Últimos assuntos
Tópicos mais visitados
Tópicos mais ativos
Devo Aprender a Como Interpretar a Bíblia?
Página 1 de 1
06052011
Devo Aprender a Como Interpretar a Bíblia?
DEVO APRENDER A COMO INTERPRETAR A BÍBLIA?
de D. A. Carson
O Dr. D. A. Carson ensina Novo Testamento na Trinity Evangelical Divinity School e tem mais de vinte livros do seu próprio punho, entre as quais em português temos: "Comentário do Evangelho de João" da Shedd Publicações e "Os Perigos da Interpretação Bíblica" e "Introdução ao Novo Testamento" (co-editado com Douglas Moo e Leon Morris), ambos da Editora Vida Nova.
-----------
A hermenêutica é a arte e ciência da interpretação; a hermenêutica bíblica é a arte e ciência da interpretação da Bíblia. Na época da Reforma, debates sobre interpretação ocuparam um papel enormemente importante. Estes foram debates sobre “interpretação”, não apenas sobre “interpretações”. Em outras palavras, os reformadores discordavam de seus oponentes não apenas sobre o que esta ou aquela passagem significava, mas também sobre a natureza da interpretação, o lugar da autoridade na interpretação, o papel da igreja, do Espírito na interpretação, e muito mais.
Ao longo da metade do século passado, tantos desenvolvimentos aconteceram no campo da hermenêutica que este seria um artigo longíssimo, mesmo que fosse apenas um esboço superficial. É triste dizer que hoje em dia muitos estudiosos estejam mais interessados nos desafios da hermenêutica, do que na interpretação da Bíblia; é a própria Bíblia que a hermenêutica nos deveria ajudar a tratar com mais responsabilidade. Por outro lado, um tanto ironicamente, ainda há pessoas que pensam que há algo levemente vulgar sobre interpretação. Sem ser muito grosseiro em dizer tal coisa, estas pessoas secretamente sustentam a opinião de que o que outros oferecem são interpretações, mas o que eles próprios oferecem é apenas o que a Bíblia diz.
Carl F. H. Henry amava dizer que há dois tipos de pressuposicionalistas: aqueles que admitem uma pressuposição e os que não admitem. Nós podemos adaptar esta análise ao nosso tópico: há dois tipos de praticantes da hermenêutica: aqueles que a admitem (que praticam a hermenêutica) e aqueles que não admitem. Pois a verdade da questão é que todas às vezes que descobrimos alguma coisa na Bíblia (quer isto esteja lá ou não!) estamos interpretando a Bíblia. Há boas interpretações e há más interpretações; há interpretações fieis e há interpretações infiéis. Mas não há como fugir da interpretação.
Aqui não é o lugar para se apresentar os princípios fundamentais ou para lidar com a “nova hermenêutica” (que agora já está se tornando velha) e com a “hermenêutica radical” e a “hermenêutica pós-moderna”. Para obter mais informações e uma bibliografia sobre os tópicos, especialmente suas relações com o pós-modernismo e como ter uma resposta para tais veja meu livro: “A Mordaça de Deus: o Cristianismo Confronta o Pluralismo”, especialmente capítulos 2 e 3 ("The Gagging of God - Christianity Confronts Pluralism" Grand Rapids, Zordervan, 1996). Eu enfocarei, pelo contrário, em um “simples” problema; um problema com o qual todo leitor sério da Bíblia confronta-se ocasionalmente. A questão é esta: quais partes da Bíblia são mandamentos obrigatórios para nós, e quais partes não são?
Considere alguns exemplos: “Saúdem uns aos outros com ósculos santos”. Os franceses o fazem, e também os crentes árabes, mas longe de nós termos tal prática. Somos, portanto, não-bíblicos? Jesus diz aos seus discípulos que eles deveriam lavar os pés uns dos outros (João 13:14), mesmo assim a maioria de nós nunca teve tal prática. Por que “desobedecemos” uma injunção tão plena, mas mesmo assim obedecemos a sua injunção com relação à Ceia do Senhor (“Fazei isto, em memória de mim”)? Se descobrirmos razões suficientes para sermos flexíveis sobre o “ósculo santo”, quão flexível devemos ser quanto a outras áreas? Podemos substituir o pão e o vinho da Ceia do Senhor por batata e leite de cabra, se estivermos em uma igreja de um vilarejo na Nova Papua Guiné? Se não, por que não? E o que dizer de questões mais abrangentes circulando entre teonomistas com relação à continuidade da força legal estabelecida pela aliança mosaica? Devemos como uma nação passar leis para a execução de adúlteros por meio do apedrejamento, sobre a pressuposição de que Deus graciosamente conceda ampla reforma e reavivamento? Se não, por que não? A injunção para que as mulheres permaneçam em silêncio na igreja é absoluta (1 Cor 14:33-36)? Se não, por que não? Jesus diz a Nicodemos que ele deve nascer de novo, se ele quiser entrar no reino. Jesus diz ao jovem rico que este deve vender tudo que tem e dar aos pobres. Por que fazemos absoluto o primeiro mandamento a todas as pessoas, e aparentemente evitamos um pouco o segundo?
Obviamente, eu levantei questões o bastante para escrever uma dissertação ou duas. O que se segue neste artigo não é uma chave exaustiva a fim de responder a todas as questões interpretativas difíceis, mas algumas linhas preliminares a fim de colocar as coisas mais em ordem. A seqüência numérica não foi posta em qualquer ordem de importância.
I. Faça o Possível, Conscientemente, Para Manter o Equilíbrio das Escrituras, e Evitar Sucumbir a Disjunções Históricas e Teológicas.
Os liberais têm nos dado com freqüência disjunções sórdidas: Jesus ou Paulo, a comunidade carismática ou a igreja “católica primitiva”, e assim por diante. Os protestantes às vezes fazem uma distinção entre a fé sem obras de Paulo (Rom 3:28) e a fé com obras de Tiago (Tiago 2:4); outros absolutizam Gal 3:28, como se este fosse a passagem que controla todas as questões relacionadas às mulheres, e passam horas sem fim tentando se livrar de 1 Tim 2:12 (ou o contrário!).
Historicamente, muitos batistas reformados na Inglaterra, entre os meados do século 18 e meados do século 20, enfatizaram tanto a graça soberana de Deus na eleição que eles ficaram desconfortáveis com afirmações gerais do evangelho. Não se deveria dizer aos descrentes para se arrependerem e acreditarem no evangelho: como poderia ser isto, visto que estão mortos em seus pecados e transgressões, e talvez possam de qualquer forma pertencer aos eleitos? Eles deveriam, ao contrário, serem encorajados a examinarem-se para ver se tem dentro de si alguns dos primeiros sinais da obra do Espírito, qualquer convicção de pecado, qualquer comoção pela vergonha. Aparentemente, esta visão está bem longe da Bíblia, mas um grande número de igrejas pensava que esta era a marca de fidelidade. O que deu errado, claro, é que o equilíbrio das Escrituras foi perdido. Um elemento da verdade bíblica foi elevado a uma posição, onde este lhe foi permitido destruir ou domesticar alguns outros elementos da verdade bíblica.
