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Feyerabend, o analista do método científico
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16012011
Feyerabend, o analista do método científico
Feyerabend, o analista do método científico
"Ao escrever a obra Contra o Método, em 1975 na Inglaterra, Paul Feyerabend apontou incoerências do método científico, atacando a posição racionalista. Para o autor, a Ciência é um empreendimento essencialmente anárquico “mesmo uma ciência que se paute pelo bem ordenado só alcançará resultados se admitir, ocasionalmente, procedimentos anárquicos” (FEYERABEND, 1977, p.34). Em uma analogia com a filosofia política, considerou o anarquismo um excelente remédio para a epistemologia e a Filosofia da Ciência, estimulando mais o progresso do que as alternativas representadas pela ordem e lei. Justificou que a História, sendo repleta de acidentes, conjunturas e curiosas justaposições de eventos, patenteia a complexidade das mudanças e as conseqüências não previstas dos atos ou decisões humanas, em particular a história das revoluções por ser sempre mais do que o melhor historiador o metodologista poderia imaginar. Questionou se
devemos realmente acreditar que as regras ingênuas e simplistas que os metodologistas adotam como guia são capazes de explicar esse “labirinto de interações?” Não é claro que, em se tratando de um processo dessa espécie, só pode ter participação bem sucedida um oportunista brutal que não se prenda a filosofia alguma e que adote a diretriz que a ocasião pareça indicar? (IBIDEM, p. 19).
Tanto a metodologia como a política, para Feyerabend, são meios que possibilitam passagem para outro estágio histórico “sendo que a única diferença está em que as metodologias-padrão deixam de ter em conta o fato de que a História apresenta, constantemente, feições novas” (IBIDEM, p. 24). Concluiu que, na Ciência, a classe revolucionária deve compreender e saber aplicar não somente uma metodologia, mas qualquer de suas variações imagináveis, estando preparada para saltar para outra rápida e inesperadamente. Citou que, para Einstein, um cientista deve considerar as condições externas que os fatos e a experiência colocam diante de si, não se permitindo, ao firmar seu mundo conceptual, prender-se demasiadamente num dado sistema epistemológico, contudo um cientista parecerá um oportunista inescrupuloso para um epistemologista preso a um sistema. Um meio complexo em que elementos surpreendem e emergem imprevistos, solicita procedimentos complexos, desafiando uma análise apoiada em regras, desconsiderando as condições mutáveis da História.
Para o autor não se pode simplificar o meio em que o cientista atua, sendo que toda análise mais profunda demonstra que a Ciência não conhece “fatos nus” pois quando chegam até nós já foram visto por um ângulo. Considerou a História da Ciência tão caótica e com tanto enganos como as mentes que a inventaram e, se ela for tornada mais simples, uniforme e objetiva, não passará de uma lavagem cerebral. Fez uma crítica à educação científica que simplifica a Ciência ao definir um campo de pesquisa, desligando-o do resto da História, fazendo-o receber uma “lógica própria” que deve ser denunciada. Esta educação condiciona o cientista, que recebe o treinamento completo desta “lógica”, a produzir ações uniformes, congelando, ao mesmo tempo, grandes porções do processo histórico. Para o autor, a essência do treinamento dado ao cientista tenta inibir intuições que possam resultar numa confusão de fronteiras, isolando-o da atividade científica, citando como exemplo, sua religião, metafísica e senso de humor. “Sua imaginação vê-se restringida a até sua linguagem deixa de ser própria. E isso penetra a natureza dos “fatos” científicos, que passam a serem vistos como independentes de opinião, de crença ou de formação cultural” (FEYERABEND, 1977, p.21).
O fato de haver uma rígida observância das regras do método e certo êxito científico, não significa o direito de manipular os conhecimentos científicos, fazendo com que resultados obtidos por outros métodos sejam imediatamente ignorados. Segundo Feyerabend, o mundo que precisa ser explorado é uma entidade em grande parte desconhecida e, a educação científica parece inconciliável com uma atitude humanista, conflitando-se com o cultivo de humanidade, considerando-o o único procedimento com potencial para produzir seres humanos bem desenvolvidos. Para se construir a liberdade, uma vida completa e gratificante e buscar descobrir os segredos da natureza e do homem, é imprescindível rejeitar as rígidas tradições, resultando na rejeição da maior parte da ciência contemporânea.
“A ciência jamais é um processo completo; está, portanto, sempre ‘antes’ do evento. Conseqüentemente, a simplicidade, a elegância ou a coerência jamais constituem condições necessárias da prática (científica)”(IBIDEM, p.35). Para o autor, o único princípio que não inibe o progresso é que tudo vale, contudo os negócios da Ciência são conduzidos com a utilização de um método com princípios firmes, imutáveis e incondicionalmente obrigatórios que “vê-se diante de considerável dificuldade, quando posta em confronto com os resultados da pesquisa histórica” (IBIDEM, p. 29). Verifica-se, na epistemologia, que não há uma só regra que deixe de ser violada em algum momento, em que existirão circunstâncias para não somente ignorá-la como para assumir a regra oposta.
Essas violações não são eventos acidentais, ou por desconhecimento de algo que poderia ter sido evitado, ao contrário, são violações necessárias para o progresso. Segundo Feyerabend, o poder de argumentação de um cientista, “domínio de uma linguagem, a existência de um mundo perceptível ricamente articulado, a capacidade lógica é devido em parte à doutrinação, e em parte, a um processo de desenvolvimento que atua com a força de uma lei natural (IBIDEM, p.30). Algumas vezes, a argumentação produzida torna-se um obstáculo para o progresso e ao produzirem efeitos produzem pela repetição, mais que pela semântica. Eventos, como por exemplo alterações catastróficas do ambiente físico, revoluções políticas transformam os padrões de reações dos adultos, inclusive seus padrões de argumentação. “Essa transformação será, talvez, um processo inteiramente natural e a única função de um argumento racional poderá corresponder ao fato de que ele faz crescer a tensão mental que precede a causa do surto comportamental” (IBIDEM, p. 30-31).
