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Nietzsche contra Spencer
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05032011
Nietzsche contra Spencer
Nietzsche contra Spencer
"A tese dos psicólogos ingleses é demolida porque para eles seria a “utilidade”, “o esquecimento” e “o hábito” que teriam sido os critérios de avaliação de onde os valores partiriam, portanto, a base da criação dos valores. Mas como afirmar que a “utilidade da ação não-egoísta seria a causa de sua aprovação, e esta causa seria esquecida?” Como isso é possível tal esquecimento, indaga Nietzsche, “se a utilidade das ações não cessou de existir, como seria possível esquecê-la? A utilidade dessas ações teria deixado de existir?” Observamos o contrário, essa experiência se afirmou na consciência, essa utilidade é a marca do instinto de rebanho, porque serve a um tipo de moral, a moral escrava.
Nas palavras de Nietzsche, o pensamento a-histórico destes psicólogos fica claro quando eles decretam que:
“originalmente as ações egoístas foram louvadas e consideradas boas por aqueles aos quais eram feitas, aos quais eram úteis , mais tarde foi esquecida essa origem do louvor, e as ações não egoístas, pelo simples fato de terem sido costumeiramente tidas como boas, foram também sentidas como boas – como se em si fossem algo bom(...) Temos ai ‘a utilidade’, ‘o esquecimento’, ‘o hábito’ e por fim ‘o erro’, tudo servindo de base a uma valoração da qual o homem superior até agora teve orgulho, como se fosse um privilégio do próprio homem”.
Para que possamos adentrar um pouco sobre o pensamento de Spencer, convém acompanhar uma carta aberta a Stuart Mill, citada no livro Descent of men, de Darwin, onde ele dirá:
“Eu acredito que as experiências de utilidade organizadas e consolidadas através de todo o passado de gerações da raça humana, produziram modificações correspondentes, às quais, por transmissão contínua, tornaramse nós, certas faculdades de intuição moral - certas emoções correspondentes às condutas certas e erradas, às quais não tem aparentemente nenhuma base na experiência individual de utilidade” (Darwin, Works, 21:127. The full text is in Bain, Mental and Moral Science, 722, apud Rée, Paul. op.cit., p.xxiixxiii).
Small (ibid) comenta que, para Spencer, a tarefa da ciência moral é refinar e sistematizar estas conclusões intuitivas que nos chegam em estado bruto, utilizando, para fundamentar sua teoria, o exemplo da ciência da geometria que começa com sentimentos espaciais, mas alcança os teoremas cuja validade é independente da experiência empírica. Ou seja, para Spencer, da mesma maneira que a verdade necessária das proposições geométricas mostram que elas não são apenas generalizações empíricas alcançadas através da indução a partir de uma gama diversa de experiências, a sua própria ciência do “absoluto” ou ética “racional” possuiria um estatuto similar. Ele mostra que as proposições a que chegou são verdades necessárias e universais para as quais não existe alternativa coerente. Conforme estas proposições, “o desenvolvimento último do homem ideal é logicamente certo”, já que, para Spencer, haveria uma lei universal do desenvolvimento, um progresso inevitável, mostrando que, no futuro, a humanidade atingiria um estado de “perfeição”.
Porém, pensar numa evolução, numa lei natural que regeria a vida, é partir de um “antropomorfismo estético”, é acreditar que a vida imita o homem, como se pudesse ser tocada por nossos juízos estéticos e morais. Para Nietzsche não há leis na natureza, porque o “mundo é caos”, o que há são necessidades que não têm uma forma humana, portanto, não há ninguém por detrás de suas “ações”. Criar propósitos é divinizar a natureza, a proposta de Nietzsche é que afirmemos a vida sem a sombra de Deus, isto é, sem a necessidade de buscar fundamentos para aquilo que simplesmente é. Ao buscarmos fundamentos não estamos afirmando a vida, estamos sim, afirmando nossa fragilidade diante daquilo que não temos como entificar. Por isso, a proposta de Nietzsche é: “a desumanização da natureza e depois a naturalização do homem depois de ele ter adquirido o puro conceito de ‘natureza’” (Fragmento póstumo, primavera-outono de 1881, 11[211]).