De fato, o “equilíbrio das Escrituras” não é uma coisa fácil de manter, em parte porque há diferentes tipos de equilíbrio na Escrituras. Por exemplo, há o equilíbrio da diversidade de responsabilidades postas sobre nós (e.g. oração, responsabilidade no trabalho, ser pais ou cônjuges biblicamente fieis, evangelizar o vizinho, trazer um órfão ou viúva para debaixo do seu teto e assim por diante): isto significa equilibrar as prioridades dentro dos limites de tempo e energia. Há o equilíbrio das ênfases das Escrituras como estabelecida por observar a relação ao centro da narrativa da Bíblia (mais sobre este assunto no ponto XII abaixo); há também o equilíbrio de verdades, as quais não podemos a esta altura reconciliar no final das contas, mas as quais nós podemos facilmente distorcer, se não ouvirmos cuidadosamente o texto (e.g. Jesus é tanto Deus e homem; Deus é tanto o soberano transcendente e ainda pessoal; somente os eleitos podem ser salvos, e mesmo assim Deus em um certo sentido ama rebeldes horríveis tanto que Jesus chorou por Jerusalém e Deus gritou: “Acaso, tenho eu prazer na morte do perverso? -- diz o SENHOR Deus; “não desejo eu, antes, que ele se converta dos seus caminhos e viva?”). Em cada caso, uma sutil diferença de equilíbrio bíblico entra em ação, mas não há saída para o fato de que se precisa de equilíbrio bíblico.
[Em breve, Deus permitindo, iremos reproduzir nesta seção mais princípios da interpretação de D.A. Carson.]
DEVO APRENDER A COMO INTERPRETAR A BÍBLIA?
(Continuação)
de D. A. Carson
Princípio II
Reconheça Que A Natureza Antitética De Certas Partes Da Bíblia É Um Mecanismo Retórico, Não Um Absoluto. O Contexto Deve Decidir Onde Este É O Caso.
Claro, há antíteses absolutas nas Escrituras que não devemos minimizar de forma alguma. Por exemplo, as disjunções entre as bênçãos e maldições em Deut 27-28 não são mutuamente delimitante: a conduta que invoca as maldições de Deus e a conduta que conquista a sua aprovação se posicionam em campos opostos, e não devem misturar-se ou diluir-se. Mas por outro lado, quando há oito séculos antes de Cristo, Deus diz: “Pois misericórdia quero, e não sacrifício, e o conhecimento de Deus, mais do que holocaustos” (Oseías 6:6), o sistema sacrifical da aliança mosaica não está deste modo sendo destruída. Ao contrário, a antítese do hebraico é uma forma clara de dizer: se o impulso chegar a pressionar, a misericórdia é mais importante do que o sacrifício. O que quer que você faça, você não deve graduar as notas da religião formal; neste caso, holocaustos e outros sacrifícios rituais ordenados, com o reconhecimento fundamental de Deus, ou confundir a dimensão do qual Deus estima a compaixão e a misericórdia com a firmeza com a qual ele exige a observância das formalidades do sistema sacrifical”.
Semelhantemente, quando Jesus insiste que se alguém quer se tornar um discípulo seu, ele deve odiar seus pais (Lc 14:26), não devemos pensar que Jesus está sancionado o ódio aberto dos membros da família. O que está em jogo é que as afirmações de Jesus são mais urgentes e autorizáveis mesmo do que as relações mais preciosas e prezadas, como o paralelo em Mt 10:37 deixa claro.
Algumas vezes a antítese aparente é formada através da comparação de afirmações de duas passagens diferentes. Por um lado, Jesus insiste que a oração de seus seguidores não deveria ser como os balbucios dos pagãos que pensavam eram escutados, por causa das suas muitas palavras (Mt 6:7). Por outro lado, Jesus pôde, em uma outra passagem, contar uma parábola com a lição clara de que seus discípulos deveriam orar com perseverança e não desistir (Lc 18:1-8). Mesmo assim, se imaginarmos que o conflito formal entre as duas injunções é mais do que superficial, nós traímos não só nossa ignorância do estilo de pregação de Jesus, mas também nossa insensibilidade às exigências pastorais. A primeira injunção é vital contra aqueles que pensam que podem persuadir com um jeitinho as coisas de Deus através de orações intermináveis. A segunda injunção é vital contra aqueles cujo compromisso espiritual é tão superficial que suas orações resmungadas de uma só frase é toda a sua vida de oração.
[Em breve, Deus permitindo, iremos reproduzir nesta seção mais princípios da interpretação de D.A. Carson.]
DEVO APRENDER A COMO INTERPRETAR A BÍBLIA?
(Continuação)
de D. A. Carson
Princípio III
Seja Cuidadoso Ao Ser Absoluto Naquilo Que Foi Dito Ou Ordenado Apenas Uma Vez
A razão não é que Deus tem que dizer as coisas mais de uma vez para que elas sejam verdadeiras ou autorizadoras. A razão, pelo contrário, é que se algo só for dito apenas uma vez, este se torna mais fácil de ser mal-entendido ou mal-aplicado. Quando algo é repetido em várias ocasiões em contextos ligeiramente diferentes, os leitores desfrutarão de um domínio melhor do que se quer dizer e do que está em jogo.
É por isto que a famosa passagem do “batismo pelos mortos” (1 Co 15:29) não é desenvolvida extensivamente e não causou um impacto enorme, digamos, na Confissão de Heidelberg ou na Confissão de Westminster. Mais de quarenta interpretações da passagem já foram oferecidas na história da igreja. Os mórmons estão bem certos o que a passagem significa, claro, mas a razão por que eles têm tanta certeza é porque eles as lêem dentro do contexto de outros livros que eles alegam que sejam inspirados e autoritários.
Este princípio também salienta uma das razoes porque a maioria dos cristãos não vêm a ordem de Cristo para lavar os pés uns dos outros como um terceiro sacramento ou ordenança. O batismo e a ceia do Senhor são certamente discutidos em mais de uma única vez, e há ampla evidência de que a igreja primitiva observou ambas as práticas, mas não se pode dizer as mesmas coisas sobre o lava-pé. Mas há mais para se falar.
[Em breve, Deus permitindo, iremos reproduzir nesta seção mais princípios da interpretação de D.A. Carson.]
DEVO APRENDER A COMO INTERPRETAR A BÍBLIA?
(Continuação)
de D. A. Carson
Princípio IV
Examine Cuidadosamente a Explicação Bíblica Para Qualquer Afirmação ou Mandamento
O propósito deste conselho não é sugerir que se você não puder discernir a explicação você deva desdenhar o dado mandamento. É insistir que Deus nem é arbitrário, nem caprichoso, e na maioria das vezes ele provê razões e estrutura de pensamento por trás das verdades que ele revela e mandamentos que faz. Tentar desvendar esta explicação pode ser um auxílio na compreensão da essência daquilo que Deus está dizendo e qual a expressão cultural apropriada do que ele está dizendo.
Antes de eu dar alguns exemplos, é importante reconhecer que toda a Escritura está atrelada à cultura. De início, a Escritura foi dada em linguagem humana (Hebraico, Aramaico e Grego), e línguas são fenômenos culturais. Nem se deve pensar que as palavras que Deus fala são, digamos, como em Grego genérico. Pelo contrário, aquelas palavras pertenciam ao Grego do período helenista; não é Grego homérico, ou atiço, ou moderno. De fato, este Grego muda um tanto de escritor para escritor: Paulo nem sempre usa as palavras da mesma forma como Mateus as usa. Nada disto deve nos causar espanto. É parte da glória do nosso grande Deus que ele tenha se acomodado à fala humana, algo que é atrelado ao tempo e, portanto, mutável. Apesar de alguns filósofos pós-modernos, estas observações não prejudicam a capacidade de Deus em comunicar verdades. Isto significa que seres humanos finitos nunca saberão a verdade exaustivamente, isto exigiria onisciência; mas não há razão por que não possamos conhecer algumas verdades de verdade. Entretanto, toda verdade como Deus a revela para nós em palavras vem vestida em formas culturais. Uma interpretação cuidadosa e temente não significa retirar tais formas para descobrir a verdade absoluta por baixo, pois isto não é possível. Nós nunca podemos escapar a nossa finitude. Isto significa compreender aquelas formas culturais, e pela graça de Deus descobrir as verdades que Deus revelou através delas.
Então, quando Deus ordena as pessoas rasgarem suas vestes e colocarem pano de saco e cinzas, são estas ações a própria essência do arrependimento de modo que não há verdadeiro arrependimento sem elas? Quando Paulo nos diz para saudar uns aos outros com ósculos santos, ele quer dizer que não há saudação cristã verdadeira sem tal beijo?