Contudo, perguntou-se o autor, haverá os defensores do status quo que não apenas produzirão contra-argumentos, mas também causas contrárias? Se considerarmos que as velhas formas de argumentação estão enfraquecidas, esses defensores desistirão ou recorrerão a meios mais fortes e irracionais? E qual a utilidade de um argumento que não influencia mais? Fez uma analogia entre um animal adestrado que obedece ao seu dono sem restrições e um racionalista convicto que se curva à imagem mental de seu mestre, mantendo-se fiel aos padrões de argumentação que lhe foram transmitidos e aceitando-os independente da sua perplexidade, por ser incapaz de compreender que a voz da razão a que dá ouvidos “é apenas o efeito causal tardio do treinamento que recebeu. Não está em condições de descobrir que o apelo à razão, diante do qual tão prontamente sucumbe, nada mais é do que manobra política” (IBIDEM, p. 32).
Muito mais importante do que se admite, segundo o autor, no que se refere ao desenvolvimento de nosso conhecimento e da Ciência, é o papel desempenhado pelos interesses, forças e técnicas de lavagem cerebral, quando se analisa a relação entre idéia e ação. Com freqüência é aceito que a compreensão clara e completa de novas idéias deve preceder e precede “sua formulação e sua expressão formal. (A investigação tem início com um problema, diz Popper, citado por Feyerabend). Primeiro temos uma idéia ou um problema; depois agimos, isto é, falamos, construímos ou destruímos” (IBIDEM, p. 32). Contudo, uma criança não se desenvolve assim, quando usa, brinca ou combina palavras até o momento que apreende um significado, além daquele que havia sido mantido em seu alcance, sendo a atividade lúdica inicial o requisito básico para o ato final de compreensão.
Para Feyerabend, esse mecanismo também atua num adulto, porém espera, que a idéia de liberdade, por exemplo, torne-se clara pelas mesmas ações que supostamente criaram a liberdade. “Criação de uma coisa e geração associada à compreensão de uma idéia correta dessa coisa são, muitas vezes, partes de um único e indivisível processo, partes que não podem separar-se, sob a pena de interromper o processo” (IBIDEM, p. 32). O autor cita Kierkegaard, quando assume ser esse um processo orientado, primeiro, por um sutil anseio por uma “paixão”, ao invés de ser orientado por um programa bem definido, o que impossibilitaria dar condições de realizações de todos os programas. “A paixão faz surgir o comportamento específico e este, por sua vez, cria as circunstâncias e idéias necessárias para análise e explicações do processo, para torná-lo ‘racional’”(IBIDEM, p.32-33).
Feyerabend assumiu que a Ciência tem a possibilidade de avançar quando o cientista procede contra-indutivamente, recorrendo a hipóteses que contradigam teorias confirmadas e/ou os resultados experimentais bem estabelecidos. Para o autor, com procedimento contra-indutivo surgem indagações como: a contra-indução é mais razoável que a indução? Existem circunstâncias que lhe favoreçam o uso? Quais os argumentos a favor e quais os contrários? Será cabível preferir sempre a indução e não a contra indução? O autor respondeu em duas fases: na primeira, examinou a contra-regra que impulsiona o cientista a desenvolver teorias desajustadas às teorias aceitas e confirmadas, e na segunda fase, a contra-regra que impele o cientista a desenvolver hipóteses desajustadas dos fatos bem estabelecidos. Na primeira fase, Feyerabend concluiu que o cientista deve adotar metodologia pluralista, comparando idéias com outras idéias, ao invés de comparar com a experiência, tentando antes aperfeiçoar que afastar concepções vencidas no confronto, obtendo um oceano de alternativas mutuamente incompatíveis ou até mesmo incomensuráveis, em que cada teoria singular, conto de fadas ou mito que seja parte do todo force “as demais partes a manterem articulação maior, fazendo com que todas concorram, através desse processo de competição, para o desenvolvimento de nossa consciência” (IBIDEM, p. 40-41). Para o autor, a tarefa do cientista não é “buscar a verdade”, “louvar Deus”, “sistematizar observações” ou “aperfeiçoar as previsões”, sendo esses efeitos colaterais de uma atividade que dirige atenção para tornar forte o argumento fraco, garantindo o movimento do todo.
A segunda contra-regra, favorecendo hipóteses desajustadas das observações, fatos ou dos resultados dos experimentos não precisa de defesa, pois inexiste uma teoria digna de interesse em harmonia com todos os fatos conhecidos situados em seu domínio. O caso não é indagar se as teorias contra-indutivas devem ser admitidas em Ciência; mas inicialmente saber se as atuais discrepâncias entre teoria e fatos devem ser aprofundadas ou reduzidas, e saber o que fazer com elas. Para o autor, em uma observação dizemos “a mesa é marrom” por existirem condições de equilíbrio entre nossos sentidos, porém quando a luz que incide deixa a desejar ou não nos sentimos seguros em relação aos nossos sentidos, dizemos “a mesa parece marrom”, “expressa a convicção de que há circunstâncias comuns em que nossos sentidos se mostram aptos a ver o mundo ‘como ele realmente é’ e de que há circunstâncias, igualmente comuns, em que nossos sentidos nos enganam” (IBIDEM, p. 42), sendo pressupostos abstratos e altamente discutíveis. Feyerabend propôs que o cientista dispõe de materiais que se estruturam identicamente ao exemplo posto, incluindo as técnicas mais refinadas que encerram princípios desconhecidos e que se conhecidos seriam extremamente difíceis de serem verificados. “Em conseqüência, uma teoria poderá conflitar com a evidência não porque deixe de ser correta, mas porque a evidência está adulterada” (IBIDEM, p. 42).