Nietzsche também dirá que Spencer encheu-se de esperança, isto é, pautou-se em hipóteses pessoais, em idiossincrasias, que respondia as suas questões e não “a verdade”, quando traçou uma teoria que criava uma conciliação final entre egoísmo e altruísmo acreditando que atingiria assim a gênese da moral, a partir da descoberta da equivalência, na história da humanidade, entre o conceito “bom” como o “útil”. Assim, como o conceito de bom sempre demonstrou ser útil, ele poderia “requerer validade como ‘mais valioso no mais alto grau’, como ‘valioso em si’” .
Para Nietzsche, esta equivalência revela uma ingenuidade desmedida já que “não existem ações altruístas nem egoístas: ambos os conceitos são um contra-senso psicológico”. Não podemos pensar o juízo bom como valendo em si, mas como partindo de um si, isto é, a fonte do conceito ‘bom’ encontra-se no lugar errado, “o juízo bom não provém daqueles aos quais se fez o ‘bem’!” Isto porque quem eram “os ‘bons’ mesmos, isto é, os nobres, poderosos (...) em posição e pensamento, que sentiram e estabeleceram a si e a seus atos como bons”.
Spencer, como qualquer outro cientista, confunde justificativa pessoal com uma interpretação justificável do mundo, de modo que tira falsas conclusões a respeito da utilidade, pois demonstrar a utilidade de algo não explica a sua origem. A palavra “bom”, do ponto de vista utilitário, estaria, no final das contas, ligada a ações não-egoístas, porém, para Nietzsche, esta oposição entre ações egoístas e não egoístas se impôs à consciência humana, somente a partir do declínio dos juízos de valor aristocráticos. Então, não expressa juízos de valor supremos, e sim o instinto de rebanho e Nietzsche chega a esta conclusão porque indagará “sob que condições o homem inventou para si os juízos de valor “bom” e “mal”?que valor tem em si mesmos? Foram ou não favoráveis ao desenvolvimento da humanidade?”
Para responder a estes questionamentos, que implicam uma crítica aos valores morais, Nietzsche elabora um método, a genealogia, que vai explicar os fenômenos a partir das “condições e circunstâncias nas quais nasceram, se desenvolveram e se modificaram” (ibid). Nietzsche vai por em dúvida a pretensa sacralidade da origem dos sentimentos morais a partir da investigação das condições históricas de seu surgimento e ao mesmo tempo problematizar sua utilidade, criticar o valor dos valores. É importante enfatizarmos que a partir daí, Nietzsche vai questionar não somente as condições em que o homem se encontrava para inventar os juízos de valor “bom” e “mau”, mas o valor destes valores e os efeitos dos mesmos no crescimento ou degeneração da vida. A partir daí, a história do ocidente será interpretada sob a luz do niilismo e a partir dele diagnosticará a cultura. Tais valores nunca foram questionados porque encontravam legitimidade no além, num mundo supra-sensível ou no critério de utilidade, que, conforme vimos, encontraria respaldo num tipo de moralidade, a escrava. O egoísmo e o altruísmo, ao funcionarem como pêndulo de onde se pautaria os juízos de valor bom e mau, não nos remete a uma avaliação crítica, para tanto, precisariam ser encarados do ponto de vista dos valores, devem ser remetidos às perspectivas avaliadoras que os criaram. A psicologia deveria combater esta linguagem moralista presente em todo juízo moderno sobre o homem e sobre os acontecimentos. Adverte Nietzsche, no aforismo 19, da terceira dissertação de Genealogia da Moral e que deveria pôr a nu a inocência “de sua mendacidade moralista”, característica das almas modernas, denunciando o que há de verdadeiro e falso dentro de si mesmo. Sua proposta é, então, que cada psicólogo diga a si mesmo e as seus colegas o seguinte: “ Desconfiemos antes de tudo, senhores, dos nossos primeiros impulsos!(...) eles são quase sempre bons”.
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É isso!
Fonte:
ALINE RIBEIRO NASCIMENTO: “O que é a psicologia para Nietzsche?” (Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em Psicologia da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Psicologia. Área de Concentração: Estudos da Subjetividade. Orientador: Auterives Maciel Junior). Rio De Janeiro, 2006.
Nota:
O título e a imagem inseridos no texto não se incluem na referida tese.
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