Quando examinamos a explicação de tais práticas, e perguntamos se cinzas e ósculos são ou não integradamente relacionados à revelação de Deus, nós conseguimos ver além. Não existe uma teologia do beijo; existe a teologia do amor mútuo e a comunhão comprometida entre os membros da igreja. Não existe uma teologia do pano de saco e cinzas; existe teologia do arrependimento que exige tanto uma tristeza radical, como uma profunda mudança.
Se este raciocínio estiver correto, ele vai se aplicar tanto sobre a prática do lava-pés e do uso do véu. Além do fato que o lava-pés aparece apenas uma única vez no Novo Testamento como algo ordenado pelo Senhor, o ato em si está teologicamente preso, em João 13, a urgente necessidade de humildade entre o povo de Deus, e à cruz. Semelhantemente, não existe uma teologia do véu, mas há uma teologia profunda e recorrente daquilo do qual o véu foi uma expressão do Corinto do primeiro século: a devida relação entre homens e mulheres, entre maridos e esposas.
DEVO APRENDER A COMO INTERPRETAR A BÍBLIA?
(Continuação)
de D. A. Carson
Princípio V
Observe Como A Universalidade Formal Dos Provérbios E Ditos Proverbiais Raramente São Uma Universalidade Absoluta
Compare estes dois ditos de Jesus: (a) “Quem não é comigo é contra mim; e quem comigo não ajunta espalha” (Mt 12:30). (b) “... Porque quem não é contra nós é por nós” (Mc 9:40; cf. Lc 9:50). Como com freqüência tem-se notado, estes ditos não se contradizem, se o primeiro foi expresso a pessoas indiferentes contra si próprias, e o segundo aos discípulos sobre outros, cujo zelo ultrapassa seus conhecimentos. Mas as duas afirmações são com certeza difíceis de conciliar, se cada um forem tomados absolutamente, sem pensar em tais questões.
Ou considere dois provérbios adjacentes em Provérbios 26: (a) “Não respondas ao tolo segundo a sua estultícia...” (26:4). (b) “Responde ao tolo segundo a sua estultícia…” (26:5). Se estes dois versículos são estatutos ou exemplos de leis casuísticas, há uma inevitável contradição. Por outro lado, a segunda linha de cada provérbio dá explicação suficiente de modo que enxergamos o que deveríamos ter visto: provérbios não são estatutos. Eles são sabedoria destiladas, freqüentemente escritas de forma pungente e aforística, que exige reflexão, ou que descreve efeitos na sociedade como um todo (mas não necessariamente em cada individuo), ou que exigem consideração de exatamente como e quando tal sabedoria é aplicada.
Escrevamos por inteiro estes dois provérbios de novo, mas desta vez com a segunda linha inclusa em cada caso: (a) “Não respondas ao tolo segundo a sua estultícia, para que também te não faças semelhante a ele”. (b) “Responde ao tolo segundo a sua estultícia, para que não seja sábio aos seus olhos”. Os versículos lado a lado como estão, estes dois provérbios exigirão reflexão sobre quando é a vez da prudência para refrear-se de responder aos tolos, a menos que sejamos arrastados para o nível deles, e quando é a vez da sabedoria oferecer réplica afiada, “tola” que tem o efeito alfinetar as pretensões do tolo. O texto não esmiúça isto explicitamente, mas se as explicações destes dois casos forem lembrados, nós teremos um princípio sólido de discriminação.
Então, quando uma bem conhecida organização eclesiástica ficar repetindo “Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho, não se desviará dele”, como se fosse uma lei casuística, o que devemos pensar? Esta afirmação proverbial não deve ser roubada de sua força: um incentivo poderoso a uma educação infantil responsável, temente a Deus. Contudo, este versículo é um provérbio, e não uma promessa de uma aliança. Nem tão pouco o versículo especifica a que ponto a criança vai entrar na linha. É claro, muitas crianças, que cresceram em lares cristãos se desviam, porque os seus pais foram realmente tolos, ou não-bíblicos, ou completamente pecaminosos. Mas, muitos de nós já testemunhamos os fardos de culpa desnecessária e vergonha que pais realmente piedosos carregaram, quando seus filhos adultos, digamos já aos 40, e claramente não se converteram. Aplicar o provérbio de tal forma como se fosse para causar ou reforçar tal culpa não é somente pastoralmente incompetência, é hermeneuticamente incompetência. É fazer as Escrituras dizerem algo um pouco diferente do que seguramente pode ser inferido. Aforismos e provérbios dão percepção de como uma cultura sob Deus funciona, como relacionamentos funcionam, quais devem ser as prioridades. Eles não dão todas as exceções individuais em notas de rodapé e sob quais circunstâncias devem ser aplicados, e assim por diante.
DEVO APRENDER A COMO INTERPRETAR A BÍBLIA?
(Continuação)
de D. A. Carson
Princípio VI
A Aplicação de Alguns Temas e Assuntos Devem Ser Tratados Com Cuidado Especial, Não Apenas Por Causa Da Sua Intrínseca Complexidade, Mas Também Por Causa de Mudanças Essenciais Nas Estruturas Sociais Entre Os Tempos Bíblicos e Nossa Própria Era.
“Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas. De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação” (Rm 13:1-2). Alguns cristãos têm racionado a partir desta passagem que sempre devemos nos submeter às autoridades governantes, exceto em casos de consciência diante de Deus (At 4:19). Mesmo assim, nos “submetemos” às autoridades por pacientemente suportarmos as sanções que elas impõem sobre nós neste mundo decaído. Outros cristãos têm raciocinado a partir passagem que já que Paulo continua e diz que o propósito dos governantes é manter a justiça (Rm 13:3-4), então, se os governantes não estão mantendo a justiça, chegou a hora de quando as pessoas justas devem opor-se a elas, e até mesmo se necessário, destituí-las. Estas questões são extremamente complexas, e foram analisadas com um grau de detalhe pelos reformadores.
Mas há, claro, um novo detalhe acrescido à complexidade do debate, é quando a pessoa sai de um regime totalitário, ou de uma oligarquia, ou de uma visão de governo atrelada a uma monarquia herdada, para alguma forma de democracia. Isto não para elevar a democracia a uma altura que ela não deva ocupar. Diga-se, ao contrário, que em teoria pelo menos uma democracia lhe permite “destituir” um governo sem a violência ou matança. E se as causas da justiça não puderem atingir tal alvo, é porque o país como um todo caiu num miasma em que falta a vontade, a coragem, e visão para quem está ao poder fazer, mas escolhe não fazê-lo, por qualquer que sejam as razões. Quais, precisamente, são as responsabilidades do cristão neste caso, qualquer que seja o ponto de vista do significado de Rm 13 em seu próprio contexto?
Em outras palavras, novas estruturas sociais além de qualquer coisa que Paulo pudesse ter imaginado, embora não se possa voltar atrás do que ele falou, pode nos forçar a ver quais são as aplicações válidas, bem ponderadas, que exige que nós incluamos algumas considerações que ele não podia ter previsto. É um grande conforto, e epistemologicamente importante, lembrar que Deus já previu tais situações. Mas isto em si não reduz as responsabilidades hermenêuticas que temos.
DEVO APRENDER A COMO INTERPRETAR A BÍBLIA?
(Continuação)
de D. A. Carson
Princípio VII
Determine Não Somente Como Os Símbolos, Costumes, Metáforas E Moldes Funcionam Nas Escrituras, Mas Também A Que Mais Eles Estão Atrelados.
Concordamos com as conclusões já alcançadas sobre pano de saco e cinzas, e sobre ósculo santo. Mas é, então, aceitável levar um grupo de jovens em uma igreja na Califórnia a celebrar a ceia do Senhor usando coca-cola e salgadinho? E quanto a batata e leite de cabra na Nova Papua Guiné? Se no último caso nós usamos pão e vinho, não estamos sutilmente insistindo que apenas a comida de estrangeiros brancos é aceitável a Deus?
