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A caça às bruxas na Idade Média As%2Bfalas%2Bdo%2Bsil%25C3%25AAncio%2Bdas%2Bpersonagens%2BSebastiana%2BMaria%2Bde%2BJesus%252C%2BD.%2BMaria%2BAna%2BJosefa%2Be%2BBlimunda%2Bde%2BJesus%2Bno%2Bromance%2BMemorial%2Bdo%2BConvento%2Bde%2BJos%25C3%25A9%2BSaramagoA caça às bruxas na Idade Média Hd-tese-disserta%25C3%25A7%25C3%25B5es

A caça às bruxas na Idade Média

História – a mulher

“A vítima na Idade Média é a figura da mulher, um combustível alimentado pelo saber que ela acumulara no decorrer do tempo e que representava uma constante ameaça a alguns seguimentos da sociedade. As camponesas, pelo fato de serem seladas pela pobreza, cuidavam-se umas das outras, numa espécie de sistema de saúde doméstica e cultural. Elas precisavam conhecer o poder medicinal das ervas cultivadas pelos seus ancestrais, e sabiam aplicá-las no seu dia-a-dia. Antecedendo a isso, manifestava-se entre elas a noção de conhecimentos da anatomia e fisiologia humanas, chegando a praticar o ofício de parteiras ambulantes, indo de aldeia em aldeia, atendendo às necessidades umas das outras. Dessas práticas, diversificou-se e multiplicou-se o exercício da medicina popular, estendendo-se os cuidados para todas as doenças conhecidas.

As mulheres feiticeiras formavam uma comunidade que permutavam os conhecimentos a respeito dos problemas pertinentes à saúde e, além do mais, por conseqüência da união entre elas, promovia-se a participação das mesmas nas revoltas camponesas. Esses conhecimentos e práticas geraram desconfiança em alguns seguimentos da sociedade de então, como a classe médica, que tomava vulto nas universidades.

Na conjugação entre fé e sexo proposta pelos inquisidores, viu-se na mulher o objeto de perseguição. O código do Malleus Maleficarum (2007) – a Bíblia dos inquisidores - apresenta, entre tantos, os seguintes passos para justificar o ato de perseguir as mulheres, de acordo com Muraro, (apud KRAMER e SPRENGER, 2007, p. 15-16):

E como as mulheres estão essencialmente ligadas à sexualidade, elas se tornam as agentes por excelência do demônio (as feiticeiras). E as mulheres têm mais conivência com o demônio porque Eva nasceu de uma costela torta de Adão, portanto nenhuma mulher pode ser reta.
A primeira e maior característica, aquela que dá todo o poder às feiticeiras, é copular com o demônio. Satã é, portanto, o senhor do prazer.
Uma vez obtida a intimidade com o demônio, as feiticeiras são capazes de desencadear todos os males, especialmente a impotência masculina, a impossibilidade de livrar-se de paixões desordenadas, abortos, oferendas de crianças a Satanás, estrago das colheitas, doenças nos animais, (...).
[...] as bruxas pecam contra Deus e o Redentor (Cristo), e portanto este crime é imperdoável e por isso só pode ser resgatado com a tortura e a morte
.(sic)

A nova história da mulher proposta pela Inquisição é um retorno paradoxal ao relato da mulher como o símbolo da fertilidade para as colheitas e os animais (KRAMER e SPRENGER, 2007, p. 16). A partir deste momento, tornou-se difícil o contorno do estrago ao sexo feminino, pois agora as mulheres julgavam-se, realmente, instrumentos do diabo, conscientes de que a sexualidade é coisa satânica. As descendentes de Eva tornaram-se frígidas e rendidas à condição de serem punidas pelas suas atitudes. Dessa forma, de acordo com Muraro (apud KRAMER e SPRENGER, 2007, p. 16): “De doadora da vida, símbolo da fertilidade para as colheitas e os animais, agora a situação se inverte: a mulher é a primeira e a maior pecadora, a origem de todas as ações nocivas ao homem, à natureza e aos animais”.

