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A "luta" de Nietzsche contra Darwin
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05032011
A "luta" de Nietzsche contra Darwin
A "luta" de Nietzsche e Darwin
O que diferencia o conceito de "luta" do filósofo alemão Nietzsche daquele defendido pelo naturalista inglês Charles Darwin? Há algum aspecto em que a filosofia darwinista possa ser associada à filosofia nietzschiana?
Bem. Segundo o estudioso das obras de Nietzsche, Wilson Antonio Frezzatti Junior, é equivocada a ligação do darwinismo à filosofia nietzschiana. Em "Equívocos a respeito de Nietzsche: o darwinismo, a eugenia e a democracia pós-moderna", ele rechaça com veemência esta pretensa associação entre ambos os filósofos:
"O darwinismo foi associado também indevidamente, a nosso ver, à filosofia nietzschiana. Acreditamos que a análise dessa questão nos trará elementos que indicarão a relação entre sua filosofia e a democracia e a eugenia. Em outras palavras, a comparação das noções nietzschianas e darwinianas de luta mostrará com mais clareza as características do conflito nietzschiano. Dessa forma, indicaremos que a filosofia de Nietzsche não pode ser confundida nem com o darwinismo, nem com a eugenia e nem com a concepção pós-moderna de democracia". [...] "A identificação do pensamento nietzschiano com a teoria da evolução de Darwin, para nós, é um equívoco. A noção de luta assume grande importância, pois, além de ter sido usada para aproximar os pensamentos de Nietzsche e Darwin, esse conceito tem servido para colocar a filosofia nietzschiana como fundamento da democracia pós-moderna ou da ideologia nazista. Mostraremos que, ao contrário da luta pela existência de Darwin, a luta nietzschiana ocorre por uma tendência a superação e não para conservação."
No que diz respeito propriamente ao conceito de "luta pela existência", Frezzatti cita o fragmento póstumo de Nietzsche, intitulado “Anti-Darwin”, com o qual o filósofo alemão constata não o progresso da espécie humana, mas a prosperidade da mediocridade: “Vejo todos os filósofos, vejo a ciência de joelhos ante a realidade de uma luta pela vida ao contrário, tal como ensina a escola de Darwin – ou seja aqueles que comprometem a vida, o valor da vida, [...] O erro da escola de Darwin é, para mim, um verdadeiro problema: como pode ser tão cego que não percebe isso?” ((Nietzsche, fragmento póstumo 14 [123] da primavera de 1888).
Daí indaga o autor: afinal, por que Nietzsche, em dezenas de aforismos ou fragmentos póstumos, preocupa-se em apontar os “erros” de Darwin e sua escola? A qual problema o filósofo refere-se como “verdadeiro problema”? E responde: "A luta é uma noção central tanto no pensamento de Darwin como no de Nietzsche. Se, na teoria darwinista, a seleção natural é o mecanismo da evolução, a luta é o motor da seleção. O subtítulo do famoso A origem das espécies é A preservação das raças favorecidas na luta pela vida: a seleção natural, produtora de novas espécies, é resultado da luta pela sobrevivência. Na filosofia de Nietzsche, a luta sempre teve um papel destacado, aparecendo de modo diferente conforme o período considerado. Neste artigo, nos ateremos às concepções que aparecem na produção da maturidade do filósofo, pois é nesse período que se concentra a maioria de seus textos “Anti-Darwin”.