Como descobrir a espécie de mundo que pressupomos, agindo como agimos? Para Feyerabend, não se descobre o mundo a partir de dentro porque há a necessidade de um padrão externo de crítica, para tal precisa-se de um conjunto de pressupostos alternativos ou, sendo eles gerais, produzem um mundo alternativo, “necessitamos de um mundo imaginário para descobrir os traços do mundo real que supomos habitar (e que, talvez, em realidade não passe de outro mundo imaginário)” (IBIDEM, p. 42-43). A primeira crítica, contra processos e conceitos comuns, é na tentativa de romper com o círculo vicioso. É preciso inventar um novo sistema conceptual que coloca em causa os resultados da observação, obtidos com mais cuidado ou com os resultados em conflito por ser incompatível com ele, fazendo o sistema parecer absurdo, frustrando os mais renomados teóricos por introduzir percepções que não integram o existente mundo perceptível. Assim, a contra-indução é razoável, abrindo possibilidade para o êxito. O objetivo de Feyerabend não foi o de substituir um conjunto de regras por outro conjunto do mesmo tipo, mas afirmar que todas as metodologias têm limitações, incluindo as mais óbvias. Para o autor, as demonstrações e a retórica utilizada mostram como é fácil “através de recurso ao racional, iludir as pessoas e conduzi-las a nosso bel-prazer. Um anarquista é como um agente secreto que participa do jogo da Razão, para solapar a autoridade da Razão” (IBIDEM, p.43-44).
Para Feyerabend, há na Ciência um elemento teológico que denominou de condição de coerência, que “adora” fatos. Explicou que mesmo desprovida de qualquer razão, força-se a preservação da teoria mais antiga e não da melhor, em que a condição de coerência, exige novas hipóteses ajustadas às teorias antigas. “A proliferação de teorias é benéfica para a ciência, ao passo que a uniformidade lhe debilita o poder crítico. A uniformidade, além disso, ameaça o livre desenvolvimento do indivíduo” (IBIDEM, p. 45). A condição de coerência elimina uma teoria ou hipótese quando ela se opõe a uma teoria confirmada, validando parte da teoria existente antes de testá-la, sendo que a única diferença com a recente é o tempo de existência e o contato maior que temos com a teoria que serve de referência, assim se a teoria recente fosse a mais antiga, esta condição de coerência estaria a seu favor. “A primeira teoria adequada tem o direito de prioridade sobre as teorias posteriores igualmente adequadas” (IBIDEM, p. 48). Isto faz preservar o antigo, familiar, não por ser melhor, mas apenas por ser o mais antigo e familiar. Uma substituição não se realizará com facilidade, manuais precisarão ser reescritos, os currículos universitários deverão ser revistos e os resultados dos experimentos deverão ser reinterpretados, mas o questionamento de um defensor da condição de coerência é: para que tanto esforço se esta nova teoria não apresenta vantagens, sob o ponto de vista empírico em relação a mais antiga? Para este defensor, o único aprimoramento real é o produzido do acréscimo de fatos novos que ou “corroborarão as teorias em vigor ou nos forçarão a modificá-las, indicando, com precisão, os pontos em que apresentam deficiências. Em ambos os casos, darão lugar a progresso real e não a alterações arbitrárias” (IBIDEM, p.49), sendo procedimento conveniente o confronto da concepção aceita com o maior número possível de fatos relevantes, únicos reconhecidos juízes de uma teoria, o que justifica o apego do cientista militante a uma única teoria, ao excluir alternativas empiricamente cabíveis. Assim, a discordância com fatos é a única razão que pressiona a alteração de uma teoria, conseqüentemente, é aconselhável fazer crescer o número de fatos relevantes incompatíveis, restando ao cientista apenas a coleta de dados para fins de teste, não excluindo o aperfeiçoamento formal com coerência, simplicidade e generalidade.
O autor denominou de “princípio de autonomia” ou autonomia relativa dos fatos aquele pressuposto capaz de validar o argumento precedente “contanto que os fatos existam e a eles se possam chegar, independentemente de se ter ou não em conta alternativas da teoria a ser submetida a teste (IBIDEM, p. 50) não assegurando que a descoberta e a descrição de fatos sejam independentes de todo o teorizar, contudo, afirmando que há possibilidade de se chegar aos fatos integrados ao conteúdo empírico de uma teoria, considerando ou não suas alternativas. Para Feyerabend, esse importantíssimo pressuposto parece não ter sido formulado como um postulado do método empírico, no entanto está presente nas investigações que se referem a questões de confirmação e testes, sendo que elas utilizam o modelo em que uma única teoria é confrontada com uma classe de fatos ou enunciados de observação, na qual dados são presumidos. Mais do que pode admitir o princípio de autonomia, os fatos e as teorias estão intimamente ligados. A descrição de cada fato singular depende de alguma teoria que pode estar diferindo da teoria que está sob teste, também há a possibilidade de existirem fatos que se tornam inacessíveis quando alternativas desta teoria teste, tornam-se inacessíveis logo que excluídas, sugerindo que “questões relativas a testes e a conteúdo empírico, se constitui de todo um conjunto de teorias, parcialmente superpostas, factualmente adequadas, mas mutuamente inconsistentes” (IBIDEM, . 51).