O fogo da Inquisição imolou as mulheres. Punidas pelo tempo, sequer tinham o direito de questionar o sistema, levando-as assim, a uma aceitação incondicional do que lhes era imposto, inclusive o silêncio. É a instalação do fenômeno da alalia politicamente estabelecido nos fins do século XVIII. Na teoria de Orlandi (2007, p. 79), isto é asfixiar o sujeito pela censura:

(...) ela é (censura) a interdição manifesta da circulação do sujeito, pela decisão de um poder de palavras fortemente regulado. No autoritarismo, não há reversibilidade possível no discurso, isto é, o sujeito não pode ocupar diferentes posições: ele só pode ocupar o ‘lugar’ que lhe é destinado, para produzir os sentidos que não lhe são proibidos. A censura afeta, de imediato, a identidade do sujeito.
A caça às bruxas rendeu um achado à classe dominante: a repressão como objeto de alienação. O fogo do poder dominante fazia arder nas suas labaredas o direito ao prazer sexual e à participação política da cidadã, obrigando-a a uma espécie de atitude exílica para dentro de si mesma. A filosofia da misoginia, o ódio às mulheres, tem o seu discurso registrado no Malleus Maleficarum.
Paralelamente aos atos proibidos, as mulheres também eram obrigadas a confessarem suas faltas sob a força da tortura, a fim de revelarem a verdade. Aqui temos o poder da classe inquisidora no intuito de exercer o domínio do falar e não falar.

O falar era um ingrediente vivo na época da caça às bruxas. A incriminação era selada pela delação ou pelo próprio testemunho. Sobre este último, conseguia-se através dos mais escabrosos métodos de tortura, levando, principalmente as mulheres, a se declararem bruxas, premidas pela dor torturante. Isto é o que afirma o padre jesuíta Spee, citado por Brasey (2006, p. 38):

(...)
muitas vezes penso que o único motivo pelo qual nós todos não somos bruxos é não termos sido torturados. E há verdade no que recentemente ousou dizer um inquisidor, à guisa de vanglória, que, se lhe dessem acesso ao papa, faria com que até ele se confessasse bruxo.
A cerimônia do auto-de-fé, segundo Silva (1989, p. 47), “(...) tinha requintes grandiosos: procissão, leitura das sentenças e, enfim, os suplícios.” Sobre estes suplícios, relembra a citada autora as palavras de Focault (1984, p. 46-47):

(...)
a morte é um suplício na medida em que ela não é simplesmente privação do direito de viver, mas a ocasião e o termo final de uma graduação calculada de sofrimentos: desde a decapitação – que reduz todos os sofrimentos a um só gesto e num instante: o grau zero do suplício – até o esquartejamento que os leva quase ao infinito, através do enforcamento, da fogueira e da roda, na qual se agoniza muito tempo; a morte-suplício é a arte de reter a vida no sofrimento, dividindo-a em ‘mil mortes’ e obtendo, antes de cessar a existência, the most exquisite agonies. O suplício repousa na arte quantitativa do sofrimento. Mas não é só: esta produção é regulada. O suplício faz relacionar o tipo de ferimento físico, a qualidade, a intensidade, o tempo dos sofrimentos com a gravidade do crime, a pessoa do criminoso, o nível social de suas vítimas (...).
Havia uma condição para alguém se tornar bruxo ou bruxa: ser torturado. O reter as palavras seria a segurança para não ser levado à fogueira, ao açoite ou ao degredo. Há lógica nas palavras do episódio de Sebastiana (MC., p. 51): “(...) olha só, ”, ou seja, não fales. Não que ali houvesse alguém a torturar sua filha, obrigando-a a se declarar bruxa, mas o evitar falar poderia ser um ato salvífico.

