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A religião sob o olhar de Freud e Jung

FREUD

"A primeira corrente – a que principiou os estudos das relações entre religião e psicologia – é marcada pelo criador da psicanálise, Sigmund Freud (1856 – 1939). Médico nascido em Viena, ele deixou clara sua aversão à religião. Curiosamente é um dos autores que mais teorizou sobre o assunto. Sua idéia é a de que a religião um produto negativo de conflitos ancestrais. Algo ocorrido ainda na fase remota do desenvolvimento do homem e que corresponde à horda primitiva, quando a morte do pai tirano pelos filhos – a fim de que pudessem possuir as mulheres da tribo – teria gerado um sentimento universal de culpa. Freud chamou esse sentimento de Complexo de Édipo, devido à semelhança da sua teoria ao Édipo Rei, tragédia grega escrita por Sófocles, por volta de 427 a.C. No Mito da Horda Primitiva o pai morto é representado pelo totem.

Para apagar as marcas do crime, o homem teria criado as leis de incesto e exogamia de modo a sublimar a imagem do pai na figura do totem. Assim, nas festividades totêmicas, redimiam o remorso pelo crime cometido em rituais libertadores.

A origem da religião não seria mais do que uma ilusão, similar ao sono, ao delírio, à neurose obsessiva, seria o reino do imaginário por excelência. Deus ocuparia o lugar de um imaginário “pai onipotente” (CROATTO, 2001, p. 20).

Os textos de Freud estão divididos em três categorias: os que tratam especificamente do fenômeno religioso; os que o fenômeno são indiretamente considerados e, por fim, os escritos que, embora não estejam relacionados à experiência religiosa, podem, por sua vez, oferecer subsídios para elucidar a psicodinâmica do fenômeno religioso De modo que podemos classificar a obra de Freud em três modelos de compreensão do funcionamento psíquico quanto ao fenômeno religioso. O primeiro afirma que a prática religiosa segue a lógica psíquica da neurose obsessiva; o segundo traduz a religião como uma ilusão capaz de aliviar o homem frente ao terror da morte. O último diz respeito à dinâmica psíquica empregada na relação com o sagrado.

Seguindo o funcionamento da psique na lógica freudiana, a pessoa religiosa, e somente ela, estaria tentada por pulsões que estariam recalcadas. Escapando esses recalques, surgiria o impulso de realizá-las, desejo esse encarado como um ato pecaminoso pelos fiéis.


JUNG
Outra vertente da psicologia sob o viés da religião surge através de Carl Gustav Jung (1875 – 1961), psicólogo suíço que se afastou da corrente freudiana em 1913. Ao contrário de Freud, a perspectiva sobre a experiência religiosa em Jung é positiva. Para ele, o fenômeno religioso tem origem nas entranhas do homem e não fora, no mundo, como acreditava Freud – idéia partilhada também por Durkheim, mas noutra disciplina, a sociologia. Por isso, Jung é tido como um rebelde da psicanálise ortodoxa de Freud e do médico vienense Josef Breuer, a partir dos estudos da dupla sobre a histeria.

Uma das conjecturas mais notável defendida por Jung é a existência de um inconsciente coletivo mais arcaico que o inconsciente individual. Trata-se de uma espécie de memória ancestral, de sedimentação da vivência das primeiras gerações dos seres humanos e que se manifestam em profundas marcas psíquicas, os quais ele chamou de arquétipos:

Os arquétipos do inconsciente seriam a fonte, tanto dos sonhos como dos mitos da religião (Jung sempre insistiu na associação entre uns e outros). De maneira que essa associação tem para ele um papel positivo: os mitos, como os sonhos, têm um papel estabilizador na constituição da personalidade (o Selbst ou “Si Mesmo”, diferente do “Eu”) (Ibdem.,p.21).

Ainda que Jung partilhe o mesmo ponto de vista de Freud sobre o consciente – algo como o leigo tem a respeito de si mesmo – o inconsciente pessoal para ele é uma mistura do inconsciente e do pré-consciente freudianos. Ou seja, os conteúdos do inconsciente pessoal são acessíveis à consciência (Ego) e contém apenas os materiais que chegaram ao inconsciente como resultado das experiências pessoais do indivíduo e do “inconsciente coletivo” ( PALMER, 2001, p. 125 – 149).

Em Jung, os arquétipos resultam dos mitos e das produções artísticas. Sendo assim, representam algo adquirido na experiência externa do indivíduo, que opera universalmente como força elementar presente na essência humana. No entanto, Jung não se preocupou com a existência ontológica de Deus, mas com sua existência como realidade psíquica, ou seja, “fenomenológica”. Para Jung, Deus é um fenômeno psíquico. E só. Ele descartava qualquer conotação transcendental ao termo. Jung se dizia um cientista empírico.

