalmente, sempre se lamentou a intromissão de fatores não empíricos na apreciação científica, já que se viam esses fatores como sendo essencialmente irracionais. E mesmo a abordagem histórica de Kuhn e Feyerabend não prestou a devida atenção a eles. Para o autor, a atividade de solução desses problemas “tem sido ao menos tão importante no desenvolvimento da ciência quanto a atividade de solução de problemas empíricos.”(1977:45) e precisa, por isso, ser contemplada num modelo de racionalidade científica.

Laudan distingue basicamente duas grandes classes de problemas conceituais: os problemas internos e os problemas externos. Os problemas internos, dizem espeito a inconsistências internas e a ambigüidades e vaguidades nas categorias de análise. Já os problemas externos, dizem respeito às relações lógicas entre teorias – que podem variar da inconsistência até o suporte mútuo; à incompatibilidade entre teorias e regras metodológicas bem aceitas e à incompatibilidade entre teorias e visões de mundo consagradas. Embora os problemas conceituais sejam, em geral, mais sérios que as anomalias, o seu peso específico, segundo Laudan, é bastante relativo. No caso do problema se dar na relação lógica entre teorias, quanto maior for a tensão maior será o problema. Já no caso específico de conflito entre duas teorias – T1 e T2 – o peso do problema para T1 será proporcional à nossa confiança quanto à aceitabilidade de T2. No caso de conflito com regras metodológicas ou visões de mundo, se todas as teorias do domínio estiverem em conflito, o problema não será de grande importância, mas se apenas alguma ou algumas delas estiverem, a significação do problema terá um incremento considerável. Por fim, no que diz respeito aos problemas internos, é bastante relevante o tempo de sua existência. É aceitável que uma teoria nova tenha certas inconsistências internas e apresente um certo grau de ambigüidade; passado algum tempo esses problemas deixam, no entanto, de ser menores para assumir um peso relevante.”

---
É isso!

Fonte:
Jorge Alberto Silva Bucksdricker: “Racionalidade e método científico: Novas perspectivas”. (Dissertação de mestrado. Professor orientador: Dr. Alberto oscar cupani). Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2004.

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
Eduardo
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