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Nietzsche e sua navalha verbal contra Darwin
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02082010
Nietzsche e sua navalha verbal contra Darwin
Nietzsche e Darwin: a "luta"
Em seu livro “Nietzsche das forças cósmicas aos valores humanos”, Scarlett Marton aborda largamente a questão envolvendo os conceitos de “luta” do filósofo Friedrich Nietzsche e do naturalista Charles Darwin. Ao que é sabido, Nietzsche fora um crítico ferrenho dos ideais de “luta pela existência”, como conceberam os baluartes da corrente evolucionista. Em seu “A Vontade de Potência”, por exemplo, essa crítica se aparece de forma até contundente.
Mas, vejamos um pouco o que Marton tem a dizer sobre a polêmica:
TRECHO 1:
“Estendendo a teoria de Malthus ao reino animal, Darwin sustentou que os meios de subsistência aumentavam em proporção menor que os animais, o que levava a desencadear-se entre estes o combate. Entendeu assim a luta pela existência como luta pela subsistência, vinculando-a à necessidade de autoconservação. Num aforismo intitulado Anti-Darwin, Nietzsche escreve: “no tocante ao célebre ‘combate pela vida, ele me parece às vezes mais afirmado que provado. Ocorre, mas como exceção; o aspecto global da vida não é a situação de indigência, a situação de fome, mas antes a riqueza, a exuberância, e até mesmo o absurdo esbanjamento — onde se combate, combate-se por potência... “ (p. 42).
TRECHO 2:
“ Este não é o único ponto que distingue a idéia darwiniana e a concepção nietzschiana de luta. O filósofo entende que a vontade de potência, exercendc-se em cada ser vivo microscópico que constitui o organismo, leva a deflagrar-se o combate entre todos eles. Atuando num elemento, encontra empecilhos nos que o
cercam, mas tenta submeter os que a ela se opõem e colocá-los a seu serviço. Necessita de obstáculos que a estimulem, precisa de resistências para que se manifeste, requer oponentes para exercer-se. Cada elemento quer prevalecer na relação com os demais e desafia todos eles; a precedência, todavia, não se confunde com supremacia, nem o combate com extermínio. Para que ocorra a luta, é preciso que existam antagonistas; e, como ela é inevitável e sem trégua ou termo, não pode implicar a destruição dos beligerantes. Surge aqui mais um elemento da concepção nietzschiana de vontade de potência: seu caráter agonístico. Graças a ele, a luta, que se desencadeia entre os múltiplos elementos em que atua a vontade de potência, diferencia-se radicalmente da struggle for life” (p. 43).
TRECHO 3:
“No conceito de vontade de potência, as duas noções serão sub-sumidas. Se nele reaparece a idéia darwiniana de concorrência vital, ela vai na direção oposta à do próprio Darwin: não se justifica pela necessidade de autoconservação mas aponta para a superabundância da vida. Aliás, é à Abundanztheorie de Rolph que o filósofo recorre para criticar o darwinismo. Tanto é que contrapõe ao combate pela vida, ditado pela autoconservação, e à situação de penúria, criada pela inferioridade da multiplicação dos meios de subsistência em relação à dos animais. Ha riqueza, a exuberância e até mesmo o absurdo esbanjamento”(Cl, Incursões de um extemporâneo, § 14). E conclui que “a luta pela existência é apenas uma exceção, uma provisória restrição da vontade de viver: a grande e pequena luta voltam-se, em toda parte, para a preponderância, o crescimento e a expansão, a potência, conforme a vontade de potência, que é justamente vontade de vida” (p. 43, 44).
TRECHO 4:
“Se o distanciamento em relação à doutrina de Darwin já se faz sentir no segundo período da obra, certamente acentua-se no terceiro. Nietzsche abandona tanto a idéia de que a lei de seleção natural poderia aplicar-se aos problemas das ciências do espírito quanto a de que as naturezas degenerantes contribuiriam para o progresso espiritual da comunidade. Retomando de forma mais elaborada e veemente a crítica ao darwinismo, passa a operar em outro registro. Se, no conceito de vontade de potência, mantém a idéia darwiniana de concorrência vital, em vez de justificá-la pela necessidade de autoconservação, aponta para a superabundância da vida. Se conserva também a idéia de luta, entende que se desencadeia entre os múltiplos elementos em que atua a vontade de potência e não apenas entre os seres vivos e, o mais importante, em vez de implicar o aniquila-mento dos adversários, reveste-se de caráter agonístico. “Vejo todos os filósofos”, declara, “vejo a ciência de joelhos diante da realidade de uma luta pela existência às avessas, tal como ensina a escola de Darwin, ou seja, vejo por toda parte imporem-se os que sobrevivem, os que comprometem a vida, o valor da vida. — O erro da escola de Darwin tomou-se para mim um problema: como se pode estar cego a ponto de não ver isso” (p. 44, 45).