O problema não diz respeito apenas às condições de membros da igreja, mas também de teoria lingüística. Tradutores da Bíblia continuamente enfrentam tais situações. Como deveremos traduzir “pão” e “vinho” nas palavras da realização (da ceia)? Ou considere um texto como Is 1:18: “ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a lã”. Suponha que o grupo alvo para ao qual você está traduzindo a Bíblia viva na região chuvosa equatorial e nunca viram a neve: seria melhor mudar a símile? Suponha que a única “lã” que eles já viram é aquele tecido sujo acinzentado extraído de cabras? Não seria possível que uma tradução “fiel” talvez fosse enganosa, enquanto que mesmo assim estivesse sendo uma tradução culturalmente sensível que é, contudo, mais distante do original no processo em comunicar o ponto que Deus estava falando de Isaías?
Tem muito que pode ser dito a favor deste tipo de flexibilidade. Certamente no caso da “neve”, não é muito que está em jogo. Talvez você queira verificar as outras sete ocorrências bíblicas de “alvo como a neve”, a fim de certificar-se de que você não está inadvertidamente entrando em um conflito estranho ou algo assim. Mas no caso do pão e vinho na Ceia do Senhor, a situação é mais complicada. Isto é porque os elementos da ceia estão ligados com outras ramificações da Bíblia, e é quase impossível os separar delas. Fazer a mudança de “pão”, digamos, em “batata”, a fim de evitar qualquer imperialismo cultural; o que faremos então com as conexões entre a Ceia do Senhor e a Páscoa, onde apenas “pão ázimo” deveria ser comido: podemos então falar de “batata ázima”?! E quanto a conexão entre o pão e o maná, e depois a conexão feita mais tarde entre pão/maná e Jesus (João 6)? Jesus agora se torna então em a batata de Deus (digo isto com reverência)? E eu ainda nem comecei a esgotar as complicações conectadas com este texto.
Então, o que começou como um esforço de caridade em uma comunicação intercultural está levando em direção a problemas maiores interpretativos um pouco mais além. Além do mais, as traduções da Bíblia têm uma vida na estante muito mais longa do que os tradutores do original geralmente pensam. Cinqüenta anos mais tarde, uma vez que a tribo se tornou um pouco mais familiarizada com culturas além de suas florestas, e parece melhor, em uma revisão, retornar a um grau maior de literalismo, depois, tente-se mudar “batata” em “pão” e veja que tipo de briga eclesiástica irá estourar.
Todos estes tipos de problemas estão atrelados ao fato de que Deus não nos deu uma revelação culturalmente neutra. O que ele revelou em palavras está necessariamente ligado a lugares e culturas. Todas as outras culturas terão que fazer algum tipo de trabalho em entender o que Deus quis dizer quando ele falou certas coisas em uma certa língua, em uma época especifica e num lugar e num idioma em mutação. No caso de certas expressões, um idioma análogo poderá ser o melhor meio de traduzir alguma expressão. Em outras expressões, especialmente aquelas que estejam profundamente ligadas a outros elementos na cronologia da Bíblia, seria melhor traduzir as palavras mais literalmente, e então talvez, incluir uma nota de roda-pé. Neste caso, por exemplo, seria mais sábio dizer que “pão” era o alimento básico das pessoas naquela época, assim como é a batata para nós. Uma ligeira nota de roda-pé teria que ser incluída quando fermento ou levedura fossem introduzidos.
Não há quase nada que possa ser dito em favor dos jovens da Califórnia que usaram salgadinhos e coca-cola como os elementos da Ceia. (Temo que este não seja um exemplo fictício). Ao contrário das pessoas da floresta amazônica, eles nem sequer têm ao seu favor que eles já tenham ouvido falar de pão. Nem pode se dizer que salgadinhos e coca-cola seja parte da dieta básica deles, embora talvez alguns estejam indo nesta direção. O que isto representa é o capricho daquilo que é novidade, o amor do iconoclástico, a espiritualidade do belo, sem nenhuma conexão nem com a Ceia do Senhor, ou com dois mil anos de história da igreja.
DEVO APRENDER A COMO INTERPRETAR A BÍBLIA?
(Continuação)
de D. A. Carson
Princípio VIII
Tome cuidado com comparações e analogias, considerando sempre o contexto imediato e remoto.
“Jesus Cristo é o mesmo ontem, e hoje, e eternamente.” (Heb 13:8). Uma vez que ele nunca recusou curar ninguém que se lhe aproximava durante os seus dias na carne, e uma vez que ele é o mesmo ontem e hoje e eternamente, portanto, ele curará a todos que se lhe aproximam para serem curados hoje. Já me apresentaram este argumento mais de uma vez. Mas com a mesma moeda, claro, Heb 13:8 poderia ser usado para provar que uma vez que ele foi mortal diante de uma cruz, ele ainda deve ser mortal hoje; ou uma vez que ele foi crucificado pelos romanos, e ele é o mesmo ontem e hoje e eternamente, ele ainda está sendo crucificado pelos romanos hoje.
A verdade da questão é que comparações e analogias são sempre autolimitadas em um aspecto ou outro. Do contrário, você não estaria lidando com comparações e analogias, mas com duas ou mais coisas que são idênticas. O que torna uma comparação ou analogia possível é que duas coisas diferentes são semelhantes em certos aspectos. É sempre crucial descobrir os planos nos quais os paralelos operaram; algo que é freqüentemente esclarecido pelo contexto, e assim recusar generalizações a mais.
Um discípulo é para ser como seu mestre; nós devemos imitar Paulo, assim como Paulo imita Cristo. Em que aspectos? Devemos andar sobre as águas? Devemos limpar o local do templo com um chicote? Devemos infalivelmente curar aqueles que estão enfermos e aqueles que nos pedirem ajuda? Devemos miraculosamente prover comida para milhares de pessoas, tiradas de um lanche de um garotinho? Devemos ser crucificados? Tais questões não podem ser respondidas com um simples “sim” ou “não”. É digno de observação que a maioria das injunções nos evangelhos para seguir Jesus ou fazer o que ele faz estão ligadas a sua auto-abnegação, por exemplo: assim como ele foi odiado, assim nós devemos esperar sermos odiados (João 15:18); assim como ele tomou o lugar de um servo e lavou os pés dos discípulos, assim devemos lavar os pés uns dos outros (João 13); assim como ele foi à cruz, assim devemos tomar nossas cruzes e segui-lo (Mat 10:38; 16:24; Luc 14:27). Deste modo a resposta a pergunta: “Devemos ser crucificados?” é certamente um “sim” e “não”. Não, não literalmente, a maioria de nós terá que dizer, e ainda tal resposta não autoriza uma completa fuga da exigência de tomar nossa cruz e segui-lo. Então, neste caso a resposta é “sim”, mas não literalmente.
de D. A. Carson
O Dr. D. A. Carson ensina Novo Testamento na Trinity Evangelical Divinity School e tem mais de vinte livros do seu próprio punho, entre as quais em português temos: "Comentário do Evangelho de João" da Shedd Publicações e "Os Perigos da Interpretação Bíblica" e "Introdução ao Novo Testamento" (co-editado com Douglas Moo e Leon Morris), ambos da Editora Vida Nova.
-----------
A hermenêutica é a arte e ciência da interpretação; a hermenêutica bíblica é a arte e ciência da interpretação da Bíblia. Na época da Reforma, debates sobre interpretação ocuparam um papel enormemente importante. Estes foram debates sobre “interpretação”, não apenas sobre “interpretações”. Em outras palavras, os reformadores discordavam de seus oponentes não apenas sobre o que esta ou aquela passagem significava, mas também sobre a natureza da interpretação, o lugar da autoridade na interpretação, o papel da igreja, do Espírito na interpretação, e muito mais.
