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Do antijudaísmo ao anti-semitismo
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13012011
Do antijudaísmo ao anti-semitismo
Um pouco de história
Embora já tivessem sofrido diásporas anteriores (sob os assírios e babilônios, que usavam essa prática para todos os povos que dominavam), dificilmente tais situações podem ser descritas como pogroms ou perseguição específica.
Esta última só se inicia, de forma sistemática, após a conversão de Constantino e a permissão e o reconhecimento do cristianismo como uma religião presente no império.
Nem bem o Édito de Milão havia sido emitido, realizou-se o concílio de Nicéia, onde os judeus foram declarados inimigos da religião, e que “Os judeus devem continuar a existir, em reclusão e humilhação, para a causa do cristianismo”.
Estava lançada a base do antissemitismo. Em vários outros concílios, reforçou-se a tese de que os judeus eram culpados, hereditariamente, por deicídio e deveriam ser discriminados, batizados a força e, se possível, fisicamente eliminados.
A isso, seguiu-se mais de 1600 anos de perseguição pura aos judeus, em toda a Europa e no Novo Mundo, com ações da inquisição e estimulação á violência, com um número ainda não calculado de vítimas. Ao final do século XVI, poucos judeus ainda existiam na Europa, todos vivendo segregados em guetos e sendo obrigados a usar símbolos distintivos em sempre ameaçados de eliminação física.
Se os judeus tiveram alguma esperança com a reforma, deram-se mal! Se tinham esperanças que os protestantes seriam mais humanos que os papas de bisposx católicos, quebraram a cara!
Vejamos o que pensava Martinho Lutero, o principal reformador sobre os judeus:
“(…) Finalmente, no meu tempo, foram expulsos de Ratisbona, Magdeburgo e de muitos outros lugares… Um judeu, um coração judaico, são tão duros como a madeira, a pedra, o ferro, como o próprio diabo. Em suma, são filhos do demônio, condenados às chamas do Inferno. Os judeus são pequenos demônios destinados ao inferno.”
“Queime suas sinagogas. Negue a eles o que disse anteriormente. Force-os a trabalhar e trate-os com toda sorte de severidade … são inúteis, devemos tratá-los como cachorros loucos, para não sermos parceiros em suas blasfêmias e vícios, e para que não recebamos a ira de Deus sobre nós. Eu estou fazendo a minha parte.”
“Resumindo, caros príncipes e nobres que têm judeus em seus domínios, se este meu conselho não vos serve, encontrai solução melhor, para que vós e nós possamos nos ver livres dessa insuportável carga infernal – os judeus.”
De fato, várias igrejas protestantes, até hoje, pregam abertamente contra judeus e muitas dessas igrejas apoiaram os nazistas abertamente, inclusive participando da administração de campos de eutanásia e extermínio.
Consequências
A principal consequência desse ódio contra os judeus foi a manutenção e perpetuação do sentimento antissemita. Os judeus foram acusados de sacrificar crianças, de conspurcar a igreja, de espalha a peste negra, de envenenar poços e alimentos, etc... As consequências foram os inúmeros pogroms genocidas ao longo da história, a mentira antijudaica, a queima de judeus nas fogueiras da inquisição e, sobretudo, a manutenção de uma animosidade contra os judeus que culminou com o holocausto e a morte de 6 milhões de pessoas. Não teria havido holocausto se não existisse antissemitismo.
As igrejas admitindo seus erros
Só em 2.000, o papa João Paulo II pediu desculpas formais pelas ações da pia igreja católica aos judeus (eu imagino como pedir desculpas a milhões de pessoas mortas...). Só levou quase 1700 anos para perceberem o erro.
Foi apenas nos anos de 1980 que as igrejas luteranas dissociaram-se formalmente dos escritos de Lutero sobre os judeus... Levaram mais de 400 anos para perceberem seu erro...
Do antijudaísmo ao anti-semitismo
“Com a acusação de que os judeus teriam sido os responsáveis pela morte de Cristo (deicídio), e com isso se opondo ao plano divino de salvação, eles foram considerados como ímpios, amorais e criminosos tais como os hereges e pagãos. Além disso, “a sua recusa ao batismo, a conservação de ritos próprios e sua incompreensão da idéia de salvação através de Cristo tornavam os judeus como ‘obstinados’ aos olhos dos cristãos”.