A parte essencial do método empírico consiste na invenção de alternativas para a concepção que está em debate, sendo inversa a condição de coerência que elimina alternativas por estarem em discordância com a prática científica e com o empirismo. Há uma redução do conteúdo empírico das teorias autorizadas a permanecerem, por terem sido as primeiras a serem formuladas, afastando teste valiosos e provocando a diminuição da quantidade de fatos que evidenciaram as limitações das que permanecem. Considera de interesse restrito, este último resultado que determina a condição de coerência, havendo a possibilidade de dar “margem a uma situação em que certo ponto de vista se petrifique em dogma, sendo posto, em nome da experiência, em posição inteiramente inacessível a qualquer crítica” (IBIDEM, p. 53). Um êxito aparente não deve ser visto como sinal e verdade e de correspondência com a natureza, suspeitando-se de que este êxito se deva ao fato que a teoria transformou-se em rígida ideologia, sendo um êxito artificial por perder o contato com o mundo. Assim, a aparente verdade absoluta não passa do resultado de um conformismo absoluto. Torna-se impossível submeter a teste ou aprimorar a verdade de uma teoria, se sua elaboração remete descrever qualquer acontecimento concebível nos termos de seus princípios, sendo que a única maneira de estudá-los seria compará-los com um conjunto de outros princípios igualmente abrangentes, contudo esta possibilidade de procedimento está afastada. “O mito não tem, pois, relevância objetiva; continua a existir apenas como resultado do esforço da comunidade de crentes e de seus orientadores, sejam estes sacerdotes ou vencedores do Prêmio Nobel” (IBIDEM, p. 57). Segundo Feyerabend, uma variedade de opiniões é necessária para o conhecimento objetivo, anunciando que um método que estimule a variedade é o único compatível com a concepção humanista. Concluindo que a condição de coerência por restringir a variedade, encerra um elemento teológico, por “adorar” fatos, sendo um traço característico de quase todo o empirismo.
A metodologia pluralista deve ser adotada, quando um cientista deseja compreender aspectos possíveis de sua teoria, em que ao comparar teorias com outras teorias e não com experiências, dados e fatos, busca aperfeiçoar, antes de afastar, concepções que pareçam não resistir às alternativas encontradas no passado, retirando-as de mitos antigos, preconceitos modernos; lucubrações dos especialistas e das fantasias dos excêntricos, considerando que qualquer idéia absurda é capaz de aperfeiçoar nosso conhecimento. Para Feyerabend, toda a história de uma disciplina visa aprimorar o seu estágio mais avançado. “A separação entre a história de uma ciência, sua filosofia e a ciência mesma desaparece no ar, o mesmo acontecendo com a separação entre a ciência e a não ciência” (IBIDEM, p. 68).
As teorias, de acordo com inclinações de sua época, são substituídas por outras, podendo ser abandonadas até mesmo antes de exibirem suas virtudes, como as doutrinas antigas, mitos primitivos que se tornaram bizarros e sem sentidos, devido ao seu conteúdo científico não ser conhecido ou ser adulterado por filólogos e antropólogos não familiarizados com os mais simples conhecimentos físicos, médicos ou astronômicos. Uma teoria avançada e precisa não é invulnerável das teorias depreciadas que a vaidade da ignorância jogou no cesto de resíduos da História. “Essa a via pela qual o conhecimento de hoje pode, amanhã, passar a ser visto como conto de fadas; essa a via pela qual o mito mais ridículo pode vir a tornar-se a mais sólida peça da ciência” (IBIDEM, p. 71). Feyerabend citou o ressurgimento da medicina tradicional na China comunista. Um grande país, com suas grandes tradições fora submetido ao domínio ocidental e explorado como de praxe, devido a uma nova geração de chineses ter legitimado a superioridade intelectual do Ocidente, e de sua Ciência, importando-a, ensinado-a, e afastando todos os elementos da tradição. Assim, triunfou o chauvinismo científico no qual o que era considerado compatível com a Ciência (seu método específico e todos os resultados produzidos com ele) permaneceu e o incompatível deveria desaparecer, sendo que os médicos da antiga tradição, se não fossem reeducados, seriam impedidos de continuarem exercendo sua profissão. Esta exigência foi adotada até 1954, quando elementos burgueses do Ministério da Saúde foram condenados, iniciando-se uma campanha para o retorno da medicina tradicional, que identificou a Ciência ocidental como Ciência burguesa, e manteve a Ciência como um todo sob a supervisão política. Vencido o chauvinismo da época, proporcionou-se a coexistência das duas concepções de medicina, sendo este um fator importante, pois freqüentemente partes da Ciência tornam-se rígidas e intolerantes, sendo a diversificação assegurada por recursos políticos. Essa dualidade possibilitou, tanto na China como no Ocidente, descobertas interessantes e perturbadoras, reconhecendo efeitos e alternativas de diagnósticos que a medicina moderna não alcançava e nem explicava, como a medicina de ervas. O autor reconheceu que a pluralidade há de ser assegurada por entidades não-científicas e com poderes para sobrepujar as instituições científicas de maior prestígio, salientando que a Igreja, o Estado, o partido político, o descontentamento popular ou o dinheiro, podem possibilitar o afastamento do cientista de sua “consciência científica”.
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É isso!
Fonte:
SOUZA PAGANO: “A HISTÓRIA DA CIÊNCIA COMO UM CAMINHO PARA INTRODUZIR O PENSAMENTO EPISTEMOLÓGICO NUMA FORMAÇÃO EM LIDERANÇA”. (Dissertação de Mestrado, apresentada no Programa de Pós-Graduação em Educação, Área de Ciências Humanas, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Orientador: Prof. Dr. Attico Chassot). UNISINOS . São Leopoldo - RS , 2008.
Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
"Ao escrever a obra Contra o Método, em 1975 na Inglaterra, Paul Feyerabend apontou incoerências do método científico, atacando a posição racionalista. Para o autor, a Ciência é um empreendimento essencialmente anárquico “mesmo uma ciência que se paute pelo bem ordenado só alcançará resultados se admitir, ocasionalmente, procedimentos anárquicos” (FEYERABEND, 1977, p.34). Em uma analogia com a filosofia política, considerou o anarquismo um excelente remédio para a epistemologia e a Filosofia da Ciência, estimulando mais o progresso do que as alternativas representadas pela ordem e lei. Justificou que a História, sendo repleta de acidentes, conjunturas e curiosas justaposições de eventos, patenteia a complexidade das mudanças e as conseqüências não previstas dos atos ou decisões humanas, em particular a história das revoluções por ser sempre mais do que o melhor historiador o metodologista poderia imaginar. Questionou se
devemos realmente acreditar que as regras ingênuas e simplistas que os metodologistas adotam como guia são capazes de explicar esse “labirinto de interações?” Não é claro que, em se tratando de um processo dessa espécie, só pode ter participação bem sucedida um oportunista brutal que não se prenda a filosofia alguma e que adote a diretriz que a ocasião pareça indicar? (IBIDEM, p. 19).
Tanto a metodologia como a política, para Feyerabend, são meios que possibilitam passagem para outro estágio histórico “sendo que a única diferença está em que as metodologias-padrão deixam de ter em conta o fato de que a História apresenta, constantemente, feições novas” (IBIDEM, p. 24). Concluiu que, na Ciência, a classe revolucionária deve compreender e saber aplicar não somente uma metodologia, mas qualquer de suas variações imagináveis, estando preparada para saltar para outra rápida e inesperadamente. Citou que, para Einstein, um cientista deve considerar as condições externas que os fatos e a experiência colocam diante de si, não se permitindo, ao firmar seu mundo conceptual, prender-se demasiadamente num dado sistema epistemológico, contudo um cientista parecerá um oportunista inescrupuloso para um epistemologista preso a um sistema. Um meio complexo em que elementos surpreendem e emergem imprevistos, solicita procedimentos complexos, desafiando uma análise apoiada em regras, desconsiderando as condições mutáveis da História.
Para o autor não se pode simplificar o meio em que o cientista atua, sendo que toda análise mais profunda demonstra que a Ciência não conhece “fatos nus” pois quando chegam até nós já foram visto por um ângulo. Considerou a História da Ciência tão caótica e com tanto enganos como as mentes que a inventaram e, se ela for tornada mais simples, uniforme e objetiva, não passará de uma lavagem cerebral. Fez uma crítica à educação científica que simplifica a Ciência ao definir um campo de pesquisa, desligando-o do resto da História, fazendo-o receber uma “lógica própria” que deve ser denunciada. Esta educação condiciona o cientista, que recebe o treinamento completo desta “lógica”, a produzir ações uniformes, congelando, ao mesmo tempo, grandes porções do processo histórico. Para o autor, a essência do treinamento dado ao cientista tenta inibir intuições que possam resultar numa confusão de fronteiras, isolando-o da atividade científica, citando como exemplo, sua religião, metafísica e senso de humor. “Sua imaginação vê-se restringida a até sua linguagem deixa de ser própria. E isso penetra a natureza dos “fatos” científicos, que passam a serem vistos como independentes de opinião, de crença ou de formação cultural” (FEYERABEND, 1977, p.21).
O fato de haver uma rígida observância das regras do método e certo êxito científico, não significa o direito de manipular os conhecimentos científicos, fazendo com que resultados obtidos por outros métodos sejam imediatamente ignorados. Segundo Feyerabend, o mundo que precisa ser explorado é uma entidade em grande parte desconhecida e, a educação científica parece inconciliável com uma atitude humanista, conflitando-se com o cultivo de humanidade, considerando-o o único procedimento com potencial para produzir seres humanos bem desenvolvidos. Para se construir a liberdade, uma vida completa e gratificante e buscar descobrir os segredos da natureza e do homem, é imprescindível rejeitar as rígidas tradições, resultando na rejeição da maior parte da ciência contemporânea.
“A ciência jamais é um processo completo; está, portanto, sempre ‘antes’ do evento. Conseqüentemente, a simplicidade, a elegância ou a coerência jamais constituem condições necessárias da prática (científica)”(IBIDEM, p.35). Para o autor, o único princípio que não inibe o progresso é que tudo vale, contudo os negócios da Ciência são conduzidos com a utilização de um método com princípios firmes, imutáveis e incondicionalmente obrigatórios que “vê-se diante de considerável dificuldade, quando posta em confronto com os resultados da pesquisa histórica” (IBIDEM, p. 29). Verifica-se, na epistemologia, que não há uma só regra que deixe de ser violada em algum momento, em que existirão circunstâncias para não somente ignorá-la como para assumir a regra oposta.
Essas violações não são eventos acidentais, ou por desconhecimento de algo que poderia ter sido evitado, ao contrário, são violações necessárias para o progresso. Segundo Feyerabend, o poder de argumentação de um cientista, “domínio de uma linguagem, a existência de um mundo perceptível ricamente articulado, a capacidade lógica é devido em parte à doutrinação, e em parte, a um processo de desenvolvimento que atua com a força de uma lei natural (IBIDEM, p.30). Algumas vezes, a argumentação produzida torna-se um obstáculo para o progresso e ao produzirem efeitos produzem pela repetição, mais que pela semântica. Eventos, como por exemplo alterações catastróficas do ambiente físico, revoluções políticas transformam os padrões de reações dos adultos, inclusive seus padrões de argumentação. “Essa transformação será, talvez, um processo inteiramente natural e a única função de um argumento racional poderá corresponder ao fato de que ele faz crescer a tensão mental que precede a causa do surto comportamental” (IBIDEM, p. 30-31).