Ao longo da metade do século passado, tantos desenvolvimentos aconteceram no campo da hermenêutica que este seria um artigo longíssimo, mesmo que fosse apenas um esboço superficial. É triste dizer que hoje em dia muitos estudiosos estejam mais interessados nos desafios da hermenêutica, do que na interpretação da Bíblia; é a própria Bíblia que a hermenêutica nos deveria ajudar a tratar com mais responsabilidade. Por outro lado, um tanto ironicamente, ainda há pessoas que pensam que há algo levemente vulgar sobre interpretação. Sem ser muito grosseiro em dizer tal coisa, estas pessoas secretamente sustentam a opinião de que o que outros oferecem são interpretações, mas o que eles próprios oferecem é apenas o que a Bíblia diz.
Carl F. H. Henry amava dizer que há dois tipos de pressuposicionalistas: aqueles que admitem uma pressuposição e os que não admitem. Nós podemos adaptar esta análise ao nosso tópico: há dois tipos de praticantes da hermenêutica: aqueles que a admitem (que praticam a hermenêutica) e aqueles que não admitem. Pois a verdade da questão é que todas às vezes que descobrimos alguma coisa na Bíblia (quer isto esteja lá ou não!) estamos interpretando a Bíblia. Há boas interpretações e há más interpretações; há interpretações fieis e há interpretações infiéis. Mas não há como fugir da interpretação.
Aqui não é o lugar para se apresentar os princípios fundamentais ou para lidar com a “nova hermenêutica” (que agora já está se tornando velha) e com a “hermenêutica radical” e a “hermenêutica pós-moderna”. Para obter mais informações e uma bibliografia sobre os tópicos, especialmente suas relações com o pós-modernismo e como ter uma resposta para tais veja meu livro: “A Mordaça de Deus: o Cristianismo Confronta o Pluralismo”, especialmente capítulos 2 e 3 ("The Gagging of God - Christianity Confronts Pluralism" Grand Rapids, Zordervan, 1996). Eu enfocarei, pelo contrário, em um “simples” problema; um problema com o qual todo leitor sério da Bíblia confronta-se ocasionalmente. A questão é esta: quais partes da Bíblia são mandamentos obrigatórios para nós, e quais partes não são?
Considere alguns exemplos: “Saúdem uns aos outros com ósculos santos”. Os franceses o fazem, e também os crentes árabes, mas longe de nós termos tal prática. Somos, portanto, não-bíblicos? Jesus diz aos seus discípulos que eles deveriam lavar os pés uns dos outros (João 13:14), mesmo assim a maioria de nós nunca teve tal prática. Por que “desobedecemos” uma injunção tão plena, mas mesmo assim obedecemos a sua injunção com relação à Ceia do Senhor (“Fazei isto, em memória de mim”)? Se descobrirmos razões suficientes para sermos flexíveis sobre o “ósculo santo”, quão flexível devemos ser quanto a outras áreas? Podemos substituir o pão e o vinho da Ceia do Senhor por batata e leite de cabra, se estivermos em uma igreja de um vilarejo na Nova Papua Guiné? Se não, por que não? E o que dizer de questões mais abrangentes circulando entre teonomistas com relação à continuidade da força legal estabelecida pela aliança mosaica? Devemos como uma nação passar leis para a execução de adúlteros por meio do apedrejamento, sobre a pressuposição de que Deus graciosamente conceda ampla reforma e reavivamento? Se não, por que não? A injunção para que as mulheres permaneçam em silêncio na igreja é absoluta (1 Cor 14:33-36)? Se não, por que não? Jesus diz a Nicodemos que ele deve nascer de novo, se ele quiser entrar no reino. Jesus diz ao jovem rico que este deve vender tudo que tem e dar aos pobres. Por que fazemos absoluto o primeiro mandamento a todas as pessoas, e aparentemente evitamos um pouco o segundo?
Obviamente, eu levantei questões o bastante para escrever uma dissertação ou duas. O que se segue neste artigo não é uma chave exaustiva a fim de responder a todas as questões interpretativas difíceis, mas algumas linhas preliminares a fim de colocar as coisas mais em ordem. A seqüência numérica não foi posta em qualquer ordem de importância.
I. Faça o Possível, Conscientemente, Para Manter o Equilíbrio das Escrituras, e Evitar Sucumbir a Disjunções Históricas e Teológicas.
Os liberais têm nos dado com freqüência disjunções sórdidas: Jesus ou Paulo, a comunidade carismática ou a igreja “católica primitiva”, e assim por diante. Os protestantes às vezes fazem uma distinção entre a fé sem obras de Paulo (Rom 3:28) e a fé com obras de Tiago (Tiago 2:4); outros absolutizam Gal 3:28, como se este fosse a passagem que controla todas as questões relacionadas às mulheres, e passam horas sem fim tentando se livrar de 1 Tim 2:12 (ou o contrário!).
Historicamente, muitos batistas reformados na Inglaterra, entre os meados do século 18 e meados do século 20, enfatizaram tanto a graça soberana de Deus na eleição que eles ficaram desconfortáveis com afirmações gerais do evangelho. Não se deveria dizer aos descrentes para se arrependerem e acreditarem no evangelho: como poderia ser isto, visto que estão mortos em seus pecados e transgressões, e talvez possam de qualquer forma pertencer aos eleitos? Eles deveriam, ao contrário, serem encorajados a examinarem-se para ver se tem dentro de si alguns dos primeiros sinais da obra do Espírito, qualquer convicção de pecado, qualquer comoção pela vergonha. Aparentemente, esta visão está bem longe da Bíblia, mas um grande número de igrejas pensava que esta era a marca de fidelidade. O que deu errado, claro, é que o equilíbrio das Escrituras foi perdido. Um elemento da verdade bíblica foi elevado a uma posição, onde este lhe foi permitido destruir ou domesticar alguns outros elementos da verdade bíblica.
De fato, o “equilíbrio das Escrituras” não é uma coisa fácil de manter, em parte porque há diferentes tipos de equilíbrio na Escrituras. Por exemplo, há o equilíbrio da diversidade de responsabilidades postas sobre nós (e.g. oração, responsabilidade no trabalho, ser pais ou cônjuges biblicamente fieis, evangelizar o vizinho, trazer um órfão ou viúva para debaixo do seu teto e assim por diante): isto significa equilibrar as prioridades dentro dos limites de tempo e energia. Há o equilíbrio das ênfases das Escrituras como estabelecida por observar a relação ao centro da narrativa da Bíblia (mais sobre este assunto no ponto XII abaixo); há também o equilíbrio de verdades, as quais não podemos a esta altura reconciliar no final das contas, mas as quais nós podemos facilmente distorcer, se não ouvirmos cuidadosamente o texto (e.g. Jesus é tanto Deus e homem; Deus é tanto o soberano transcendente e ainda pessoal; somente os eleitos podem ser salvos, e mesmo assim Deus em um certo sentido ama rebeldes horríveis tanto que Jesus chorou por Jerusalém e Deus gritou: “Acaso, tenho eu prazer na morte do perverso? -- diz o SENHOR Deus; “não desejo eu, antes, que ele se converta dos seus caminhos e viva?”). Em cada caso, uma sutil diferença de equilíbrio bíblico entra em ação, mas não há saída para o fato de que se precisa de equilíbrio bíblico.
[Em breve, Deus permitindo, iremos reproduzir nesta seção mais princípios da interpretação de D.A. Carson.]
DEVO APRENDER A COMO INTERPRETAR A BÍBLIA?
(Continuação)
de D. A. Carson
Princípio II
Reconheça Que A Natureza Antitética De Certas Partes Da Bíblia É Um Mecanismo Retórico, Não Um Absoluto. O Contexto Deve Decidir Onde Este É O Caso.