Nesta breve consideração, observamos que Jung contraria a definição do pai da psicanálise em vários aspectos, ainda que muito da estrutura psíquica freudiana tenha sido aproveitada na sua teoria. As imagens primordiais e universais comuns a toda a humanidade seria para Jung uma camada mais profunda do inconsciente, o inconsciente coletivo. De modo que os fatores psicológicos agem independentemente da experiência do indivíduo. São adquiridos através de uma memória refratária e ancestral, vinda de antepassados e que, portanto, o individuo carrega no seu DNA. Por mais estranho que pareça às acepções acerca do Todo-poderoso a questão é que a experiência religiosa representa um campo aberto aos pesquisadores da religião de diversas áreas das ciências na busca de pistas que levem a decifrar o numinoso de Rudolf Otto, como ilustra Libório:

O problema de Deus e do nascer da “experiência religiosa” – se proveniente de dentro, de fora do homem ou de ambos – é uma questão aberta para todos os estudiosos da Religião, através das diversas ciências (antropologia, sociologia, psicologia, filosofia, teologia, etc.) que abordam a experiência que o homem faz do numinosum, em sua breve ou longa caminhada, na face da terra, em busca do pleroma tão sonhado consciente ou inconsciente por todos os povos e culturas das mais primitivas às mais cultas (LIBÓRIO, 2005, p. 75).

De modo que considerando os subsídios que buscam prover sentido ao fenômeno religioso e à experiência religiosa, distinguida nas correntes teórica de Freud e Jung – e de seguidores que trouxeram novas formulações e críticas à psicologia da religião, a exemplo do austríaco Victor Frankl, que considerava, entre outras coisas, que a psicanálise destruía a integridade da pessoa porque todo o pensamento psicanalítico seria materialista, atomístico e mecanicista –, vamos procurar interpretar as motivações que agem sobre a subjetividade dos fiéis por meio das técnicas de persuasão presentes no programa de tv O poder sobrenatural da fé.

Todavia, mesmo municiado de teorias fundamentais à compreensão da engrenagem mental, somado aos estudos interdisciplinares, como a sociologia durkheiana, marxista, e weberiana, temos a idéia de que possivelmente uma abordagem hermenêutica seja capaz de fornecer pistas para entender o que passa na cabeça daquele que crê. Do contrário, qual lógica move alguém a cruzar um pórtico de gesso na certeza de que fazendo isso vá se curar dos males que a aflige? Ou o que faz alguém no cair da tarde se prostrar diante a tv empunhando um copo de água na crença de que forças superiores irão interceder em seu benefício? Qual dentre as disciplinas da ciência positivista pode explicar os sentimentos e revelações que ocorrem no intimo da pessoa que acredita piamente no poder transformador dessas ações? Paden afirma:

Embora o esquema social seja revelador e útil, ele não desautoriza necessariamente outros níveis de explicação. Embora a teoria social veja a psique individual como parte da vida social, de muitos modos cada indivíduo é uma agente psicológico único por seu próprio mérito e, como tal, é claramente uma fonte organizadora de cultura. A criatividade individual, explicada em termos quer de um inconsciente, quer de personalidade, gerou boa parte do que consideramos grandioso ou poderoso na cultura. (...) A incongruência estar em sabermos que, do ponto de vista puramente sociológico, pode haver em nossa cultura outras interpretações que não a social. Estes níveis pertencem a variedades de sistemas simbólicos dentro da sociedade. A linguagem da sociologia é apenas uma entre outras interpretações que são dadas na compreensão hermenêutica do fenômeno religioso. A religião se torna um fenômeno completamente diferente quando enxergamos a religião através do prisma da psicologia, os deuses, divindades e crenças, assumem, então coloração e formas diferentes (PADEN, 2001, p. 86 – 94).

E a efervescência coletiva – as assembléias movidas a paixões que se manifestam nos templos neopentecostais – não se resume a contagiar somente indivíduos pertencentes a extratos mais humildes da sociedade: “Pessoas – maiormente mais controladas, sensíveis e mais maduras emocionalmente – vivem uma religiosidade mais profunda”( BARTHON; VAUGHAN apud LIBÓRIO, 2005, p.19). E é inegável, hoje, o bem-estar na saúde mental daquele que tem participação religiosa.

Diante tantos obstáculos que dificultam reunir ciência e religião, fazemos nossas palavras de Muller na defesa de uma hermenêutica sobre a questão:

(...) há de se estar aberto para deixar-se tocar pelo sagrado. Quem o estiver – e minhas reflexões pretendem ser um estímulo para isto – verá que isso lhe há de trazer um grande enriquecimento para a sua vida. Com isto, ele estará satisfazendo um anseio que é parte essencial da natureza de todo homem. (...) Na experiência do sagrado, eu entro em contato com um mundo que não conheço a não ser através da imaginação. Jamais o hei de ver – pelos menos enquanto estiver vivo. Jamais o poderei tocar. E, no entanto, ele existe (MULLER, 2004. p. 9 – 25)."

---
É isso!

Fonte:
LUIZ ERNESTO MELLET: “A RETÓRICA DO SOBRENATURAL NA TV: Um estudo da persuasão no neopentecostalismo”. (Dissertacão apresentada ao programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Católica de Pernanbuco, como parte dos requisitos à obtenção do grau de Mestre em ciências da religião, elaborada sob orientação do Prof. Dr. Luiz Carlos Luz Marques). Universidade Católica de Pernanbuco. Recife, 2009.

Nota:
O título e a imagem inseridos no texto não se incluem na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
Eduardo
Eduardo

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