Ainda segundo Frezzatti, "[i]o filósofo alemão, portanto, não nega a luta, mas recusa que ela ocorra para a conservação da vida, pois “o ser vivo quer de preferência dar livre curso a sua força – ele o ‘quer’ e o ‘necessita’ (as duas expressões têm para mim o mesmo peso!): a conservação é apenas uma conseqüência. O que os seres vivos buscam é mais potência, o que faz com que a luta seja pelo “mais”, pelo “melhor”, pelo “mais rápido” e pela “maior freqüência”. Ainda que, tanto para Nietzsche quanto para Darwin, a vida esteja baseada na luta, isso ocorre de modos diferentes. Para Darwin, a luta pela [i]existência segue-se inevitavelmente da alta taxa de crescimento dos seres [i]vivos, o que causa a situação de penúria identificada por Nietzsche como [i]exceção. O naturalista inglês aplica a teoria de Thomas Robert Malthus ao [i]reino animal e vegetal: são produzidos muito mais indivíduos do que é [i]possível sobreviver, o que certamente produz a luta pela vida, seja de um [i]indivíduo contra outro da mesma espécie ou de espécie diferente, ou ainda [i]contra as condições físicas da vida. Porém, adverte Nietzsche: “Não se [i]deve confundir a natureza com Malthus”. O impulso vital, para o filósofo [i]alemão, não busca persistência na vida, mas aspira à extensão de sua potência, pela qual chega a sacrificar a própria conservação – a luta pela conservação, ao contrário, é uma exceção, uma restrição provisória da vontade de viver." E, mais adiante, continuando sobre o conceito de luta em Nietzsche, conclui o pesquisador nietzschiano: "A noção nietzschiana de luta não fica restrita ao mundo orgânico: ela passa a ser o que constitui a própria realidade ou a efetividade. Tudo que ocorre no mundo, ocorre por um processo de [i]enfrentamento entre forças que tentam se intensificar. O indivíduo e o [i]sujeito não são unidades, mas passam a ser entendidos como ficção [i]psicológica e gramatical. O que chamamos de indivíduo é a resultante [i]de uma luta interna entre as menores partes do organismo - células, [i]tecidos e órgãos".
Fonte:
Wilson Aantonio Frezzatti Junior. "Equívocos a respeito de Nietzsche:o darwinismo, a eugenia e a democracia pós-moderna".
Nietzsche e Darwin: a "luta" continua
Em seu livro “Nietzsche das forças cósmicas aos valores humanos”, Scarlett Marton aborda largamente a questão envolvendo os conceitos de “luta” do filósofo Friedrich Nietzsche e do naturalista Charles Darwin. Ao que é sabido, Nietzsche fora um crítico ferrenho dos ideais de “luta pela existência”, como conceberam os baluartes da corrente evolucionista. Em seu “A Vontade de Potência”, por exemplo, essa crítica se aparece de forma até contundente.
Mas, vejamos um pouco o que Marton tem a dizer sobre a polêmica:
TRECHO 1:
“Estendendo a teoria de Malthus ao reino animal, Darwin sustentou que os meios de subsistência aumentavam em proporção menor que os animais, o que levava a desencadear-se entre estes o combate. Entendeu assim a luta pela existência como luta pela subsistência, vinculando-a à necessidade de autoconservação. Num aforismo intitulado Anti-Darwin, Nietzsche escreve: “no tocante ao célebre ‘combate pela vida, ele me parece às vezes mais afirmado que provado. Ocorre, mas como exceção; o aspecto global da vida não é a situação de indigência, a situação de fome, mas antes a riqueza, a exuberância, e até mesmo o absurdo esbanjamento — onde se combate, combate-se por potência... “ (p. 42).
TRECHO 2:
[i]“ Este não é o único ponto que distingue a idéia darwiniana e a concepção nietzschiana de luta. O filósofo entende que a vontade de potência, exercendc-se em cada ser vivo microscópico que constitui o organismo, leva a deflagrar-se o combate entre todos eles. Atuando num elemento, encontra empecilhos nos que o
cercam, mas tenta submeter os que a ela se opõem e colocá-los a seu serviço. Necessita de obstáculos que a estimulem, precisa de resistências para que se manifeste, requer oponentes para exercer-se. Cada elemento quer prevalecer na relação com os demais e desafia todos eles; a precedência, todavia, não se confunde com supremacia, nem o combate com extermínio. Para que ocorra a luta, é preciso que existam antagonistas; e, como ela é inevitável e sem trégua ou termo, não pode implicar a destruição dos beligerantes. Surge aqui mais um elemento da concepção nietzschiana de vontade de potência: seu caráter agonístico. Graças a ele, a luta, que se desencadeia entre os múltiplos elementos em que atua a vontade de potência, diferencia-se radicalmente da struggle for life” (p. 43).