Contudo, perguntou-se o autor, haverá os defensores do status quo que não apenas produzirão contra-argumentos, mas também causas contrárias? Se considerarmos que as velhas formas de argumentação estão enfraquecidas, esses defensores desistirão ou recorrerão a meios mais fortes e irracionais? E qual a utilidade de um argumento que não influencia mais? Fez uma analogia entre um animal adestrado que obedece ao seu dono sem restrições e um racionalista convicto que se curva à imagem mental de seu mestre, mantendo-se fiel aos padrões de argumentação que lhe foram transmitidos e aceitando-os independente da sua perplexidade, por ser incapaz de compreender que a voz da razão a que dá ouvidos “é apenas o efeito causal tardio do treinamento que recebeu. Não está em condições de descobrir que o apelo à razão, diante do qual tão prontamente sucumbe, nada mais é do que manobra política” (IBIDEM, p. 32).
Muito mais importante do que se admite, segundo o autor, no que se refere ao desenvolvimento de nosso conhecimento e da Ciência, é o papel desempenhado pelos interesses, forças e técnicas de lavagem cerebral, quando se analisa a relação entre idéia e ação. Com freqüência é aceito que a compreensão clara e completa de novas idéias deve preceder e precede “sua formulação e sua expressão formal. (A investigação tem início com um problema, diz Popper, citado por Feyerabend). Primeiro temos uma idéia ou um problema; depois agimos, isto é, falamos, construímos ou destruímos” (IBIDEM, p. 32). Contudo, uma criança não se desenvolve assim, quando usa, brinca ou combina palavras até o momento que apreende um significado, além daquele que havia sido mantido em seu alcance, sendo a atividade lúdica inicial o requisito básico para o ato final de compreensão.
Para Feyerabend, esse mecanismo também atua num adulto, porém espera, que a idéia de liberdade, por exemplo, torne-se clara pelas mesmas ações que supostamente criaram a liberdade. “Criação de uma coisa e geração associada à compreensão de uma idéia correta dessa coisa são, muitas vezes, partes de um único e indivisível processo, partes que não podem separar-se, sob a pena de interromper o processo” (IBIDEM, p. 32). O autor cita Kierkegaard, quando assume ser esse um processo orientado, primeiro, por um sutil anseio por uma “paixão”, ao invés de ser orientado por um programa bem definido, o que impossibilitaria dar condições de realizações de todos os programas. “A paixão faz surgir o comportamento específico e este, por sua vez, cria as circunstâncias e idéias necessárias para análise e explicações do processo, para torná-lo ‘racional’”(IBIDEM, p.32-33).
Feyerabend assumiu que a Ciência tem a possibilidade de avançar quando o cientista procede contra-indutivamente, recorrendo a hipóteses que contradigam teorias confirmadas e/ou os resultados experimentais bem estabelecidos. Para o autor, com procedimento contra-indutivo surgem indagações como: a contra-indução é mais razoável que a indução? Existem circunstâncias que lhe favoreçam o uso? Quais os argumentos a favor e quais os contrários? Será cabível preferir sempre a indução e não a contra indução? O autor respondeu em duas fases: na primeira, examinou a contra-regra que impulsiona o cientista a desenvolver teorias desajustadas às teorias aceitas e confirmadas, e na segunda fase, a contra-regra que impele o cientista a desenvolver hipóteses desajustadas dos fatos bem estabelecidos. Na primeira fase, Feyerabend concluiu que o cientista deve adotar metodologia pluralista, comparando idéias com outras idéias, ao invés de comparar com a experiência, tentando antes aperfeiçoar que afastar concepções vencidas no confronto, obtendo um oceano de alternativas mutuamente incompatíveis ou até mesmo incomensuráveis, em que cada teoria singular, conto de fadas ou mito que seja parte do todo force “as demais partes a manterem articulação maior, fazendo com que todas concorram, através desse processo de competição, para o desenvolvimento de nossa consciência” (IBIDEM, p. 40-41). Para o autor, a tarefa do cientista não é “buscar a verdade”, “louvar Deus”, “sistematizar observações” ou “aperfeiçoar as previsões”, sendo esses efeitos colaterais de uma atividade que dirige atenção para tornar forte o argumento fraco, garantindo o movimento do todo.
A segunda contra-regra, favorecendo hipóteses desajustadas das observações, fatos ou dos resultados dos experimentos não precisa de defesa, pois inexiste uma teoria digna de interesse em harmonia com todos os fatos conhecidos situados em seu domínio. O caso não é indagar se as teorias contra-indutivas devem ser admitidas em Ciência; mas inicialmente saber se as atuais discrepâncias entre teoria e fatos devem ser aprofundadas ou reduzidas, e saber o que fazer com elas. Para o autor, em uma observação dizemos “a mesa é marrom” por existirem condições de equilíbrio entre nossos sentidos, porém quando a luz que incide deixa a desejar ou não nos sentimos seguros em relação aos nossos sentidos, dizemos “a mesa parece marrom”, “expressa a convicção de que há circunstâncias comuns em que nossos sentidos se mostram aptos a ver o mundo ‘como ele realmente é’ e de que há circunstâncias, igualmente comuns, em que nossos sentidos nos enganam” (IBIDEM, p. 42), sendo pressupostos abstratos e altamente discutíveis. Feyerabend propôs que o cientista dispõe de materiais que se estruturam identicamente ao exemplo posto, incluindo as técnicas mais refinadas que encerram princípios desconhecidos e que se conhecidos seriam extremamente difíceis de serem verificados. “Em conseqüência, uma teoria poderá conflitar com a evidência não porque deixe de ser correta, mas porque a evidência está adulterada” (IBIDEM, p. 42).