Já que o cristinismo era uma das bases da sociedade, é a fé, portanto, a raiz última do antijudaísmo medieval, mas “fazer da religião a única responsável pelo ódio ao judeu seria, contudo, um erro”. O principal elemento de distinção entre os judeus e cristão é o batismo. Assim, as várias perseguições tinham um objetivo comum, qual seja, cristianizar os judeus, “afastá-los do que constitui sua marca de originalidade para fazê-los aceitar as normas acatadas pela maioria da população”. A resistência em rejeitar sua religião e abraçar o cristianismo era vista como abjeção e insolência.
Assim, ao longo do século XII, operou-se a mudança para uma nova etapa, na qual “o judeu, considerado inicialmente um herético impenitente, é agora visto como um acirrado inimigo do cristianismo”. Nesta época, houve numerosos atos de violência em vários países europeus motivados pela acusação do assassinato ritual, uma radicalização da idéia da heresia judaica, materializada em um culto demoníaco. “A acusação do assassinato ritual consistia na insinuação de que judeus seqüestravam uma criança cristã, depois a matavam e misturavam seu sangue com o pão ázimo da eucaristia”. A fantasia popular se encarregou de ampliar e divulgar esta história de crueldade, dizendo que os judeus, “levados por seu ódio insano contra o cristianismo, encontram um prazer todo especial em apunhalar as hóstias consagradas”.
A intensidade das perseguições motivadas por esta lenda e o número de vítimas que geraram só seriam alcançados através dos progroms russos do final do século XIX e apenas superado pelo genocídio nazista. Também a epidemia de peste bubônica do século XIV foi atribuída a uma imaginária conspiração de judeus, que teriam disseminado a peste contaminando os poços e as fontes de água. “Algumas pessoas reforçaram-na com a afirmação de que os judeus estavam imunizados contra o flagelo que dizimava os cristãos”.
Lendas como estas contribuíram para disseminar o antijudaísmo, além de fundamentar vários casos de perseguição e violência contra as comunidades judaicas. Além da violência física, várias ofensas de origem religiosa eram usadas pelos cristãos medievais, tais como “usurários, anticristãos, envenenadores de fontes, assassinos rituais”. Entre as supostas características derivadas de seus costumes religiosos vistos pelos cristãos como enigmáticos e suspeitos, incluem-se a “avareza, sede de vingança, rapacidade, arrogância, covardia, malícia e mendacidade”.
Quando falamos aqui de cristianismo, consideramos tanto o catolicismo como o protestantismo. “A hostilidade contra os judeus fundada na religião não era apenas a preocupação da igreja católica, dominadora da sociedade, mas também de outras correntes teológicas, como o protestantismo”58. O teólogo Martinho Lutero (1483–1546) teve um papel central no antijudaísmo não apenas por suas doutrinas mas também pelos efeitos. Sua postura quanto aos judeus passou, ao longo de sua vida, de uma atitude distante e benevolente a um comportamento agressivo e hostil. Para ele e para todos os outros teólogos cristãos da época, a confissão ao cristianismo era um dogma sagrado, através do qual os fiéis a outras crenças e os incrédulos eram considerados perversos. “Lutero via os judeus como ímpios, já que negavam a doutrina da salvação de Cristo; eles eram considerados (por Lutero) os maiores inimigos (de Cristo)”59. Esta idéia seria mantida durante toda sua vida, não sendo, portanto, uma ruptura, mas sim uma continuidade na teologia luterana que se radicalizou com o tempo. Em um texto de 1523, intitulado “Que Jesus Cristo era um judeu de nascença” [Daß Jesus Christus ein geborener Jude sei], o teólogo recomenda que os judeus sejam tratados amistosamente e que sejam instruídos nas Sagradas Escrituras. Além disso, deveriam escolher livremente sua profissão, de modo a não dependerem da usura. Este comportamento benevolente não foi de maneira alguma motivado por algum sentimento humanitário ou simplesmente sem propósito: “Lutero alimentava a esperança de que os judeus poderiam ser convertidos em cristãos. As tentativas missionárias não conseguiram nenhum sucesso neste ponto. Com uma decepção crescente, logo a benevolência transformou-se em rejeição”.