TRECHO 3:
“No conceito de vontade de potência, as duas noções serão sub-sumidas. Se nele reaparece a idéia darwiniana de concorrência vital, ela vai na direção oposta à do próprio Darwin: não se justifica pela necessidade de autoconservação mas aponta para a superabundância da vida. Aliás, é à Abundanztheorie de Rolph que o filósofo recorre para criticar o darwinismo. Tanto é que contrapõe ao combate pela vida, ditado pela autoconservação, e à situação de penúria, criada pela inferioridade da multiplicação dos meios de subsistência em relação à dos animais. Ha riqueza, a exuberância e até mesmo o absurdo esbanjamento”(Cl, Incursões de um extemporâneo, § 14). E conclui que “a luta pela existência é apenas uma exceção, uma provisória restrição da vontade de viver: a grande e pequena luta voltam-se, em toda parte, para a preponderância, o crescimento e a expansão, a potência, conforme a vontade de potência, que é justamente vontade de vida” (p. 43, 44).
TRECHO 4:
“Se o distanciamento em relação à doutrina de Darwin já se faz sentir no segundo período da obra, certamente acentua-se no terceiro. Nietzsche abandona tanto a idéia de que a lei de seleção natural poderia aplicar-se aos problemas das ciências do espírito quanto a de que as naturezas degenerantes contribuiriam para o progresso espiritual da comunidade. Retomando de forma mais elaborada e veemente a crítica ao darwinismo, passa a operar em outro registro. Se, no conceito de vontade de potência, mantém a idéia darwiniana de concorrência vital, em vez de justificá-la pela necessidade de autoconservação, aponta para a superabundância da vida. Se conserva também a idéia de luta, entende que se desencadeia entre os múltiplos elementos em que atua a vontade de potência e não apenas entre os seres vivos e, o mais importante, em vez de implicar o aniquila-mento dos adversários, reveste-se de caráter agonístico. “Vejo todos os filósofos”, declara, “vejo a ciência de joelhos diante da realidade de uma luta pela existência às avessas, tal como ensina a escola de Darwin, ou seja, vejo por toda parte imporem-se os que sobrevivem, os que comprometem a vida, o valor da vida. — O erro da escola de Darwin tomou-se para mim um problema: como se pode estar cego a ponto de não ver isso” (p. 44, 45).
TRECHO 5:
“Ao criticar a idéia de adaptação, no terceiro período da obra, o filósofo poderia estar visando indiferentemente Darwin, Spencer e até Lamarck, embora em momento algum o ataque. Aliás, na vontade de potência enquanto vontade orgânica, a noção de “potência modiadora, que do interior cria formas”, presente em alguns textos, traz ressonâncias da idéia lamarckiana de energia interna dos seres vivos tentando vencer o meio depois de explorá-lo. Mas seria possível congregar Lamarck, Darwin e Spencer em torno da idéia de adaptação — seja porque as variações biológicas resultantes do exercício de uma necessidade interna ocorreriam sempre no sentido de uma adaptação melhor (Lamarck), seja porque a formação contínua de novas espécies se caracterizaria por novos meios de adaptação (Darwin), seja porque a adaptação às condições do meio representaria o bem almejado pelo ser humano (Spencer). “Põe-se em primeiro plano a ‘adaptação’, isto é, uma atividade de segunda ordem, uma mera reatividade”, afirma Nietzsche, “e chegou-se a definir a vida mesma como uma cada vez mais adequada adaptação interna a circunstâncias externas (Herbert Spencer). Com isso, porém, à essência da vida é equivocada: sua vontade de potência’, com isso é ignorada a supremacia que têm, por princípio, as forças espontâneas, agressivas, invasoras, criadoras de novas interpretações, de novas direções e de formas, a cujo efeito, somente, se segue a ‘adaptação’; com isso é negado no organismo mesmo o papel dominador dos supremos funcionários, nos quais a vontade de vida aparece como ativa e conformadora” (p. 45, 46).
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É isso!
Fonte:
SCARLETT MARTON: “Nietzsche das forças cósmicas aos valores humanos”. Editora Brasiliense. São Paulo, 1990.