Como descobrir a espécie de mundo que pressupomos, agindo como agimos? Para Feyerabend, não se descobre o mundo a partir de dentro porque há a necessidade de um padrão externo de crítica, para tal precisa-se de um conjunto de pressupostos alternativos ou, sendo eles gerais, produzem um mundo alternativo, “necessitamos de um mundo imaginário para descobrir os traços do mundo real que supomos habitar (e que, talvez, em realidade não passe de outro mundo imaginário)” (IBIDEM, p. 42-43). A primeira crítica, contra processos e conceitos comuns, é na tentativa de romper com o círculo vicioso. É preciso inventar um novo sistema conceptual que coloca em causa os resultados da observação, obtidos com mais cuidado ou com os resultados em conflito por ser incompatível com ele, fazendo o sistema parecer absurdo, frustrando os mais renomados teóricos por introduzir percepções que não integram o existente mundo perceptível. Assim, a contra-indução é razoável, abrindo possibilidade para o êxito. O objetivo de Feyerabend não foi o de substituir um conjunto de regras por outro conjunto do mesmo tipo, mas afirmar que todas as metodologias têm limitações, incluindo as mais óbvias. Para o autor, as demonstrações e a retórica utilizada mostram como é fácil “através de recurso ao racional, iludir as pessoas e conduzi-las a nosso bel-prazer. Um anarquista é como um agente secreto que participa do jogo da Razão, para solapar a autoridade da Razão” (IBIDEM, p.43-44).
Para Feyerabend, há na Ciência um elemento teológico que denominou de condição de coerência, que “adora” fatos. Explicou que mesmo desprovida de qualquer razão, força-se a preservação da teoria mais antiga e não da melhor, em que a condição de coerência, exige novas hipóteses ajustadas às teorias antigas. “A proliferação de teorias é benéfica para a ciência, ao passo que a uniformidade lhe debilita o poder crítico. A uniformidade, além disso, ameaça o livre desenvolvimento do indivíduo” (IBIDEM, p. 45). A condição de coerência elimina uma teoria ou hipótese quando ela se opõe a uma teoria confirmada, validando parte da teoria existente antes de testá-la, sendo que a única diferença com a recente é o tempo de existência e o contato maior que temos com a teoria que serve de referência, assim se a teoria recente fosse a mais antiga, esta condição de coerência estaria a seu favor. “A primeira teoria adequada tem o direito de prioridade sobre as teorias posteriores igualmente adequadas” (IBIDEM, p. 48). Isto faz preservar o antigo, familiar, não por ser melhor, mas apenas por ser o mais antigo e familiar. Uma substituição não se realizará com facilidade, manuais precisarão ser reescritos, os currículos universitários deverão ser revistos e os resultados dos experimentos deverão ser reinterpretados, mas o questionamento de um defensor da condição de coerência é: para que tanto esforço se esta nova teoria não apresenta vantagens, sob o ponto de vista empírico em relação a mais antiga? Para este defensor, o único aprimoramento real é o produzido do acréscimo de fatos novos que ou “corroborarão as teorias em vigor ou nos forçarão a modificá-las, indicando, com precisão, os pontos em que apresentam deficiências. Em ambos os casos, darão lugar a progresso real e não a alterações arbitrárias” (IBIDEM, p.49), sendo procedimento conveniente o confronto da concepção aceita com o maior número possível de fatos relevantes, únicos reconhecidos juízes de uma teoria, o que justifica o apego do cientista militante a uma única teoria, ao excluir alternativas empiricamente cabíveis. Assim, a discordância com fatos é a única razão que pressiona a alteração de uma teoria, conseqüentemente, é aconselhável fazer crescer o número de fatos relevantes incompatíveis, restando ao cientista apenas a coleta de dados para fins de teste, não excluindo o aperfeiçoamento formal com coerência, simplicidade e generalidade.
O autor denominou de “princípio de autonomia” ou autonomia relativa dos fatos aquele pressuposto capaz de validar o argumento precedente “contanto que os fatos existam e a eles se possam chegar, independentemente de se ter ou não em conta alternativas da teoria a ser submetida a teste (IBIDEM, p. 50) não assegurando que a descoberta e a descrição de fatos sejam independentes de todo o teorizar, contudo, afirmando que há possibilidade de se chegar aos fatos integrados ao conteúdo empírico de uma teoria, considerando ou não suas alternativas. Para Feyerabend, esse importantíssimo pressuposto parece não ter sido formulado como um postulado do método empírico, no entanto está presente nas investigações que se referem a questões de confirmação e testes, sendo que elas utilizam o modelo em que uma única teoria é confrontada com uma classe de fatos ou enunciados de observação, na qual dados são presumidos. Mais do que pode admitir o princípio de autonomia, os fatos e as teorias estão intimamente ligados. A descrição de cada fato singular depende de alguma teoria que pode estar diferindo da teoria que está sob teste, também há a possibilidade de existirem fatos que se tornam inacessíveis quando alternativas desta teoria teste, tornam-se inacessíveis logo que excluídas, sugerindo que “questões relativas a testes e a conteúdo empírico, se constitui de todo um conjunto de teorias, parcialmente superpostas, factualmente adequadas, mas mutuamente inconsistentes” (IBIDEM, . 51).