Claro, há antíteses absolutas nas Escrituras que não devemos minimizar de forma alguma. Por exemplo, as disjunções entre as bênçãos e maldições em Deut 27-28 não são mutuamente delimitante: a conduta que invoca as maldições de Deus e a conduta que conquista a sua aprovação se posicionam em campos opostos, e não devem misturar-se ou diluir-se. Mas por outro lado, quando há oito séculos antes de Cristo, Deus diz: “Pois misericórdia quero, e não sacrifício, e o conhecimento de Deus, mais do que holocaustos” (Oseías 6:6), o sistema sacrifical da aliança mosaica não está deste modo sendo destruída. Ao contrário, a antítese do hebraico é uma forma clara de dizer: se o impulso chegar a pressionar, a misericórdia é mais importante do que o sacrifício. O que quer que você faça, você não deve graduar as notas da religião formal; neste caso, holocaustos e outros sacrifícios rituais ordenados, com o reconhecimento fundamental de Deus, ou confundir a dimensão do qual Deus estima a compaixão e a misericórdia com a firmeza com a qual ele exige a observância das formalidades do sistema sacrifical”.
Semelhantemente, quando Jesus insiste que se alguém quer se tornar um discípulo seu, ele deve odiar seus pais (Lc 14:26), não devemos pensar que Jesus está sancionado o ódio aberto dos membros da família. O que está em jogo é que as afirmações de Jesus são mais urgentes e autorizáveis mesmo do que as relações mais preciosas e prezadas, como o paralelo em Mt 10:37 deixa claro.
Algumas vezes a antítese aparente é formada através da comparação de afirmações de duas passagens diferentes. Por um lado, Jesus insiste que a oração de seus seguidores não deveria ser como os balbucios dos pagãos que pensavam eram escutados, por causa das suas muitas palavras (Mt 6:7). Por outro lado, Jesus pôde, em uma outra passagem, contar uma parábola com a lição clara de que seus discípulos deveriam orar com perseverança e não desistir (Lc 18:1-8). Mesmo assim, se imaginarmos que o conflito formal entre as duas injunções é mais do que superficial, nós traímos não só nossa ignorância do estilo de pregação de Jesus, mas também nossa insensibilidade às exigências pastorais. A primeira injunção é vital contra aqueles que pensam que podem persuadir com um jeitinho as coisas de Deus através de orações intermináveis. A segunda injunção é vital contra aqueles cujo compromisso espiritual é tão superficial que suas orações resmungadas de uma só frase é toda a sua vida de oração.
[Em breve, Deus permitindo, iremos reproduzir nesta seção mais princípios da interpretação de D.A. Carson.]
DEVO APRENDER A COMO INTERPRETAR A BÍBLIA?
(Continuação)
de D. A. Carson
Princípio III
Seja Cuidadoso Ao Ser Absoluto Naquilo Que Foi Dito Ou Ordenado Apenas Uma Vez
A razão não é que Deus tem que dizer as coisas mais de uma vez para que elas sejam verdadeiras ou autorizadoras. A razão, pelo contrário, é que se algo só for dito apenas uma vez, este se torna mais fácil de ser mal-entendido ou mal-aplicado. Quando algo é repetido em várias ocasiões em contextos ligeiramente diferentes, os leitores desfrutarão de um domínio melhor do que se quer dizer e do que está em jogo.
É por isto que a famosa passagem do “batismo pelos mortos” (1 Co 15:29) não é desenvolvida extensivamente e não causou um impacto enorme, digamos, na Confissão de Heidelberg ou na Confissão de Westminster. Mais de quarenta interpretações da passagem já foram oferecidas na história da igreja. Os mórmons estão bem certos o que a passagem significa, claro, mas a razão por que eles têm tanta certeza é porque eles as lêem dentro do contexto de outros livros que eles alegam que sejam inspirados e autoritários.
Este princípio também salienta uma das razoes porque a maioria dos cristãos não vêm a ordem de Cristo para lavar os pés uns dos outros como um terceiro sacramento ou ordenança. O batismo e a ceia do Senhor são certamente discutidos em mais de uma única vez, e há ampla evidência de que a igreja primitiva observou ambas as práticas, mas não se pode dizer as mesmas coisas sobre o lava-pé. Mas há mais para se falar.
[Em breve, Deus permitindo, iremos reproduzir nesta seção mais princípios da interpretação de D.A. Carson.]
DEVO APRENDER A COMO INTERPRETAR A BÍBLIA?
(Continuação)
de D. A. Carson
Princípio IV
Examine Cuidadosamente a Explicação Bíblica Para Qualquer Afirmação ou Mandamento
O propósito deste conselho não é sugerir que se você não puder discernir a explicação você deva desdenhar o dado mandamento. É insistir que Deus nem é arbitrário, nem caprichoso, e na maioria das vezes ele provê razões e estrutura de pensamento por trás das verdades que ele revela e mandamentos que faz. Tentar desvendar esta explicação pode ser um auxílio na compreensão da essência daquilo que Deus está dizendo e qual a expressão cultural apropriada do que ele está dizendo.
Antes de eu dar alguns exemplos, é importante reconhecer que toda a Escritura está atrelada à cultura. De início, a Escritura foi dada em linguagem humana (Hebraico, Aramaico e Grego), e línguas são fenômenos culturais. Nem se deve pensar que as palavras que Deus fala são, digamos, como em Grego genérico. Pelo contrário, aquelas palavras pertenciam ao Grego do período helenista; não é Grego homérico, ou atiço, ou moderno. De fato, este Grego muda um tanto de escritor para escritor: Paulo nem sempre usa as palavras da mesma forma como Mateus as usa. Nada disto deve nos causar espanto. É parte da glória do nosso grande Deus que ele tenha se acomodado à fala humana, algo que é atrelado ao tempo e, portanto, mutável. Apesar de alguns filósofos pós-modernos, estas observações não prejudicam a capacidade de Deus em comunicar verdades. Isto significa que seres humanos finitos nunca saberão a verdade exaustivamente, isto exigiria onisciência; mas não há razão por que não possamos conhecer algumas verdades de verdade. Entretanto, toda verdade como Deus a revela para nós em palavras vem vestida em formas culturais. Uma interpretação cuidadosa e temente não significa retirar tais formas para descobrir a verdade absoluta por baixo, pois isto não é possível. Nós nunca podemos escapar a nossa finitude. Isto significa compreender aquelas formas culturais, e pela graça de Deus descobrir as verdades que Deus revelou através delas.
Então, quando Deus ordena as pessoas rasgarem suas vestes e colocarem pano de saco e cinzas, são estas ações a própria essência do arrependimento de modo que não há verdadeiro arrependimento sem elas? Quando Paulo nos diz para saudar uns aos outros com ósculos santos, ele quer dizer que não há saudação cristã verdadeira sem tal beijo?
Quando examinamos a explicação de tais práticas, e perguntamos se cinzas e ósculos são ou não integradamente relacionados à revelação de Deus, nós conseguimos ver além. Não existe uma teologia do beijo; existe a teologia do amor mútuo e a comunhão comprometida entre os membros da igreja. Não existe uma teologia do pano de saco e cinzas; existe teologia do arrependimento que exige tanto uma tristeza radical, como uma profunda mudança.
Se este raciocínio estiver correto, ele vai se aplicar tanto sobre a prática do lava-pés e do uso do véu. Além do fato que o lava-pés aparece apenas uma única vez no Novo Testamento como algo ordenado pelo Senhor, o ato em si está teologicamente preso, em João 13, a urgente necessidade de humildade entre o povo de Deus, e à cruz. Semelhantemente, não existe uma teologia do véu, mas há uma teologia profunda e recorrente daquilo do qual o véu foi uma expressão do Corinto do primeiro século: a devida relação entre homens e mulheres, entre maridos e esposas.