Darwin na mira de Nietzsche
Em seu “Crepúsculo dos Ídolos”, escreve Nietzsche:
“Anti-Darwin. No que concerne à célebre luta pela vida, ela me parece a princípio mais afirmada do que provada. Ela acontece, mas enquanto exceção; o aspecto conjunto da vida não é a indigência e a penúria famélicas, mas muito mais a riqueza, a exuberância, mesmo o desperdício absurdo - onde há luta, luta-se por potência... Não se deve confundir Malthus com a natureza. No entanto, suposto que haja esta luta e, de fato, ela se dá -, ela transcorre infelizmente de modo inverso ao que a escola de Darwin deseja; de modo inverso ao que talvez se pudesse desejar: isto é, em detrimento dos fortes, dos privilegiados, das felizes exceções. As espécies não crescem em meio à perfeição: os fracos sempre se tornam novamente senhores sobre os fortes. Isto acontece porque eles estão em grande número e porque eles também são mais inteligentes... Darwin esqueceu o espírito (- isto é inglês!), os fracos possuem mais espírito... É preciso ter necessidade de espírito para obter um espírito - nós o perdemos quando não temos mais necessidade dele. Quem possui a força se desprende do espírito (- "Deixemo-lo ir!" pensase hoje na Alemanha - "O império há, contudo, de permanecer conosco" ... ). Eu entendo por Espírito, como se vê, a cautela, a paciência, a astúcia, a dissimulação, o grande autocontrole e tudo que é mimicry (a este último pertence uma grande parte da assim chamada virtude).”
Destaco brevemente, aqui, dois pontos apenas:
1. “No que concerne à célebre luta pela vida, ela me parece a princípio mais afirmada do que provada.”
2. “Ela acontece, mas enquanto exceção...”
Nos enxertos acima, parece claro que Nietzsche não está propriamente negando que haja uma “luta pela vida”, mas que ela existe apenas como uma exceção, e mesmo nos casos extremos de vida e morte, ainda assim seria uma “luta por potência”, e não como defendiam os evolucionistas, ou seja, uma luta para triunfo e progresso dos “mais fortes”.
Desta forma, fica evidente que, ao contestar o espírito de luta darwinista, Nietzsche contesta com isso a força propulsora que mantém esta luta afirmada, ou seja, a Seleção Natural, pelo menos nos moldes como fora inicialmente concebida por seus teóricos. E, não obstante tenha sido Herbert Spencer quem cunhou o lema “sobrevivência do mais apto”, ao transferir a “luta” de Malthus para a esfera da Natureza, Darwin deu a esta “luta” um significado próprio, que a sintetizou nesta mesma expressão “Seleção Natural”.
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Nietzsche contra Darwin
Essa crítica de Friedrich Wilhelm Nietzsche ao darwinismo, além de divertida, faz transparecer um pouco o modo como o naturalista inglês Charles Darwin concebia a evolução ao seu tempo, ou seja, uma “evolução” do tipo progressista, bem típica de filósofos como Herbert Spencer. O texto fora extraído de “A Vontade de Potência”, de Nietzsche, é claro.
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Contra o darwinismo.
A utilidade de um órgão não explica a origem; bem ao contrário!
Enquanto é formada uma quantidade ela não conserva o indivíduo e nem lhe é útil, pelo menos na luta contra as circunstâncias exteriores e os inimigos. Que quer dizer útil, afinal de contas? E mister perguntar: “útil com relação a quê?”
O que, por exemplo, é útil à duração do indivíduo poderá ser desfavorável à sua força e esplendor; o que conserva o indivíduo poderá simultaneamente retê-lo e imobilizá-lo na evolução. Por outra parte, um vício de conformação, uma degenerescência podem ser de maior utilidade, no sentido em que atuem como estimulantes dos outros órgãos. Da mesma sorte, um estado de necessidade pode ser uma condição de existência, no sentido que rebaixa o indivíduo a uma proporção em que se firma e não se desperdiça. — O indivíduo é o campo de batalha de suas diferentes partes (para a alimentação, espaço, etc.): sua evolução está ligada à vitória, à predominância de determinadas partes, ao perecimento, à transformação em órgãos de outras determinadas partes.
A influência das “circunstâncias exteriores” foi absurdamente exagerada por Darwin: o que há de essencial no processo vital é precisamente a imensa potência formadora, que cria formas de dentro para fora, que utiliza e explora as “circunstâncias exteriores”. As novas formas criadas de dentro para fora, não são formadas em vista de uma finalidade; mas, na luta das partes, uma forma nova não permanecerá por muito tempo sem relação com uma utilidade parcial, e com o decorrer do tempo, conforme o uso que dela faça, plasmará a si própria uma forma mais perfeita.
Anti-Darwin
Que valor definitivo pode ter a domesticação dos homens? Ou terá a domesticação sempre um valor definitivo? Existem razões para negarmos esta última proposição.