TRECHO 5:
“Ao criticar a idéia de adaptação, no terceiro período da obra, o filósofo poderia estar visando indiferentemente Darwin, Spencer e até Lamarck, embora em momento algum o ataque. Aliás, na vontade de potência enquanto vontade orgânica, a noção de “potência modiadora, que do interior cria formas”, presente em alguns textos, traz ressonâncias da idéia lamarckiana de energia interna dos seres vivos tentando vencer o meio depois de explorá-lo. Mas seria possível congregar Lamarck, Darwin e Spencer em torno da idéia de adaptação — seja porque as variações biológicas resultantes do exercício de uma necessidade interna ocorreriam sempre no sentido de uma adaptação melhor (Lamarck), seja porque a formação contínua de novas espécies se caracterizaria por novos meios de adaptação (Darwin), seja porque a adaptação às condições do meio representaria o bem almejado pelo ser humano (Spencer). “Põe-se em primeiro plano a ‘adaptação’, isto é, uma atividade de segunda ordem, uma mera reatividade”, afirma Nietzsche, “e chegou-se a definir a vida mesma como uma cada vez mais adequada adaptação interna a circunstâncias externas (Herbert Spencer). Com isso, porém, à essência da vida é equivocada: sua vontade de potência’, com isso é ignorada a supremacia que têm, por princípio, as forças espontâneas, agressivas, invasoras, criadoras de novas interpretações, de novas direções e de formas, a cujo efeito, somente, se segue a ‘adaptação’; com isso é negado no organismo mesmo o papel dominador dos supremos funcionários, nos quais a vontade de vida aparece como ativa e conformadora” (p. 45, 46).
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É isso!
Fonte:
SCARLETT MARTON: “Nietzsche das forças cósmicas aos valores humanos”. Editora Brasiliense. São Paulo, 1990.
Nietzsche e sua navalha verbal contra Darwin
"Certas verdades são percebidas pelos medíocres primeiramente, porque são mais conformes à sua inteligência e não têm atrativo ou sedução senão para os espíritos medíocres. Se é levado a constatar este fato, por si mesmo pouco confortador, precisamente depois que as mentes de alguns ingleses respeitabilíssimos, mas de inteligência medíocre — designarei Darwin, John Stuart Mill e Herbert Spencer — na média do gosto europeu parecem exercer uma influência preponderante.
De fato, quem poderia duvidar da utilidade do aparecimento, a intervalos, de tais espíritos? Seria um erro sustentar que precisamente os espíritos superiores, que tentam sendeiros inacessíveis aos outros, possuam suficiente habilidade para constatar muitos fatos pequenos e vulgares, para tirar deles certas conclusões — pelo contrário. esses são exceções e se encontram numa posição pouco feliz frente à "regra". E além disso, devem fazer outras coisas distintas do apenas conhecer, devem ser, significar, representar novos valores! O abismo que separa o saber do poder é talvez mais profundo e também mais sinistro do que se possa crer aquilo que se ouve do poder, num estilo grandioso, quem tem o espírito que cria, poderá, talvez deva ser um ignorante — posto que as descobertas científicas à Darwin exigem uma certa restrição de vistas, uma certa aridez do espírito, certo pedantismo, muito conforme à índole inglesa."
- Friedrich Wilhelm Nietzsche, em "Além do bem e do mal ou Prelúdio de uma filosofia do futuro".
Darwin na mira de Nietzsche
Em seu “Crepúsculo dos Ídolos”, escreve Nietzsche:
“Anti-Darwin. No que concerne à célebre luta pela vida, ela me parece a princípio mais afirmada do que provada. Ela acontece, mas enquanto exceção; o aspecto conjunto da vida não é a indigência e a penúria famélicas, mas muito mais a riqueza, a exuberância, mesmo o desperdício absurdo - onde há luta, luta-se por potência... Não se deve confundir Malthus com a natureza. No entanto, suposto que haja esta luta e, de fato, ela se dá -, ela transcorre infelizmente de modo inverso ao que a escola de Darwin deseja; de modo inverso ao que talvez se pudesse desejar: isto é, em detrimento dos fortes, dos privilegiados, das felizes exceções. As espécies não crescem em meio à perfeição: os fracos sempre se tornam novamente senhores sobre os fortes. Isto acontece porque eles estão em grande número e porque eles também são mais inteligentes... Darwin esqueceu o espírito (- isto é inglês!), os fracos possuem mais espírito... É preciso ter necessidade de espírito para obter um espírito - nós o perdemos quando não temos mais necessidade dele. Quem possui a força se desprende do espírito (- "Deixemo-lo ir!" pensase hoje na Alemanha - "O império há, contudo, de permanecer conosco" ... ). Eu entendo por Espírito, como se vê, a cautela, a paciência, a astúcia, a dissimulação, o grande autocontrole e tudo que é mimicry (a este último pertence uma grande parte da assim chamada virtude).”
Destaco brevemente, aqui, dois pontos apenas:
1. “No que concerne à célebre luta pela vida, ela me parece a princípio mais afirmada do que provada.”
2. “Ela acontece, mas enquanto exceção...”
Nos enxertos acima, parece claro que Nietzsche não está propriamente negando que haja uma “luta pela vida”, mas que ela existe apenas como uma exceção, e mesmo nos casos extremos de vida e morte, ainda assim seria uma “luta por potência”, e não como defendiam os evolucionistas, ou seja, uma luta para triunfo e progresso dos “mais fortes”.
Desta forma, fica evidente que, ao contestar o espírito de luta darwinista, Nietzsche contesta com isso a força propulsora que mantém esta luta afirmada, ou seja, a Seleção Natural, pelo menos nos moldes como fora inicialmente concebida por seus teóricos. E, não obstante tenha sido Herbert Spencer quem cunhou o lema “sobrevivência do mais apto”, ao transferir a “luta” de Malthus para a esfera da Natureza, Darwin deu a esta “luta” um significado próprio, que a sintetizou nesta mesma expressão “Seleção Natural”.
É isso!
Eduardo- Mensagens : 5997
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