Vinte anos depois, pode-se notar claramente a mudança de atitude em relação à conversão no texto “Sobre os judeus e suas mentiras” [Von den Juden und ihren Lügen], de 1543, no qual Lutero descarta a possibilidade de conversão e considera a segregação entre cristãos e judeus e mesmo o retorno destes à Palestina:
Meu parecer diz o seguinte: se devemos continuar puros das blasfêmias dos judeus e não nos tornar parte delas, então temos de estar separados e eles [têm de ser] expulsos de nossa terra. Eles deveriam pensar em voltar para sua terra natal. Então não poderiam mais vociferar e mentir sobre nós perante Deus que nós os aprisionamos; nós também não [poderíamos] nos queixar que eles nos importunam com suas blasfêmias e sua usura. Este é o melhor e mais óbvio conselho, que garante ambas as partes neste caso.
A proposta drástica de expulsar os judeus da Alemanha tornava Lutero uma figura ímpar entre os primeiros teólogos protestantes, mas estes compartilhavam a mesma repulsa aos judeus, seja por aspectos religiosos como “mundanos”, relacionados ao dinheiro e ao trabalho, por exemplo. Esta crítica ao suposto comportamento típico dos judeus em relação ao dinheiro e ao trabalho foi o ponto principal do anti-semitismo de Lutero retomado posteriormente pelos nacional-socialistas. Um trecho deste livro (“Sobre os judeus e suas mentiras”), é citado em um panfleto de propaganda forma a tomar a autoridade do teólogo quando diz que “eles [os judeus] mantém a nós, cristãos, cativos em nossa própria terra. Eles tomaram nossos bens pela sua maldita usura, eles zombam de nós e nos insultam porque trabalhamos. Eles são nossos senhores, e nós e nossos bens pertencemos a eles”.
Com o processo de secularização das sociedades européias que marcou a transição da Idade Média à Idade Moderna, as questões religiosas como o deicídio perderam importância. O ódio aos judeus passou a ser fundamentado em questões ligadas a fatores sociais, econômicos e políticos, e eles deixaram de ser vistos prioritariamente como membros de uma religião alheia ao cristianismo, sendo vistos como membros de um grupo específico: os “semitas”, um conceito que teve suas origens na teoria dos troncos lingüísticos. Assim, o antijudaísmo se torna propriamente anti-semitismo, mas os preconceitos, estereótipos pejorativos e representações de raízes religiosas se mantém mais ou menos inalterados.
O movimento iluminista no século XVIII contribuiu com esse processo de secularização da sociedade, mas também fomentou uma tentativa importante de eliminação da dicotomia entre judeus e cristãos. Sabe-se que o Iluminismo era contrário às religiões, consideradas responsáveis por impedir que o ser humano se desprendesse de misticismos e alcançasse o verdadeiro conhecimento racional, já que, em última instância, as religiões se baseavam em dogmas que não podem ser defendidos racionalmente, mas apenas pela fé. Todas as religiões se equivaleriam, e suas diferenças seriam fruto da maneira prática de vivêlas. Assim, como a religião passou a ser cada vez mais considerada como um aspecto da vida privada, ela perdeu parte do seu poder de identificação: uma pessoa é uma cidadã antes de ser cristã, judia ou muçulmana. Desta maneira, faria pouco sentido que uma questão particular e individual fosse definidora da posse de direitos civis.
Apelos para a tolerância religiosa e convivência salutar entre os membros das várias religiões emanaram de alguns autores iluministas. O poeta alemão Gotthold Ephraim Lessing (1729-1781) é um bom exemplo desta filosofia de tolerância, e chegou a conclusões filosóficas importantes no que se refere à legitimidade e ao direito de existência das várias religiões. Ele aborda a questão judaica em duas de suas peças: “Os judeus” [Die Juden], de 1749, e “Natan, o sábio” [Nathan der Weise], de 1779. Lessing não chegou à raiz do problema, entretanto, pois não circunscreve a hostilidade aos judeus à questão religiosa sem se perguntar por que os judeus são tratados na Alemanha como seres à parte. Ele sugere apenas que, “para que reinem entre cristãos e judeus a probidade e autenticidade, cada nação deve dar sua colaboração”. Com o processo de secularização, a oposição entre cristãos e judeus diminuiu graças aos desenvolvimentos econômicos e sociais, de um lado, e aos iluministas burgueses, de outro, que agiram de modo a enfraquecer a influência da Igreja sobre a sociedade. A secularização de todas as esferas da vida tornava necessária a igualdade legal entre todos.
A segregação despiu-se das formas brutais que possuía na Idade Média, mas continua existindo. Os judeus são afastados dos postos influentes, endereçados às profissões liberais, ao jornalismo e à política, ao comércio e às agências financeiras – profissões tidas pelos alemães em pouca consideração.