É verdade que a escola de Darwin fez grandes esforços para nos persuadir do contrário: ela quer que a influência da domesticação possa tornar-se profunda e até fundamental. Provisoriamente ficamos no passado: até hoje apenas foi demonstrada uma influência toda superficial da domesticação — ou ainda, a degenerescência. E tudo quanto consegue escapar-se da mão humana e de seu adestramento volve quase imediatamente ao seu estado natural. O tipo permanece constante: não se pode “dénaturer la nature”.
Confia-se na luta pela existência, na morte dos seres fracos e na sobrevivência dos mais robustos e melhor dotados; conseqüentemente imagina-se um aumento contínuo da perfeição dos seres. Em compensação temos comprovado que na luta pela vida, o acaso serve tanto aos fracos quanto aos fortes e que muitas vezes a astúcia supre o vigor com vantagem, que a fecundidade da espécie se encontra numa relação singular com as “chances” da destruição.
(...) tempo lentas e infinitas: querem crer que todo proveito transmite por hereditariedade e se manifesta nas gerações seguintes, com urna intensidade sempre maior (embora realmente a hereditariedade seja tão caprichosa...); encontram em certos seres a assimilação feliz às condições vitais determinadas e declaram que foi obtida por influência do ambiente.
Mas em nenhuma parte encontram exemplos de seleção inconsciente (de nenhuma espécie). Os mais díspares indivíduos unem-se, os mais extremos misturam-se à massa. Tudo concorre a manter seu tipo; os seres que possuem caracteres exteriores, que os protegem contra certos perigos, não os perdem quando submetidos às circunstâncias em que vivem sem perigo... Se transportados a lugares onde a roupagem cessa de escondê-los, absolutamente não se transformam para se reaproximarem do ambiente.
Exageraram a seleção dos seres mais belos a ponto que sobrepassaria em muito o instinto de beleza de nossa própria raça! Realmente o mais belo ajusta-se perfeitamente às criaturas deserdadas, o maior ao menor. Quase sempre vemos o macho e a fêmea aproveitarem-se de cada momento do acaso sem se apresentarem indecisos na escolha. — Há modificação pelo clima e pela nutrição, mas na realidade é diferente.
Não há formas intermediárias.
Pretendem que haja o desenvolvimento na evolução dos seres; mas falta qualquer fundamento a essa teoria. Cada tipo possui seus limites: além destes não há evolução. Até lá existe regularidade absoluta.
[b]
[i][i]Minhas principais opiniões. — Primeira proposição: o homem como espécie não está em progresso. Realizam-se tipos superiores, porém não se conservam.
O nível da espécie não se eleva.
Segunda proposição: o homem, enquanto espécie, não realiza um progresso em comparação com qualquer outro animal. O mundo animal e vegetal, em seu conjunto, não se desenvolve do inferior ao superior... Tudo se faz ao mesmo tempo, a torto e a direito, superpondo-se, contrapondo-se... As formas mais complexas e mais ricas — a expressão “tipo superior” nada expressa a mais — perecem mais facilmente: só as inferiores mantêm seu caráter imperecível em aparência. As primeiras são realizadas com bastante raridade e mantêm-se dificilmente: as últimas têm a seu favor uma fecundidade comprometedora. Na humanidade também os tipos superiores, os casos felizes da evolução, com alternativas de boa e má sorte, perecem mais facilmente. São expostos a toda espécie de decadência; são extremos, e isso basta para torná-los quase decadentes... A curta duração da beleza, do gênio de César, é sui generis: tais qualidades não se transmitem por hereditariedade.
O tipo é hereditário; nada tem de extremo, não é um “lanço da sorte”... Não há nisso qualquer fatalidade particular, qualquer malquerer da natureza, mas simplesmente a idéia do “tipo superior”; o tipo superior representa uma complexidade infinitamente maior, — uma soma maior de elementos coordenados: eis por que a desagregação é infinitamente mais provável. O “gênio” é a máquina mais sublime que existe, — e por isso mesmo a mais frágil.
Terceira proposição: a domesticação (a “cultura”) do homem não atinge as camadas mais profundas... Em toda a parte onde penetra profundamente torna-se também degenerescência (o tipo de cristão). O homem “selvagem” (ou, para melhor expressar-me sob o ângulo moral, o homem mau) é um retorno à natureza — e, num certo sentido, um restabelecimento, uma cura da “cultura”...