A parte essencial do método empírico consiste na invenção de alternativas para a concepção que está em debate, sendo inversa a condição de coerência que elimina alternativas por estarem em discordância com a prática científica e com o empirismo. Há uma redução do conteúdo empírico das teorias autorizadas a permanecerem, por terem sido as primeiras a serem formuladas, afastando teste valiosos e provocando a diminuição da quantidade de fatos que evidenciaram as limitações das que permanecem. Considera de interesse restrito, este último resultado que determina a condição de coerência, havendo a possibilidade de dar “margem a uma situação em que certo ponto de vista se petrifique em dogma, sendo posto, em nome da experiência, em posição inteiramente inacessível a qualquer crítica” (IBIDEM, p. 53). Um êxito aparente não deve ser visto como sinal e verdade e de correspondência com a natureza, suspeitando-se de que este êxito se deva ao fato que a teoria transformou-se em rígida ideologia, sendo um êxito artificial por perder o contato com o mundo. Assim, a aparente verdade absoluta não passa do resultado de um conformismo absoluto. Torna-se impossível submeter a teste ou aprimorar a verdade de uma teoria, se sua elaboração remete descrever qualquer acontecimento concebível nos termos de seus princípios, sendo que a única maneira de estudá-los seria compará-los com um conjunto de outros princípios igualmente abrangentes, contudo esta possibilidade de procedimento está afastada. “O mito não tem, pois, relevância objetiva; continua a existir apenas como resultado do esforço da comunidade de crentes e de seus orientadores, sejam estes sacerdotes ou vencedores do Prêmio Nobel” (IBIDEM, p. 57). Segundo Feyerabend, uma variedade de opiniões é necessária para o conhecimento objetivo, anunciando que um método que estimule a variedade é o único compatível com a concepção humanista. Concluindo que a condição de coerência por restringir a variedade, encerra um elemento teológico, por “adorar” fatos, sendo um traço característico de quase todo o empirismo.
A metodologia pluralista deve ser adotada, quando um cientista deseja compreender aspectos possíveis de sua teoria, em que ao comparar teorias com outras teorias e não com experiências, dados e fatos, busca aperfeiçoar, antes de afastar, concepções que pareçam não resistir às alternativas encontradas no passado, retirando-as de mitos antigos, preconceitos modernos; lucubrações dos especialistas e das fantasias dos excêntricos, considerando que qualquer idéia absurda é capaz de aperfeiçoar nosso conhecimento. Para Feyerabend, toda a história de uma disciplina visa aprimorar o seu estágio mais avançado. “A separação entre a história de uma ciência, sua filosofia e a ciência mesma desaparece no ar, o mesmo acontecendo com a separação entre a ciência e a não ciência” (IBIDEM, p. 68).
As teorias, de acordo com inclinações de sua época, são substituídas por outras, podendo ser abandonadas até mesmo antes de exibirem suas virtudes, como as doutrinas antigas, mitos primitivos que se tornaram bizarros e sem sentidos, devido ao seu conteúdo científico não ser conhecido ou ser adulterado por filólogos e antropólogos não familiarizados com os mais simples conhecimentos físicos, médicos ou astronômicos. Uma teoria avançada e precisa não é invulnerável das teorias depreciadas que a vaidade da ignorância jogou no cesto de resíduos da História. “Essa a via pela qual o conhecimento de hoje pode, amanhã, passar a ser visto como conto de fadas; essa a via pela qual o mito mais ridículo pode vir a tornar-se a mais sólida peça da ciência” (IBIDEM, p. 71). Feyerabend citou o ressurgimento da medicina tradicional na China comunista. Um grande país, com suas grandes tradições fora submetido ao domínio ocidental e explorado como de praxe, devido a uma nova geração de chineses ter legitimado a superioridade intelectual do Ocidente, e de sua Ciência, importando-a, ensinado-a, e afastando todos os elementos da tradição. Assim, triunfou o chauvinismo científico no qual o que era considerado compatível com a Ciência (seu método específico e todos os resultados produzidos com ele) permaneceu e o incompatível deveria desaparecer, sendo que os médicos da antiga tradição, se não fossem reeducados, seriam impedidos de continuarem exercendo sua profissão. Esta exigência foi adotada até 1954, quando elementos burgueses do Ministério da Saúde foram condenados, iniciando-se uma campanha para o retorno da medicina tradicional, que identificou a Ciência ocidental como Ciência burguesa, e manteve a Ciência como um todo sob a supervisão política. Vencido o chauvinismo da época, proporcionou-se a coexistência das duas concepções de medicina, sendo este um fator importante, pois freqüentemente partes da Ciência tornam-se rígidas e intolerantes, sendo a diversificação assegurada por recursos políticos. Essa dualidade possibilitou, tanto na China como no Ocidente, descobertas interessantes e perturbadoras, reconhecendo efeitos e alternativas de diagnósticos que a medicina moderna não alcançava e nem explicava, como a medicina de ervas. O autor reconheceu que a pluralidade há de ser assegurada por entidades não-científicas e com poderes para sobrepujar as instituições científicas de maior prestígio, salientando que a Igreja, o Estado, o partido político, o descontentamento popular ou o dinheiro, podem possibilitar o afastamento do cientista de sua “consciência científica”.
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É isso!
Fonte:
SOUZA PAGANO: “A HISTÓRIA DA CIÊNCIA COMO UM CAMINHO PARA INTRODUZIR O PENSAMENTO EPISTEMOLÓGICO NUMA FORMAÇÃO EM LIDERANÇA”. (Dissertação de Mestrado, apresentada no Programa de Pós-Graduação em Educação, Área de Ciências Humanas, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Orientador: Prof. Dr. Attico Chassot). UNISINOS . São Leopoldo - RS , 2008.
Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
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