DEVO APRENDER A COMO INTERPRETAR A BÍBLIA?
(Continuação)
de D. A. Carson
Princípio V
Observe Como A Universalidade Formal Dos Provérbios E Ditos Proverbiais Raramente São Uma Universalidade Absoluta
Compare estes dois ditos de Jesus: (a) “Quem não é comigo é contra mim; e quem comigo não ajunta espalha” (Mt 12:30). (b) “... Porque quem não é contra nós é por nós” (Mc 9:40; cf. Lc 9:50). Como com freqüência tem-se notado, estes ditos não se contradizem, se o primeiro foi expresso a pessoas indiferentes contra si próprias, e o segundo aos discípulos sobre outros, cujo zelo ultrapassa seus conhecimentos. Mas as duas afirmações são com certeza difíceis de conciliar, se cada um forem tomados absolutamente, sem pensar em tais questões.
Ou considere dois provérbios adjacentes em Provérbios 26: (a) “Não respondas ao tolo segundo a sua estultícia...” (26:4). (b) “Responde ao tolo segundo a sua estultícia…” (26:5). Se estes dois versículos são estatutos ou exemplos de leis casuísticas, há uma inevitável contradição. Por outro lado, a segunda linha de cada provérbio dá explicação suficiente de modo que enxergamos o que deveríamos ter visto: provérbios não são estatutos. Eles são sabedoria destiladas, freqüentemente escritas de forma pungente e aforística, que exige reflexão, ou que descreve efeitos na sociedade como um todo (mas não necessariamente em cada individuo), ou que exigem consideração de exatamente como e quando tal sabedoria é aplicada.
Escrevamos por inteiro estes dois provérbios de novo, mas desta vez com a segunda linha inclusa em cada caso: (a) “Não respondas ao tolo segundo a sua estultícia, para que também te não faças semelhante a ele”. (b) “Responde ao tolo segundo a sua estultícia, para que não seja sábio aos seus olhos”. Os versículos lado a lado como estão, estes dois provérbios exigirão reflexão sobre quando é a vez da prudência para refrear-se de responder aos tolos, a menos que sejamos arrastados para o nível deles, e quando é a vez da sabedoria oferecer réplica afiada, “tola” que tem o efeito alfinetar as pretensões do tolo. O texto não esmiúça isto explicitamente, mas se as explicações destes dois casos forem lembrados, nós teremos um princípio sólido de discriminação.
Então, quando uma bem conhecida organização eclesiástica ficar repetindo “Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho, não se desviará dele”, como se fosse uma lei casuística, o que devemos pensar? Esta afirmação proverbial não deve ser roubada de sua força: um incentivo poderoso a uma educação infantil responsável, temente a Deus. Contudo, este versículo é um provérbio, e não uma promessa de uma aliança. Nem tão pouco o versículo especifica a que ponto a criança vai entrar na linha. É claro, muitas crianças, que cresceram em lares cristãos se desviam, porque os seus pais foram realmente tolos, ou não-bíblicos, ou completamente pecaminosos. Mas, muitos de nós já testemunhamos os fardos de culpa desnecessária e vergonha que pais realmente piedosos carregaram, quando seus filhos adultos, digamos já aos 40, e claramente não se converteram. Aplicar o provérbio de tal forma como se fosse para causar ou reforçar tal culpa não é somente pastoralmente incompetência, é hermeneuticamente incompetência. É fazer as Escrituras dizerem algo um pouco diferente do que seguramente pode ser inferido. Aforismos e provérbios dão percepção de como uma cultura sob Deus funciona, como relacionamentos funcionam, quais devem ser as prioridades. Eles não dão todas as exceções individuais em notas de rodapé e sob quais circunstâncias devem ser aplicados, e assim por diante.
DEVO APRENDER A COMO INTERPRETAR A BÍBLIA?
(Continuação)
de D. A. Carson
Princípio VI
A Aplicação de Alguns Temas e Assuntos Devem Ser Tratados Com Cuidado Especial, Não Apenas Por Causa Da Sua Intrínseca Complexidade, Mas Também Por Causa de Mudanças Essenciais Nas Estruturas Sociais Entre Os Tempos Bíblicos e Nossa Própria Era.
“Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas. De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação” (Rm 13:1-2). Alguns cristãos têm racionado a partir desta passagem que sempre devemos nos submeter às autoridades governantes, exceto em casos de consciência diante de Deus (At 4:19). Mesmo assim, nos “submetemos” às autoridades por pacientemente suportarmos as sanções que elas impõem sobre nós neste mundo decaído. Outros cristãos têm raciocinado a partir passagem que já que Paulo continua e diz que o propósito dos governantes é manter a justiça (Rm 13:3-4), então, se os governantes não estão mantendo a justiça, chegou a hora de quando as pessoas justas devem opor-se a elas, e até mesmo se necessário, destituí-las. Estas questões são extremamente complexas, e foram analisadas com um grau de detalhe pelos reformadores.
Mas há, claro, um novo detalhe acrescido à complexidade do debate, é quando a pessoa sai de um regime totalitário, ou de uma oligarquia, ou de uma visão de governo atrelada a uma monarquia herdada, para alguma forma de democracia. Isto não para elevar a democracia a uma altura que ela não deva ocupar. Diga-se, ao contrário, que em teoria pelo menos uma democracia lhe permite “destituir” um governo sem a violência ou matança. E se as causas da justiça não puderem atingir tal alvo, é porque o país como um todo caiu num miasma em que falta a vontade, a coragem, e visão para quem está ao poder fazer, mas escolhe não fazê-lo, por qualquer que sejam as razões. Quais, precisamente, são as responsabilidades do cristão neste caso, qualquer que seja o ponto de vista do significado de Rm 13 em seu próprio contexto?
Em outras palavras, novas estruturas sociais além de qualquer coisa que Paulo pudesse ter imaginado, embora não se possa voltar atrás do que ele falou, pode nos forçar a ver quais são as aplicações válidas, bem ponderadas, que exige que nós incluamos algumas considerações que ele não podia ter previsto. É um grande conforto, e epistemologicamente importante, lembrar que Deus já previu tais situações. Mas isto em si não reduz as responsabilidades hermenêuticas que temos.
DEVO APRENDER A COMO INTERPRETAR A BÍBLIA?
(Continuação)
de D. A. Carson
Princípio VII
Determine Não Somente Como Os Símbolos, Costumes, Metáforas E Moldes Funcionam Nas Escrituras, Mas Também A Que Mais Eles Estão Atrelados.
Concordamos com as conclusões já alcançadas sobre pano de saco e cinzas, e sobre ósculo santo. Mas é, então, aceitável levar um grupo de jovens em uma igreja na Califórnia a celebrar a ceia do Senhor usando coca-cola e salgadinho? E quanto a batata e leite de cabra na Nova Papua Guiné? Se no último caso nós usamos pão e vinho, não estamos sutilmente insistindo que apenas a comida de estrangeiros brancos é aceitável a Deus?
O problema não diz respeito apenas às condições de membros da igreja, mas também de teoria lingüística. Tradutores da Bíblia continuamente enfrentam tais situações. Como deveremos traduzir “pão” e “vinho” nas palavras da realização (da ceia)? Ou considere um texto como Is 1:18: “ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a lã”. Suponha que o grupo alvo para ao qual você está traduzindo a Bíblia viva na região chuvosa equatorial e nunca viram a neve: seria melhor mudar a símile? Suponha que a única “lã” que eles já viram é aquele tecido sujo acinzentado extraído de cabras? Não seria possível que uma tradução “fiel” talvez fosse enganosa, enquanto que mesmo assim estivesse sendo uma tradução culturalmente sensível que é, contudo, mais distante do original no processo em comunicar o ponto que Deus estava falando de Isaías?