[b]O que mais me surpreende, quando passo em revista os grandes destinos da humanidade, é ter sempre diante dos olhos o contrário do que hoje vêem ou do que desejam ver Darwin e sua escola: a seleção em favor dos seres mais fortes e bem-nascidos, o progresso da espécie. Mas é precisamente o contrário o que entra pelos olhos: a supressão dos casos felizes, a inutilidade dos tipos melhor nascidos, a dominação inevitável dos tipos médios e até dos que estão abaixo da mediania. A menos que me demonstrem a razão que determina ser o homem exceção entre as criaturas, inclino-me a crer que a escola de Darwin errou em tudo. Essa vontade de potência, em que reconheço o fundo e o caráter de toda mutação, explica-nos por que a seleção não se faz precisamente em favor das exceções e dos acasos felizes: os mais fortes e os mais felizes são fracos, quando têm contra si os instintos organizados do rebanho, a pusilanimidade dos fracos e o grande número. Minha perspectiva total do mundo dos valores demonstra que, nos mais altos valores agora colocados acima da humanidade, não são os acasos felizes, os tipos de seleção que têm superado, mas os tipos de decadência. — Talvez nada haja de mais interessante neste mundo que este espetáculo indesejado...
Qualquer singularidade que haja em afirmá-lo, é mister sempre pôr em valor os fortes contra os fracos, os bem-nascidos contra os mal-nascidos, os saudáveis contra os degenerados e os doentes por hereditariedade. Se se quer reduzir a realidade numa fórmula moral, essa moral expressar-se-ia assim: a média vale mais que a exceção, as formações da decadência mais que a média; a vontade do nada prevalece sobre a vontade de viver — e a finalidade geral é, desde já, qualquer que seja a maneira em que se queira expressar, cristã, budista ou schopenhaueriana: “Antes não ser, que ser.”
Revolto-me contra essa maneira de formular a realidade para fazer dela uma moral: eis por que detesto o cristianismo com um ódio mortal, porque criou palavras e atitudes sublimes para outorgar a uma realidade detestável o manto do direito, da virtude, da divindade.
Vejo toda filosofia, vejo toda ciência de joelhos diante da realidade de uma luta pela vida que é o contrário dessa que ensina a escola de Darwin, quero dizer que percebo em toda a parte, na primeira fila, sobrando os que comprometem a vida, o valor da vida. O erro da escola de Darwin tornou-se para mim um problema: como se pode ser tão cego para enganar-se justamente neste caso?... Pretender que as espécies representam um progresso, é a afirmação mais desarrazoada do mundo: provisoriamente representam um nível. Se os organismos superiores se desenvolveram dos organismos inferiores, nenhum exemplo ao menos o demonstra... Vejo que os inferiores têm a preponderância pelo número, pela astúcia, pelo ardil. Não vejo como uma mutação fortuita pode ser vantajosa, sobretudo numa espécie de tempo tão longa: pois então se precisaria explicar por que uma transformação fortuita adquiriu uma tal força.
Encontro em outra parte a “crueldade da natureza” da qual tanto se fala: a natureza é cruel para os favoritos da fortuna: ela alimenta e protege e ama os humildes. Em resumo, o aumento de potência de uma espécie está garantido menos talvez pela preponderância de seus favoritos, de seus fortes, que pela preponderância dos tipos médios e inferiores... Estes últimos possuem uma grande fecundidade e a duração; com os primeiros, aumenta o perigo, a destruição rápida, a diminuição do número.”
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Nietzsche contra Darwin - II
Veja também:
Nietzsche contra Darwin - I
“Nietzsche contra Darwin” é o título de um livro de autoria de Wilson Antônio Frezzatti Junior”, em se que aborda os argumentos do filósofo alemão contra o conceitos darwinistas de “luta pela existência” e “seleção natural”.