Durante séculos os judeus viveram em guetos, sofrendo várias restrições a direitos básicos a liberdades individuais, gozando de períodos de relativa calmaria ou enfrentando pogroms, mas neste contexto a solução da chamada “questão judaica” tornou-se a ordem do dia na política dos países europeus, pois constituía um entrave incômodo ao seu desenvolvimento econômico e político. Assim, pode-se dizer que “a emancipação dos judeus não foi o resultado de pura teoria, mas o produto da transformação social de uma velha para uma nova sociedade, que acelerava-se desde o final do século XVIII”.
Um dos grandes defensores da emancipação dos judeus na Alemanha foi o diplomata e escritor prussiano Christian Wilhelm Dohm (1751-1820), autor do livro “Sobre a melhoria cívica dos judeus” [Über die bürgerliche Verbesserung der Juden], publicado em Berlim no ano de 1781. Nesta obra que marcou época, o autor argumenta que o Estado deveria conceder a igualdade cívica aos judeus, o que incluiria a permissão para que eles trabalhassem em todas as profissões e atividades econômicas, o que lhes era mormente restrito, a menos que tivessem o privilégio para tal.
Dohm argumentava que a suposta perversidade dos judeus era a expressão da discriminação secular a que foram submetidos. Para mudar os judeus, seria necessária uma mudança na sua condição social, retirando-os dos guetos e inserindo-os com igualdade de direitos na sociedade alemã. “A emancipação judaica é portanto um componente da transição do sistema estático de privilégios para uma sociedade de classes dinâmica”. Este foi um processo relativamente lento, já que
A emancipação dos judeus, e portanto sua libertação das restrições sociais e legais, não foi um ato revolucionário na Alemanha e na Áustria como na França de 1791, mas o resultado de um longo debate que se estendeu do início do século XIX até o final dos seus anos 60.
A necessidade da discussão sobre a emancipação não veio da teoria, mas da prática. Como no início do século XIX não havia ainda um Estado alemão unificado, cada estado publicou suas leis específicas isoladamente. Pode-se identificar duas fases deste processo: a primeira compreende o período entre 1782 a 1815, cujo início foi marcado por um decreto emancipatório de autoria de Joseph II da Áustria. A segunda fase iniciou-se em 1815 por ocasião do Congresso de Viena e a discussão sobre a manutenção ou não da emancipação dos judeus decretada na França em 13 de novembro de 1791 e que atingia os territórios alemães ocupados pelo exército napoleônico. Apenas ao final deste período, exatamente em dezembro de 1848, houve uma solução legal de caráter nacional na Alemanha, que foi a Constituição federal do povo alemão [Grundrechte des deutschen Volkes], formulada pela Assembléia Nacional de Frankfurt. Seu artigo V decretava que “o gozo dos direitos civis não será nem condicionado nem limitado pela confissão religiosa”.
É preciso dizer que a emancipação dos judeus não representou sua imediata assimilação na sociedade, sendo um processo distinto cujas vicissitudes não fazem parte do escopo do presente estudo. Seria mais importante notar que esse processo de emancipação trouxe como conseqüência um movimento oposto, de motivações sociais e econômicas, marcado por novas manifestações de anti-semitismo. Vários camponeses, comerciantes, artesãos e empresários, antes protegidos da concorrência pelo sistema de privilégios, passaram a temer a concorrência dos judeus, que a partir de então tinham o direito de atuar nesses setores econômicos. Esses grupos passaram a se articular e a formar uma militância política, motivados por temores de origem social e econômica mas ainda sob forte influência religiosa, já que conservavam o estereótipo pejorativo medieval dos judeus. Assim, de alguma maneira, era uma forma tardia de antijudaísmo, que só tornou-se efetivamente anti-semitismo quando esses referidos estereótipos pejorativos foram transportados para o campo social, econômico e principalmente científico, com a inclusão do elemento racial elaborado a partir do século XIX.”
---
É isso!
Fonte:
ENRIQUE LUZ: “O ETERNO JUDEU”: ANTI-SEMITISMO E ANTIBOLCHEVISMO NOS CARTAZES DE PROPAGANDA POLÍTICA NACIONAL-SOCIALISTA - 1919-1945". (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em História. Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Patto Sá Motta). Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2006.
Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
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Inscrição : 08/05/2010
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