Tem muito que pode ser dito a favor deste tipo de flexibilidade. Certamente no caso da “neve”, não é muito que está em jogo. Talvez você queira verificar as outras sete ocorrências bíblicas de “alvo como a neve”, a fim de certificar-se de que você não está inadvertidamente entrando em um conflito estranho ou algo assim. Mas no caso do pão e vinho na Ceia do Senhor, a situação é mais complicada. Isto é porque os elementos da ceia estão ligados com outras ramificações da Bíblia, e é quase impossível os separar delas. Fazer a mudança de “pão”, digamos, em “batata”, a fim de evitar qualquer imperialismo cultural; o que faremos então com as conexões entre a Ceia do Senhor e a Páscoa, onde apenas “pão ázimo” deveria ser comido: podemos então falar de “batata ázima”?! E quanto a conexão entre o pão e o maná, e depois a conexão feita mais tarde entre pão/maná e Jesus (João 6)? Jesus agora se torna então em a batata de Deus (digo isto com reverência)? E eu ainda nem comecei a esgotar as complicações conectadas com este texto.
Então, o que começou como um esforço de caridade em uma comunicação intercultural está levando em direção a problemas maiores interpretativos um pouco mais além. Além do mais, as traduções da Bíblia têm uma vida na estante muito mais longa do que os tradutores do original geralmente pensam. Cinqüenta anos mais tarde, uma vez que a tribo se tornou um pouco mais familiarizada com culturas além de suas florestas, e parece melhor, em uma revisão, retornar a um grau maior de literalismo, depois, tente-se mudar “batata” em “pão” e veja que tipo de briga eclesiástica irá estourar.
Todos estes tipos de problemas estão atrelados ao fato de que Deus não nos deu uma revelação culturalmente neutra. O que ele revelou em palavras está necessariamente ligado a lugares e culturas. Todas as outras culturas terão que fazer algum tipo de trabalho em entender o que Deus quis dizer quando ele falou certas coisas em uma certa língua, em uma época especifica e num lugar e num idioma em mutação. No caso de certas expressões, um idioma análogo poderá ser o melhor meio de traduzir alguma expressão. Em outras expressões, especialmente aquelas que estejam profundamente ligadas a outros elementos na cronologia da Bíblia, seria melhor traduzir as palavras mais literalmente, e então talvez, incluir uma nota de roda-pé. Neste caso, por exemplo, seria mais sábio dizer que “pão” era o alimento básico das pessoas naquela época, assim como é a batata para nós. Uma ligeira nota de roda-pé teria que ser incluída quando fermento ou levedura fossem introduzidos.
Não há quase nada que possa ser dito em favor dos jovens da Califórnia que usaram salgadinhos e coca-cola como os elementos da Ceia. (Temo que este não seja um exemplo fictício). Ao contrário das pessoas da floresta amazônica, eles nem sequer têm ao seu favor que eles já tenham ouvido falar de pão. Nem pode se dizer que salgadinhos e coca-cola seja parte da dieta básica deles, embora talvez alguns estejam indo nesta direção. O que isto representa é o capricho daquilo que é novidade, o amor do iconoclástico, a espiritualidade do belo, sem nenhuma conexão nem com a Ceia do Senhor, ou com dois mil anos de história da igreja.
DEVO APRENDER A COMO INTERPRETAR A BÍBLIA?
(Continuação)
de D. A. Carson
Princípio VIII
Tome cuidado com comparações e analogias, considerando sempre o contexto imediato e remoto.
“Jesus Cristo é o mesmo ontem, e hoje, e eternamente.” (Heb 13:8). Uma vez que ele nunca recusou curar ninguém que se lhe aproximava durante os seus dias na carne, e uma vez que ele é o mesmo ontem e hoje e eternamente, portanto, ele curará a todos que se lhe aproximam para serem curados hoje. Já me apresentaram este argumento mais de uma vez. Mas com a mesma moeda, claro, Heb 13:8 poderia ser usado para provar que uma vez que ele foi mortal diante de uma cruz, ele ainda deve ser mortal hoje; ou uma vez que ele foi crucificado pelos romanos, e ele é o mesmo ontem e hoje e eternamente, ele ainda está sendo crucificado pelos romanos hoje.
A verdade da questão é que comparações e analogias são sempre autolimitadas em um aspecto ou outro. Do contrário, você não estaria lidando com comparações e analogias, mas com duas ou mais coisas que são idênticas. O que torna uma comparação ou analogia possível é que duas coisas diferentes são semelhantes em certos aspectos. É sempre crucial descobrir os planos nos quais os paralelos operaram; algo que é freqüentemente esclarecido pelo contexto, e assim recusar generalizações a mais.
Um discípulo é para ser como seu mestre; nós devemos imitar Paulo, assim como Paulo imita Cristo. Em que aspectos? Devemos andar sobre as águas? Devemos limpar o local do templo com um chicote? Devemos infalivelmente curar aqueles que estão enfermos e aqueles que nos pedirem ajuda? Devemos miraculosamente prover comida para milhares de pessoas, tiradas de um lanche de um garotinho? Devemos ser crucificados? Tais questões não podem ser respondidas com um simples “sim” ou “não”. É digno de observação que a maioria das injunções nos evangelhos para seguir Jesus ou fazer o que ele faz estão ligadas a sua auto-abnegação, por exemplo: assim como ele foi odiado, assim nós devemos esperar sermos odiados (João 15:18); assim como ele tomou o lugar de um servo e lavou os pés dos discípulos, assim devemos lavar os pés uns dos outros (João 13); assim como ele foi à cruz, assim devemos tomar nossas cruzes e segui-lo (Mat 10:38; 16:24; Luc 14:27). Deste modo a resposta a pergunta: “Devemos ser crucificados?” é certamente um “sim” e “não”. Não, não literalmente, a maioria de nós terá que dizer, e ainda tal resposta não autoriza uma completa fuga da exigência de tomar nossa cruz e segui-lo. Então, neste caso a resposta é “sim”, mas não literalmente.
Eduardo- Mensagens : 5997
Idade : 54
Inscrição : 08/05/2010
Tópicos semelhantes
» No Princípio: Como Interpretar Gênesis 1
» [Ellen White] Como ler, Interpretar e aplicar conceitos
» Como interpretar a parábola do rico e Lázaro em Lucas 16:19-31?
» Como Estudar a Bíblia
» A carne como alimento na Biblia
» [Ellen White] Como ler, Interpretar e aplicar conceitos
» Como interpretar a parábola do rico e Lázaro em Lucas 16:19-31?
» Como Estudar a Bíblia
» A carne como alimento na Biblia
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos
Dom Fev 19, 2017 7:48 pm por Augusto
» Acordem adventistas...
Ter Fev 07, 2017 8:37 pm por Augusto
» O que Vestir Para Ir à Igreja?
Qui Dez 01, 2016 7:46 pm por Augusto
» Ir para o céu?
Qui Nov 17, 2016 7:40 pm por Augusto
» Chat do Forum
Sáb Ago 27, 2016 10:51 pm por Edgardst
» TV Novo Tempo...
Qua Ago 24, 2016 8:40 pm por Augusto
» Lutas de MMA são usadas como estratégia por Igreja Evangélica para atrair mais fiéis
Dom Ago 21, 2016 10:12 am por Augusto
» Lew Wallace, autor do célebre livro «Ben-Hur», converteu-se quando o escrevia
Seg Ago 15, 2016 7:00 pm por Eduardo
» Ex-pastor evangélico é batizado no Pará
Qua Jul 27, 2016 10:00 am por Eduardo
» Citações de Ellen White sobre a Vida em Outros Planetas Não Caídos em Pecado
Ter Jul 26, 2016 9:29 pm por Eduardo
» Viagem ao Sobrenatural - Roger Morneau
Dom Jul 24, 2016 6:52 pm por Eduardo
» As aparições de Jesus após sua morte não poderiam ter sido alucinações?
Sáb Jul 23, 2016 4:04 pm por Eduardo