Por outro lado, os métodos inquisitórios não admitiam o recurso do silêncio utilizado pelos hereges, daí, eram usados meios os mais diversos, a fim de que as vítimas finalmente confessassem seus atos de bruxarias. A confissão de que a torturada era uma bruxa é extraída pela dor. Assim, o silêncio funcionava como uma denúncia por parte da suposta bruxa: ela teria que confessar. Para isso, as supostas bruxa eram prevenidos, caso alguma se recusasse a falar, conforme apreendemos neste texto (KRAMER e SPRENGER, 2007, 435): “ Se deseja saber se a acusada possui o poder maléfico de preservar o silêncio, que repare se ela é capaz de soltar lágrimas ao ficar em sua presença, ou quando estiver sendo torturada”.

Se a possível bruxa insistisse em manter o silêncio, os juízes tinham mais recursos para tentar descobrir os possíveis meios utilizados por elas que lhe conferia poder para se exilarem no silêncio, conforme vemos no texto (KRAMER e SPRENGER, 2007, p. 437):

(...)
os pêlos e cabelos devem ser raspados de todo o seu corpo. A razão para isso é a mesma porque se deve tirar-lhes as roupas (...); pois para conservarem o poder do silêncio têm o hábito de esconder objetos supersticiosos nas roupas e nos cabelos, até mesmo nas partes mais secretas do corpo.
A Inquisição procurava saber quais as teimosias utilizadas pelas bruxas que lhes dariam o poder de sustentarem o silêncio, mesmo sob o peso da tortura. Um desses mistérios, chamado de dom, é relatado no Malleus, (KRAMER e SPRENGER, 2007, p. 437):

Ela (a bruxa) costumava obter o dom do silêncio da seguinte forma: depois de ter matado um primogênito recém-nascido que não fora batizado, assava-o num forno junto com outras substâncias que não convém aqui mencionar, triturando-o a pó e cinza; qualquer criminoso ou bruxa que portasse uma pequena parcela dessa substância final seria incapaz de confessar seus crimes.
O recurso ao silêncio utilizado pelas bruxas era algo tão hediondo que houve sugestão para que se buscasse até mesmo outra bruxa, a fim de tentar se descobrir o segredo do silenciar, mas esta medida não foi aceita. Este escuso método foi substituído pela busca de outras pessoas dignas, que viviam em piedade, a fim de saber quais os segredos que estavam por trás do esquivar-se de falar, utilizado pelas hereges.

Pelo visto, a tortura era uma incubadora de bruxas. Sob a tortura, a denunciada confessava a suposta prática herética. Havia a obrigação de falar. Sebastiana (MC., p. 51) fora ‘amordaçada’ para não falar as suas palavras, porque elas não seriam reconhecidas como verdadeiras.

Se, por um lado, as bruxas eram punidas se optassem pelo silêncio na hora da confissão e pelo que dissessem eram desacreditadas, por outro, elas não deveriam ser deixadas à liberdade de ver. Eis o que é dito sobre o olhar das bruxas (KRAMER e SPRENGER (2007, p. 436):

E sabemos pela experiência que algumas bruxas, quando detidas na prisão, têm insistentemente suplicado aos carrascos que lhes seja permitido olhar para o Juiz antes que este as olhe; assim, conseguindo lançar primeiro o seu olhar sobre ele, são capazes de modificar-lhe o pensamento (e também dos assessores) a ponto de fazer com que este perca todo o ódio que alimenta contra elas, deixando-as sair em liberdade. Aquele que sabe e que por isso já passou que dê o próprio testemunho da verdade. E que elas não sejam capazes de realizar tais coisas!


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Fonte:
Davi da Silva Oliveira: “As falas do silêncio das personagens Sebastiana Maria de Jesus, D. Maria Ana Josefa e Blimunda de Jesus no romance Memorial do Convento de José Saramago”. (Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE em Literatura e Crítica Literária, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob orientação da Profa. Dra. Beatriz Berrini). São Paulo, 2008.

Nota:
O título e a imagem inseridos no texto não se incluem na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
Eduardo
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