Sobre a primeira questão, diz-nos Frezzati:
“Nietzsche, em um fragmento póstumo da primavera de 1888, intitulado “Anti-Darwin”, afirma que, quando observa o caminho da humanidade, vê o contrário do que Darwin vê ou quer ver: o que o filósofo alemão constata não é o progresso da espécie humana, mas a prosperidade da mediocridade. Mas não é apenas a história dos homens, conforme vista pelo naturalista inglês, que o filósofo expõe nesse fragmento, pois algo mais abrangente está na mira da crítica nietzschiana. A concepção darwiniana de natureza também é contestada em seu fundamento: a luta pela existência, que segundo Darwin promove a evolução das espécies, não pode ser uma lei da vida. Contra essa luta, o fragmento se insurge:
“Vejo todos os filósofos, vejo a ciência de joelhos ante a realidade de uma luta pela vida ao contrário, tal como ensina a escola de Darwin — ou seja aqueles que comprometem a vida, o valor da vida, [...] O erro da escola de Darwin é, para mim, um verdadeiro problema: como pode ser tão cego que não percebe isso?” (Fragmento póstumo XIII 14 [ da primavera de 1888).
E, a respeito da “seleção natural”:
“A seleção natural, na visão de Nietzsche sobre o darwinismo, é, ao lado da luta pela existência, uma noção central, pois é um dos alvos preferidos de suas críticas. (p. 96).
[...]
“Nietzsche não aceita, nesta argumentação, o gradualismo darwiniano; não aceita que, devido à luta pela sobrevivência ser acirrada, uma pequena variação provoque um desequilíbrio considerável em favor de seu portador. O aparecimento de um órgão não é explicado por sua utilidade. Mas os aspectos mais importantes dessa crítica são outros: a finalidade e a conservação.Darwin, para o filósofo alemão, introduz uma teleologia ao indicar a utilidade futura de uma forma na luta pela existência. Por isso, aponta o erro na conclusão darwiniana: se as novas características existissem para alcançar um objetivo, como acredita que Darwin pensa, seriam mantidas aquelas que sempre fossem úteis. Esse aspecto finalista está ligado à conservação, pois a luta pela existência é luta por conservação. Assim, temos mais uma vez a crítica nietzschiana ao darwinismo como conservação:
“O que é, afinal, ‘útil’? Deve-se perguntar ‘útil ao que? Por exemplo, o que é útil à conservação do indivíduo poderia ser desfavorável a sua força e esplendor; o que assegura a manutenção do indivíduo poderia, ao mesmo tempo, imobilizá-lo e congelá-lo em seu desenvolvimento. Além disso, um defeito, uma degenerescência pode ser de uma utilidade extrema, porquanto ela funcione como estímulo de outros órgãos” (Fragmento póstumo XII 7 [ do final de 1886/primavera de 1887).
Outra questão interessante abordada no referido livro diz respeito às idéias de Nietzsche e Darwin referentes a questões raciais e suas influências no regime nazista. Embora a noção do “super-homem” ou do “homem superior” de Nietzsche nos remeta de algum modo aos ideais de “superioridade” do “arianismo” de Hitler, são dos conceitos darwinianos de “luta pela sobrevivência” que o ditador alemão mais bebeu. Na verdade, Nietzsche não foi, como muitos supõem, um anti-semita. Isso está destacado inclusive na referida obra que serviu de título a este tópico. Sobre esta questão Frezzatti faz menção do seguinte texto de Nietzsche:
“É certo que os judeus [ serem a raça mais forte e mais rija que vive na Europa], se quisessem — ou, se fossem obrigados a tal, como os anti-semitas parecem querer —, poderiam desde já ter a preponderância, mais ainda, falando de modo completamente literal, o domínio da Europa; é também certo que não trabalham nem fazem projetos nesse sentido. Ao contrário, o que pretendem e querem, no momento, até com certa insistência, é ser absorvidos e integrados à Europa, pela Europa; desejam se fixar seja onde for e ser admitidos, respeitados e dar um fim à vida nômade, ao “judeu errante”(JGB/BM § 251).
E, finalizando Frezzatti:
“O erro da escola de Darwin, segundo Nietzsche, é considerar a vida como conservação, estar cego ao caráter de superação. Erro não só dos darwinistas, masde toda ciência e filosofia da época; daí as críticas ao darwinismo estarem contidas nas críticas nietzschianas à modernidade. Esse problema, contudo, no contexto da filosofia da maturidade nietzschiana, é mais do que um erro: é reflexo da própria condição fisiológica da quele que possui essa visão de mundo. Se a saúde é a luta por superação, por mais potência, a doença reflete luta por conservação, pelo mesmo. A superação, as difíceis condições, devem ser mesmo propositadamente procuradas.”
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